O Instituto de Seguros de Portugal (ISP) desconhecia que a seguradora Tranquilidade tinha sido dado como penhor para a provisão feita pelo Espírito Santo Financial Group (ESFG) para o reembolso dos clientes de retalho do BES, revelou hoje na comissão parlamentar de inquérito ao BES, o presidente do ISP.

José Almaça explicou que só foi informado da existência deste penhor numa reunião realizada a 27 de junho entre as equipas dos reguladores financeiros, apesar de saber que tinha sido criada uma provisão de 700 milhões de euros para assegurar o reembolso do papel comercial emitido pelas empresas do Grupo Espírito Santo (GES).

O presidente do ISP admite que deveria ter sido informado de que a seguradora foi dada como garantia pela Espírito Santo Financial Group, maior acionista da Tranquilidade e do BES, para o reembolso dos clientes de retalho do banco. Esta operação era do conhecimento do Banco de Portugal, confirmou ontem Carlos Costa, que impôs a constituição da provisão de 700 milhões de euros na ESFG. O governador esclareceu que o valor conferido à Tranquilidade foi validado pela PricewaterhouseCoopers (PwC), com base uma avaliação realizada pelo BESI

José Almaça reconhece que mostrou o desagrado por este desconhecimento e que o Banco de Portugal deveria ter informado o ISP da operação. A comunicação não é obrigatória, porque o regulador só tem se pronunciar sobre o penhor quando este é acionado e implica transferência de propriedade.

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O regulador dos seguros poderia ter alertado que o valor atribuído à seguradora era excessivo. O presidente do ISP comparou o ativo e a quota da Tranquilidade e da Fidelidade, empresa líder do mercado recentemente vendida, para demonstrar que a seguradora do Grupo Espírito Santo nunca poderia valer 700 milhões de euros, mesmo sem considerar o efeito do investimento de 150 milhões de euros em dívida do GES.

A Fidelidade tem um ativo de 12 mil milhões e uma quota de 26,5% do mercado e foi alienada por 1100 milhões de euros. A Tranquilidade tem 3,8% do mercado e um ativo de dois mil milhões de euros e acabou por ser vendida por 215 milhões de euros. Uma parte substancial deste montante, 150 milhões de euros, teve de ser usada para recapitalizar a seguradora por causa do buraco deixado pelos investimentos no GES. Em circunstâncias normais, José Almaça admite que a empresa poderia valer entre 200 a 250 milhões de euros.

José Almaça reconhece que houve uma “falha” na troca de informação com o Banco de Portugal, mas desde então acrescenta que este intercâmbio tem sido exemplar.

Exposição ao acionista GES disparou após abril

Na sua intervenção inicial, José Almaça revelou que o acompanhamento feito pelo ISP do balanço e situação financeira da Tranquilidade não revelou dados preocupantes até ao final do primeiro trimestre. Mas a partir de abril, os recursos da seguradora serviram para financiar o acionista, a ESFG e outras empresas do grupo. Foram financiamentos de curto prazo que ascenderam a 150 milhões de euros. O ISP só foi informado da compra do papel comercial numa reunião a 6 de Junho, quando os gestores da seguradora comunicaram também que as empresas emitentes dos títulos estavam em default (incumprimento).

Foi na sequência da deteção destas operações que o ISP deliberou que as transações realizadas pela Tranquilidade tivessem de ser previamente aprovadas pelo regulador. José Almaça diz mesmo que deu ordens para anular uma ordem de compra de papel comercial, forçando a demissão do administrador que a autorizou. A responsabilidade dos gestores da seguradora ainda está a ser avaliada pelo ISP.

ISP ameaçou retirar licença

O ISP chegou a ameaçar suspender a licença de atividade de Tranquilidade junto dos acionistas para pressionar a venda e capitalização da seguradora do Grupo Espírito Santo (GES).

Na sua intervenção inicial na comissão parlamentar de inquérito aos atos de gestão do Banco Espírito Santo (BES), José Almaça revela que esta pressão do regulador foi exercida duas vezes. Primeiro, em julho, e perante os acionistas Espírito Santo Financial Group (ESFG) e Partran, e depois junto do Novo Banco que ficou com a Tranquilidade depois de exercido o penhor constituído em favor do BES.

Em causa estava o incumprimento por parte da seguradora do plano de recapitalização exigido pelo regulador para superar a insuficiência das provisões técnicas, na sequência da exposição às empresas do Grupo Espírito Santo. José Almaça sublinhou que esta iniciativa do ISP surgiu na sequência do “alheamento” dos acionistas, a ESFG e a Partran, em relação à concretização do plano acordado com o regulador.

Foi o Novo Banco já em setembro, que perante nova ameaça de perda de licença da Tranquilidade, e dissolução da sociedade, acabou por fechar a venda da seguradora ao fundo Apollo, o único que apresentou proposta. Segundo José Almaça, a seguradora precisava de um acionista capaz para repor os rácios e cumprir o plano negociado com o ISP.

O regulador confirma ainda a existência de uma carta de intenções da Zurich na seguradora Tranquilidade, mas sem indicação de valor. José Almaça realça que apenas a Apollo fez uma proposta firma até 18 de julho, prazo decidido pelos vendedores.