Em 2015, Mário Rui Vieira escrevia na Blitz que “um concerto dos Beach House em 2015 não é muito diferente de um concerto dos Beach House em 2010”. Passados dois anos desde a atuação do grupo em Lisboa, a coisa continua mais ou menos na mesma: pouca luz, nevoeiro e uma Victoria Legrand escondida atrás do teclado e do cabelo. A música também vai pelo mesmo caminho — melancólico –, copiando uma receita criada há 13 anos que continua a dar frutos e a encantar os fãs que encontram na banda de Baltimore algo de mágico. É que com os Beach House é pegar ou largar. Não há meios termos — ou se gosta ou não se gosta.

Dito isto, vamos ao concerto, o único a começar fora de horas desde que o festival começou na quarta-feira. O início estava marcado para as 00h45, mas a essa hora nem sinal de Victoria Legrand, Alex Scally e do baterista que os acompanhava. O tempo foi passando, passando, e os assobios começaram a multiplicar-se entre o público, que ia perdendo a esperança e as estribeiras. “Cancela, cancela!”, gritava alguém talvez já sem vontade de ver a famosa banda de dream pop. Um rapaz tentava convencer os amigos a mudarem de ares: “Vamos embora, eles já não vêm”.

Enquanto isso, no palco havia um corrupio de gente — que, ao todo, durou 35 minutos. Foi só ao fim desse tempo que os Beach House finalmente apareceram no meio do nevoeiro. “Desculpem pelas dificuldades técnicas”, disse Scally depois da primeira música. “Também gostamos muito de vocês!”, atirou por sua vez Legrand. Foi o suficiente — as pazes estavam feitas com Paredes de Coura. Para garantir que assim continuava, o duo fez questão de repetir os mesmos elogios ao longo da noite. “Estamos tão, tão agradecidos!”, disse Scally mais à frente. “Vocês são fantásticos!”

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Apesar da mancha de gente que enchia o recinto, quem olhasse com atenção percebia que, por altura de temas como “Silver Soul” ou “Space Song”, o número de espectadores tinha diminuído consideravelmente. Quer tenha sido pelo longo atraso — que, de um modo geral, acabou por prejudicar o espetáculo — ou pela dificuldade em cativar quem não pertencia ao núcleo duro de fãs da banda, a verdade é que os Beach House não foram capazes de reter a multidão até ao fim. O que é que falhou? É sempre discutível, mas talvez esteja na altura de Victoria Legrand e Alex Scally darem a cara e mudarem de estratégia.

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Valham-nos os Young Fathers

Depois de um tremor de terra chamado At The Drive In no dia anterior, é difícil não ficar com a sensação de que este terceiro dia de festival foi um pouco… morno. Apesar de recheado de boas prestações, a verdade é que nenhuma delas chegou para criar aquele momento “wow!” porque sempre se espera. À exceção, talvez, de Young Fathers, cuja energia inesgotável deixou o Vodafone Paredes de Coura de rastos. Mas já lá vamos.

Como não há nada melhor do que terminar a tarde em Paredes de Coura na relva com boa música como pano de fundo, a escolha do português Bruno Pernadas para abrir o palco principal esta sexta-feira não podia ter sido mais acertada. Os festivaleiros souberam aproveitar o sol e procuraram arranjar um lugar confortável ao longo do anfiteatro natural da Praia Fluvial do Taboão — que, ao final da tarde, já estava bem composto de gente — para assistirem ao espetáculo do músico e compositor, que lançou recentemente dois longa-duração, Those Who Throw Objects at the Crocodiles Will Be Asked to Retrieve e The Worst Summer Ever, que mostraram definitivamente o talento e versatilidade deste músico precoce, que desde os 13 anos jurou fidelidade ao jazz. Dúvidas houvesse.

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E porque era preciso animar as coisas, a Bruno Pernadas seguiu-se o trio Young Fathers, que nos últimos anos tem vindo a construir uma boa reputação enquanto banda ao vivo. E com toda a razão. Alloysious Massaquoi, Kayus Bankole e G Hasting, o trio que dá voz aos Young Fathers, não pararam durante um segundo. Bankole esteve particularmente imparável e até precisou de uma máscara de oxigénio para manter o ritmo durante todo a cerca de hora e meia que durou o concerto.

Os Young Fathers são um daqueles casos difíceis de definir. Fundados em 2008 — quando Massaquoi, Bankole e Hasting tinham apenas 14 anos — na cidade de Edimburgo, sempre procuraram misturar de uma forma muito própria géneros tão distintos como o R&B, pop e até o indie, com ligeiras passagens pela música eletrónica. O primeiro álbum, o tão aclamado Dead, venceu o Mercury Prize em 2014, o mesmo prémio que Benjamin Clementine, um dos nomes fortes do último dia de festival, recebeu no ano seguinte. Nada mau para um grupo de rapazes que ninguém conhecia.

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Já lá vai algum tempo desde que lançaram um novo disco de originais (o segundo disco, White Men Are Black Men Too, saiu em abril de 2015), mas este ano decidiram quebrar o silêncio e participar na banda sonora do filme T2: Trainspotting com “Only God Knows”, que contou com a participação de um coro de gospel, o Leith Congregational Choir. A música fez parte do alinhamento desta sexta-feira, que incluiu temas como “Get Up” ou “Sister”, que levaram o público ao rubro. Ou melhor, parte dele, já que metade do recinto permanecia ocupado com dezenas de festivaleiros sentados na relva. Uma pena, já que o grupo deu um dos concertos do dia.

Depois dos Young Fathers, seguiram-se no palco principal os BadBadNotGood (BBNG). O nome é estranho e não diz grande coisa sobre a música que este quarteto de Toronto faz, conhecido por ter colaborado com músicos como Kendrick Lamar e Tyler The Creator. A história do grupo remonta a 2010, quando Matthew A. Tavares, Chester Hansen e Alexander Sowinski, os membros originais, se reuniram-se num programa de jazz (só mais tarde é que se reuniu a eles o saxofonista Leland Whitty). No ano seguinte lançaram BBNG, mantendo depois disso uma edição regular de novos e originais álbuns. O último disco, IV, é do ano passado e contou com a participação do inconfundível Samuel T. Herring, dos Future Islands, banda que passou pelo Vodafone Paredes de Coura no primeiro dia do evento.

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Quem os viu esta sexta-feira ficou com a impressão de que a missão dos quatro jovens músicos é mostrar que os concertos com aquela genética vinda do jazz não são aborrecidos neste ambiente, muito pelo contrário, e que merecem um lugar nos festivais mainstream. Apesar de no início se ter ouvido entre o público comentários como “isto parece uma jam session”, os BBNG mostraram ser capazes de manter os espectadores animados até ao último segundo de um espetáculo onde não faltou bom jazz. Nesse aspeto, valeu-lhes sobretudo a boa disposição do baterista Alexander Sowinski, que não parou de tecer elogios atrás de elogios a um festival “fantástico” e que parecia quase mais entusiasmado do que a multidão que tinha em frente.

Um dos momentos mais bonitos do concerto aconteceu a cerca de meia hora do fim, quando Sowinski e Whitty saíram de cena, deixando apenas o baixista Chester Hansen e o teclista Matthew Tavares em palco. Sem o som da bateria, o piano ganhou protagonismo, embalando a noite com a sua melodia doce. Sowinski, que reapareceu subitamente em palco, pediu a todos que acendessem uma luz. O público respondeu em força e o recinto encheu-se de pequenas luzes brilhantes. O baterista gostou tanto do que viu que, mais à frente na mesma música, voltou a pedir o mesmo, enquanto soltava, como um suspiro, um “oh, so beautiful…”.

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Foram cinco anos de silêncio até que os Japandroids lá se decidiram a lançar um novo álbum. Near To The Wild Heart Of Life saiu no final de janeiro deste ano e, depois de a banda quase ter caído no esquecimento, voltou a catapultá-la para as luzes da ribalta. O porquê disso ter acontecido é que se torna difícil de perceber. A banda de rock canadiana — composta pelo vocalista e guitarrista Brian King e o baterista David Prowse — é igual a tantas outras, sem nada que acrescente ao género.

Nesse sentido, o concerto desta sexta-feira foi igual a tantos outros, com uma setlist feita de temas novos, como “North East South West”, e velhos, como “Wet Hair” (tirado do primeiro longa-duração, Post-Nothing). Ou seja: não muito diferente do que tinha acontecido há poucos meses no NOS Primavera Sound, no Porto. A única diferença foi o facto de terem passado de um palco secundário para um principal, onde foram apresentados como uma das estrelas da noite (uma decisão que também não se entende). Apesar da boa prestação (não há como dizer o contrário) do grupo, a verdade é que não houve nada de memorável no concerto do Japandroids esta sexta-feira, em Paredes de Coura.

Depois de Beach House, que fechou o palco principal — e à semelhança do que tinha acontecido na quinta-feira –, a festa continuou no Palco Vodafone.FM com o alemão Roosevelt, já depois da hora prevista, e com o duo Red Axes, sediado em Tel Aviv. O festival continua (e termina) amanhã, sábado, com nomes como Benjamin Clementine, Ty Segall e Foals, os grandes cabeça de cartaz. Os bilhetes para o último dia do Vodafone Paredes de Coura já estão esgotados e espera-se uma enchente no recinto natural da Praia do Taboão.