Voos para a Califórnia, estadia e ainda um concerto dos Aerosmith, que estava incluído nas atividades de lazer do evento. Após o caso Galp e o caso Huawei, agora é a vez da empresa de tecnologia e informática Oracle protagonizar um “Oraclegate”. Cinco altos funcionários do Estado — de estruturas que dependiam dos ministérios da Segurança Social, das Finanças, do Ministério da Administração Interna e do Ministério da Saúde — viajaram para São Francisco, nos Estados Unidos, com estadia na cidade entre 28 de setembro e 2 de outubro de 2014. As entradas no evento mundial do gigante tecnológico norte-americano foram pagas por parceiros e pela própria empresa. Destes cinco funcionários, três ainda estão em funções no Estado.

O Oracle Open World 2014 — de acordo com documentação à qual o Observador teve acesso — teve pelo menos 53 portugueses a participar, cinco deles funcionários do Estado e outros de empresas estatais ou participadas, que tiveram acesso ao pass premium (pago pela Oracle). Tudo oferecido. O que a empresa norte-americana não pagou, terão pago os parceiros (que podem ou não ter recorrido aos chamados fundos de marketing, que podem, em parte, ser custeados pela empresa anfitriã destas viagens, segundo apurou o Observador). As circunstâncias do pagamento não são claras e diferem de caso para caso, havendo uma certeza: foi a Oracle Corporation que pagou os passes para o evento, que incluía várias conferências e atividades lúdicas como o concerto dos Aerosmith (em 2012, chegaram a ser duas as bandas: Pearl Jam e Kings of Leon).

Desses 53 nomes, 42 são gestores ou funcionários de empresas privadas, mas também esses cinco altos quadros do Estado, três diretores ou funcionários de empresas do Setor Empresarial do Estado (TAP e CGD), dois de empresas participadas pelo Estado (OGMA e Galp), aos quais ainda se junta um professor da Universidade Nova de Lisboa. Ao todo, só nesta viagem (o mesmo terá acontecido em anos anteriores e posteriores), foram aos Estados Unidos, à sede da Oracle, dez pessoas da esfera do Estado, sendo que cinco foram em circunstâncias idênticas à investigação a altos quadros do Estado que foram recebidos na sede da Huawei na China e tiveram os voos pagos pela NOS.

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Os cinco altos quadros que foram a São Francisco

Aos Estados Unidos foram, assim, Carlos Santos, da Autoridade Tributária — que também tinha ido à China à sede da Huawei e que está a ser investigado pela própria AT e pelo Ministério Público — Diogo Reis, dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (da equipa da Plataforma de Dados da Saúde), e Francisco Baptista, chefe de Equipa Multidisciplinar de Sistemas e Produção (EMSP) da Secretaria-Geral Ministério da Administração Interna. Nestes três casos, o parceiro — que terá partilhado as despesas da deslocação com a Oracle — foi uma empresa de sistemas de informação com sede em Alvalade, Timestamp.

Carlos Santos já está a ser investigado pela AT por ter ido à China. Contactado pelo Observador sobre se a investigação se estendia a esta ida aos EUA, o Ministério das Finanças não respondeu até à publicação deste artigo. Quanto ao caso de Francisco Baptista, o Ministério da Administração Interna remeteu para o anterior executivo: “A situação em causa, a ter ocorrido, refere-se ao período do anterior executivo. Qualquer esclarecimento sobre a matéria em causa deverá ser colocado à Procuradoria Geral da República.”

Já Diogo Reis também fica numa situação delicada já que os cinco dirigentes dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS) que foram à China — com as viagens pagas pela NOS, para visitar a sede da Huawei e que o Expresso noticiou este fim de semana — colocaram esta segunda-feira os seus lugares à disposição. O mesmo foi confirmado pelo Ministério da Saúde em comunicado enviado às redações. Além disso foi anunciado pela tutela que o relatório que a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde irá apresentar ao ministro Adalberto Campos Fernandes daqui a 15 dias será determinante para a decisão final.

Os trabalhadores que puseram o lugar à disposição são um vogal do conselho de administração (Artur Trindade Mimoso), um diretor de sistemas de informação (Nuno Lucas), a diretora de comunicação (Ana Maurício), o diretor de sistemas de informação (Rui Gomes) e a diretora de compras dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (Rute Belchior). Ora, Diogo Reis também encaixa no perfil dos que estão a ser questionados, já que liderava uma equipa nos SPMS. Fonte oficial do Ministério da Saúde limita-se, no entanto, a dizer que ao Observador que “não faz mais nenhum comentário sobre o assunto”, mesmo tendo em conta este novo caso.

Huaweigate. Dirigentes do Ministério da Saúde colocam lugar à disposição

Há ainda mais dois diretores do Instituto de Informática da Segurança Social (IISS) que também foram ao evento da Oracle nos Estados Unidos: Carlos Oliveira e João Mota Lopes. O parceiro que fez o convite, neste caso, foi uma empresa portuguesa também da área das Tecnologias de Informação, a Normática. Ao Observador, João Mota Lopes — que trabalhava para Oracle antes de ir para o IISS e voltou à Oracle após sair do IISS — confirmou que realizou a viagem, mas não quis fazer qualquer declaração, alegando que ainda trabalha na empresa.

João Mota Lopes também já tinha ido à China pela Huawei — numa viagem já noticiada pelo Observador — de 20 a 24 de janeiro de 2014. João Mota Lopes tinha o pelouro das tecnologias e sistemas de informação no IISS e, sobre a ida à China, disse ao Observador a 4 de agosto: “Não fui ver a bola. Fui trabalhar. Durante dois dias assisti a conferências, foram powerpoints atrás de powerpoints.”

Nos EUA também não houve jogo de futebol, mas houve concerto dos Aerosmith. Uma das pessoas que foi na viagem — que não se quis identificar — justificou assim este evento lúdico:

O concerto dos Aerosmith foi um evento tipo arraial de Alfama só que para cem mil pessoas e com o Quim Barreiros de lá do sítio. A Microsoft também leva sempre uma banda aos eventos.”

CGD e TAP também voaram até São Francisco

Na mesma viagem a São Francisco foram ainda convidados quadros da TAP e da CGD, ambas empresas do Setor Empresarial do Estado e ambas na altura geridas a 100% pelo Estado Português. No caso da Caixa Geral de Depósitos, os participantes foram Pedro Fonseca (então diretor de operações dos serviços de Tecnologias de Informação) e Nuno Guerreiro. Ambos foram a convite da parceira da Oracle e consultora em Serviços de Informação, a IDW. O Observador não obteve resposta da CGD até ao fecho deste artigo.

No caso da TAP, quem viajou para São Francisco foi Nuno Cardoso, diretor de serviços de Tecnologias de Informação. Sobre o assunto, a empresa esclarece ao Observador que “a TAP participa em vários encontros relacionados com o negócio do Transporte Aéreo, em várias partes do mundo, por iniciativa própria e/ou a convite de várias entidades públicas e/ ou privadas”. Neste caso, a TAP, apurou o Observador, foi na quota do parceiro ITEN Solutions, uma empresa da área com sede em Carnaxide. A empresa esclareceu ainda que “os funcionários da TAP e/ou das suas empresas participadas não são funcionários públicos (nem o eram à data), pelo que se lhes aplica o Direito Privado.”

Em termos de empresas participadas pelo Estado, foi ainda na viagem um quadro da Galp (Roberto Silva, pela GSTEP) e o diretor de Tecnologias de Informação da OGMA, José Miguel, que foi na quota do parceiro Timestamp. A OGMA – Indústria Aeronáutica de Portugal, S.A. é uma empresa dedicada à manutenção e fabrico de aeronaves, tendo o Estado, através da Empordef, uma participação de 35% na empresa. Um valor muito superior à percentagem residual com que ficou na Galp (atualmente 7%) após sucessivos processos de privatização.

Entre os convidados do setor privado que foram a São Francisco, há um nome que salta à vista: Henrique Muacho. Já tinha sido o presidente do Conselho de Administração da Informantem a estar por detrás do convite a vários políticos para a viagem à sede da Huawei.

Este ano não vai ninguém

A Oracle convida, anualmente, vários funcionários do Estado português para viajar até São Francisco. A ideia é mostrar soluções de sistemas de informação que podem ser mais tarde adotados pelo Governo. Na sequência do caso das viagens da Huawei e da Galp, no evento de 2017 — que decorre de 1 a 5 de outubro em São Francisco — não foram convidados quadros do Estado.

O evento de 2016 — do qual o Observador não conseguiu obter a lista de convidados portugueses — pode ter especial relevância, uma vez que ocorreu em outubro e o código de conduta do Governo foi aprovado em setembro. Como o código se estende a dirigentes da função pública, qualquer um que tenha aceitado o convite pode perder o cargo (pela bitola definida pelo próprio Governo). Foi o que aconteceu a Nuno Barreto, adjunto do secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, que viajou para a China com a Huawei e teve de se demitir.

O caso das viagens de políticos e altos cargos do Estado começou com uma investigação do Observador a viagens feitas à China à sede da Huawei.

‘Huaweigate’ faz primeira baixa no Governo. Adjunto do MNE exonerado

Entretanto, na sequência das notícias do Observador, o Ministério Público também já abriu um inquérito, que decorre no Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa (DIAP).

DIAP abre inquérito às viagens de políticos à China a convite da Huawei

Até agora o Observador apurou que viajaram à China à sede da Huawei o vice-presidente da bancada do PSD, Sérgio Azevedo, o presidente da junta de freguesia da Estrela, Luís Newton, o presidente do PSD/Oeiras, Ângelo Pereira, o vice-presidente do PSD/Oeiras, Nuno Custódio, o presidente da câmara municipal de Oeiras, Paulo Vistas, o vice-presidente do PSD/Lisboa, Rodrigo Gonçalves, e um ex-diretor do Instituto de Informática da Segurança Social, João Mota Lopes.

Alguns dos nomes envolvidos admitiram em on ao Observador (como se pode verificar nos vários artigos sobre o caso publicados no Observador) que foi a Huawei a pagar os voos e a estadia. A empresa vai insistindo que “nunca pagou viagens”, numa alusão aos voos. Isto sem esclarecer se pagou a estadia no local, nem em que moldes o fez.

O Observador contactou a Oracle através da sede em Portugal, por email enviado para a representação portuguesa aos quais se juntaram ainda tentativas de contacto (sem êxito) para o telemóvel do diretor da Oracle para Portugal. No entanto, até à hora de saída deste artigo o Observador não obteve resposta.