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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

A morte de Prigozhin influencia a guerra na Ucrânia? Pouco. A não ser que surja um novo "cisne negro"

Acusada por propagandistas russos da morte de Prigozhin, que Zelensky negou, a Ucrânia limita-se a observar à distância os efeitos do acidente dentro da Rússia — e a esperar que haja um novo motim.

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A pergunta foi feita a altas horas da madrugada, depois de ser confirmada a morte de Yevgeny Prigozhin: “O que significa isto para a Ucrânia?” O conselheiro ucraniano do Ministério dos Negócios Estrangeiros Anton Gerashchenko lançou a questão na rede social X (antigo Twitter) e deu de imediato uma série de respostas. A primeira era taxativa: “Significa que a Rússia vai enfraquecer”, escreveu, antes de acrescentar que Prigozhin era um estratega diferente dos outros no Kremlin, por ser capaz de “abordagens pouco convencionais” e de encontrar “soluções em situações complexas”.

Mas Kiev pode ter mais a ganhar com a morte de Prigozhin do que o simples facto de se ter livrado de um inimigo. Precisamente por isso, o colunista da edição norte-americana da Forbes, Melik Kaylan, escrevia na madrugada de quinta-feira que, para descobrir os responsáveis da morte de Prigozhin, é preciso perguntar “cui bono” (expressão latina do Direito que significa “a quem beneficia?”). E, por isso, intitulava o artigo assim: “Por que é que ninguém está a perguntar se foram os ucranianos?”

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Horas depois, o próprio Presidente ucraniano respondia: “Não fomos nós. Já sabemos quem foi”, disse Zelensky, na conferência de imprensa com Marcelo Rebelo de Sousa, em Kiev. “Quando a Ucrânia falava ao mundo inteiro de aviões, não era isto que estava a pensar”, acrescentou, em tom de piada.

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Vladimir Putin discursou em Kursk no dia da morte de Prigozhin

POOL/AFP via Getty Images

A pergunta, porém, também já foi feita dentro da Rússia, por alguns propagandistas próximos do Kremlin. E com a investigação ainda a decorrer, não é impossível excluir que o governo de Kiev venha a ser responsabilizado pela queda do avião onde seguia Prigozhin, avisam os especialistas ouvidos pelo Observador. O impacto de tal acusação, contudo, deve ser limitado.

As vantagens e desvantagens que podem sobrar para a Ucrânia no que diz respeito a este incidente prendem-se muito mais com os resultados a longo-prazo deste incidente, dizem. Porque, na verdade, é um problema interno da Rússia — e Zelensky e a sua equipa neste momento limitam-se a observar tudo à distância. Mas há sempre a possibilidade de Putin cair por dentro.

Morte de Prigozhin foi “uma prenda” para Zelensky. Mas foi ele o responsável?

Vladimir Solovyov é um célebre apresentador de televisão na Rússia, conhecido por repetir em público a linha do Kremlin. Esta quinta-feira, num programa da manhã no Canal 1, levantou a hipótese de a morte de Prigozhin ter sido provocada pela Ucrânia. “Isto é obra deles”, disse, segundo o The Telegraph, por ter todos os traços típicos “dos crimes políticos dos Banderistas” — uma expressão usada na Rússia para referir o herói nacionalista ucraniano Stepan Bandera, que colaborou com a Alemanha Nazi.

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A morte de Prigozhin foi apontada como "obra dos Banderistas" por um apresentador russo

Anadolu Agency via Getty Images

O russo Oleg Ignatov viu o programa de Solovyov. Ao Observador, este analista do Crisis Group em Moscovo explica que o propagandista não se focou apenas na Ucrânia: “Culpou a Ucrânia, mas também o Ocidente e os liberais. E a discussão não foi especificamente sobre quem matou Prigozhin. Porque eles estão a tentar desviar as atenções, o Estado não parece muito interessado em discutir isto.” E sem uma “narrativa preparada”, diz, na televisão russa ou se vai evitando o tema, ou disparando em todas as direções.

[Já saiu: pode ouvir aqui o terceiro episódio da série em podcast “Um Espião no Kremlin”, a história escondida de como Putin montou uma teia de poder e guerra. Pode ainda ouvir o primeiro episódio aqui e o segundo episódio aqui]

Só uma pessoa próxima do Kremlin fez até agora a acusação diretamente: Sergey Markov, ex-conselheiro de Putin e antigo deputado do Rússia Unida, que logo na noite de quarta-feira usou o seu canal de Telegram para decretar que este foi “um ataque terrorista no Dia da Independência ucraniana”. No dia seguinte, subiu a parada, numa entrevista à rádio da BBC: declarou que a morte de Prigozhin é “uma prenda” para Zelensky e que os ucranianos estão certamente “orgulhosos” do ataque que fizeram.

Se o Kremlin vai agarrar esta linha de pensamento ou não ainda é uma incógnita. Mas entre analistas do ecossistema russo, o palpite é que isso pouco importa. “Podem culpar a Ucrânia? É possível. Mas é pouco relevante se culpam um associado de Prigozhin, a Ucrânia ou quem quer que seja, porque poucos russos vão acreditar”, acrescenta Oleg Ignatov.

“O Kremlin vai negar oficialmente ser responsável pela morte de Prigozhin — e isso até pode ser verdade —, mas a equipa de Putin vai ter esperança que isto assuste outros que possam estar a pensar em fazer um novo motim. E se Prigozhin tiver sido morto pelos ucranianos, já não há nenhum efeito de dissuasão sobre os nacionalistas russos.”
Daniel Treisman, especialista na política russa da Universidade da Califórnia

O norte-americano Daniel Treisman, especialista na Rússia da Universidade da Califórnia, diz que devemos esperar que Kiev venha a ser responsabilizada pelos propagandistas do Kremlin porque “fazem sempre isso com as notícias embaraçosas”. “Mas há aqui uma subtileza”, aponta o professor de Ciência Política ao Observador. “O Kremlin vai negar oficialmente ser responsável pela morte de Prigozhin — e isso até pode ser verdade —, mas a equipa de Putin vai ter esperança que isto assuste outros que possam estar a pensar em fazer um novo motim. E se Prigozhin tiver sido morto pelos ucranianos, já não há nenhum efeito de dissuasão sobre os nacionalistas russos.”

Pôr as culpas em Kiev tem ainda um outro efeito contraproducente, aponta o alemão Andreas Umland, do Centro de Estocolmo para os Estudos da Europa de Leste: “Seria uma vergonha para a Rússia admitir que a Ucrânia tinha conseguido isto”, afirma. “Acho que vamos ouvir muitas versões diferentes sobre quem matou Prigozhin e a da Ucrânia vai ser só mais uma. Exatamente como aconteceu com o avião da Malaysian Airlines, em 2014.”

Impacto no moral das tropas “joga a favor da Ucrânia”.

Como explicar então a afirmação do conselheiro Gerashchenko de que “a Rússia vai enfraquecer” com a morte de Prigozhin? Em Kiev, apostam-se todas as fichas na ideia de que ou a divisão interna começada pelo líder da Wagner terá continuidade ou outras figuras como ele podem vir a desafiar Vladimir Putin.

A primeira hipótese sustenta-se nas ameaças deixadas nos grupos de Telegram próximos da Wagner logo depois do acidente, com vários canais a prometerem “vingar” a morte do chefe. “O assassinato de Prigozhin vai ter consequências desastrosas”, previu mesmo o blogger Roman Saponkov, próximo da Wagner, como destacou o Financial Times. “As pessoas que deram esta ordem não compreendem de todo o ambiente e o moral no Exército.”

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Tropas da Wagner em Rostov-on-Don, zona russa fronteiriça da Ucrânia

AFP via Getty Images

Mas os especialistas têm dúvidas de que a Wagner tenha agora capacidade para levar a cabo uma rebelião semelhante à de junho, até porque as suas tropas estão neste momento espalhadas pela Bielorrússia, Rússia, África e Ucrânia. “Há muitos combatentes da Wagner doutrinados que apoiam verdadeiramente Prigozhin e há claro o risco de quererem vingança. Lembra-se do “Dia do Chacal”, quando tentaram matar De Gaulle?”, pergunta Ignatov, referindo-se a uma das tentativas de assassinato mais conhecidas contra o Presidente francês, em 1962. “Alguns deles são um risco para o governo — mas creio que o Kremlin sabe isto e está atento.”

Já Umland é mais categórico: “A Wagner está sem liderança política e, sem ela, não vejo como o podem conseguir. Por agora, Putin resolveu o problema.” O analista alemão, porém, avisa que Prigozhin era apenas “o sintoma” de um descontentamento mais profundo que ainda grassa no Exército, facto também destacado por Daniel Treisman. “Isto não vai melhorar o moral dos oficiais mais radicais que partilham a frustração de Prigozhin com os comandantes militares”, diz o norte-americano.

“Tudo isto enfraqueceu Putin. A curto-prazo, ele conseguiu restabelecer a cadeia de comando, mas os problemas ainda lá estão. Talvez outros ‘cisnes negros’, como Prigozhin, se levantem no futuro.”
Andreas Umland, investigador do Centro de Estocolmo para os Estudos da Europa de Leste

É precisamente esse descontentamento, ligado sobretudo ao rumo incerto da guerra na Ucrânia, que pode levar a uma convulsão interna na política russa. Poucos dias antes da morte de Prigozhin, a consultora russa Tatyana Stonovaya previa que, à medida que o conflito se arrasta, o desagrado pode dar azo a novas atitudes: “Esta viragem para os problemas internos pode levar a uma atitude mais pragmática face à guerra da Ucrânia, que ao mesmo tempo pode tornar o Estado muito mais implacável com os seus cidadãos”, alvitrou, num artigo publicado na Foreign Affairs.

É precisamente por isso que Andreas Umland considera que, embora a morte de Prigozhin seja um problema interno da Rússia, “joga a favor da Ucrânia”. “Tudo isto enfraqueceu Putin. A curto-prazo, ele conseguiu restabelecer a cadeia de comando, mas os problemas ainda lá estão. Talvez outros ‘cisnes negros’, como Prigozhin, se levantem no futuro.”

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