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Em pouco mais de um mês, Ana Marques colocou como objetivo voltar a pôr a Portugal Film Commission "no mapa", depois de esta ter ficado quase em suspenso no último trimestre de 2022
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Em pouco mais de um mês, Ana Marques colocou como objetivo voltar a pôr a Portugal Film Commission "no mapa", depois de esta ter ficado quase em suspenso no último trimestre de 2022

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Em pouco mais de um mês, Ana Marques colocou como objetivo voltar a pôr a Portugal Film Commission "no mapa", depois de esta ter ficado quase em suspenso no último trimestre de 2022

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

A Portugal Film Commission e o futuro das produções audiovisuais: "O Governo está a avaliar a criação de duas linhas de financiamento"

Ana Marques é diretora da Portugal Film Commission desde maio. Em entrevista, diz que os apoios nunca vão chegar para todos, que o "cash rebate" de 2023 ainda não está fechado e lança metas de futuro.

No início de 2023, a Portugal Film Commission (PFC), estrutura criada em 2019 para promover o cash rebate, incentivo fiscal para produções cinematográficas internacionais e nacionais, passava a integrar o Instituto de Cinema e Audiovisual (ICA). Isto após várias semanas de indefinição dentro de um setor que vivia um período que foi “vítima do seu próprio sucesso”, já que o incentivo, que, só em 2022, permitiu um volume de investimento na casa dos 99 milhões de euros, estava numa fase pouco clara para vários produtores. Peter Welter Soler, envolvido em produções como “Westworld”, “Guerra dos Tronos”ou “House of The Dragon”, assegurava então ao Observador que Portugal estava “a perder produções internacionais” a cada dia que passava do novo ano. Ainda assim, o presidente do ICA, Luís Chaby, em março, contrariava a opinião do produtor alemão, assegurando que os interessados no cash rebate “não iriam sentir grande diferença com a integração da PFC no ICA” e que o tal sucesso alcançado com este incentivo seria para continuar.

A verdade é que, quase um mês depois da primeira fase do cash rebate ter sido lançada, que ditou o apoio de oito milhões de euros a doze candidaturas,  o incentivo fiscal do Fundo de Apoio ao Turismo e ao Cinema esgotou em poucos segundos, tendo uma dotação anual de 14 milhões de euros, mais dois milhões de euros do que no ano transato. Ficaram de fora 38 projectos. Fator que lançou uma nova onda de queixas espelhadas no artigo da realizadora Teresa Vilaverde no jornal Público, que Ana Marques desmente, com eco em vários produtores com quem o Observador tem falado nas últimas semanas, sobre uma primeira fase que ainda nem sequer está definitivamente fechada e que, para alguns, não foi justa por ainda se manter sobre a regra do first come, first served (ou seja, fundos atribuídos por ordem de chegada, algo que o ministro da Cultura tinha dito ao Observador querer acabar em 2023, mas que não aconteceu).

Em pleno mês de outubro, os produtores internacionais e nacionais ainda não sabem publicamente se haverá uma segunda fase do cash rebate, tal como anunciado no início do ano, ainda que vários agentes ligados à produção audiovisual tenham afirmado ao Observador nos últimos dias que o mais provável é que uma boa parte dos projetos admitidos sejam apoiados sem que se exceda a dotação prevista. No entanto, a nova diretora executiva da Portugal Film Commission, Ana Marques, numa longa conversa com o Observador, em funções desde o dia 1 de maio de 2023, assegurou que para o ano é muito provável que o incentivo fiscal passe a ter duas linhas de financiamento: uma de devolução de despesas por parte do Estado (cash rebate) e outra que se chama tax credit que é, no fundo, um incentivo dado às produções que se candidatem a este sistema em sede de IRS. Não pôde, porém, adiantar nem regras nem procedimentos, algo que terá de ser feito pelas tutelas que gerem este fundo: ministério da Cultura e ministério da Economia, mais o das Finanças, que liberta ou prende o dinheiro em questão.

"Este ano não tivemos plataformas de streaming a filmar em Portugal sem ser a Netflix com 'Rabo de Peixe'", diz-nos a diretora da Portugal FIlm Commission

Apesar da longa experiência na área da produção, nomeadamente na parte criativa, Ana Marques chegou ao cargo sem contar com um know how de mercados internacionais, uma das principais tarefas da PFC, que tem como objetivo promover o nome de Portugal lá fora. Foi convidada pouco tempo antes de assumir a pasta e confirma que desconhecia a realidade que rodeava o cash rebate até então. Mas isso nem sequer foi um problema, assegura, por ter uma “elevada capacidade de trabalho” e por ter havido um processo de continuidade dentro do próprio ICA. Em pouco mais de um mês, Ana Marques colocou como objetivo voltar a pôr a instituição “no mapa”, depois de esta ter ficado quase em suspenso no último trimestre de 2022. Tem estado em contacto direto com várias produções internacionais e nacionais e está de malas aviadas para a Índia, o Brasil e Cannes. Quando questionada sobre reputação portuguesa neste mercado, após os atrasos e as indefinições que marcaram os últimos meses, a resposta é clara: “Não creio”. Nega também, contrariando a opinião de uma parte dos produtores interessados no cash rebate, que a primeira fase tenha corrido mal. “Se o sistema é justo? Não podem ficar todos os produtores com o cash rebate. Percebemos a angústia de ter a expectativa de viabilizar uma candidatura e não entrar, não é fácil”. Assegura, por isso, que houve tempo e espaço para os interessados questionarem quer os ministérios da Cultura e da Economia, onde está integrada a secretaria de Estado do Turismo, responsável por este incentivo fiscal.

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No entanto, e contrariando o que aconteceu nos últimos anos, neste 2023 Portugal não teve nenhuma plataforma de streaming a filmar no país. O Observador já tinha adiantado que era pouco provável que House of The Dragon (HBO) pudesse filmar a sua segunda temporada em território nacional, mas agora teve mesmo essa confirmação.  A única exceção, até ao momento, foi mesmo a nova série da saga “Star Wars” (Disney),  filmada na Madeira, que “não passou” pela Portugal Film Commission, já que o Governo autónomo tem um Film Office responsável por operacionalizar uma produção que decorra naquelas ilhas — produção, essa, que não se encontra ainda fechada. “Mas não, desde a altura em que assumi funções, não houve contactos da HBO, por exemplo. Se tivessem acontecido, o comissioner Luís Chaby ter-me-ia dito certamente”, garantiu. Apesar de tudo, Ana Marques está confiante no futuro: “Haverá mudanças. Há conclusões a tirar desta primeira fase de 2023, mas há um crescimento óbvio que representa sucesso. O Governo não é indiferente a isso. Tudo podia ser mais rápido, claro”, finaliza.

"Quem precisa do dinheiro com a assinatura de contrato e de receber as prestações faseadas do Fundo são as pequenas e médias produções. As grandes, se não vierem para aqui, vão para outro país da Europa."

Houve várias alterações na Portugal Film Commission desde 2022. A Ana Marques só entrou em maio, no decorrer da primeira fase do cash rebate. Que avaliação faz destes primeiros meses, depois de várias reformulações e de termos, como se costuma dizer, sido “vítimas do nosso próprio sucesso”?
Começo já por dizer-lhe que não tenho a informação que quer. O que aconteceu foi que foi esgotada a dotação em 24 horas na primeira fase. O sucesso deste tipo de financiamento levou a que mais produções percebessem a vantagem do cash rebate. No fundo, foi uma call de sucesso que não tinha acontecido no passado. As candidaturas eram mais espaçadas. Havia a capacidade de resposta do lado do Turismo de Portugal e do Pic Portugal, que tiveram mais tempo para avaliar as candidaturas. Antes, não tinha havido esta avalanche. Podia-se ponderar que era expectável, mas excedeu-as.

Não era previsível?
Pode-se sempre fazer futurologia, mas no confronto com a realidade é que ficamos a saber. Não sei qual tinha sido o interesse nos últimos meses de 2022, de quantas pessoas perguntaram pelas condições. Não tenho essa informação. Esta é uma ferramenta muito competitiva, que ajuda muito as pequenas e média produções. Mas não sei se seria viável se soubéssemos que iria haver um número de candidaturas tão grande a acontecer naquela data.

Não terá complicado um pouco entre o último trimestre de 2022 e janeiro de 2023 não se saber o que ia acontecer à Portugal Film Commission? Foi-me assegurado que houve perda de produções internacionais, por exemplo, algo que Luís Chaby negou. Teve tempo para preparar as pastas?
Convém dizer que eu era técnica do Turismo de Portugal, fui convidada em abril para entrar em maio. Não tenho o histórico para trás. Sei o que o anterior film commissioner [Manuel Claro que, entretanto, assumiu funções na produtora Spi] me passou e também o que o actual me informou. Mas não acompanhei, em termos de contactos com produtores.

Até ser convidada não sabia que isto poderia acontecer?
Não. Não estava ligada a esta área apesar do fundo ter a duas tutelas. Trabalhava em Comunicação e Marketing Digital no Turismo de Portugal. Tenho uma carreira ligada à televisão e à produção de vinte anos como freelancer. Comecei a trabalhar na RTP1 ainda antes das televisões privadas abrirem. Acompanhava o sector mas não profissionalmente. O estudo da PlanAPP [estudo encomendado pelo Adão e Silva para avaliar o impacto do incentivo à produção cinematográfica e audiovisual] deu imensas pistas, mas não tinha esse contacto. Só passei a ter quando entrei em funções a 1 de maio deste ano.

Teria sido bom ter mais tempo?
Aprendi rápido. Houve uma técnica da equipa anterior que até fez esse trabalho de continuidade. Fiz logo uma visita a Cannes ao Marché du Film, por exemplo. Tentei perceber a realidade da procura dos produtores internacionais. Depois, há o contacto quase diário de pessoas que querem vir para Portugal, não só com produções de cinema mas de outras áreas, fotografia, televisão, pequenos documentários. Há imenso interesse em vir.

O que me diz é que não sente que as produções internacionais tenham perdido interesse em Portugal?
Não creio. Temos mesmo é de ter timings muito definidos. É fundamental. Não há produção que aguente estar na indefinição. E as grandes produções não precisam de cash rebate.

"Não há produção que aguente estar na indefinição. E as grandes produções não precisam de cash rebate"

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Mas candidataram-se na mesma.
Sim, mas não precisam do incentivo para começar. Quem precisa do dinheiro com a assinatura de contrato e de receber as prestações faseadas do Fundo são as pequenas e médias produções. Obviamente que as grandes produções também querem vir para países com este tipo de financiamento. Porque se não vierem para aqui, vão para outro país da Europa.

A Sagesse Productions, que conseguiu fazer com que Velocidade Furiosa ou House of The Dragon viessem filmar para Portugal, não se candidatou ao cash rebate este ano. É estranho que que uma produtora destas tome tal decisão?
Penso que terá a ver com os timings das produções. Tem a ver com o calendário. Se havia uma produção que tinha de ocorrer em janeiro, obviamente que não podia ficar à espera de saber que tinha acesso ao incentivo fiscal. Mas se podem esticar a produção até abril ou maio, significa que há possibilidade de se candidatarem ao cash rebate.

Falemos da proposta da rede de pontos focais [uma rede de contactos entre as várias estruturas envolvidas nas produções cinematográficas, desde autarquias a serviços florestais].
Já existia anteriormente de contactos de várias áreas, em que podia existir uma ligação a nível de autorizações para filmagens. A rede está a ser atualizada por mim. Algumas instituições responderam, outras ainda não. Em princípio, a reunião deve acontecer em novembro.

O Luís Chaby anunciou, este ano, que iria acontecer em junho.
Era muito cedo. Impossível. Depois vieram as férias, desaparece tudo ou está cá só metade das pessoas. Também temos estado presentes em mercados internacionais com alguma velocidade. Agora vou para a Índia, Cannes, passarei pelo Brasil (Mostra Nacional de São Paulo), teremos ações no DocLisboa e a seguir vou para o Porto Post/Doc. E o Ventana Sur, mercado em Buenos Aires. Eu e o Luís Chaby, cada um nas suas áreas, andamos nestes mercados.

Estamos a falar a dia 9 de outubro, faltam sete dias para o MIPCOM, grande mercado internacional de televisão. Não se sabe se vai haver segunda fase de cash rebate em 2023. Isso não é um problema para vocês?
Os contactos nos mercados são importantes mas são de relações públicas. São reuniões rápidas. Não são reuniões em que as pessoas tomem decisões só porque há cash rebate ou não. O que posso dizer é que o Governo está a avaliar a existência de duas tipologias para o incentivo. Uma para pequenas e médias produções e outra, em tax credit, vocacionada para grandes produções.

"O que posso dizer é que o Governo está a avaliar a existência de duas tipologias para o incentivo. Uma para pequenas e médias produções e outra, em tax credit, vocacionada para grandes produções"

Para 2024?
Sim. Agora, regras e valores, isso ainda não tenho. Mas posso adiantar essa informação. O cash rebate, no fundo, vai ressarcir as produções das despesas que fazem em território nacional, assim dito de um ponto de vista genérico. A segunda linha é um incentivo que tem a ver com as empresas em sede de IRS. Tem outro tipo de funcionamento. É atrativo para as grandes produções.

Uma linha mais para as produções nacionais e outra para as internacionais?
Não podemos colocar assim os termos. As média e pequenas são as nacionais, sim. Não conseguimos atribuir a tipologia de grandes produções em Portugal. Não creio que esteja fechado só a produções nacionais.

É para evitar que exista um desnivelamento entre produções porque só uma grande esgotava o Fundo?
Esperemos. Para que seja tudo mais justo.

Tenho a informação de que a produção que estaria a decorrer na Madeira, da nova série da saga Star Wars, esgotou uma boa fatia da dotação da primeira fase e que, por isso, haveria um ajuste. Ou seja, estaria em estudo apoiarem-se mais candidaturas da primeira fase e não haver uma segunda.
Quase esgotou, como assim?

Ao ponto de não haver uma segunda fase.
Não faço ideia.

Os produtores nacionais estiveram reunidos com o ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva.
Pois.

A Ana Marques não pode dizer mesmo nada sobre isto?
Nem sequer fui a essa reunião. Não tenho nada para acrescentar.

Não faria sentido lá estar?
A PFC não avalia candidaturas. Está dentro do ICA e é um departamento desse instituto. O trabalho é promover o cash rebate, no fundo, e a promoção internacional do ICA de produções internacionais, entre outras funções. Claro que sabia quais as produtoras e projetos grandes que estavam em causa, mas não faço qualquer tipo de avaliação nem tenho intervenção nisso.

Mas fala com os produtores.
Claro. Perguntam-nos e querem organizar-se. Mas não faço parte dessa avaliação.

Terá tido oportunidade de ler o artigo de opinião da realizadora Teresa Villaverde no jornal Público, sobre a “confusão” que foi a primeira fase de cash rebate deste ano, afirmando que “quem tinha a melhor internet conseguiu chegar primeiro”. Só que a suposta ausência de selo temporal no processo de candidaturas, como manda a legislação da União Europeia, poderia levantar aqui questões legais.
O que se passou foi que as candidaturas, em vez de serem enviadas por email, foram submetidas numa plataforma. Muito mais transparente, no nosso entender. De facto, quando são submetidas as candidaturas, há diferenças entre cada uma de centésimo de segundo. Os produtores de animação disseram-me que foram prejudicados pelo tamanho dos seus ficheiros. Vão ser sempre penalizados. Também houve quem estivesse satisfeito com este sistema. É impossível agradar a todos. O desejo foi ser o mais transparente possível e ter uma forma de submeter as candidaturas, sob a regra do first come first served que nem sei se se vai manter ou não.

"Com mais tempo, as medições poderão ser feitas de outra forma. Explodiu agora e criou-se uma bolha? Acho que não é isso. O interesse por Portugal vai-se manter"

Pelo que foi dito pelo Ministério da Cultura, o first come first served já deveria ter acabado, só que não acabou. E em relação ao selo temporal?
Questionei quem de direito sobre isso, disseram-me que não havia problema nenhum. Que era uma não-questão. Se é justo este sistema? Não podem ficar todos os produtores com o cash rebate. Percebemos a angústia de ter a expectativa de viabilizar uma candidatura e não entrar. Não é fácil.

Acha então que esta primeira fase decorreu normalmente e que tudo foi claro para os produtores? Não houve falta de comunicação e de transparência?
Em relação à reunião do ministro, por exemplo, sei que estiveram presentes as duas tutelas, da Cultura e do Turismo, mais os produtores. Tiveram oportunidade de questionar e procurar a melhor solução para o sistema funcionar melhor. Em relação à falta de comunicação e transparência… bom, se o ministro e o secretário de Estado do Turismo não quisessem reunir, era uma coisa, mas reuniram. Agora, a velocidade podia ser mais eficaz para termos notícias mais definidas. Claro que isto depois depende da tutela das Finanças. É difícil ter esse entendimento de três áreas diferentes para perceber como pode o cash rebate funcionar da melhor maneira.

Falemos de 2024. Não valia a pena já se ter comunicado o que vai mudar neste novo ano?
Essa é a informação que passo aos produtores. É a que tenho para passar.

Muito bem. Como é que é o dia a dia de uma diretora executiva? Mudou muito ao integrar-se a PFC no ICA?
Em relação ao trabalho feito anteriormente, é uma continuidade. Não mudou muito. Temos um suporte do lado do ICA que julgo que não existia. A equipa foi reduzida. Facilita o presidente do ICA ser o film commissioner em algumas decisões. Foi o que mudou. De facto, acho que estando integrado, consegue-se fazer uma melhor interação das representações conjuntas. Estamos todos a trabalhar mais em conjunto. Não há separação. É uma avaliação que faço agora mas não estava cá antes. Não sei como funcionava antes. Há mercados internacionais em que vamos em conjunto, como Cannes ou Berlim. Desse ponto de vista, só vejo vantagens.

A equipa não é pequena para a dimensão da tarefa?
Tenho muita capacidade de trabalho. Se considerarmos que as solicitações podem vir a crescer de forma exponencial, pode haver, eventualmente, uma necessidade de aumentar a equipa para dar resposta. Quando estamos fora, é difícil conciliar tudo. Mas tudo é fazível. Até agora não deixámos pendentes.

Quando a Ana Marques está fora ou o Luís Chaby, e é preciso atender o telefone a um produtor, há uma equipa que pode tratar disso?
Sim. Uma das técnicas vinha da anterior equipa, tem conhecimento de tudo o que são as informações importantes. Depois, tem a ver com algo que tem de ser muito melhorado cá e é difícil obter: as autorizações para as filmagens nas diversas entidades que são necessárias. A semana passada tinha uma pessoa que queria vir filmar para as praias da Ericeira, em que uma parte é da Capitania e outra da Câmara Municipal. Como é que isto se agiliza? Quando alguém chega e as coisas não estão desmaterializadas, ao nível das autarquias, e é preciso preencher um formulário online em que é necessário um cartão de cidadão, tudo esbarra nas autorizações. Precisam de nós para desbloquear esses contactos. Com algumas entidades é mais fácil, outras nem tanto.

"Questionei quem de direito sobre isso, disseram-me que não havia problema nenhum. Que era uma não-questão. Se é justo este sistema? Não podem ficar todos os produtores com o cash rebate. Percebemos a angústia de ter a expectativa de viabilizar uma candidatura e não entrar. Não é fácil."

É um ponto fundamental para mudar?
Sim, é preciso agilizar. Estamos à espera de colocar um trabalho da Agência da Modernização Administrativa, que é um simulador da página do E-GOV, que ajuda muito um produtor que vem a Portugal, que quer filmar com drone acima de 120 metros, por exemplo. Ou quer filmar numa orla costeira. Preenche esse simulador, que diz os locais onde tem de pedir as autorizações e, no final, sai um PDF com toda essa informação. Muitas das pessoas nem têm noção que é preciso uma autorização em certos lugares. Filmar com menores ou com as Capitanias, todas essas regras, são específicas a nível nacional ou internacional. Por vezes, os sites nem têm versão em inglês. Estamos cá para ajudar a desbloquear. A ideia é trabalhar com as entidades ao ponto de não ser preciso passar pelas várias Film Offices.

Quem é que lhe dá mais dores de cabeça?
Não consigo responder. Não considero uma dificuldade. Como trabalhei vinte anos em produção, já estou habituada. Sei exatamente o que é preciso e qual é a pressa. Por vezes, pedem-nos coisas muito em cima do acontecimento.

Quer me dar um exemplo?
De grandes produções?

Por exemplo.
Não posso, não gostam que se fale da produção em si. Mas posso falar do mês de agosto, em que esteve cá uma produção de Bollywood, a trabalhar com uma empresa que é a All Around Globe. Estiveram em vários pontos do país, de Évora a Figueira da Foz. O realizador queria fazer um plano dos protagonistas com o Mosteiro dos Jerónimos, não pediram a tempo e foi-lhes negado.

Ficaram muito chateados?
Não. Arranjaram plano B. Fizeram noutro local. Era uma opção cénica do realizador mas houve solução. Há outras situações mais complicadas de solucionar. A Direção Geral do Património Cultural tem as suas regras, é preciso fazer o pedido com quinze dias de antecedência e eles não fizeram. Mesmo com a minha tentativa de intervir ao dizer-lhes que não iriam entrar no Mosteiro, não foi diferido.

Portugal tem acolhido, nos últimos anos, grandes produções. Há constrangimentos portugueses que não gostam assim tanto de ver partes das suas cidades paradas, mas existe, de facto, um retorno económico. É mais fácil explicar às instituições a importância destas produções? Estão mais preparadas?
Podem nem estar preparadas mas estão sensibilizadas. Com os exemplos dos últimos anos, as pessoas têm de perceber que há um retorno económico, não é só uma mão cheia de problemas. As próprias produções têm de ser sensibilizadas de que, por exemplo, se vão para Viseu, não têm de levar a equipa toda de Lisboa. Podem ter o catering de Viseu, ou outros serviços. É importante que gastem localmente, nos hotéis ou na restauração.

A dúvida é perceber o impacto económico a longo prazo. É o que nos diz o estudo da PlanAPP.
Há impacto local, claro. Com mais tempo, as medições poderão ser feitas de outra forma. Explodiu agora e criou-se uma bolha? Acho que não é isso. O interesse por Portugal vai-se manter.

"Claro que há conclusões a tirar da primeira fase de 2023, tal como o estudo apresentado este ano. Há um crescimento óbvio que representa sucesso. O Governo não é indiferente a isso"

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Em relação a 2023, vi menos notícias sobre grandes produções este ano. Como foi, afinal?
O que posso dizer é que, quando é atribuído o cash rebate, as produções são feitas por fases. Temos sempre informação atualizada sobre as estreias desses projetos que, às vezes, começam dois anos antes. Há sempre um diferencial entre a produção e a assinatura do contrato e depois o tempo que as produções demoram a ser estreadas. Claro que fazemos o acompanhamento das estreias, nomeadamente nas estreias em festivais. Temos tido imensas produções internacionais premiadas. Por exemplo, o Baan, da Leonor Teles, foi premiado na Islândia.

Sim mas isso é um filme português. Estou a falar das produções internacionais. Do tamanho de “House of The Dragon” ou de “Velocidade Furiosa” não tivemos nenhuma?
Não.

Nenhuma plataforma de streaming esteve cá, com um projeto com semelhanças com “House of the Dragon”?
Não.

E em 2024?
Sim, há projetos, mas não lhe posso dizer.

Podem vir para cá outra vez?
Sim, sim, claro, o interesse continua. É preciso é fechar datas para eles próprios se organizarem.

Foi feito algum contacto com a HBO a propósito da segunda temporada de “House of The Dragon”?
Neste momento?

Sim.
Não, desde maio, não. Há muitos contactos que são feitos com o Luís Chaby Vaz, mas ter-me-ia dito certamente se tal tivesse acontecido.

Mudemos de assunto. O que é que envolve a produção de Star Wars na Madeira?
Tanto quanto sei, o projecto ainda não está finalizado. O relatório final ainda não foi entregue. Já vieram para cá filmar. Nas grandes produções, como não precisam de arrancar com cash rebate, os timings são diferentes. Porque há projectos que têm de adaptar-se a não terem logo acesso ao fundo. Por exemplo, o Lost in Fuseta, da Alemanha, quando souberam que tiveram acesso, já tinham filmado. Ficaram muito satisfeitos porque podia ajudar na pós-produção, mas já estava filmado. As produções mais pequenas precisam de arrancar com cash rebate, outras não. Sobre Star Wars, foram diretamente à Madeira, têm um Film Office local. Não precisam de vir à PFC. Quando são produções que têm de filmar no Porto ou em Lisboa, por exemplo, normalmente, remetemos para os Film Offices locais. Não passamos licenças, são eles que o fazem. Só somos facilitadores do sistema.

A Ana Marques parece estar mais tranquila em relação a 2023 do que os produtores. 2024 vai ser mais tranquilo?
Não está na minha mão. Lamento, mas não está.

São “dores de crescimento” ainda?
Sim, podem ser. De crescimento porque também há a tentativa de melhorar o processo. Se mantivéssemos as regras tal e qual surgiram no primeiro ano, não havia alterações.

Não mudaram assim tanto.
Não, mas ao nível do que se pretende introduzir em 2024, já vai haver mudança. Claro que há conclusões a tirar da primeira fase de 2023, tal como o estudo apresentado este ano. Há um crescimento óbvio que representa sucesso. O Governo não é indiferente a isso. Tudo podia ser mais rápido, claro.

"Temos o privilégio de ter um país fantástico, o que tenho tentado fazer é, em termos de comunicação, voltar a colocar a Portugal Film Commission no mapa. Entre a transição e eu chegar, o cash rebate não parou, mas a PFC esteve muito parada."

O orçamento da PFC rondava os 600 mil euros. Aumentou ou diminuiu?
Manteve-se igual.

Ajusta-se à missão da instituição? Devia ser mais ou menos?
A grande fatia são os mercados internacionais. Estarmos presentes, na rota daquilo que são os produtores internacionais, custa dinheiro.

Tudo custa dinheiro no cinema.
Sim. Em Cannes, por exemplo, é um mercado dispendioso. De facto, há muito negócio e, para lá estar, é preciso pagar bastante. No MIPCOM haverá um stand conjunto com as televisões e a Associação de Produtores Independentes de Televisão.

Já tinha essa experiência?
Estava no lado da criatividade.

Os mercados podem ser muito avassaladores enquanto experiência social?
Têm um ritmo alucinante, também há muitos contactos que percebemos que não têm interesse. Temos muitas reuniões para Cannes e talvez saia só um ou dois bons contactos. Ter as plataformas online e estarem lá elencadas as listas de toda a gente, faz com que sejam disparados muito emails.

Como avaliou a presença portuguesa no Festival de Cannes de maio de 2023, por eemplo?
Tinha assumido as funções há quinze dias. Foi formação para mim. Não conhecia o mercado. Não fui fazer contactos especiais. Fui perceber a realidade que iria ter para futuro. Estiveram lá muitos produtores e eu não estive o tempo todo. É um mercado muito longo. Têm uma oferta grande de conferências, é importante perceber o que a concorrência andava a fazer.

Voltando ao início: já tinha experiência de produção quando lhe fizeram o convite. Como avaliou a missão que lhe quiseram confiar?
Achei um desafio incrível. Temos o privilégio de ter um país fantástico, o que tenho tentado fazer é, em termos de comunicação, voltar a colocar a Portugal Film Commission no mapa. Entre a transição e eu chegar, o cash rebate não parou, mas a PFC esteve muito parada.

Houve uma grande indefinição durante praticamente um ano.
Exactamente. Foi preciso fazer investimento, ligação com os festivais nacionais, com a indústria também, estarmos sempre presentes. Estamos aqui a tentar fechar um vídeo promocional só sobre a capacidade técnica de Portugal, para nos promover. Também está a ser produzido um podcast dirigido para o mercado internacional, falado em inglês, sobre Portugal e o que são as várias vertentes da área do cinema.

Semanal, diário?
Ainda não está fechado. Já temos um apresentador, um jornalista inglês que vive cá há muitos anos.

É para trabalhar os problemas de comunicação com os agentes do setor?
Problemas de…?

Relativos à entropia que existe entre instituições e os autores.
Não. Permite falar do nosso país e do panorama atual do cinema. Tanto vamos ter convidados da ligação entre o turismo e o cinema, como de quem fale da sustentabilidade das produções. É muito importante para nós.

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