“Se tem tosse, ou febre, ou perdeu o cheiro, olfato, sabor ou paladar, marque 1.” Se a frase lhe parece familiar é porque é mesmo. Ouve-a quando liga para a linha SNS24 e até já a poderá ter lido num texto do Observador. Mas o pneumologista Carlos Robalo Cordeiro alarga a lista de complicações que podem ser associadas à infeção com o coronavírus SARS-CoV-2 — dos problemas respiratórios, às alterações no ritmo cardíaco, inflamação do músculo do coração ou problemas no sistema nervoso central.
No outono do ano passado, a preocupação de que o vírus da gripe e o SARS-CoV-2 circulassem em simultâneo levou à criação de tabelas onde se procurava distinguir sintomas de Covid-19, gripe, constipações e outras infeções respiratórias. Este outono, os especialistas ouvidos pelo Observador têm mais dificuldade em fazer essa distinção.
Os sintomas da Covid-19 mudaram?
O diretor da Faculdade de Medicina da Universidade Coimbra, Carlos Robalo Cordeiro, tem dúvidas que assim seja: “Não foram tanto os sintomas que mudaram, mas o nosso conhecimento”. O pneumologista explica que “as infeções do aparelho respiratório superior ou inferior podem causar febre, arrepios, dores musculares, expetoração. Isso pode tornar as doenças um pouco indistinguíveis.”
Se tiver pingo no nariz é alergia?
Esteja vacinado ou não, com uma ou duas doses, o pingo no nariz passou a fazer parte das cinco queixas mais frequentes dos infetados com SARS-CoV-2 no Reino Unido, de acordo com os dados recolhidos pelo projeto Zoe Covid.
Pingo no nariz e espirros são, geralmente, associados às alergias ou às constipações, mas “as pessoas que são alérgicas conhecem a doença” e conseguem perceber se estiveram expostos ao fator que lhes causa a alergia ou não, lembra Ricardo Mexia, presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública. Se a situação é nova, o melhor é fazer um teste ao SARS-CoV-2.
Como mudaram os sintomas da Covid-19? Conheça os cinco mais comuns em cada situação
Se os sintomas são variados e se podem confundir, como é que se distingue Covid-19, gripe e constipação?
Com um teste de diagnóstico, seja PCR, teste rápido de antigénio ou autoteste, respondem unanimemente os especialistas ouvidos pelo Observador. O teste de diagnóstico tão apregoado no início da pandemia continua a ser a melhor forma de confirmar a infeção com coronavírus e se a doença é Covid-19. Desta forma, permite isolar o caso positivo e controlar a cadeia de transmissão.
Quando se deve fazer um teste de diagnóstico?
Sempre que tenha sintomas suspeitos — e não vale desvalorizar sequer o pingo no nariz —, defendem os especialistas. A perda de olfato e paladar continuam a ser sintomas distintivos da Covid-19, mas são cada vez menos frequentes. Mesmo a tosse persistente e a falta de ar deixaram de estar entre os sintomas mais citados. Por isso, não deixe de dar atenção a outros sintomas como dores de cabeça, de garganta ou no corpo, espirros ou pingo no nariz, febre e cansaço.
A ideia defendida pelos médicos de Saúde Pública, Ricardo Mexia e Vasco Ricoca Peixoto, e pelo pneumologista Carlos Robalo Cordeiro, são mais conservadoras do que as indicações dadas pela linha SNS24 baseadas na definição feita pela Direção-Geral da Saúde (DGS) do que é um caso Covid-19.
Se as pessoas não valorizarem os sintomas, não fizerem testes e não se isolarem, “só vamos perceber os problemas quando as pessoas começarem a encher os hospitais e não vamos conseguir antecipar”, alerta Vasco Ricoca Peixoto, investigador na Escola Nacional de Saúde Pública.
O que é um caso de Covid-19 segundo a DGS?
Que é o mesmo que perguntar: “Que critérios devem analisar os profissionais de saúde para darem atenção a um potencial caso de infeção com SARS-CoV-2?”. A Norma 20/2020 da DGS, publicada no ano passado, a 9 de novembro de 2020, responde.
Como critérios clínicos — aqueles que podem ser avaliados diretamente pelo médico assistente, mas também pelo próprio doente — estão:
- Tosse de novo ou agravamento do padrão habitual;
- Febre (temperatura corporal maior ou igual 38,0ºC) sem outra causa atribuível;
- Dispneia ou dificuldade respiratória sem outra causa atribuível;
- Anosmia [perda de olfato] de início súbito;
- Disgeusia ou ageusia [alteração do paladar] de início súbito.
Também conta se a pessoa, nos 14 dias anteriores, tiver estado com um caso de infeção confirmado. Assim, se não tiver sintomas, mas tiver um contacto próximo ou um teste positivo, marque 0 (zero), indica a linha SNS24. Precisa de esclarecimentos? Marque 3.
O Observador questionou a DGS sobre se está prevista a mudança da definição de caso de Covid-19 e se existem dados sobre os sintomas mais frequentes nos infetados em Portugal, mas até ao momento de publicação deste artigo não teve resposta.
Poderei ter tido contacto com um caso positivo sem saber?
Se retomou a vida normal, trabalha presencialmente, frequenta lojas e restaurantes, usa os transportes públicos, o contacto com um caso positivo (ainda que o próprio não saiba) é possível. O que não quer dizer que fique infetado só por isso.
O uso de máscaras nos transportes e nos locais onde se juntam mais pessoas, a manutenção da distância física, a higienização das mãos e a ventilação dos espaços continuam a ser das melhores formas de prevenção do contágio. Isto porque até as pessoas vacinadas devem prevenir-se — podem ser infetadas e passar o vírus a outros.
A maior crítica do pneumologista de Coimbra é a falta de dados robustos. Não se sabe quantas pessoas vacinadas foram infetadas e, quando foram infetadas, quantas semanas tinham passado desde a vacinação. Assim como não se sabe quantas pessoas já tiveram infeção mais do que uma vez e com que intervalo de tempo entre as infeções.
Linhas vermelhas. 467 mortes e 43.751 casos de infeção entre pessoas vacinadas com as duas doses
O relatório “Monitorização das linhas vermelhas para a Covid-19”, elaborado pelo Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge e DGS, tem um capítulo dedicado aos “Internamentos e Óbitos Covid-19 por estado vacinal”. O último relatório, de 5 de novembro, tinha o tipo de dados pedido por Robalo Cordeiro, mas só até agosto. Desde aí, o país sofreu uma grande variação no índice de transmissibilidade, incidência cumulativa e internamentos com Covid-19, o que inviabiliza perceber o que os dados do relatório representam no presente.
A gripe será mesmo assim tão mais grave como dizem?
O que esta época da gripe nos trará ainda ninguém o pode dizer com certeza, mas já se sabe que a época gripal começou mais cedo do que previsto na Europa e que um dos vírus da gripe em circulação é conhecido por atingir, sobretudo, os mais idosos.
ECDC. Vírus da gripe em circulação pode afetar sobretudo os mais idosos
Como a circulação dos vírus da gripe foi praticamente residual no último outono-inverno, houve muito menos (ou nenhum) contacto da população com esses vírus e não se desenvolveu imunidade individual. É quase como se o nosso sistema imunitário se tivesse esquecido do aspeto daquele tipo de vírus.
O pneumologista Carlos Robalo Cordeiro não tem dúvidas: é preciso vacinar os idosos e pessoas mais frágeis contra a gripe e reforçar a vacina contra a Covid-19 nestes grupos. Qualquer uma das infeções (coronavírus, gripe ou outra infeção respiratória) pode não só causar a morte do doente, per se, como diminuir-lhe as defesas do sistema imunitário tornando-o mais suscetível uma doença grave quando infetado com um dos outros vírus.
A gripe deteta-se só pelos sintomas?
Uma infeção com vírus da gripe, tal como uma infeção com o coronavírus, tem de ser confirmada por um teste laboratorial. Muitas vezes, aquilo que o médico que nos atende chama de gripe é uma síndrome gripal — “conjunto de sinais e sintomas que permitem caracterizar as manifestações do vírus da gripe no corpo humano”, como define o site do SNS24.
Também são este conjunto de sinais que o projeto Gripenet pretende detetar — este ano incluindo também os sintomas que possam estar associados à Covid-19. O projeto, agora integrado no Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (Insa), existe desde 2005 com o objetivo de monitorizar, com a ajuda dos cidadãos, a evolução da gripe no país. Assim, é possível mapear o percurso da síndrome gripal, mesmo quando as pessoas não recorrem a uma consulta médica. A época de 2021/2022 tem início na próxima semana.
Gripenet. Plataforma de vigilância da gripe vai monitorizar também Covid-19