O governo alemão lidera o grupo dos países europeus que recusam qualquer operação para perdoar, no imediato, parte da dívida da Grécia. O FMI, por seu lado, garante, “de forma inequívoca“, que não participará no terceiro resgate sem que se faça algo, já, para melhorar as perspetivas de sustentabilidade da dívida grega. Acresce que a Alemanha se recusa, como sempre, a lançar um novo programa de resgate à Grécia sem a participação do FMI. E agora? Como se desata este nó?
As próximas quatro semanas serão marcadas pelas negociações para o terceiro resgate à Grécia. Como o próprio governo grego já admitiu, o prazo para que estas negociações é o dia 20 de agosto, momento em que o Estado grego precisa de reembolsar cerca de 3.200 milhões de euros em dívida que está nas mãos do Banco Central Europeu (BCE). Um primeiro desembolso do terceiro resgate terá de vir até lá, a menos que haja novo empréstimo intercalar, algo que o Comissário Europeu Pierre Moscovici não excluiu esta quarta-feira.
Após seis meses de tensões entre os credores e Atenas, a capitulação do governo de Alexis Tsipras fez deslocar, definitivamente, as atenções para um outro foco de tensão que germinava há várias semanas mas que, agora, coloca um ponto de interrogação enorme sobre os moldes em que o terceiro resgate poderá ser prestado à Grécia: entre o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o governo alemão, o mais poderoso entre os vários governos da zona euro que se recusam a tomar medidas para aliviar a dívida grega enquanto o governo de Atenas não mostrar um compromisso – e mais do que um compromisso, na verdade – em relação às reformas receitadas pela troika.
Essa é a posição do governo alemão, reiterada neste fim de semana por Angela Merkel numa entrevista televisiva em horário nobre. A chanceler alemã admitiu que os credores europeus poderão dar um nova extensão das maturidades e redução de juros nos empréstimos à Grécia – uma forma de reduzir, efetivamente, o valor da dívida evitando recorrer ao corte direto dos montantes devidos, o que seria uma violação do Tratado Europeu por representar uma transferência orçamental de um país (ou vários, neste caso) para outro.
Merkel alertou, contudo, que qualquer medida de alívio do peso da dívida, a existir, só virá depois de o governo grego mostrar que está a aplicar as reformas, nomeadamente depois de uma primeira avaliação positiva ao próximo programa de resgate, em novembro. A declaração veio na mesma linha da análise feita pela Comissão Europeia, de que serão necessárias medidas de “mitigação da dívida” mas só depois de o governo grego mostrar empenho para com as reformas. Será que esta promessa é suficiente para que o FMI aceite participar no resgate apesar de ter recentemente considerado a dívida grega insustentável?
“A resposta é inequívoca: Não“, garantiu na última sexta-feira Christine Lagarde, diretora-geral do FMI. Pelas regras internas, um programa de assistência do FMI a um Estado soberano só pode começar quando os economistas da instituição consideram que a dívida é sustentável, ou seja, que tem perspetivas de ser paga sem que o peso dos juros forme uma bola de neve recessiva na economia. Quando essa sustentabilidade não é um dado adquirido, o FMI obriga a uma reestruturação prévia ou não participa.
Como a própria instituição admitiu num mea culpa em 2013, os cálculos feitos em 2010 para o primeiro resgate à Grécia contaram com pressupostos excessivamente otimistas sem os quais não teria sido possível avançar para o resgate sem obrigar a uma reestruturação prévia. Ou seja, não estava assegurada a sustentabilidade da dívida grega mas, nas circunstâncias de então, o FMI interveio na mesma. A este respeito, recupere o texto que escrevemos em abril sobre como o FMI insistiu num perdão à Grécia, logo em 2010, mas o presidente do BCE da altura, Jean-Claude Trichet, disse “Non”.
O FMI não quererá emitir um novo mea culpa dentro de alguns anos, assumindo os respetivos custos reputacionais, pelo que divulgou em vésperas do referendo grego um relatório em que considerava que a dívida grega era insustentável. “O FMI quer evitar novos embaraços e quer certificar-se de que está a emprestar a um país que tem uma trajetória de endividamento sustentável”, diz ao Observador Nicola Marinelli, gestor de carteiras de investimento Pentalpha Capital em Londres.
Angela Merkel, por seu lado, precisa que o FMI participe. Porquê? Não só porque conta com a maior experiência técnica da instituição sedeada em Washington mas, também, porque dilui o ónus político das reformas económicas, com impacto social no imediato, que têm sido pedidas aos países intervencionados. Além disso, a Alemanha precisa que o FMI avance com parte do dinheiro, eventualmente um terço. A Grécia precisa de 86 mil milhões de euros e o presidente do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), Klaus Regling, já indicou que o fundo europeu estará preparado para desembolsar 50 mil milhões. Falta, então, o terço do FMI.
A solução, escreveu esta semana o Politico.eu, poderá ser um plano de compromisso em que o FMI não entra com dinheiro já mas a discussão regressa no outono, quando a Grécia terá de demonstrar que avançou com a aplicação das medidas de modo a obter nota positiva na primeira avaliação do terceiro resgate.
Nas negociações que conduziram ao agreekment, o tema foi discutido. E, segundo uma fonte política ouvida pelo Observador, o FMI terá chegado a argumentar com a Irlanda que não podia aceitar que o tema fosse adiado até às eleições naquele país (em meados de 2016), exigindo que uma solução ficasse definida, no limite, na primeira avaliação do terceiro resgate. A Irlanda preferia que a discussão sobre um alívio da dívida acontecesse apenas na terceira avaliação.
Em alternativa, “um resgate sem o FMI é sempre possível, mas isso significará que se perde uma oportunidade para um alívio da dívida, pelo que continuará a haver enormes dúvidas sobre a eficácia do terceiro resgate”, diz Nicola Marinelli, recordando que o próprio presidente do BCE, Mario Draghi, se juntou a esta discussão na semana passada dizendo que “nem sequer é algo controverso” dizer que a Grécia necessita de um alívio da dívida. “Resta apenas perceber como podemos fazer isso no respeito do nosso enquadramento legal [na Europa], uma reflexão que espero que nos ocupe nas próximas semanas”, afirmou o presidente do BCE.
A dívida é uma “questão secundária”, diz economista
Entre os economistas há, contudo, quem continue a defender que, nesta discussão, “quanto mais longe alguém está do triângulo Bruxelas/Frankfurt/Berlim, mais parece acreditar que apenas um enorme perdão (direto) da dívida grega, a priori, poderá salvar a Grécia”. Esta é a análise de Holger Schmieding, economista-chefe do banco alemão Berenberg em Londres. “Em muitos casos, incluindo alguns economistas norte-americanos laureados com o Prémio Nobel, os entusiastas do perdão de dívida [haircut] simplesmente não parecem estar a perceber qual é o problema”, diz o economista.
Holger Schmieding diz que “a dívida é uma questão secundária, porque um país que aplica políticas radicais de esquerda irá pelo cano abaixo como foi a Venezuela, tenha ou não tenha alívio da dívida. Já um país que fortaleça as suas perspetivas de crescimento a longo prazo através de reformas sérias terá capacidade para sustentar a dívida através de um crescimento maior e uma descida dos custos de financiamento que está associada à melhoria da credibilidade”. Por outras palavras, “ter as políticas certas importa muito mais do que o peso nominal da dívida“.
Sobretudo no caso da Grécia que, como nota Holger Schmieding, “já recebeu um enorme perdão de dívida”, com a troca voluntária de dívida que representou, na prática, a maior reestruturação de dívida pública em toda a História mundial. “A maturidade média da dívida pública grega já foi alargada para 16,5 anos e, levando em consideração os juros pagos pelas obrigações que estão no BCE, que a Europa irá sempre ajudar a Grécia a pagar enquanto forem cumpridas as condições do programa, a taxa de juro média da dívida pública grega é de 1,5%, com períodos de graça de 10 anos em muita desta dívida”, explica o economista-chefe do Berenberg.
Em comparação, “muitos países com menos dívida [em proporção do PIB] do que a Grécia têm, em vários casos, um peso maior com pagamento de juros do que Atenas“. E, garantiu recentemente o Mecanismo Europeu de Estabilidade, “as condições favoráveis das quais a Grécia tem beneficiado, por via dos empréstimos europeus, têm feito com que o país tenha poupado em despesa anual com juros mais de 4% do Produto Interno Bruto (PIB) da Grécia”.
Holger Schmieding aprofundou esta tese, de que “a dívida é uma questão secundária“, nesta entrada no seu blogue alojado no site do banco. O texto está em inglês.