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A ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa, durante a sua audição na Comissão de Administração Pública, Ordenamento do Território e Poder Local, no âmbito dos requerimentos apresentados pelos grupos parlamentares do PSD e do PCP sobre o processo de descentralização de competências para as autarquias, na Assembleia da República, em Lisboa 19 de julho de 2022. JOSE SENA GOULAO/LUSA
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JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

Ana Abrunhosa: "Apoios à reconstrução devem chegar primeiro a quem lá vive e não para casas de férias"

A ex-ministra da Coesão Territorial do PS alerta para o papel dos autarcas na fase de reconstrução para evitar que casas de férias se sobreponham a habitações permanentes e defende Castro Almeida.

A ex-ministra da Coesão Territorial alerta para a necessidade de manter um equilíbrio entre a celeridade que se pede no processo de reconstrução e o cumprimento das regras. Ana Abrunhosa avisa que os autarcas são essenciais para perceber se as habitações consumidas pelas chamas eram para moradores permanentes, para garantir que são reconstruídas primeiro do que casas de férias.

A antecessora de Manuel Castro Almeida sai em defesa do ministro nas declarações sobre o facto de ter sido a mulher a fazer-lhe a mala para ir para o terreno e defende a forma como executivo está a agir: ir aos locais apenas quando os incêndios já estão em conclusão, cumprindo as recomendações emitidas em 2017 depois dos fogos de Pedrógão Grande e Castanheira de Pêra.

Já quanto a desafios futuros, não enjeita uma candidatura à câmara municipal de Coimbra. Para já está a refletir, mas admite que o perfil que tem “é mais operacional” do que o Parlamento. Isto apesar de garantir que está “a aprender muito” com o trabalho na Assembleia da República.

[Ouça aqui o Sofá do Parlamento]

Ana Abrunhosa, antecessora de Castro Almeida: “Sei bem que não é machista”

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O Governo está a agir bem ao estar nos locais mais afetados ou acaba por ser um número mediático e com pouco efeito prático?
Parece-me que a criação de uma equipa multidisciplinar, que era o que nós fazíamos também no governo PS, liderada pelo ministro da Coesão, é uma boa ideia. Estas visitas são mais para perceber as realidades locais, para ter uma visão global e até para perceber se a dimensão dos prejuízos é suficiente para fazer uma candidatura ao Fundo de Solidariedade da União Europeia. Essa candidatura que está a ser equacionada exige um montante de prejuízos muito, muito grande, que foi o que aconteceu em 2017.

O primeiro-ministro não fechou a porta a essa possibilidade, poderá fazer sentido?
Poderá fazer sentido se estiverem preenchidos os critérios. Os prejuízos têm que ser superiores a 500 milhões, mais ou menos, e o apoio que a União Europeia dá é 2,5% desse valor. Mesmo que haja apoio do Fundo de Solidariedade da União Europeia, o Governo vai ter que fazer um esforço grande através do Orçamento de Estado, apoiando todas as áreas. Há uma que é estrutural: a questão da floresta e do ordenamento do território, que demora muito tempo a ter efeitos e que o anterior Governo iniciou e este está a continuar. A presença no território é positiva, desde que não afete o combate aos fogos, que é o que está a acontecer. O ministro da Coesão só vai aos territórios quando os incêndios são dados como concluídos.

Que foi o que aconteceu em Pedrógão Grande
Em 2017 tivemos uma presença massiva do Presidente da República e de membros do Governo e houve uma comissão técnica independente que desaconselhou vivamente a presença de membros do Governo. Parece-me que o ministro Adjunto e da Coesão Territorial é a pessoa mais indicada para coordenar os diferentes setores do Governo, porque vamos ter que ter nesta equipa multidisciplinar apoios para a agricultura, a economia, o turismo, as habitações e também apoios ambientais. O mais urgente é dar uma solução às pessoas que perderam o seu modo de vida e também às empresas.

"É urgente que as câmaras sejam envolvidas para saber se as habitações que arderam são habitações onde as pessoas viviam ou que já estavam abandonadas"

Nessa matéria são as autarquias a primeira linha de resposta. O Estado central, nos primeiros dias, pode agilizar algo?
O presidente de câmara é o responsável da Proteção Civil. Na linha de combate é uma das entidades principais. A situação de calamidade é muito importante porque permite ao próprio Governo deitar mão a mais soluções. Além disso esta condição permite às câmaras municipais, por exemplo, fazer um ajuste direto para estabilizar encostas, que é fundamental no pós-fogo. É urgente que as câmaras sejam envolvidas para saber se as habitações que arderam são habitações onde as pessoas viviam ou que já estavam abandonadas. Porque muitas das vezes nestes incêndios acontece que ardem as casas que estavam abandonadas. É importante que as pessoas que vivem na agricultura vejam também rapidamente os apoios a serem acionados.

E chegou a fazer esse papel?
Quando era no governo PS. Depois dos incêndios, sempre depois dos incêndios, articulava com as autarquias e com as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional, porque as CCDR já têm estabilizada uma metodologia de recolha dos danos e fazem um relatório que entregam ao ministro Adjunto e da Coesão Territorial, que depois coordena com os diferentes membros do Governo.

Declarações de Castro Almeida. “Sei muito bem que não é machista”

O Ministro tem sido criticado e tem sido acusado de machismo por dizer que a mulher lhe fez a mala para três dias enquanto está no terreno. A deputada Joana Mortágua já veio falar disso. Parecem-lhe declarações machistas ou são normais?
Conheço muito bem o ministro Castro Almeida e sei muito bem que não é machista. Posso dar o meu exemplo. Não me importo nada quando é o meu marido a organizar as malas de viagem. Repartir tarefas é normal. O ministro tem um humor muito particular e acho que não devemos crucificar as pessoas por serem soltas e pelas suas declarações. Fartei-me de rir porque lá em casa a minha mãe fazia as malas, mas o meu pai também cozinhava muitas vezes e portanto creio que isso não diz nada do ministro. Diz apenas que é uma pessoa que procura, mesmo nos momentos muito difíceis, criar um ambiente de alguma serenidade. Isso é muito importante. Já basta a aflição, o terror que as famílias e as comunidades passam. Quando vamos ao terreno, sejam os políticos ou as instituições, têm que levar serenidade. Interpretei as declarações como um momento de bom humor. E se for verdade que a sua esposa lhe faz a mala, ainda bem, é porque são um casal unido. E olha, tomara eu quem me fizesse a mala quando tinha que sair de uma hora para a outra, porque creio que foi isso que aconteceu ao ministro. Foquemos no mais importante que é levar serenidade e soluções.

O que é que 2017 contribuiu para agilizar este tipo de processos, nomeadamente na questão das habitações, que foi muito falado na altura, a demora na reconstrução. Que lições é que já estão no terreno depois de 2017?
O que mudou mais foi a criação da Agência Integrada para a Gestão dos Fogos Florestais, portanto, a forma de a proteção civil e das outras entidades se coordenarem na prevenção e no combate. Hoje todos sabemos que os primeiros minutos de intervenção são fundamentais e apostou-se muito nisso. E depois disso, o que devemos priorizar quando não chegamos a tempo: as pessoas. Em 2017 as pessoas saíram de casa, foram para a estrada e hoje temos as diferentes autoridades no terreno, temos o programa Aldeias Seguras. O que é que acontece com o desejo de sermos céleres? Verificamos que, afinal, a pessoa vivia num lar mas ia a casa de vez em quando e não era a habitação permanente. Há que ter a segurança que os apoios chegam a quem necessita deles e que nós estamos a reconstruir uma casa para as pessoas que lá viviam e não uma casa de férias, que tem que ter um tratamento diferente. Nem que seja em termos de prioridade. Em 2017 arderam 1.500 casas, apenas cerca de 800 eram de primeira habitação e a esmagadora maioria foi reconstruida em dois anos. Se isto é demorar muito, com toda a burocracia, concursos públicos, Tribunal de Contas. A lição que se tirou daí é que temos que confiar mais, retirar mais burocracia ainda e acompanhar muito as famílias.

"Não é momento de julgamentos nem de aproveitamento, é momento de deixar as forças de segurança, os bombeiros e a proteção civil fazerem o seu trabalho e depois verificar a reforma da floresta"

E depois a questão do território 
Em relação à floresta, todas as reformas que foram feitas e que começaram a ser implementadas demoram tempo, mas há uma coisa que nós deixámos preparado no anterior Governo que é toda a legislação sobre a propriedade. Terras que andam 20 anos sem poder fazer partilhas, sem que se possa tomar a titularidade das propriedades. Há um trabalho de gestão conjunta, porque há muitas pessoas de idade que já não conseguem proteger e rentabilizar os seus terrenos e as áreas integradas de gestão da paisagem permitem isso, uma gestão profissional dos terrenos. Isso tem que se acelerar, mas demora anos. E há ainda uma lição que retiramos dos incêndios: é que é nos meses a seguir que as pessoas estão disponíveis para colocar os seus terrenos nestas bolsas; porque depois, passado alguns meses, os eucaliptos voltam a romper e muita desta floresta arde de forma incontrolável. É preciso garantir a convivência do eucalipto com outro tipo de floresta e é preciso construir estes mosaicos.

Há cerca de um ano, na reprogramação do Plano de Recuperação e Resiliência, ainda no governo socialista, a gestão das florestas foi das poucas áreas que não foi reforçada. Isso faz sentido?
Porque já tínhamos, só para estas áreas integradas de gestão da paisagem, para os condomínios da aldeia e para as aldeias seguras, mais de 700 milhões de euros. Era um valor que foi considerado o suficiente e devo dizer-lhe, tomara que nós consigamos aproveitar essas verbas e bem aproveitadas. Pôr em operação uma área integrada de gestão da paisagem, só quem está a fazer este trabalho é que sabe as dificuldades. É preciso continuar o esforço de saber de quem são os terrenos e que áreas é que têm. No ano passado temíamos muito severamente a ocorrência de um fenómeno destes, porque as condições já estavam novamente criadas. Agora é preciso serenidade. Não é momento de julgamentos nem de aproveitamento, é momento de deixar as forças de segurança, os bombeiros e a Proteção Civil fazerem o seu trabalho e depois verificar a reforma da floresta. É muito importante mudar a legislação da propriedade, porque senão continuamos a ter hectares e hectares de terreno que não sabemos de quem são, relativamente aos quais ninguém se responsabiliza.

Autárquicas. “O meu perfil é mais operacional, mas estou a aproveitar a AR para aprender muito”

O seu nome é recorrentemente falado como candidata autárquica em Coimbra. Ainda está a refletir? Já terminou essa reflexão, independentemente da decisão do PS para o município?
Tenho aproveitado esta estadia na Assembleia da República para aprender muito com o trabalho muito interessante e profícuo que se faz. Sou presidente da comissão de Saúde, estou noutras comissões, na de Educação e Ciência, na de Economia e Obras Públicas e Habitação e estou também na comissão parlamentar de inquérito das gémeas luso-brasileiras, portanto, tem sido um trabalho muito intenso. Ainda assim, o meu perfil é muito mais operacional e estou a refletir de forma séria se aceito ou não o desafio de me candidatar à Câmara Municipal de Coimbra. Se aceitar o desafio, será uma candidatura com um projeto que deve ser transversal à sociedade de Coimbra. Coimbra é um segredo muito bem guardado, demasiado bem guardado. É um diamante em bruto por explorar e está neste momento a sofrer transformações muito grandes com o sistema de mobilidade do Mondego, continuará com a alta velocidade, mas tem tudo para ser um caso de sucesso.

"Hoje também temos formas mais flexíveis de exercer certas profissões e, portanto, é possível conciliar melhor, viver nestes territórios [do interior] e até trabalhar para outras empresas no mundo ou no país"

Sempre que há incêndios, fala-se muito da falta de pessoas no interior. Não há maneira de o Estado conseguir convencer as pessoas a irem para o interior, por mais programas que lance?
Estes incêndios não são propriamente no interior, é na zona de Aveiro. Uma vez escrevi um artigo que é a gestão do declínio, que tem que ver com o facto de dar e criar novas oportunidades a esses territórios que perderam população. Hoje já sentimos nos territórios do interior, mesmo aldeias que estavam desertas, novos habitantes. Esses novos habitantes muitas das vezes são de novos países ou até são pessoas que abandonam os territórios mais densamente povoados para esses locais. Essa mudança não se faz por decreto, faz-se criando incentivos. E os autarcas são muito importantes. Não é por nada que vai ao Fundão e nota uma mudança brutal, ou a Ponte de Sor, a Évora. Um fator muito importante nestes territórios é que a transição energética e ambiental tornaram estes locais mais atrativos. Hoje também temos formas mais flexíveis de exercer certas profissões e, portanto, é possível conciliar melhor, viver nestes territórios e até trabalhar para outras empresas no mundo ou no país.

Mas ainda existem lacunas de infraestruturas
São precisos fatores de atratividade e espero que o Governo dê seguimento ao concurso para instalar internet em todos os locais. É preciso assegurar infraestruturas e qualidade de vida, que também significa que estes territórios nunca vão ser de grandes massas, até porque se queremos ter o turismo sustentável não é com o turismo de massas que se faz nestes territórios. O que temos que garantir é que as pessoas que vivem nestes locais têm igualdade de oportunidades face aos que estão noutras geografias.

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