Ana Gomes não tem dúvidas: na hora da despedida do Governo, Pedro Nuno Santos tem razões para sorrir porque ganhou espaço para marcar o seu próprio ritmo. “Não afeta as ambições que Pedro Nuno Santos tem para o país, vai sempre lutar com elas, esteja onde estiver. O país precisa de homens e mulheres como ele, que têm um projeto para o país, ambição, que falam com transparência e negoceiam com seriedade”, defende.
Em entrevista ao Observador, no programa “Semáforo Político”, a antiga candidata presidencial, numa aventura que contou com o apoio de Pedro Nuno Santos, diz que António Costa “está cansado, desapontado, desmotivado” e frustrado por não poder ira para a Europa, como alegadamente pretendia. “É por isso que não há aqui direção política, projeto, articulação entre os ministros”, acena.
A socialista também não poupa críticas a Fernando Medina e ao mantra das contas certas. “Estamos a ser mais papistas que os alemães”, lamenta, sem esquecer a confusão em torno de Alexandra Reis, recordando que os serviços jurídicos da TAP têm, “indiretamente”, uma relação com o ministro das Finanças — Medina é casado com Stephanie da Silva, antigo diretora jurídica da TAP — estava de licença de maternidade quando tudo aconteceu e deixou o cargo quando Medina assumiu as Finanças.
[Ouça aqui o Semáforo Político com Ana Gomes]
“Costa está cansado, desapontado, desmotivado”
Escreveu que Pedro Nuno Santos sai a tempo de revigorar o PS e teceu vários elogios ao ministro das Infraestruturas e Habitação. Dá para perceber que não acredita na morte política de Pedro Nuno Santos, mas depois disto tudo essa ambição não sai depauperada?
Teci vários elogios a Pedro Nuno Santos porque sinto que merece. Erros todos cometemos e ele decidiu assumir a responsabilidade política por um erro que foi cometido pelo seu próprio ministério. Não afeta as ambições que Pedro Nuno Santos tem para o país, vai sempre lutar com elas, esteja onde estiver. O país precisa de homens e mulheres como ele, que têm um projeto para o país, ambição, que falam com transparência e negoceiam com seriedade. Foi esse interlocutor também decisivo para que o Governo funcionasse quando iniciou funções no quadro da geringonça. Sabemos que Pedro Nuno Santos foi um dos artífices do funcionamento da geringonça.
Falava da forma como Pedro Nuno Santos pensa o futuro. É da quinta fila da bancada parlamentar que, nos próximos quatro anos, Pedro Nuno Santos fará o seu futuro?
Não estou a falar do futuro dele, estou a falar do futuro do país. São homens e mulheres com ambição e projetos reformistas para o país que fazem a diferença. Estamos a ver um Governo de maioria absoluta, com indiscutível legitimidade, em que o primeiro-ministro está cansado, desapontado, desmotivado. É por isso que não há aqui direção política, projeto, articulação entre os ministros. Não há sequer um elementar cuidado de fazer um escrutínio dos currículos de quem se coloca no Governo, ainda mais depois do caso Miguel Alves. Esse escrutínio não foi feito nem pelo primeiro-ministro, nem pelo ministro das Finanças que aceitou a senhora na equipa.
“O país não sai da cepa torta e não há desculpa”
Há mais explicações que deviam ser dadas por Fernando Medina? Devia ter tido a dignidade de Pedro Nuno Santos e ter saído do Governo?
Não. Fernando Medina fez, inteligentemente, aquilo que era inevitável fazer: demitir a senhora. Percebeu que era inevitável e tomou a atitude, fez um comunicado a dizer que era para preservar a autoridade política do Governo. Não ter havido escrutínio preocupa-me e há questões que podem bater na porta do Ministério das Finanças, com este ministro ou até com o anterior. Como é que se admite que numa empresa pública como a TAP um contrato seja confidencial? Porque é que não é aplicável o estatuto do gestor público? E, sobretudo, porque é que tendo a TAP um serviço de assuntos jurídicos foi preciso ir contratar um advogado fora e, logo por acaso, a sociedade de advogados do irmão do Presidente da República? Tudo isto é estranho.
Há demasiadas linhas cruzadas?
Há demasiadas linhas cruzadas que ainda têm de ser devidamente escalpelizadas.
O apuramento de responsabilidades políticas deve ficar por aqui ou António Costa não sai incólume porque um dos seus ministros mais fortes, Pedro Nuno Santos, se demite?
Isto afeta todo o Governo e, em primeiro lugar, o primeiro-ministro. Boa parte das disfunções deste Governo que emergiu das últimas eleições tem a ver com o facto de o primeiro-ministro não estar a fazer o seu trabalho. O trabalho de coordenação, de articulação entre os diversos ministros e da direção política. Qual é o projeto, as reformas de fundo? O que temos visto até agora é navegação costeira. Com isto o país não sai da cepa torta e não há desculpa. Não vemos o país ter um projeto, é o primeiro-ministro que tem de se mentalizar que a maioria absoluta lhe deu uma grande responsabilidade e que tem de estar à altura.
Diz-se que as crises são oportunidades. António Costa teria aqui oportunidade para fazer uma remodelação maior?
Não me parece sequer que seja de remodelação maior, esta já é suficientemente grande e profunda. Vai ser bem difícil substituir Pedro Nuno Santos e a equipa nesta pasta. A questão é: quem é que quer ir para um Governo nestas circunstâncias? A responsabilidade primeira é do primeiro-ministro. Também acho estranho que só tenha falado através dos spinners, para dizer que estava aborrecido. Esta é uma crise grave, vai ter que substituir a equipa do Ministério das Infraestruturas e Habitação e há muita coisa para esclarecer. Isto revelou um problema grave, que de certeza não se confina à TAP, que é o estatuto dos gestores das empresas públicas. É preciso saber outras indemnizações há para aí pagas em termos que ninguém sabe e que salários absurdos são pagos aos gestores públicos, muito acima dos membros do Governo e diretores-gerais.
“A paz dos cemitérios e o amém acrítico ao chefe é que são maus”
O novo ministro das Infraestruturas vai ter um grande trabalho depois de toda esta crise. Vê algum nome?
Não. O primeiro-ministro é que tem de fazer essa busca.
Marcelo Rebelo de Sousa deveria ter uma conversa séria com o primeiro-ministro?
A conversa mais séria que vi o Presidente da República ter, com António Costa, foi aquela que foi feita em público, no dia da tomada de posse. Disse ao primeiro-ministro que nem pensasse em sair agora que tem maioria absoluta. Sabia que esse era o projeto do primeiro-ministro e talvez isso explique boa parte da desmotivação.
Ainda é esse o projeto?
Terão que lhe perguntar. Pode ser que, subconscientemente, muito do cansaço e impaciência que o primeiro-ministro evidencia pode estar relacionada com a frustração a um projeto que tinha. Neste episódio triste foi o Presidente da República que conduziu o desenrolar desta meada e foi quem revelou que a indemnização solicitada pela engenheira Alexandra Reis era três vezes a obtida, por exemplo.
Ouvimos Eduardo Vítor Rodrigues dizer que há um aproveitamento deste caso que levou à demissão de Pedro Nuno Santos no interior do PS e que há quem queira prejudicar a vida interna do partido ao estar a falar já das ambições de Pedro Nuno Santos. Concorda com esta visão?
Faz parte do processo político saudável. Esta crise não foi, obviamente, desencadeada ou sequer conduzida pela oposição. Se houve oposição que conduzisse isto foi a que reside no Presidente da República. Isto tem tremendas consequências políticas para o Governo, para o país, mas também para o próprio PS. Mas isso não é mau, penso que é bom para o PS. A paz dos cemitérios e o amém acrítico ao chefe é que são mau para qualquer partido, em particular para o PS. Espero que a saída de Pedro Nuno do Governo signifique um revigorar do debate autocrítico no PS. Só pode fazer bem ao partido e à governação.
“Serviços jurídicos da TAP têm, indiretamente, uma relação com Medina”
Tem agora a possibilidade de atribuir sinais aos protagonistas políticos que quiser. A quem deva um sinal verde?
Estando Pedro Nuno Santos liberto de funções governativas tem mais tempo para fazer refletir a sua própria grande experiência no governo numa atitude de crítica leal dentro do PS, para que o PS melhore a sua atuação política.
E amarelo?
Para o primeiro-ministro há demasiados sinais de alerta. 10 ou mais demissões em nove meses é sinal de que há qualquer coisa que está mal. Penso que boa parte desse mal está com o próprio primeiro-ministro porque não está bem na sua pele. Sendo que tem grandes capacidades, terá que dar a volta. Tem de passar a fazer aquilo que ninguém pode fazer com ele, não há nenhuma formiguinha que possa substituir a direção política que só o primeiro-ministro pode dar aos diversos ministros.
Mais algum?
Sinal amarelo também para Fernando Medina. Discordo inteiramente da opção orçamental que fez, subscrita pelo primeiro-ministro, de impor o objetivo das contas certas como a Meca sendo que os serviços públicos essenciais estão realmente cheios de problemas. Estamos a ser mais papistas que os alemães. Neste caso concreto também não está inteiramente claro qual foi o papel dos serviços jurídicos da TAP que, indiretamente, também acabam por ter uma relação com o ministro Fernando Medina.