A conta de André Ventura, presidente do Chega e deputado eleito do terceiro partido com mais votos nas últimas eleições legislativas, foi banida definitivamente do Twitter na quarta-feira para, nesta quinta-feira, voltar a estar ativa. Ou seja, inicialmente não haveria volta a dar: o político não podia partilhar imagens, escrever ou sequer fazer um retweet de outras publicações da plataforma. Apesar de a decisão da empresa poder levantar questões quanto à liberdade de expressão na era digital, a situação não é nova. Em janeiro de 2021, Donald Trump, o ex-presidente dos EUA, foi também “suspenso permanentemente” por ter, segundo o Twitter, “incentivado à violência”. Porém, em agosto do mesmo ano, quando os talibãs voltaram a ascender ao poder no Afeganistão, a empresa foi criticada por permitir que líderes deste movimento extremista, como Suhail Shaheen, continuassem a tweetar. Como é que isto é possível? Tudo está ligado às “Regras do Twitter”.
Como outras redes sociais, caso por exemplo do Facebook — que apenas baniu Donald Trump provisoriamente e onde André Ventura continua a ter contas públicas –, o Twitter tem um conjunto de regras públicas que utiliza para gerir a plataforma. Chamam-se “Termos de Condições” e incluem as já referidas “Regras do Twitter”. Logo no início desse documento, lê-se: “O propósito do Twitter é servir o diálogo público”. E adianta-se: “Violência, assédio e outros tipos de comportamento semelhantes desencorajam as pessoas a se expressarem e, em última análise, diminuem o valor do diálogo público global”. Esta é a base para, por exemplo, a rede social banir Donald Trump e outros políticos — Pedro Frazão, outro dos deputados do Chega, também foi banido definitvamente no dia 15 — e não ter grandes problemas legais. Em todo o mundo, e mesmo com tensões em países como a Índia, o Twitter apenas é proibido na China, Irão, Coreia do Norte e no Turquemenistão, como conta a Time.
Perda de imunidade e acusações de “traição” à rede social. O que se passa com o Twitter na Índia
A jurisprudência dos Estados Unidos, onde o Twitter tem a sede principal, e dos Estados-membros da União Europeia tem permitido que a rede social tome sozinha decisões tendo em conta aquilo que considera “tópicos proibidos”. “Glorificação” e “promoção” da violência, “exploração sexual de crianças” ou “venda de produtos ilícitos” são apenas alguns destes temas. Não é permitido também, por exemplo, a “violação de propriedade intelectual” ou “criar contas que finjam ser de outro individuo, grupo ou organização”.
Por outras palavras, e como é referido nos mesmos termos: ao inscrever-se na rede social, um utilizador aceita que está sujeito às decisões da empresa se tocar num destes tópicos de forma errada, seja violando leis nacionais, que já impõem limites quanto à maioria dos temas, seja violando a lei do Twitter.
Trump continua banido, o líder supremo do Irão foi expulso, mas o talibã Suhail Shaheen faz publicações regulares
O caso de Donald Trump continua a ser paradigmático para perceber como é que o Twitter impõe as suas regras. Por ter feito publicações que o Twitter considerou que incentivaram a violência que levou ao ataque ao Capitólio em 2021, a empresa nem sequer permite que o antigo Presidente crie novas contas. Desta forma, Trump é persona non grata na rede social e o principal exemplo de que o Twitter bane até quem está no poder (Donald Trump ainda era presidente quando foi afastado). O afastamento levou Trump a ripostar e criar uma rede social bastante semelhante ao Twitter que foi lançada oficialmente esta semana, a Truth Social.
Devido às críticas, e ao contrário do que costuma fazer — os cantores Kanye West e Nicky Minaj já tiveram as contas suspensas e não houve tanto alarido e Steve Bannon, antigo conselheiro de Trump, continua afastado desde novembro de 2020 –, a empresa justificou a decisão de banir o antigo Presidente num comunicado.
“Após uma análise detalhada dos tweets recentes da conta @realDonaldTrump e do contexto em torno destes – especificamente como estão a ser recebidos e interpretados dentro e fora do Twitter – suspendemos permanentemente a conta devido ao risco de incitação à violência”, escreveu a empresa. Neste comunicado, a rede social adicionou outro dado para quem quer perceber melhor a forma como aplica as suas regras: “Deixámos claro há anos que essas contas [de líderes mundiais e políticos eleitos] não estão acima das nossas regras e não podem usar o Twitter para incitar à violência, entre outras coisas”.
Em agosto de 2021, a empresa foi confrontada por permitir que líderes de movimentos radicais, como Suhail Shaheen, porta-voz dos talibãs no Afeganistão, usassem a rede social regularmente. Na altura, em resposta ao Observador, a empresa disse apenas que “a situação no Afeganistão está a evoluir rapidamente”. E referiu ainda: “Também estamos a testemunhar pessoas no país usando o Twitter para procurar ajuda e assistência”, deixando a promessa de que “a principal prioridade do Twitter é manter as pessoas seguras e permanecemos vigilantes”. Quanto à questão de permitir que responsáveis talibãs utilizassem a rede social, nada disse.
[Abaixo, uma publicação de Suhail Shaheen, porta-voz do governo talibã do Afeganistão, feita a 14 de fevereiro]
The first batch of graduates of the Academy of Police in Kabul, following the establishment of the Government of the Islamic Emirate of Afghanistan. pic.twitter.com/rRgxZs7Hqq
— Suhail Shaheen. محمد سهیل شاهین (@suhailshaheen1) February 14, 2022
Ao que o Observador apurou nesse mês, apesar de Suhail Shaheen pertencer a um movimento que viola os Direitos Humanos, não faz apelos diretos à violência na rede social. Ou seja, mesmo que o Twitter não concorde que líderes desta organização possam estar na rede social, o simples facto de estar na plataforma não viola as tais “regras”. Para isso, tem de haver tweets concretos.
Exemplos de tweets concretos são os de Ali Khamenei, o líder supremo do Irão. Foi preciso que Khamenei partilhasse um vídeo com uma animação de um drone a apontar para Donald Trump para que a sua conta fosse banida permanentemente. E isso só aconteceu em janeiro de 2022 — antes disso, o líder iraniano já era tido como controverso.
Outro caso polémico aconteceu em 2021, quando se deu a expulsão permanente da conta da organização “Nation of Islam”, gerida por Louis Farrakhan. O clérigo muçulmano norte-americano é conhecido por promover várias “teorias da conspiração antissemitas”. Contudo, foi preciso que fossem publicados tweets a desacreditar as vacinas contra a Covid-19 para a contar ser banida, como conta o The Jerusalem Post.
Mas André Ventura está banido porquê? Não se sabe bem, mas uma coisa é certa: terá infringido as regras do Twitter
O Twitter suspende ou bane contas diariamente — só em outubro de 2021 fechou definitivamente 34 mil contas, como contou o Business Insider. O Observador contactou o Twitter na quarta-feira para perceber as razões da decisão e se esta era ou não reversível — apesar de na mensagem a que o jornal teve acesso estar claro que não haveria um restabelecimento da conta — e voltou a fazê-lo esta quinta-feira, não tendo, até ao momento, obtido qualquer resposta.
Na quarta-feira, André Ventura, porém, teve acesso a mais informações quanto ao motivo pelo qual a sua conta foi banida. De acordo com o email em inglês enviado ao líder do Chega, a que o Observador teve acesso, a conta do político “foi suspensa e não vai ser restaurada porque violou os Termos e Condições do Twitter, especificamente as Regras do Twitter contra a conduta de ódio [hateful conduct, em inglês]”. “É contra as nossas regras promover a violência contra ou atacar diretamente ou ameaçar outras pessoas tendo por base raça, etnia, nacionalidade, orientação sexual, identidade de género, crenças religiosas, deficiências ou idade”, adiantou a empresa ao deputado.
Esta justificação não esclarece todas as dúvidas. Que publicação ou publicações estiveram na origem desta expulsão? Foi só a conta que foi banida e André Ventura pode criar outra (no email apenas é referido que a conta foi suspensa, não o utilizador)? Se André Ventura passar a utilizar a conta do Chega para fazer tweets, é uma violação dos termos?
O Twitter tem uma plataforma interna que permite “recorrer do bloqueio ou da suspensão de uma conta”. Ao Observador, André Ventura não adiantou se já fez o pedido formal através deste mecanismo para tentar reativar a sua conta. No passado, numa das outras três vezes em que foi suspenso, o político disse que terá utilizado este serviço e “ganhou”, vendo a sua conta reativada. Além disso, disse que pondera recorrer para a justiça, mas não adiantou em que moldes.
André Ventura acredita que poderá estar em causa uma publicação em que partilhou uma foto onde se lê “Só o Chega percebe os riscos da imigração islâmica descontrolada”. A publicação continua ativa no Facebook, onde o presidente do partido escreveu: “A Europa corre grande perigo e só o Chega tem a coragem de o dizer. Os outros escondem-se, refugiam-se no politicamente correto, e colocam-nos a todos em risco!”.
Segundo as regras do Twitter sobre “hateful conduct“, este comentário poderá ir contra a proibição de os utilizadores “direcionaram a outras pessoas insultos repetidos, ou outro conteúdo que pretenda desumanizar, degradar ou reforçar estereótipos negativos ou prejudiciais sobre uma categoria protegida (…) Também proibimos a desumanização de um grupo de pessoas com base na sua religião, casta, idade, deficiência, doença grave, nacionalidade, raça, etnia, género, identidade de género ou orientação sexual”.
*Artigo atualizado às 22h23 de 24 de fevereiro com a informação de que a conta de André Ventura voltou a estar ativa.