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"António Costa tem utilizado a chantagem de uma crise política para para não negociar"

Em entrevista, José Gusmão, eurodeputado bloquista, acusa Costa de ter fechado os canais de diálogo à esquerda para tentar precipitar uma crise política. Mas insiste: o Bloco faz parte da solução.

Preferir, José Gusmão preferia negociar com o PS de Pedro Nuno Santos. Para já, no entanto, é com António Costa que o Bloco de Esquerda tem lidar. O eurodeputado e dirigente bloquista entende que o primeiro-ministro tem acenado com a ameaça de uma crise política para fazer “chantagem” à esquerda. Mas o Bloco, garante, está onde sempre esteve: disponível para negociar e para encontrar soluções para o país.

Em entrevista ao Observador, no programa “Vichyssoise”, José Gusmão recusa leituras catastrofistas das eleições presidenciais, mas reconhece que o efeito Marcelo Rebelo de Sousa foi fatal junto do eleitorado do Bloco de Esquerda.

Noutra frente, a dos atrasos na entrega de vacinas aos vários Estados-membros, o eurodeputado aponta diretamente o dedo às farmacêuticas e defende que só a libertação das patentes e a produção em massa de vacinas pode ajudar a ultrapassar o problema. “A vacina é um direito humano para uma pandemia que está a provocar mais de 10 mil mortos por dia”, sublinha.

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Tem sido muito crítico da gestão que a Comissão Europeia tem feito da aquisição de vacinas contra a covid-19 e chegou mesmo a defender que os Estados deviam quebrar as patentes para permitir a produção mais acelerada da vacina. A Europa falhou?
Há um aspeto da resposta europeia que eu não critiquei e não critico, que foi o de financiar o processo de desenvolvimento acelerado da vacina, que aliás também aconteceu nos EUA e no Reino Unido, quer através de financiamento direto quer através de várias disposições legais de compromissos de compra que basicamente visavam eliminar todo o processo de risco que está associado ao desenvolvimento de qualquer medicamento. E de alguma forma tentar acelerar o processo de desenvolvimento da vacina assegurando financiamento e acatando com os riscos.

Mas nesse processo os estados-membros da União Europeia não garantiram para si a patente, portanto, não podem produzir a vacina e estão no fundo dependentes das farmacêuticas, é isso?
Exatamente. Enquanto noutros países foram colocadas condições que asseguraram de uma forma muito mais sólida a proteção desses países (e depois aqui há outro problema, que é uma abordagem egoísta e irresponsável à escala global), noutros isso não aconteceu. Ou seja, países como os EUA e sobretudo como o Reino Unido protegeram-se de outra forma no ponto de vista de assegurar os termos em que a vacina seria comercializada. O caso do Reino Unido é especial porque a vacina foi desenvolvida na universidade de Oxford e foram os próprios investigadores que colocaram condições no âmbito da negociação com a AstraZeneca para que pudesse comercializar a vacina, e uma dessas condições era que a vacina teria de ser comercializada a preço de custo durante a pandemia. Aqui a questão não é tanto a de saber se vai ser exatamente assim, tenho muitas dúvidas, mas o problema fundamental é o de assegurar que toda a capacidade de produção de vacinas é esgotada e ampliada.

"A vacina é um direito humano para uma pandemia que está a provocar mais de 10 mil mortos por dia. E existe um normativo, e também um histórico, de direito internacional que autoriza o levantamento de patentes"

E é aí que entra a ideia de que a patente devia ser libertada. Isso não criaria um problema de confiança na relação dos estados com as farmacêuticas, agora e no futuro? Foi esse o argumento invocado pela presidente da Comissão Europeia.
Não colocaria nem no presente nem no futuro, nem no passado, quando isso já aconteceu por diversas vezes. Charles Michel, presidente do Conselho Europeu, numa carta a vários estados-membros, abriu a possibilidade do levantamento de patentes. E quem se tem pronunciado publicamente sobre as normas internacionais de proteção das patentes não terá muito conhecimento sobre o que essas normas efetivamente dizem. Esta questão está regulada à escala internacional por um acordo da Organização Mundial do Comércio e esse acordo prevê que os Estados-membros podem levantar a proteção legal das patentes e especifica as condições em que o podem fazer.

Mesmo que esse acordo de patentes fosse quebrado, nós não teríamos onde produzir as vacinas. Quem é que as produziria e como?
Nós, Portugal, temos muito pouca capacidade de produção de medicamentos. Tanto quanto sei existe o laboratório militar e pouco mais. Mas isso depende também de que vacinas estamos a falar, porque duas das que já estão a ser administradas utilizam uma tecnologia recente, e outras (como a de Oxford) utilizam técnicas mais conhecidas. A questão é que existe um debate que é a necessidade dos países, por razões de segurança sanitária, terem capacidade de produção de medicamentos próprios.

Mas neste momento não existe, aparentemente, essa capacidade de produção. Então quem é que produziria essas vacinas?
Há centenas de laboratórios pelo mundo inteiro com capacidade de produção de medicamentos. O que está em causa é esgotar a capacidade de produção de vacinas a nível mundial, levantando os direitos de propriedade que protegem essas patentes. E há excelentes argumentos para o fazer: desde logo o financiamento público direto e as garantias que foram atribuídas às empresas farmacêuticas para desenvolverem estes medicamentos, e, depois, o facto de não estarmos a falar de analgésicos para a dor de cabeça. A vacina é um direito humano para uma pandemia que está a provocar mais de 10 mil mortos por dia. E existe um normativo, e também um histórico, de direito internacional que autoriza o levantamento de patentes, assim como existe uma experiência sobre as consequências trágicas da imposição de direitos de propriedade industrial no contexto de catástrofes sanitárias.

“É absolutamente evidente que o OE2021 não serve para o país”

O BE tem viabilizado sempre a renovação de estados de emergência no Parlamento, como vê a resposta que o Governo tem dado a esta crise pandémica e social?
Há vários planos, nós desde o Orçamento Suplementar de 2020 que fomos manifestando preocupações em relação à dimensão da resposta orçamental a dois níveis diferentes. No financiamento da resposta do SNS e também com a resposta económica e social porque as medidas adotadas no estado de emergência têm consequências dramáticas numa série de setores muito importantes de atividade económica. Essas medidas são necessárias, mas têm de ser complementadas por apoios económicos e sociais às pessoas e sobretudo às micro, pequenas e médias empresas. O que aconteceu é que viabilizámos o Orçamento Suplementar porque previa um aumento de despesa para fazer face a essas necessidade…

E depois já não viabilizaram o Orçamento para 2021. É possível, no próximo ano, o BE sentar-se à mesa com o Governo para negociações orçamentais?
Não, vamos sentar-nos à mesa do PS de certeza absoluta. Este é o momento em que temos de encontrar as respostas para a situações em que se encontra o SNS e à situação em que se encontra a economia. Vamos fazê-lo de acordo com a leitura que fazemos sobre o Estado em que está o SNS e os problemas que vão colocar-se à economia, muitos dos quais estão escondidos por medidas provisórias, como o lay-off ou as moratórias sobre rendas ou créditos. Esses problemas pendem sobre a economia. Estaremos disponíveis não só para debater o Orçamento do Estado para 2022 como também eventuais alterações ao Orçamento do Estado 2021 que permitam melhorar a resposta dada tanto no plano sanitário como na resposta económica e social.

O BE rompeu no último Orçamento e teve nestas Presidenciais uma derrota pesada. Não pode ter sido o primeiro sinal do eleitorado depois de ter, como disse António Costa desertado?
Olhando para a nossa votação e a do PCP, que viabilizou o OE…

Mas a queda do BE foi muito maior comparativamente a 2016.
Os fatores explicativos por trás da queda também são muito variados. Nestas eleições tratava-se de uma reeleição, o que normalmente significa que os resultados das outras candidaturas são mais baixos, e a candidatura de Ana Gomes gerou uma dinâmica de disputa dobre o segundo lugar que foi muito evidente. Um dado que é mais ou menos consensual na análise dos resultados presidenciais é que o BE perdeu sobretudo e em primeira linha votos para Marcelo rebelo de Sousa, mais até do que para Ana Gomes e para o PCP. No eleitorado do BE houve muita gente que reconheceu o papel de Marcelo Rebelo de Sousa na viabilização da solução política da geringonça e, de uma forma geral, em alguma descrispação entre a Presidência e a democracia de uma forma geral como existiu no tempo de Cavaco Silva.

"No eleitorado do BE houve muita gente que reconheceu o papel de Marcelo Rebelo de Sousa na viabilização da solução política da geringonça"

Na moção que a atual direção do BE vai levar à discussão  e a votos o partido acusa o PS de estar a colar-se ao centro e o PCP de estar a ser cúmplice dessa deriva do PS. O que o BE pretende ao dramatizar desta forma esta questão? Apelar ao voto útil à esquerda?
Há alguns dados que são muito evidentes. Recordo que na noite eleitoral, o BE se mostrou disponível para um novo acordo para quatro anos, para uma geringonça 2.0. O PCP colocou-se imediatamente de fora dessa hipótese e alguns dias depois António Costa disse que queria fazer negociações orçamento a orçamento. Ora, o que se passou a partir daí foi que cada discussão orçamental foi marcada por uma ameaça sistemática, o que era previsível, de que se o Orçamento não fosse aprovado teríamos uma crise política. E portanto, os termos do diálogo à esquerda mudaram muito, para pior e por uma opção do PS.

"Que o primeiro-ministro tem utilizado a chantagem de uma crise política para não negociar políticas de Governo ao contrário do que aconteceu no ciclo político anterior isso é público, notório e evidente. Mas isso não nos vai impedir"

Mas isso significa que neste momento não há espaço para esse diálogo à esquerda que inclua estes três partidos?
Continua a haver espaço para esse diálogo. Agora os termos desse diálogo alteraram-se. Deixámos de ter um acordo político que viabilizava um horizonte de estabilidade e continha um conjunto de medidas que tinham sido impostas pelos partidos à esquerda do PS e passámos a ter uma negociação à peça.

O que o Bloco quer dizer com esta moção é que à esquerda só o Bloco?
Não, de todo. Mas a partir do momento em que passámos a ter negociações Orçamento a Orçamento, o Bloco tem de avaliar os Orçamentos pelo seu mérito intrínseco. E o que já podemos ver é que a meio de fevereiro de 2021 já é absolutamente evidente que o Orçamento do Estado para 2021 não serve para o país. Essa é a avaliação que podemos fazer.

Acredita que António Costa pode precipitar uma crise política para, de alguma forma, se libertar dos bloqueios à esquerda?
Não vou especular sobre o que está na cabeça do primeiro-ministro. Que ele tem utilizado a chantagem de uma crise política para não negociar políticas de Governo ao contrário do que aconteceu no ciclo político anterior isso é público, notório e evidente. Mas isso não nos vai impedir de estarmos disponíveis para corrigir o Orçamento do Estado para 2021 para que possa dar uma resposta adequada para a situação que o país está a viver e, naturalmente, discutir Orçamentos futuros como temos feito.

"Preferia ser parceiro de coligação do PS liderado por Pedro Nuno Santos ao PS liderado por Fernando Medina"

Temos de avançar para a segunda parte da nossa refeição, o “Carne ou Peixe”. Recordo que só pode escolher uma opção desta ementa. Preferia o Sporting campeão nacional ou ter Catarina Martins como vice-primeira-ministra de um Governo de António Costa?
Tendo em conta que a segunda hipótese não se coloca e reconhecendo que sou um bocadinho parcial em relação à primeira optaria pela primeira.

Sabemos que gosta (e tem jeito) para jogar futebol. Gostava de fazer uma carrinhada a Paulo Rangel ou a Pedro Silva Pereira?
Uma carrinhada?

Sim, um carrinho, uma entrada de carrinho.
Não, sou um jogador viril mas leal. 

Preferia ser parceiro de coligação do PS liderado por Pedro Nuno Santos ou do PS liderado por Fernando Medina?
Do PS liderado por Pedro Nuno Santos.

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