Menos de 24 horas depois de um debate duro no Parlamento entre Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos e da contraproposta “irrecusável” que o primeiro-ministro apresentou ao secretário-geral do PS, António Leitão Amaro está muito bem disposto. “Sou um otimista”, é das primeiras frases que diz ao receber a equipa do Observador, no 8.º piso da ‘nova’ Presidência do Conselho de Ministros, na Av. João XXI, em Lisboa.
Apesar de tudo, os sinais dados pelo PS não são totalmente animadores, nomeadamente em torno das duas questões que mais têm animado o debate orçamental: o IRS Jovem e a redução do IRC. Em entrevista ao Observador, no programa “Sob Escuta”, Leitão Amaro admite ligeiros ajustes, mas deixa antever que o Governo não estará disposto a ceder ainda mais nestas duas matérias. “Os termos gerais estão estabelecidos e o essencial está largamente estabilizado”, vai repetindo.
Ao mesmo tempo, o ministro da Presidência dramatiza ao ponto de dizer que a margem de Pedro Nuno Santos para rejeitar esta proposta do Governo é quase nula. “Os portugueses não compreenderiam. É irrecusável. Era de quem quereria eleições numa altura em que ninguém no país quer. O interesse nacional é que este acordo seja aceite”, atalha.
Esta entrevista tem também uma parte dedicada inteiramente ao tema da imigração, tema que está sob tutela de António Leitão Amaro. O ministro da Presidência anuncia que, até ao final do mês de outubro, vão estar abertos entre 13 a 15 centros deslocalizados da AIMA — Agência para a Integração, Migrações e Asilo, aumentando a capacidade de atendimento para 3.000 pessoas por dia para legalizar os 400 mil imigrantes que estão em situação irregular. E revela que vai propor às confederações empresariais um acordo-quadro para captar pessoas diretamente e de forma proativa nos países de língua oficial portuguesa.
“Ceder mais no IRC? Os termos estão estabelecidos”
Numa primeira reação à contraproposta do Governo, Alexandra Leitão falou de duas medidas que queimam neste Orçamento: IRC e IRS Jovem. Começando pelo primeiro. A líder parlamentar socialista disse que não concorda com esta nova alternativa do Governo para o IRC porque discorda por completa medida. Uma pergunta muito concreta: o Governo está disposto a deixar cair completamente a redução do IRC?
O essencial da contraproposta do Governo está apresentado e ela representa uma grande aproximação com cedência em aspetos importantes. O essencial está largamente estabilizado. O próprio PS assumiu que a margem para mais alterações agora é muito estreita. Diria que os termos gerais de uma possível viabilização estão definidos. Há uma disponibilidade naturalmente para mais alguns ajustes, mas estamos sempre a falar de ajustes à margem. Como o próprio PS reconheceu, depois de uma aproximação tão grande do Governo, a margem de aproximação estreitou-se muito
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Mas Alexandra de Leitão disse o seguinte: “O ponto [no IRC] não é ser ponto percentual ou dois pontos percentuais; é ter uma política pública da qual o PS discorda, nomeadamente por ter uma descida de IRC generalizada. A líder parlamentar socialista voltou a falar novamente em linha vermelha. A pergunta é: o Governo vai ou não ceder ainda mais no IRC?
Na sua proposta de 27 de setembro, o PS queria uma redução do IRC para as empresas, com medidas seletivas. Aproximámos posições, adotando todas as medidas de redução seletiva apresentadas pelo PS e mitigando significativamente a nossa redução transversal. Depois tinha três preocupações de despesa pública que nós, obviamente com contornos próprios, também seguimos nessa mesma direção. Há uma aproximação muito grande para criar condições para a viabilização. Mas o Orçamento continuará a ser do Governo. Por isso, tem que espelhar de uma certa maneira o Programa do Governo, um Governo assente numa maioria relativa. Ouvi a líder parlamentar do PS dizer que é uma margem já estreita para mais ajustes, mas poderão existir alguns. Agora, as grandes linhas estão estabilizadas.
Está a fazer uma leitura muito benevolente das palavras de Alexandra Leitão, que se referiu à redução do IRC como uma linha vermelha que se mantém. Daí, a pergunta muito concreta: o Governo admite ou não revisitar novamente a proposta do IRC?
Repito: o PS fez uma proposta, percebemos a importância de cada um dos temas e fizemos uma grande aproximação. Creio que o país todo percebe, hoje, que o Governo fez mesmo uma aproximação muito grande.
Então não há mais mexidas no IRC? Só mesmo para passarmos a outro ponto.
Há alguns ajustes que podem ser feitos dentro de uma margem estreita de transformação. Mas os termos qualitativos, a natureza e a direção da aproximação, estão estabelecidos. As preocupações do PS, todo o tipo de propostas que queria, tiveram acolhimento da nossa proposta. Portanto, estão estabelecidos os termos. Creio que o Partido Socialista reconheceu isso e percebeu isso.
Um exemplo prático: o PS, agora na sua contaproposta, insiste que a redução transversal do IRC deve cair. Isso vai ser interpretado pelo Governo como uma forma que o PS encontrou de romper as negociações?
Ninguém compreenderia que o PS ou Governo procurasse agora adotar posturas inflexíveis, radicais. Isso era incompreensível. Não vou estar a comentar cenários de contrapropostas. Respeito o espaço negocial. Todas as nossas propostas, contrapropostas e comentários a propostas foram transmitidas em reuniões de delegação.
“É melhor uma redução séria de impostos do que um ideal que não sai da gaveta”
Falemos então sobre o IRS Jovem, que é outra questão que também motivou muita discussão neste Orçamento de Estado. A líder parlamentar socialista reconheceu que houve uma aproximação, mas disse o seguinte: o PS não concorda com o alargamento do modelo atualmente em vigor de 5 para 13 anos de aplicabilidade e, no limite de idade, dos 30 para os 35 anos. Pergunta: o Governo está disposto a ceder mais?
Alexandra Leitão disse que o essencial no IRS Jovem tinha sido alcançado.
Não, não disse só isso. Disse que não concorda com a questão dos 35 anos e com o prazo de 13 anos. O Governo cede ou não?
Temos disponibilidade para continuar a conversa e haver mais alguns ajustes. Mas esses ajustes são dentro de uma margem estreita. A natureza das medidas, o tipo de equilíbrio e do acordo possível está estabilizado. Há uma margem de negociação, mas, como o próprio PS diz, é muito estreita.
A proposta do PSD para o IRS Jovem é antiga. Chegou a ser levada ao Parlamento ainda António Costa era primeiro-ministro – que a rejeitou e introduziu o modelo que hoje vigora. Nessa altura, António Leitão Amaro disse o seguinte: “O primeiro-ministro não apresentou mais do que remendos e é incapaz de uma resposta estrutural. As propostas do PSD, essas sim, são estruturais e fariam a diferença”. Uma vez que o atual Governo recuperou um modelo que considerava não estrutura, podemos concluir que este Governo está agora a oferecer aquilo que nas suas palavras de há um ano, era um simples “remendo”?
Sejamos sérios. Esse comentário foi feito para uma série de respostas do governo de então às nossas medidas, que incluíam coisas como passes, cheques de livros e o tal modelo IRS Jovem. A versão que o Governo agora pretende para a juventude é um conjunto que inclui medidas muito fortes no caso da habitação, que foram adotadas e estão em vigor.
O modelo de IRS Jovem é o mesmo.
Mas há uma diferença grande. É uma medida indeterminada. Não é uma solução para 3, 4 ou 5 anos, e que não termina para muitos aos 25 ou para outros aos 30. Na proposta que fizemos, o valor é de 645 milhões. É muito mais do que estava em vigor antes.
E que fica aquém daquilo que o PSD apresentou no programa eleitoral, com o qual fez campanha. Isso não defrauda as expectativas dos eleitores?
Digo sempre: é melhor uma redução séria e grande de impostos do que um ideal que não sai da gaveta.
Mas quebra-se uma relação de confiança com os eleitores.
Por darmos aos jovens a maior redução de impostos que já tiveram?
Porque a AD fez uma campanha em nome do IRS Jovem, está no programa de Governo, houve várias intervenções nesse sentido, e o modelo é muito diferente daquele que foi prometido.
Apresentámos ao Parlamento essa proposta. Os partidos não estavam disponíveis para dar uma maioria que aprovasse o Orçamento e aprovasse estas medidas. O que nos fez refletir e dizer que queremos esta redução de 645 milhões de euros de impostos para os jovens, além dos 60 milhões de IMT e da isenção do imposto de selo. E queremos que esse caminho vá continuando, com os cheques da nutricionista, os cheques de saúde mental, que são outras medidas importantes. Queremos que possam ser implementados e, para isso, precisamos de um orçamento. Pegámos, e bem, naquilo que era um regime que existia, numa vontade expressa pela atual liderança do PS, que era alargar o IRS Jovem que existia, e introduzimos-lhe ampliações no tempo, na idade de duração, na idade limite e nos limites de rendimento.
E acredita, portanto, que o PS não tem alternativa a não ser viabilizar o Orçamento.
Acho que o PS não tem alternativa a não ser viabilizar o Orçamento. Acho que a proposta é irrecusável.
Pedro Nuno Santos, a propósito de propostas irrecusáveis, disse que preferia perder as eleições a abdicar das suas convicções. Numa leitura mais cínica, é possível concluir que o governo preferiu abdicar das suas convicções para se manter no poder.
Não. O governo conseguiu, em nome do interesse nacional, encontrar um caminho para que as suas convicções, na medida da maioria que têm, possam ser implementadas. Notem isto: com este pacote da contraproposta, propomos aos portugueses um desagravamento de impostos, uma redução de impostos de cerca de 1.200 milhões de euros. Estamos a cumprir, talvez, a grande mensagem eleitoral da AD: viemos para reduzir impostos, mantendo o equilíbrio orçamental. Lembram-se de termos andado estes anos a dizer que as contas certas precisam do corte do investimento público, não permitem valorizar os professores, os polícias, os militares e não permitem outra coisa que não fosse aumentar a carga fiscal? Essa realidade está a ser negada. Estamos a demonstrar que a tal convicção – baixar impostos, valorizar aquelas carreiras e reforçar o investimento público no PRR – é possível.
Admitindo que Governo e PS chegam a um entendimento. O Governo deve exigir um compromisso público por parte de Pedro Nuno Santos de que o PS não vai aprovar medidas na especialidade contra a vontade do Executivo?
Não vou fazer aqui exigências desse tipo aqui. Agora, parece-me completamente evidente que, havendo um acordo para viabilização, é a viabilização de um certo Orçamento e não de um Orçamento descaracterizado, é evidente. Portanto, havendo um acordo de viabilização, é para aquele orçamento; não é para aquele orçamento e depois a sua descaracterização.
Alexandra Leitão já veio alertar que o debate na especialidade é uma outra discussão. Pode haver, de facto, votações cruzadas entre o PS e os Chega. Se isso acontecer, o Governo pode recusar aplicar um Orçamento que não é o seu?
É uma outra discussão, que é tida no contexto da viabilização do orçamento.
Então, não vai pedir uma garantia ao PS de que vai aprovar na especialidade?
Não vou pedir nada ao PS através da comunicação social, por muito respeito que tenha. É um dos temas que já foi conversado, e não apenas com o PS. A todos os partidos com quem reunimos dissemos que iríamos introduzir medidas dos que estivessem disponíveis para a viabilização de um Orçamento com aquelas características, aquela natureza. Isso é o que faz sentido.
“Acordo com o Chega a quatro anos é pedir o impossível”
O Governo já não vai negociar com o Chega?
O Governo, neste momento, está a negociar com o PS. Não tenho mais nada a dizer sobre nenhum outro partido.
O Chega voltou a colocar-se fora de qualquer espécie de negociação?
Já se colocou fora, dentro, colocou-se fora e dentro, com condições que mudavam. Umas vezes era um referendo, outras vezes era um acordo de longo prazo. Acho que os portugueses já sabem hoje, cada vez mais, que essas hesitações, essas confusões e mudanças de opinião mostram que é uma posição que, cada vez, serve para menos.
Imaginando que Pedro Nuno Santos se coloca fora das negociações, André Ventura exigiu um acordo para quatro anos como contrapartida para a viabilidade do orçamento do Estado. O governo está disponível para negociar esse acordo quatro anos que o chega, caso isso esteja necessário?
O primeiro-ministro respondeu a isso no Parlamento. Isso é pedir o impossível. E foi mais uma forma de auto-exclusão, tal como o Presidente da República respondeu muito bem a propósito do referendo sobre a imigração, uma condição impossível, que é política e juridicamente um absurdo. Faz tudo parte daqueles momentos de auto-exclusão. Mas, sinceramente, acho que temos de pensar e de estar focados em quem tem disponibilidade e é assim que leio os sinais que vêm do PS.
“Se o PS chumbar o Orçamento, é porque quer ir a eleições”
O Presidente da República já sugeriu que não aceitará um cenário de duodécimos. Luís Montenegro disse-o também. Se o Orçamento do Estado for chumbado, deve haver eleições?
O primeiro-Ministro já respondeu, não tenho nada a acrescentar.
Portanto, sim, deve haver eleições antecipadas.
Não tenho nada a acrescentar. Só estamos focados na viabilização do Orçamento. E o primeiro-ministro disse claramente: não queremos eleições.
Mas dependem da decisão do PS. Se o PS decidir em sentido contrário, o Governo pode ou não governar em duodécimos.
É isso mesmo: a decisão de haver ou não eleições é do PS.
Na verdade, é de Marcelo Rebelo de Sousa, que em 2021 decidiu nesse sentido. O Presidente da República deveria ou não ser coerente?
Não vou transferir responsabilidades da decisão ao Presidente da República quando a responsabilidade da decisão neste momento é do PS.
O ministro Manuel Castro Almeida, por exemplo, disse claramente que se o PS chumbar este Orçamento é porque quer ir a eleições.
Se o PS chumbar o Orçamento, é porque quer ir a eleições. Temos a certeza.
O cenário de eleições antecipadas ainda não está excluído, naturalmente. Nas últimas jornadas parlamentares de PSD e CDS, ouvimos muitos responsáveis dos dois partidos a dizer que se o país for a votos, o PS deve ser penalizado. Acredita que a Aliança Democrática sairia reforçada no cenário de eleições antecipadas?
Há muitos comentadores a dizerem isso, mas não queria alimentar essa conversa. Não é nisso que estamos focados. O primeiro ministro foi claro, temos sido claros e ontem [quinta-feira] ficaram de vez resolvidas quaisquer dúvidas sobre qual é a nossa intenção: queremos continuar a governar, queremos continuar a baixar os impostos, continuar a salvar o Estado Social, na saúde, na educação, na segurança, na habitação. Estamos focados em resolver os problemas. Para isso é preciso um Orçamento e para isso é precisa a viabilização do PS.
A partir de agora, o PS não tem margem para dizer que não?
Achamos que a proposta é irrecusável. Pode ter alguns ajustes e há disponibilidade para negociar alguma coisa, mas a margem é estreita. Não ouvi ninguém a dizer que o PS não tinha ficado numa situação de ter de aceitar a proposta como irrecusável. Não é necessariamente a proposta final, o acordo final. Os portugueses não compreenderiam. É irrecusável. Era de quem quereria eleições numa altura em que ninguém no país quer. O interesse nacional é que este acordo seja aceite.
“Alguns dirigentes do PS têm visão autopenitencial do erro trágico das portas escancaradas”
Vamos falar da política de imigração. O seu secretário de Estado Adjunto disse recentemente uma frase impressiva: “Herdamos o caos e é o caos que estamos a organizar. Há uma responsabilidade coletiva do PS em persistir na política de portas escancaradas e na recusa de enfrentar de frente o problema da regulação das migrações ou o problema que foi apenas de um ministro a outro?
Prefiro dizer, pela positiva, que vejo alguns dirigentes do PS com uma visão muito mais realista e até mesmo autopenitencial pelo erro trágico que foi causado. Enquanto governo, o PS é o responsável por uma situação de caos que foi deixada. A conjugação da destruição do SEF em morte lenta (e a substituição por uma agência que não estava capaz de responder), com a tal porta escancarada mais a mudança nas regras de entrada e um processo em que se pagava para sanar a ilegalidade — tudo isso deixou uma situação de caos. Cabe-nos a nós resolver o problema.
Apresentou há cerca de três meses um plano de ação para as migrações. Uma das medidas muito urgentes passa legalizar quase 400 mil migrantes que entraram em Portugal — muitos deles em situação ilegal por por falta de resposta da AIMA — Agência para a Integração, Migrações e Asilo. Quantos já foram legalizados passados estes três meses?
Não é legalizado. Nós só regularizamos a situação daqueles que cumprem os critérios legais.
Precisamente. Por isso é que estavam ilegais.
Esses cidadãos estavam a cumprir os critérios legais e receberam os papéis. Devo-lhe dizer até que há situações de pessoas que, no contexto deste processo, se percebe que estão ilegais e tem o seu reencaminhamento para o processo da notificação voluntária de abandono. Mas havia efetivamente uma falta de resposta completa e trágica do Estado. Nós já mais do que duplicámos a capacidade de resposta da AIMA durante este mês de outubro: passamos de mil atendimentos por dia para 2.500 por dia entre a AIMA e a estrutura de missão. Pergunto: quantas vezes é que conseguiram ver o Estado mais do que duplicar a sua capacidade de resposta? Chegaremos ao final deste mês já com entre 13 e 15 centros e locais de atendimento da estrutura de missão.
Deslocalizados?
Sim Temos neste momento um centro em Lisboa. Temos já sete outros centros ou postos de atendimento em vários municípios do país já a funcionar. Na próxima semana abrirão mais cinco e depois mais dois centros no Porto e em Braga. Ou seja, centros daqueles que têm maior capacidade de atendimento. Portanto, passaremos a atender 3.000 pessoas por dia no final do mês. Isto é um triplicar da…
Mas destes quase 400 mil migrantes ainda não se pode dizer um número em que estejam 100% regularizados ?
Não, a resposta…
Porquê?
Este processo tem duas fases. É a fase do atendimento presencial, com a entrega dos documentos originais e a recolha dos dados biométricos, que é fundamental para nós termos os dados das pessoas. Este não um é um processo de facilitação, é o contrário. Este é aquele processo que garante que o Estado português passa a ter os dados da informação completa de quem são, exatamente, os seres humanos e os seus dados biométricos que estão em Portugal. O que era escuridão e o que era sombra, passou a ser luz e informação.
Até porque é obrigatório devido às regras europeias do Espaço Schengen
O que nós estamos a trazer é regra, é ordem, mas também é dignidade para aquelas pessoas. Nós estamos neste momento naquele rácio de atendimento de 2.500 pessoas por dia. São atendidas, depois passam para o chamado backoffice. E no backoffice temos uma outra equipa que formamos, com o apoio de advogados e solicitadores.
Houve alguma contestação ao valor de 7,5 euros pagos ao advogados por processo. Não tiveram falta de resposta dos advogados?
Não, não temos tido falta dos advogados. Este é um esforço nacional, é um trabalho que vai ser feito e que é importante. Essas equipas estão a começar a trabalhar e é com a entrada desse backoffice que esses processos são tramitados. Os primeiros processos da Estrutura de Missão que criamos vão ficar concluídos nas próximas semanas.
O primeiro-ministro afirmou ontem no Parlamento que, desde que acabaram as manifestações de interesse, houve uma diminuição de 80% dos pedidos de residência. Tendo em conta que foram concedidos em 2023 cerca de 328 mil títulos de residência — um aumento de quase 130% face a 2022, pode garantir que a imigração está controlada?
Posso garantir que estamos a tomar todos os passos no caminho da regulação e do controle do fenómeno. Não é apenas fechar esta porta escancarada. É uma coisa que vai, exatamente daqui a uma semana, ao Parlamento: uma lei que muda as regras de entrada de pessoas que vêm fora do Espaço Schengen, cria a Unidade Nacional de Estrangeiros e Fronteiras na PSP para reforçar a fiscalização e muda as regras de retorno para que quem fique ilegal seja efetivamente levado ao abandono do país. Quando estiver tudo a funcionar, nós acreditamos que [a imigração] estará está regulada.
Os fluxos migratórios de entrada foram controlados?
Vivemos hoje com muito mais regras do que vivíamos e houve uma redução do fluxo imigratório. Este é um processo que demora o seu tempo a estabilizar. A explosão foi enorme e não foi controlada na altura e nós estamos a inverter esse processo significativamente.
“Vamos propor às confederações empresariais um recrutamento proativo diretamente nos países da CPLP”
As autorizações de residência para países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) têm um peso claramente acima de 50% do total das autorizações concedidas. O Governo quer continuar a discriminar positivamente a CPLP. Se assim é, fará sentido que o Governo coopere com o setor empresarial para ter postos avançados de captação de capital humano nesses países?
Faz sentido e estamos a trabalhar nisso. Temos um acordo de quadro para apresentar às confederações empresariais. Ainda não o fizemos porque o diálogo até esta semana foi centrado no acordo de concertação social. E, por outro lado, nós precisávamos de reforçar os postos consulares para que pudessem ser capazes de dar resposta. Fizemos um reforço, lançámos um concurso de reforço de 50 pessoas para trabalhar nestes postos consulares e na rede consular.
O acordo quadro que vamos fazer — para fazer essa tramitação mais regulada mas também mais acelerada desta captação de pessoas que vêm com contratos de trabalho — vai permitir uma responsabilização das empresas que contratam e vai promover a formação. O acordo é essencial para irmos à procura do talento que Portugal também precisa.
Podemos chegar a uma fase em que podemos quotas consoante a origem da imigração?
Não, não é isso que está em causa. Nós não temos uma abordagem de exclusão, mas queremos sim identificar aquilo que precisamos e que queremos ser proativos na procura. Nós temos uma abordagem de regras, de controle do processo e de dignidade no recebimento e no acolhimento. A ótica da exclusão não é mais eficaz por isso. O importante é que as pessoas venham com condições para trabalhar e que depois nós tenhamos condições para as receber bem.
Nas escolas, por exemplo, houve um salto de umas dezenas de milhares para cerca de 150 mil estudantes. É um novo número: temos150 mil ou 155 mil estudantes estrangeiros nas escolas portuguesas. No ano passado eram 140 mil, houve um salto de mais de 15 mil neste início de ano letivo, não são números finais.
As escolas estão preparadas para esse fluxo?
Por isso é que o Conselho de Ministros aprovou esta semana medidas do Ministério da Educação que incluem uma boa integração, porque nós sabemos que é assim em todo o mundo. A melhor forma de garantir uma imigração integrada, socialmente coesa, é se ela começar pela escola, começar pela universidade, e eventualmente com a presença da família. Essa é uma das prioridades e estamos a tomar medidas para isso.
Falemos do outro lado da moeda. Tem ideia de quantos imigrantes ilegais foram expulsos este ano do território nacional?
Sim, temos uma estatística.
Qual é o número?
Terrível. Foram menos de 20 no primeiro trimestre. E outra vez menos de 20 no segundo trimestre, quando o número de notificações de abandono voluntário foram 20 vezes superiores. Ou seja, outra das heranças do PS foi a de ter desmantelado o sistema de retorno, porque o colocou numa agência que não tinha as capacidades para executar. E é por causa disso que na proposta de lei que levamos ao Parlamento…
A ineficiência na expulsão também é uma forma de desregulação da imigração.
Absolutamente. Quem chega dentro das regras deve ser muito melhor recebido com esta integração dos estudantes nas escolas, com os mediadores de língua não materna, com novos programas e novas possibilidades e ajustamentos no processo formativo e de avaliação destes estudantes, porque nós queremos que se integrem bem em Portugal, que aprendam a língua, que partilhem os nossos valores constitucionais. Essa é a visão que nós temos de uma imigração integrada.
Vai haver um reforço de meios para reagir a esse problema de ineficiência na expulsão identificado pelo Governo?
Sim. O que é que acontecia? As autoridades — a AIMA e as polícias — foram identificando algumas situações ilegais. Vão começar por emitir uma nota administrativa, uma notificação de abandono voluntário. há cerca de 300 por trimestre, e depois executam 10, 15. Umas ficavam paradas nos tribunais, não havia capacidade de resposta para colocar as pessoas nos centros de instalação temporária e depois a AIMA não tinha capacidade operacional de executar. O que é que nós fazemos? Transferirmos esta responsabilidade para a PSP. Segundo ponto: a PSP está a ser reorganizada. E em terceiro lugar, terá os seus meios reforçados na nova Unidade de Estrangeiras e Fronteiras. Adicionalmente a isto, com o envolvimento da Organização Internacional para as Migrações, também da Frontex [agência europeia para o controlo de fronteiras], conseguirmos montar um sistema de retorno e afastamento que funcione. Portanto, nova organização, novo fluxo, novas competências, novos meios e nova eficácia. Porque é completamente essencial para que esta imigração tenha regras, que quando as regras são incumpridas e violadas e as pessoas estejam em situação de ilegalidade, nós não podemos fechar os olhos.
“Respondemos às versões xenófobas com humanismo”
Sobre a manifestação do último fim de semana. Sentiu-se confortável com o que ouviu, viu e leu sobre aquela manifestação e sobre o que disseram alguns dos seus protagonistas? Em segundo lugar, o Governo está a fazer alguma coisa ou a implementar medidas para monitorizar o discurso de ódio contra imigrantes?
Acho que um exemplo é a resposta do primeiro-ministro ontem [no debate quinzenal].
Isso no plano retórico. Perguntávamos mais no plano de medidas concretas, no terreno.
Não podemos desvalorizar a função indicadora e orientadora do discurso público, o papel de cada um dos atores políticos. Quando temos atores políticos que tomam um grupo inteiro, uma etnia, por casos individuais e particulares, quando olhamos contra a estatística que diz que não há uma associação entre o aumento da imigração e o aumento do crime, e deturpamos os factos e alimentamos um discurso de ódio, a primeira resposta que deve vir daqueles que são moderados é rejeitar esse discurso e dizer que há uma outra alternativa. E que a alternativa é esta: receber com dignidade quem vem, mas impondo regras onde elas não existiam, reforçando os meios de controlo nas fronteiras, fechando as portas escancaradas, reativando os canais de retorno. Respondemos às versões populistas, às versões xenófobas, às versões radicais, com uma política que tem humanismo, mas tem também mais fiscalização, mais controlo e mais regras.
Mas esse esforço de combate ao discurso de ódio está a ser feito pelo governo? Há medidas em curso? Há algum tipo de plano? Esse problema sequer foi identificado pelo governo?
As pessoas que em Portugal têm legítimas preocupações porque vêem vídeos, porque vêem situações nas ruas onde andam e geram perceções… A resposta dos políticos não é nem fingir que essas situações não existem, nem as manipularem. A nossa resposta não pode ser nem manipular ou instrumentalizar essa perceção, nem fingir que ela não existe. É dar a essas pessoas que têm essa perceção a noção que o Governo está a responder fechando portas que estavam escancaradas e aumentando os meios de controlo nas fronteiras E já agora: há ações de fiscalização no terreno. Nas últimas semanas, a GNR e a PSP reportaram várias ações que não estavam a fazer antes de estarmos em funções de controlo de situações de imigração ilegal. A resposta que nós damos às pessoas que estão a manipular, aos radicais que são xenófobos, é dizer que não é assim que se faz. Faz-se por esta moderação, com regras, com humanismo, mas nunca tomando casos particulares e fazendo uma extrapolação, como alguns fazem. Isso é errado, é irresponsável e é desumano. A nossa atitude não é essa. Portugal precisa de imigrantes. Podemos ter uma resposta moderada e estamos a dar ao país uma resposta moderada.
Uma última questão. O nome do procurador-geral da República, Amadeu Guerra, foi elogiado de forma quase unânime. Contudo, surgiram algumas críticas a um alegado impedimento relativo à idade em virtude do Estatuto do Ministério Público e dos magistrados judiciais – Amadeu Guerra tem 69 anos e os magistrados têm de se jubilar aos 60 anos. Sendo certo que o novo procurador-geral se reformou, efetivamente, em 2020 já é um magistrado jubilado. O Governo estudou este tema do ponto de vista legal? Não há nenhum impedimento à nomeação do procurador-geral devido à idade?
Estudámos. Existem limitações etárias a magistrados. Podemos olhar para as de funcionários públicos. E depois olhamos para, e distinguimos, o que são cargos que têm a ver com o exercício da magistratura e os outros que são cargos de nomeação política, se assim quisermos chamar. Portanto, há uma distinção das funções. O Presidente da República não tem limite etário, como os governantes e os deputados não têm. O entendimento que fizemos, depois de estudar isso, é que aquela função não é de magistrado, mas de líder do Ministério Público, que tem essa nomeação política. Portanto, não se lhe aplica juridicamente essa limitação. Seria discriminatório até que se aplicasse.