885kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

i

JOÃO PORFIRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFIRIO/OBSERVADOR

Após Lisboa, Papa Francisco vai à Mongólia, um país com 1.500 católicos — e os olhos da Rússia e da China estão sobre ele

É a primeira vez que um Papa vai àquele país asiático, onde vivem apenas 1.500 católicos. Além de reforçar presença da Igreja na Ásia, viagem mostra envolvimento do Papa na diplomacia com a Rússia.

Depois do banho de multidão que recebeu em Lisboa, a próxima viagem internacional do Papa Francisco não podia contrastar mais com a apoteótica Jornada Mundial da Juventude que reuniu cerca de 1,5 milhões de jovens em Portugal: no dia 31 deste mês, o líder da Igreja Católica viaja para a Mongólia, país asiático situado entre a China e a Rússia onde vivem apenas 1.500 católicos, apoiados por 77 missionários e um único bispo.

Desde o início do seu pontificado, o Papa Francisco tem defendido a necessidade de a Igreja abandonar a tentação do autocentrismo (e do eurocentrismo) e de ir ao encontro das periferias — todas elas, incluindo as geográficas, as existenciais e as humanas. O seu historial de viagens internacionais, que inclui múltiplos países onde o Cristianismo é uma minoria e onde nunca nenhum Papa tinha estado, é um sinal disso mesmo. Mas uma ida à Mongólia, um país que tem menos católicos do que muitas paróquias portuguesas, parece radical até para os padrões de Francisco.

O Papa parte de Roma às 18h30 do dia 31 de agosto e só aterra na capital da Mongólia, Ulaanbaatar, às 10h00 do dia 1 de setembro, após um voo de nove horas que será um desafio para a frágil saúde de Francisco. Por essa razão, o programa oficial inclui um dia inteiro de repouso após a viagem: só na manhã de 2 de setembro, 24 horas depois da aterragem, é que começam os compromissos públicos de Francisco na Mongólia.

Mas a viagem do Papa Francisco à Mongólia reveste-se de especial importância no momento atual: entalado entre a Rússia e a China, aquele histórico território com uma baixíssima densidade populacional é, na verdade, estratégico para que o Papa se mostre no terreno. Por um lado, Francisco continua a procurar contribuir com soluções diplomáticas para o fim da guerra na Ucrânia; por outro, prosseguem os esforços do Vaticano para manter uma relação estável com a China, país em que durante anos coexistiram duas Igrejas Católicas: uma oficial, apoiada pelo regime comunista e com bispos nomeados pelas autoridades chinesas, e outra clandestina, fiel a Roma e ao Papa, duramente perseguida pelo regime. Em 2018, Vaticano e Pequim, que não têm relações diplomáticas desde 1951, assinaram um acordo histórico com o objetivo de pôr fim àquela situação — mas o acordo já foi violado por Pequim e são muitos os críticos que acusam o Papa Francisco de vender a Igreja ao regime comunista.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

China. O Papa Francisco está a vender a Igreja ao regime?

Por todas estas razões, como escrevia recentemente a Associated Press, a simbólica viagem do Papa Francisco à Mongólia vai ser atentamente observada por Moscovo e por Pequim — ainda que o programa oficial inclua apenas visitas de cortesia às autoridades mongóis, encontros ecuménicos e inter-religiosos, encontros com os agentes pastorais que atuam na Mongólia e uma missa numa arena desportiva que deverá ser o ponto alto da passagem de Francisco pela Mongólia, que termina no dia 4 de setembro.

País com 1.500 católicos recebe Papa pela primeira vez

O anúncio de que o Papa Francisco visitaria a Mongólia no final do verão foi oficialmente feito no início de junho, quando o porta-voz do Vaticano confirmou que o líder da Igreja Católica tinha aceitado o convite do Presidente mongol, Ukhnaagiin Khürelsükh, para visitar o país; em abril, durante o voo de regresso a Roma após a viagem apostólica à Hungria, Francisco já tinha falado da possibilidade de visitar a Mongólia.

"Na Mongólia, o Santo Padre goza de muita admiração devido ao seu compromisso com o diálogo e com a promoção de uma cultura de paz e fraternidade."
Cardeal Giorgio Marengo, prefeito de Ulaanbaatar

A atenção do Papa Francisco à Ásia Central também já tinha ficado patente em setembro do ano passado, quando o líder católico se deslocou ao Cazaquistão para participar no VII Congresso de Líderes de Religiões Mundiais e Tradicionais — onde se esperava que Francisco pudesse ter um encontro bilateral com o Patriarca de Moscovo, Cirilo I, líder da Igreja Ortodoxa Russa e um dos principais aliados de Vladimir Putin, para discutir com ele uma proposta de paz para a guerra na Ucrânia. No entanto, Cirilo I acabaria por cancelar a deslocação.

Nessa ocasião, o jovem cardeal italiano Giorgio Marengo, um missionário que está na Mongólia há mais de 20 anos e que é atualmente o responsável máximo pela Igreja Católica na Mongólia, dizia ao portal de notícias do Vaticano que, “na Mongólia, o Santo Padre goza de muita admiração devido ao seu compromisso com o diálogo e com a promoção de uma cultura de paz e fraternidade”. Marengo é o prefeito apostólico de Ulaanbaatar (uma prefeitura apostólica é uma comunidade católica ainda em formação, que ainda não é formalmente uma diocese).

“Diria que esta região do mundo tem uma história, uma tradição de coexistência e de colaboração pacífica. Talvez a presença do Santo Padre represente uma espécie de intensificação da importância deste processo, mesmo na sociedade, na sociedade mais alargada destes países”, afirmou ainda Marengo, referindo-se à generalidade dos países da Ásia Central, associados numa única federação episcopal. Agora, Francisco vai mesmo à Mongólia, um dos países menos católicos do mundo, que viveu até ao início da década de 1990 como estado-satélite da União Soviética sob um pesado regime comunista.

Em declarações recentes à agência Reuters, o cardeal Marengo — que aos 49 anos é o mais jovem membro do Colégio Cardinalício — recordou como lá chegou há mais de duas décadas. Nascido em 1974 em Itália, este padre que pertence à congregação dos Missionários da Consolata e que se doutorou em missiologia em Roma, foi enviado para a Mongólia pela primeira vez no ano 2000, tornando-se o primeiro Missionário da Consolata no país, que tinha passado uma década no conturbado processo de transição para uma economia de mercado após a queda do regime comunista.

GettyImages-1242748190

O cardeal Giorgio Marengo é o principal responsável eclesiástico na Mongólia

AFP via Getty Images

“Montámos duas gers”, recordou Marengo, referindo-se às tradicionais tendas circulares usadas pelos nómadas da estepe mongol. “Uma para a oração e outra para atividades com crianças. As pessoas da zona começaram a entrar e a ver aqueles estrangeiros engraçados a rezar em mongol. Disseram-nos: ‘Sentimos que havia alguma coisa de especial nesta ger.’”

Mais de duas décadas depois, a Mongólia tem hoje uma minúscula comunidade católica que ficou “emocionada” quando soube que, pela primeira vez na história, um Papa vai visitar o país (chegou a estar agendada uma viagem de João Paulo II em 2003, mas o Papa polaco não pôde realizá-la devido ao agravamento do seu estado de saúde, e enviou um cardeal em sua representação para consagrar a primeira catedral mongol e para ordenar o primeiro bispo da comunidade). “A reação tanto da comunidade católica como da comunidade local mais alargada foi de grande admiração e de alguma emoção. Está gradualmente a tornar-se mais evidente o quão importante e significativa vai ser esta visita”, disse ainda o cardeal Marengo, que considerou que a viagem de Francisco à Mongólia vai ser revigorante para um povo que sofreu “70 anos de um duro regime comunista”.

Ainda segundo a Reuters, cerca de 60% dos 3,35 milhões de habitantes da Mongólia identificam-se como religiosos. Entre estes, a esmagadora maioria — 87,1% — são budistas. Seguem-se os muçulmanos, com 5,4% da população, ao passo que 4,2% seguem as práticas xamânicas. Só 2,2% se identificam como cristãos, com a Igreja Católica a ser uma minoria até dentro da pequena franja cristã do país: são uma comunidade de 1.500 fiéis, organizados em apenas nove paróquias.

Uma viagem com simbolismo geopolítico

Ao contrário do que aconteceu nos primeiros dias de agosto em Lisboa, o programa do Papa Francisco na Mongólia será relativamente leve — pelo menos no que toca aos compromissos oficiais. Para o primeiro dia estão agendadas uma série de visitas de cortesia de poucos minutos cada, incluindo: uma cerimónia de acolhimento, uma visita ao Presidente mongol, um encontro com a sociedade civil e o corpo diplomático, uma reunião com o líder do parlamento e outra com o primeiro-ministro, e ainda um encontro com o clero e os missionários da região. No dia seguinte, apenas surge no programa um encontro ecuménico e inter-religioso e a celebração da missa na arena desportiva. No terceiro dia, o Papa inaugura uma nova instituição sociocaritativa na capital mongol, antes de regressar ao aeroporto para o longo voo que o levará de regresso a Roma.

Contudo, há uma dimensão simbólica que permite outra leitura desta viagem do Papa Francisco: durante quatro dias, o Papa Francisco estará num território especial, situado entre a Rússia e a China, dois pólos de tensão a que o Vaticano tem prestado uma atenção particular nos últimos meses.

É impossível olhar para a viagem de Francisco àquele país sem ter em mente a “ofensiva de paz” que o Papa tem atualmente em curso. São conhecidos os esforços que o Papa Francisco tem desenvolvido para pôr fim, pela via diplomática, à guerra na Ucrânia. Logo em março de 2022, duas semanas depois da invasão russa ao território ucraniano, o Papa Francisco deslocou-se pessoalmente à embaixada da Rússia junto da Santa Sé para um encontro inédito em que expressou preocupação pela guerra (e terá, segundo algumas fontes, falado por telefone com o próprio Vladimir Putin, embora essa informação nunca tenha sido oficialmente confirmada). Nos meses seguintes, enviou até à Ucrânia dois dos seus principais diplomatas e tentou sempre, através da via privilegiada que tem aberta com o Patriarca de Moscovo, fazer chegar um apelo de paz a Putin. Por essa razão, nos seus discursos públicos, o Papa Francisco foi cauteloso, evitando uma condenação explícita da Rússia — que só chegaria algum tempo depois, quando os esforços diplomáticos se revelaram infrutíferos.

GettyImages-2178763

Existem apenas 1.500 católicos na Mongólia, um país de maioria budista

Getty Images

Ainda assim, a diplomacia do Vaticano (que foi responsável, por exemplo, pelo restabelecimento de relações entre EUA e Cuba em 2014) não tem parado de trabalhar nos bastidores com vista à resolução do conflito na Ucrânia.

O esforço mais recente é aquilo a que o Papa Francisco já chamou uma “ofensiva de paz”. Em maio deste ano, Francisco confiou no cardeal italiano Matteo Zuppi, arcebispo de Bolonha e presidente da Conferência Episcopal Italiana, a missão de desenvolver contactos de alto nível em nome do Vaticano para encontrar uma solução para a guerra. Em junho, Zuppi foi a Kiev para se reunir longamente com as autoridades ucranianas. No mesmo mês, deslocou-se a Moscovo para reuniões com assessores de Putin, que não terão chegado a bom porto. No mês seguinte, o cardeal italiano foi recebido pelo Presidente dos EUA, Joe Biden, em Washington. O próximo destino de Zuppi será precisamente Pequim.

A possibilidade de o enviado papal ir a Pequim já tinha começado a circular nos meios de comunicação católicos no final de julho: estando o Vaticano empenhado em alguns pontos concretos da paz na Ucrânia, incluindo as trocas de prisioneiros entre Kiev e Moscovo e o regresso à Ucrânia das quase 20 mil crianças que terão sido deportadas à força para a Rússia, o enviado de Francisco procura a ajuda concreta dos Estados Unidos e da China, dois países cujas diplomacias poderão facilitar estes processos — os EUA pelo lado ucraniano e a China pelo lado russo.

No início de agosto, numa entrevista à revista católica espanhola Vida Nueva, o Papa Francisco confirmou o rumor. “O cardeal Matteo Zuppi, arcebispo de Bolonha, está a trabalhar a fundo como responsável dos diálogos. Já foi a Kiev, onde se mantém a ideia de uma vitória sem optar pela mediação. Também esteve em Moscovo, onde encontrou uma atitude que poderíamos qualificar como diplomática por parte da Rússia. O avanço mais significativo que se conseguiu tem a ver com o regresso das crianças ucranianas ao seu país. Estamos a fazer tudo o que está nas nossas mãos para conseguir que cada familiar que reclama o regresso dos seus filhos possa alcançá-lo.”

Acrescentou o Papa: “Estou a pensar designar um representante de forma permanente que sirva de ponte entre as autoridades russas e ucranianas. Para mim, no meio da dor da guerra, é um grande passo. Depois da visita do cardeal Zuppi a Washington, a próxima escala prevista é Pequim, porque ambos têm a chave para baixar a tensão do conflito. Todas estas iniciativas são aquilo que denomino ‘uma ofensiva de paz’.”

A presença de Francisco na Mongólia será, por isso, observada atentamente a partir de Pequim e de Moscovo. Como recorda a Associated Press, aquele país asiático tem desenvolvido grandes esforços ao longo dos últimos anos para afirmar a sua independência, quer em relação a Moscovo (com que ainda mantém ligações da era soviética, nomeadamente dependendo da Rússia para praticamente toda a energia que recebe), quer em relação a Pequim (que, como grande potência regional, compra mais de 90% das exportações de carvão e cobre da Mongólia, um dos principais elementos da economia do país).

Ao mesmo tempo, o Papa Francisco tem tentado estabelecer canais de comunicação estáveis e viáveis tanto com Pequim como com Moscovo — quer devido à procura de resolução para a guerra na Ucrânia, quer no sentido de assegurar condições de vida dignas aos cerca de 10 milhões de católicos que vivem na China, onde a Igreja Católica foi historicamente perseguida.

Em declarações à Associated Press, o editor do portal de notícias católico Asia News, Giorgio Bernadelli, lembrou que o Papa Francisco deverá sobrevoar o espaço aéreo chinês durante a sua viagem à Mongólia (em vez do espaço aéreo russo, por a Rússia se encontrar em guerra), e que, de acordo com a tradição papal, deverá enviar um telegrama de cortesia às autoridades chinesas devido a esse sobrevoo. Se, na maioria dos casos, estes telegramas incluem apenas cordialidades genéricas, é possível que a mensagem enviada a Pequim tenha algum subtexto para interpretar, assinalou Bernadelli.

Tendo em conta a pequena dimensão da Igreja Católica na Mongólia, existe uma grande probabilidade de a viagem de Francisco à Mongólia reunir muitos padres, bispos e cardeais de toda a Ásia Central — já que a Conferência Episcopal da Ásia Central inclui também países como o Cazaquistão, o Quirguistão e o Uzbequistão. Isto significa também que Francisco terá ali uma oportunidade para falar diretamente para toda uma região do mundo onde a Rússia ainda exerce uma enorme influência.

A viagem de Francisco à Mongólia é especialmente apetecível do ponto de vista mediático: todas as palavras que o Papa Francisco proferir durante aqueles dias poderão ter importantes interpretações geopolíticas, sejam direcionadas à Rússia, sejam direcionadas à China.

Todo este contexto tem tornado a viagem de Francisco à Mongólia especialmente apetecível do ponto de vista mediático: todas as palavras que o Papa Francisco proferir durante aqueles dias poderão ter importantes interpretações geopolíticas, sejam direcionadas à Rússia, sejam direcionadas à China. À Associated Press, Giorgio Bernadelli destacou também a relevância da inauguração de uma instituição de solidariedade social na Mongólia, a “Casa da Misericórdia”, um acontecimento que deverá mostrar como a Igreja Católica pretende consolidar a sua presença numa região do mundo que lhe é especialmente desfavorável (tendo em conta a herança ateísta do tempo soviético e o facto de a esmagadora maioria dos habitantes daquela região seguirem religiões orientais) e deixar bem claro que vai continuar a atuar na Ásia.

Papa na Mongólia com os olhos na China

Mas a viagem de Francisco à Mongólia também vai servir para levar o Papa Francisco às proximidades da fronteira com a China, um país a que Francisco tem dado uma atenção muito particular durante o seu pontificado. Além de aproveitar o telegrama que enviar às autoridades chinesas para deixar uma mensagem contundente sobre a presença da Igreja na China, é possível que o Papa Francisco aproveite os seus discursos na Mongólia para também chamar a atenção para a situação dos católicos na China.

Trata-se de um país com uma relação especialmente complexa com a Igreja Católica. Como o Observador explicava neste detalhado artigo, é necessário recuar até à proclamação da República Popular da China por Mao Tsé-tung, em 1949, para compreender as raízes desta difícil relação. Nessa altura, Mao implementou um regime comunista e ateu, caracterizado pela perseguição às comunidades religiosas, à ocupação dos templos e à expulsão de múltiplos líderes religiosos do país. O regime chinês viria a perceber que era um erro procurar erradicar definitivamente todo o fenómeno religioso e optaria, depois, por outra via: institucionalizar as religiões, criando “associações patrióticas” destinadas a regulamentar, a partir do governo, a vida das cinco religiões autorizadas (Confucionismo, Budismo, Taoismo, Islão e Cristianismo).

Essa pretensão esbarrou com um princípio fundamental da vida da Igreja Católica: a unidade em torno do Papa, em Roma. Ou, como o regime chinês o via, a interferência efetiva de um estado estrangeiro — o Vaticano — num importante aspeto da vida social chinesa. Um aspeto central preocupava as autoridades chinesas: a nomeação dos bispos católicos ser da exclusiva responsabilidade do Papa, o que impedia efetivamente o regime chinês de colocar nas instituições religiosas pessoas da sua confiança.

Simultaneamente, a questão de Taiwan afastou ainda mais Vaticano e Pequim: é que a Santa Sé é, ainda hoje, um dos poucos estados do mundo que reconhecem diplomaticamente o território de Taiwan, o que a impede de ter relações diplomáticas formais com a China. Isto deve-se à “política de uma China” seguida por Pequim, que recusa manter relações diplomáticas com qualquer país que reconheça Taiwan. Em 1951, Pequim e Vaticano romperam as relações diplomáticas e, desde essa altura, nunca as reataram, o que tem tido graves implicações para os cerca de 10 a 12 milhões de católicos chineses. Há décadas que os católicos chineses vivem divididos entre duas Igrejas: a “Igreja oficial”, liderada por bispos nomeados diretamente pelo regime chinês, e a “Igreja clandestina”, com padres e bispos nomeados pelo Vaticano, mas sem autorização governamental e alvo de forte repressão por parte do regime.

Esta situação levou a que, ao longo dos últimos anos, diferentes papas tenham considerado que o restabelecimento de relações formais com a China deve ser uma das prioridades diplomáticas do Vaticano. Mas tal nunca foi possível: o Vaticano recusou sempre reconhecer a validade da Igreja patriótica chinesa, e Pequim reiterou sempre que tem de ter uma palavra a dizer na escolha dos bispos chineses.

GettyImages-2178901

Na Mongólia, o trabalho da Igreja Católica é essencialmente assegurado por missionários

Getty Images

O Papa Bento XVI foi um dos primeiros a dar um passo em frente rumo a uma possível conciliação, determinando em 2007 que os sacramentos celebrados pelos bispos nomeados pelo regime eram válidos — ainda que esses clérigos não estivessem em plena comunhão com Roma. A determinação de Bento XVI tinha essencialmente em vista os católicos chineses, para que pudessem receber os sacramentos de modo válido independentemente de frequentarem uma Igreja “oficial” ou uma “clandestina”.

O maior avanço nestas relações foi dado em 2018, quando, sob a liderança do Papa Francisco, Vaticano e Pequim chegaram a um acordo provisório para a nomeação dos bispos chineses que, em teoria, poria um ponto final à existência de duas hierarquias paralelas. As negociações secretas implicaram algumas concessões da parte da Santa Sé, que foram mal vistas por muitos dentro da Igreja: um dos primeiros sinais foi a ordem, chegada de Roma, para que dois bispos “clandestinos”, ou seja, fiéis a Roma, renunciassem aos seus lugares para serem substituídos por bispos aprovados pelo regime. Francisco foi acusado de estar a vender a Igreja a Pequim — mas o Vaticano avançou na mesma para a negociação de um acordo provisório destinado a reduzir o atrito com Pequim e a facilitar a vida aos católicos na China.

O acordo foi alcançado em setembro de 2018, sem que os seus detalhes tenham sido totalmente tornados públicos, embora o Vaticano tenha sempre assegurado que o acordo, embora não fosse o ideal, garantia uma maior harmonia nas relações com Pequim e assegurava que o Papa tinha a última palavra na nomeação de um bispo. Apesar das muitas críticas de que foi alvo, o acordo permitiu manter uma certa estabilidade entre Pequim e o Vaticano (que continuam sem relações diplomáticas) e, em tese, acabou com a existência de duas hierarquias paralelas na Igreja Católica na China.

Contudo, as relações voltaram a azedar em novembro de 2022, quando o Vaticano publicou um duro comunicado a dar conta de que tinha sido surpreendido pela nomeação de um bispo para o cargo de “bispo auxiliar de Jiangxi” — uma diocese que não é reconhecida como tal pela Santa Sé. Segundo o comunicado, a nomeação “não ocorreu em conformidade com o espírito de diálogo existente entre a parte do Vaticano e a parte chinesa e com o que está estipulado no Acordo Provisório sobre a nomeação dos bispos, de 22 de setembro de 2018”. O Vaticano acusou também as autoridades chinesas de terem exercido “longa e forte pressão” para a nomeação daquele bispo — e exigiu que “episódios semelhantes não se repitam”.

Pela primeira vez, o Vaticano acusava publicamente a China de não cumprir o infame acordo de 2018, o que voltou a criar um clima de grande tensão entre a Igreja Católica e o regime chinês — uma tensão que se prolonga até hoje.

Ao mesmo tempo que o Vaticano procura, através da viagem do cardeal Matteo Zuppi a Pequim, assegurar o apoio chinês nos esforços de paz na Ucrânia, a viagem do Papa Francisco à Mongólia servirá também como uma demonstração de presença da Igreja Católica na Ásia. Simultaneamente, o Papa Francisco anunciou em Lisboa que a próxima Jornada Mundial da Juventude vai acontecer em Seul, na Coreia do Sul, em 2027 — uma outra forma de o Papa assegurar que a Igreja Católica Romana está presente na Ásia e não pretende recuar na sua universalidade. As intervenções de Francisco na sua viagem asiática serão, por isso, para analisar com todo o cuidado sob vários ângulos.

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça até artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.