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Recém-eleito presidente da maior confederação empresarial em Portugal, a CIP, Armindo Monteiro já sabe qual será o seu primeiro ponto da agenda: convocar as centrais sindicais, a UGT e a CGTP, para conversações bilaterais, sem o Governo. A ideia do novo “patrão dos patrões” é irem de passo alinhado para a concertação social e não deixar que seja só o Executivo a marcar a agenda. “Até agora o que tem sido feito é apenas um mínimo denominador comum e muitas vezes acordos tão redondos, tão redondos que acabam por ser inócuos”, defende, em entrevista ao Observador.
Um dos acordos cujo desenho critica é o acordo de rendimentos e produtividade, assinado na concertação social pelo seu antecessor e que levantou “algumas discussões bastante acesas em sede da confederação”. Há, diz, falta de medidas que estimulem a produtividade e o incentivo fiscal em sede de IRC para empresas que subam salários “não se aplica na maior parte dos casos”.
“Nos lugares em que estou sou sempre solidário com o órgão colegial e o órgão coletivo. É a minha maneira de ser. Em sede própria manifesto as minhas concordâncias ou discordâncias e a partir do momento em que há uma linha que sai vencedora, eu subscrevo imediatamente e passo a defender a posição como minha”, diz sobre a discussão do acordo, cuja revisão vai pedir ao Governo. É já uma rutura face à posição expressa por António Saraiva, na sua última reunião da concertação social.
Concertação Social. Trabalhadores admitem rever acordo de rendimentos, mas patrões consideram cedo
Noutros pontos há convergências: tal como Saraiva, também defende uma indexação da subida do salário mínimo a indicadores objetivos e não acha mal a solução de Santarém para o novo aeroporto de Lisboa, sobretudo porque não traz custos ao erário público. Mas a melhor decisão, acredita, é que aquela que for tomada rapidamente.
Tem acompanhado a comissão de inquérito à TAP?
Tenho, naturalmente. Tornou-se num passatempo nacional de todos os portugueses. Creio que é uma nova forma de jogos florais.
Está surpreendido com as revelações feitas na comissão de inquérito, nomeadamente sobre as interferências políticas numa empresa pública?
Creio que todos nós suspeitávamos disso, verdadeiramente não é uma admiração. Mas aquilo que suspeitávamos, e que de alguma maneira temíamos, confirmamos agora que era uma pura realidade e isso, naturalmente, preocupa-me e creio que preocupa todos os portugueses.
Acha que o Governo tem condições para se manter em funções?
É muito importante conseguirmos perceber os danos que um excesso de intervenção política causa em toda a esfera pública, seja nas empresas, seja em áreas que deveriam ser absolutamente privadas. Enquanto isso não se resolver, enquanto houver mais política e menos economia no país, naturalmente não vamos conseguir resolver, mas esta tentação já não é apenas deste Governo. Porventura, este Governo ousou ir a níveis e a limites nunca antes tentados, mas é uma tentação do poder político. Imagine uma pequena cidade onde o presidente da câmara é o principal empregador, é o principal comprador e tem interferência desde o grupo folclórico da terra ao clube de futebol, à associação empresarial.
A interferência local é maior do que a nacional?
O que que queria dizer é que receio que, neste momento, isso que era um fenómeno dos centros mais pequenos, de menor dimensão, está a transformar-se a nível nacional nesta situação de sufoco de uma economia por uma presença excessiva da política. Hoje as empresas são obrigadas a viver ciclos políticos que não desejam. As empresas não vão a votos. As empresas têm votos todos os meses quando pagam o IRC, quando pagam a segurança social, quando pagam salários, têm compromissos, têm responsabilidade todos os meses. Não é possível ficar um país adiado, só refém dos ciclos políticos. Não é possível pensarmos que alguma coisa vai acontecer no país em função do resultado das eleições europeias daqui a um ano. Isto é um país adiado.
Devia haver já uma clara definição? Acha que o Governo está ferido de legitimidade ou que existe algum irregular funcionamento das instituições?
Que é irregular é discutível, agora que está a funcionar mal é uma evidência, porque neste momento é importante que o país não se perca em jogos político-partidários. E aquilo que nos parece que está a acontecer, com todas as forças políticas e não apenas com aquela que sustenta o Governo, é um posicionamento estratégico para ver quem se posiciona melhor na poll position da corrida que vão ser as próximas eleições. Aquilo que nos parece importante é que os políticos, sejam eles os que fazem parte da maioria parlamentar ou os das várias minorias, olhem para o Estado com sentido responsável e deem um sinal às empresas para que a economia não continue nesta deriva como está neste momento. E isto só com uma consciência muito grande é que é possível ultrapassar.
E não com eleições?
E não com eleições. Neste momento, se nada acontecer na mentalidade dos partidos, todos eles vão querer cativar eleitorados, fixar eleitorados, e isso não vai encontrar soluções abrangentes que defendam a iniciativa privada, a livre iniciativa, porque é muito mais fácil contentar áreas eleitorais do que outras, e isso é o princípio do populismo. E se os partidos se empenharem apenas em satisfazer essas clientelas mais fáceis de cativar, o país não encontra soluções porque é muito mais fácil vender soluções fáceis, passe a redundância, do que passar uma ideia de compromisso, de responsabilidade, de olhos postos no futuro. Isso é um discurso muito difícil, que normalmente não rende votos. Por isso, além da questão das eleições, se não houver uma transformação desta forma de fazer política que olhe apenas para o curto prazo, eu receio que naturalmente vamos cair numa dificuldade, com ou sem eleições.
CIP vai ter reuniões bilaterais com centrais sindicais
O Presidente faz bem em manter o Governo em funções? O atual contexto também não seria propício para uma crise política para as empresas?
Na Confederação vamos apresentar uma proposta ao Governo no sentido de ajudar a que cumpra a sua missão.
Como?
Nós temos um conjunto de propostas que vamos começar por discutir com outros stakeholders, como sejam os sindicatos. Nós achamos que para conversar com os sindicatos não precisamos de ter a tutela do Estado, podemos conversar de forma direta.
Diretamente com os sindicatos, sem concertação social?
Para além da concertação social é importante que tenhamos conversações bilaterais e isso é algo que a sociedade portuguesa não tem assistido. A sociedade portuguesa não se habituou a que os parceiros sociais discutam entre si de forma bilateral, dois a dois. Quando sindicatos e confederações patronais não conversam sem a tutela do Estado alguma coisa está muito errada. E por isso é seguramente uma novidade, mas vai acontecer. E primeiro vamos apresentar aos sindicatos essas ideias, de seguida vamos apresentá-las ao Governo, e de seguida à comunicação social. E aquilo que nós esperamos que o Governo faça é que, naturalmente, resista à tentação de declarar as empresas como inimigas, de declarar os objetivos das empresas como incompatíveis à sua ação governativa.
A ideia desses encontros é chegar a algum tipo de acordo com os sindicatos?
É, naturalmente que sim. Chegar a um acordo, porque hoje a vida nas empresas é muito feita desta partilha. Temos de ter uma visão equilibrada da sociedade. Nós hoje, século XXI, estamos longe da revolução industrial, é importante que nós hoje compreendamos o que é realmente o trabalho e esse trabalho que sobretudo depois deste período da pandemia ficou muito claro para todos, que não basta ser remunerado com um salário no final do mês, há todo um conjunto de partilhas que é necessário existir na empresa para que uns, de facto, tenham a perspetiva de outros. E muitas vezes nós vivemos nos mesmos espaços, nas mesmas fábricas, nos mesmos escritórios e não conseguimos ver a perspetiva do outro. É importante que o façamos.
Mas isso não mata a concertação social?
Não, não. A ideia é que depois da concertação a dois vamos então propor ao Estado e aí já temos de novo a concertação social reunida. A ideia é preparar ideias para nos conhecermos melhor. Porventura, há preocupações que neste momento os sindicatos têm que precisam de explicar-nos e há preocupações que as empresas têm que precisamos de explicar.
Proposta de "Pacto de crescimento" será apresentada ao Governo dentro de um mês
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No discurso de tomada de posse, esta quarta-feira, Armindo Monteiro reiterou a intenção de estabelecer um acordo com as centrais sindicais — um “pacto para o crescimento”, cuja proposta será apresentada dentro de 30 dias ao Governo “com metas, objetivos e desígnios bem definidos e com prazos estabelecidos”.
As reuniões de trabalhos serão pedidas “ainda esta semana”. “Depois, solicitaremos, uma reunião ao Chefe do Governo para apresentarmos e discutirmos as nossas propostas”, afirmou.
“Não podemos continuar a olhar trabalhadores e empresários como estando em lados opostos da barricada”, defendeu Armindo Monteiro, argumentando que este “é um sinal claro de que queremos mais intervenção da sociedade civil”.
Já tem medidas concretas pensadas para essas primeiras reuniões?
É correto. Temos quatro pontos que, naturalmente, não estão fechados. Queremos, precisamente, ouvir, senão não seria uma negociação, seria uma imposição e não é isso que se pretende. Pretende-se a partir daqueles quatro pontos ver as perspetivas de uns e de outros e depois então vamos reunir em sede de concertação social para conseguirmos fazer um pouco mais do que aquilo que tem sido feito. Até agora o que tem sido feito é apenas um mínimo denominador comum e muitas vezes acordos tão redondos, tão redondos que acabam por ser inócuos. E aquilo que hoje o tempo exige é que consigamos ser um bocadinho mais ambiciosos, um bocadinho mais ousados neste esforço de concertação e isto implica naturalmente no tempo e na ambição.
Que pontos são esses?
Têm a ver, naturalmente, com salários, com tempos de trabalho, com produtividade. Tudo aquilo que no fundo são as matérias que ao longo de anos têm sido discutidas na concertação social, mas quase sempre por uma agenda que é sugerida pelo parceiro Estado. E achamos que isto é uma menoridade seja para sindicatos, seja para confederações. Nós que vivemos nas empresas — nós não vamos às empresas apenas quando estamos a candidatar-nos a eleições — nós, sindicatos e confederações, estamos nas empresas todos os dias. E por isso conhecemos bem o mundo do trabalho, das empresas. E achamos que o país ganha se houver uma melhor comunicação entre sindicatos e confederações.
Nessas medidas há também medidas fiscais em relação às quais vão tentar chegar a um acordo?
Naturalmente.
Que medidas?
Nesta fase preferia apresentar primeiro em sede própria nessas reuniões. Mas tocou num ponto muito importante, a carga fiscal. E não estou a falar da carga fiscal sobre as empresas. Estou a falar da carga fiscal sobre o trabalho. Ao contrário de países por essa Europa fora, quem ganhar o salário mínimo nacional já está no segundo escalão do IRS. Na Europa quem ganha salário mínimo não tem tributação. Essa é uma diferença abismal que depois se traduz, como ainda agora com a função pública, que uma subida de 1% seja necessário corrigir as tabelas porque estão feitas de forma a captar qualquer ganho de rendimento que o trabalhador aufira. Isso é imoral, sobretudo para níveis de rendimento baixos e não faz sentido que a pressão seja de aumento de salários, mas com o Estado como parte interessada nesse aumento, porque em Portugal a partir de 2.100 euros tem uma aplicação da taxa de IRS, de 45% — a máxima pode ir até 48%. Mas um salário que é tributado a 45% a partir de 2.000 euros de remuneração diz bem da carga fiscal excessiva que temos.
O que é que difere o acordo que quer fazer com os sindicatos do acordo de rendimentos que foi assinado?
O acordo de rendimentos visava um acordo de rendimentos e um aumento de produtividade. E o que se verificou foi materializado na parte dos rendimentos e na parte da produtividade nada aconteceu.
Ainda não é muito cedo para se perceber se resultou?
Resultou no sentido de que as empresas têm estado a fazer o seu esforço, têm estado a aumentar os salários, conforme se comprometeram a fazer.
Os 5,1%?
Têm estado. Algumas empresas até têm estado com aumento superior. O que achamos é que não basta ter um acordo de rendimentos e depois fazer, sob o pretexto de uma agenda do trabalho digno, um conjunto de alterações sem que naturalmente a concertação social nem sindicatos nem confederações tenham sido ouvidas e em matérias tão importantes para a nossa produtividade.
Armindo Monteiro quer rever o acordo de rendimentos
Na função pública o acordo que foi assinado foi revisto recentemente porque os pressupostos e as condições se alteraram. A CIP não vê necessidade de rever também o acordo de rendimentos?
Naturalmente que sim, naturalmente que vemos, porque a realidade está a mudar todos os dias. E isso é importante. Aquilo que achamos é que não devemos fazer apenas aquilo que o Estado pretende, que é aumentar a receita fiscal. Por via dos aumentos salariais, o Estado está, neste momento, com 17,5% a mais da receita que tinha programado receber. Isto significa que é o principal beneficiário e é quem tem, neste momento, rendimentos extraordinários em Portugal. Nem famílias, nem empresas têm rendimentos extraordinários.
Como no caso da inflação, também gostava que esse ganho adicional voltasse para a economia?
Naturalmente. Se os aumentos estão a ser feitos para uma necessidade nas famílias que é real — as famílias particularmente as de mais baixos rendimentos estão a passar uma dificuldade inegável –, então faz sentido o Estado retirar em excesso para depois sob a forma de esmola entregar 30 euros, 15 euros, escolher a dieta dos portugueses no IVA sobre os produtos alimentares? Isso não faz sentido nenhum.
Mas em relação ao acordo de rendimentos em concreto o que é que tem de ser revisto?
Tem de ser revista a contrapartida que estava definida em relação às condições para o aumento da produtividade. Nada disso foi feito. Não houve nenhuma medida, até hoje, e já estamos em abril, que possamos dizer que vai no sentido de aumentar a produtividade. Nada. E o acordo chamava-se acordo de rendimentos e produtividade. Portanto, sobre a produtividade, zero. Sobre os rendimentos não houve nenhum esforço do Estado no sentido de dizer: estes valores são valores de crescimento excecional, vamos diminuir a carga fiscal que incide sobre as famílias. Nada. Limitou-se a receber todos os valores que estão previstos em matéria de IRS. Parece-nos que, sendo um acordo extraordinário, era necessário que também houvesse medidas extraordinárias. E até agora não nos parece que tenha acontecido.
Essa revisão é no sentido de introduzir novas medidas?
Introduzir novas medidas para fazer que a parte fiscal não consuma todos os aumentos que são feitos. Neste momento, com taxas na ordem dos 40%, cada 100 euros que se aumente de remuneração 40 ficam imediatamente no Estado, em sede de IRS, porque em termos de segurança social é mais 11% e mais 23% da parte da entidade empregadora. Portanto, por cada aumento de 100 euros, temos uma carga terrível que vai para o Estado e sendo uma momento excecional, porque é, é necessário naturalmente que também o Estado entenda que é um momento de não estar a cobrar para depois entregar de forma residual e discricionária. Esta parte de escolher os produtos que têm isenção parece-nos que, se não fosse séria, era risível.
O Governo está demasiado preocupado com a redução do défice e da dívida em detrimento de medidas de crescimento?
Nós nas empresas sabemos que ter contas certas é importante. Mas escolhemos o momento para o fazer. Não é em momentos em que é necessário investimento, em que é necessário equilíbrio em vários setores da nossa sociedade. Aí não será seguramente o momento para haver uma obsessão com a redução do défice. A redução do défice é necessária e fundamental, devia ter sido feita há muito tempo. Nós não podemos sistematicamente gastar mais do que aquilo que temos. Nós somos um país pobre e é necessário dizê-lo. Se fossemos um país rico o universo de possibilidades era bastante maior, mas por isso sendo um país pobre aquilo que se exige é que sejamos rigorosos nas nossas contas. Mas isso não significa que essas contas tenham de ser certas, ou que o défice seja corrigido, à conta da subtração às famílias de rendimentos que neste momento lhes fazem muita falta. E a nossa preocupação neste momento não é com a fiscalidade que incide sobre as empresas. Aquilo de que estamos a falar é da política de rendimentos, e nesta não basta subir os salários, é necessário reduzir os impostos, é uma carga fiscal enorme que incide sobre as famílias.
Há abertura da parte do Governo para a revisão do acordo de rendimentos?
Eu sou um otimista por natureza e acredito que o Governo vai perceber a boa vontade e a boa fé destas medidas, de quem agora quer ajudar a construir uma solução. Mas não sei responder à sua pergunta. Não sei qual vai ser a reação. Aquilo que esperamos é que seja uma reação boa, a bem de Portugal, a bem da economia e a bem das famílias, a bem das empresas. Nós temos excesso de política no nosso país. Achamos que a política é uma atividade nobre e é importante e deve ser muito valorizada. Não somos favoráveis a um Estado anárquico, não somos favoráveis a movimentos inorgânicos. Mas é importante que o Governo assuma a responsabilidade que tem na condução do futuro do país. Achamos que o país está numa situação grave, não apenas pela perspetiva do curto prazo, mas e sobretudo do médio e longo prazo. Estamos hoje a comprometer muito daquilo que será o nosso futuro. Podíamos hoje ter um presente diferente se tivéssemos tido um passado melhor, mas com o facto de não estarmos a construir hoje soluções que eram urgentes estamos a hipotecar e a construir um Portugal de futuro ainda mais pobre. E o exemplo é a educação. Tivemos um período de pandemia e durante esse período todo o ensino público, uns mais outros menos, teve interrupção das aulas, dificuldade na lecionação das matérias, mas no privado isso raramente aconteceu. Neste momento com todas as manifestações que tem havido no público, quantas turmas e quantos alunos não estão a acompanhar as matérias? Isso no privado não está a acontecer. E finalmente quantos alunos no público, ainda hoje em abril, não têm horários completos, têm falta de professores? Isso no privado não está a acontecer. O que é que eu quero dizer com isto? Que os alunos vão ser avaliados nos mesmos exames nacionais e vão ser candidatos às universidades e a lugares de emprego com os mesmos exames.
As desigualdades estão a agravar-se?
As desigualdades estão a agravar-se de forma muito grave. E estamos comprometer uma geração que vai chegar ao mercado de trabalho em condições diferentes uns de outros, e aqueles que defendem muito esta ideia que toda a virtude está no público e que toda a maldade está no privado deveriam olhar para setores como a educação, a saúde, e perceber se efetivamente, apesar de todos os impostos que pagamos, estamos a ter o retorno que era suposto.
Incentivo fiscal a empresas que subam salários “não se aplica na maior parte dos casos”
Já disse que as empresas estavam a cumprir o acordo de rendimentos. Tem ideia de quantas empresas já fizeram aumentos salariais de 5,1%?
Não tenho ideia, mas é público que muitas empresas além do aumento que fizeram atribuíram prémios extraordinários, que uma vez mais foram taxados, ao contrário daquilo que defendemos. Foram taxados e atribuíram prémios pela circunstância excecional que estamos a viver. Mais empresas seguramente o poderiam fazer, se não estivesse o Estado sempre atento a receber também a sua parte. É um momento extraordinário, e como momento extraordinário precisamos de medidas extraordinárias. Estas medidas como a transferência para trabalhadores sob a forma de prémio não deveriam, na nossa perspetiva, ser taxadas com a mesma intensidade que um rendimento mensal.
As empresas têm-se queixado de uma falta de clarificação do incentivo fiscal em sede de IRC para as que aumentem salários. A ministra do Trabalho até disse há uns tempos que iria enviar essas clarificações. Receberam? Já sabem como as empresas podem aplicar?
Não sabemos e a simulação que fizemos é que na maior parte dos casos não se aplica.
Porquê?
É de tal esdrúxula a fórmula que efetivamente não se aplica. Tendo em conta a dimensão das empresas, tendo em conta o IRC que pagam num ano ou em outros, tendo em conta as majorações e os créditos fiscais e o tempo em que se deveriam aplicar, a soma disto tudo é um conjunto vazio. São tantas as condições que é necessário verificar que é impossível encontrar uma empresa que cumpra todas estas condições.
É uma medida que não é aplicável?
É uma medida que não é aplicável.
As clarificações que seriam feitas não iriam resolver isso?
As clarificações podem resolver. Sendo que pela característica das empresas e a sua realidade não são elegíveis. Empresas que não são elegíveis a medidas que são estudadas em gabinete, seguramente com um cuidado grande sob o ponto de vista matemático, mas que não se aplicam sob o ponto de vista económico, porque estas medidas têm de sair dos gabinetes, não podem ser feitas em laboratórios asséticos, têm de ser feitas no contexto real, das empresas. Porque razão é que, nos questionários que fazemos na CIP, 65% das empresas que respondem consideram que não vão recorrer ao PRR [Plano de Recuperação e Resiliência], e justificam que não se aplica no seu caso. Quem constrói estas medidas é importante que tenha em conta o tecido empresarial que temos. Seguramente todos nós gostávamos de ter um tecido empresarial que fosse constituído por grandes empresas apenas ou médias e grandes empresas, mas não. 93% do nosso tecido empresarial é constituído por micro e pequenas empresas, e por isso quando pensamos em medidas para aplicar ao tecido empresarial estamos a pensar em abstrato e não pode ser. As leis e as políticas não podem ser pensadas em abstrato, mas no concreto da realidade que temos.
Nem todos os patrões concordaram com assinatura do acordo de rendimentos: “Houve algumas discussões bastante acesas na CIP”
Se já fosse presidente da CIP, na altura, não teria assinado o acordo de rendimentos?
Nos lugares em que estou, sou sempre solidário com o órgão colegial e o órgão coletivo. É a minha maneira de ser. Em sede própria manifesto as minhas concordâncias ou discordâncias e a partir do momento em que há uma linha que sai vencedora, eu subscrevo imediatamente e passo a defender a posição como minha. É o que posso dizer.
Discordou na altura?
Houve algumas discussões bastante acesas em sede da confederação.
A agenda do trabalho digno já está promulgada e a maioria das alterações entram em vigor em maio, portanto não há nada que as confederações patronais já possam dizer ou fazer para alterar o rumo, embora tenham dito que algumas medidas eram inconstitucionais. Vai exigir alguma alteração ou alguma medida diferente em sede de Orçamento?
A agenda do trabalho digno é uma agenda que não é uma originalidade do Governo. A agenda do trabalho digno surgiu como uma necessidade para uma agenda competitiva promovida pela OIT [Organização Internacional do Trabalho]. E essa agenda do trabalho digno na versão original da OIT contemplava vários desafios, que passavam pela criação de uma agenda para a promoção do emprego, das empresas, para a promoção do diálogo social. Apenas a originalidade nacional falou em parte desta agenda. Não falou em promoção de diálogo social porque não haveria melhor exemplo para dizer que não está a ser promovido diálogo social quando não se ouvem os parceiros sociais. Não falou na promoção das empresas, ninguém ouviu falar em promoção das empresas, ninguém ouviu falar na promoção de emprego. E isso são os quatro pilares da agenda para o trabalho digno da OIT.
E que não foram expressos nesta agenda?
Nada. A agenda do trabalho digno em Portugal serviu, passo a facilidade da expressão, uma espécie de uma calçadeira para introduzir alterações laborais ao código do Trabalho que não têm especificamente a ver com esta agenda do trabalho digno. E diga-se, desde já, que muitas dessas alterações nós até concordaríamos com elas. Não era necessário grande esforço para que as confederações as adotassem. Aquilo que achamos sempre é a tal ideia do equilíbrio. Se a própria OIT entende que para além da garantia dos direitos do trabalho e a extensão da proteção social, que é necessário, também é necessário promoção das empresas, promoção do emprego, promoção do diálogo social… então essa parte não se faz? Mas, em concreto, algumas destas medidas são iníquas, outras são inócuas, mas umas são iníquas. A questão do outsourcing é um exemplo.
Armindo Monteiro, o empresário que sempre o foi torna-se o “patrão dos patrões”
Porque é tão prejudicial?
Imagine uma empresa que por qualquer razão muda de escritório, passa para um escritório mais pequeno. Tem alguém que assegura a limpeza desse espaço e muda para um escritório mais pequeno e em vez de ter uma pessoa a tempo inteiro recorre a uma dessas empresas que fazem duas, três horas para fazer a limpeza. Não pode fazer isso. Não pode extinguir um posto de trabalho e recorrer a outsourcing. Imagine agora uma empresa que tem um contabilista, que não tem conhecimentos exigentes em matérias de fiscalidade que neste momento a empresa considera que é necessário. E não pode ter um contabilista, um fiscalista e um jurista. Ou seja, não pode ter esse conjunto de profissionais porque o nosso tecido empresarial é constituído sobretudo por micros e pequenas empresas. Então em vez de ter esses três profissionais que não pode pagar recruta externamente consultoria de contabilidade, de fiscalidade, jurídica. Também não pode fazer isso. Quando se fala na disrupção tecnológica, na transformação da economia, na economia 4.0, naturalmente que se está a presumir que as empresas precisam de fazer transformações e, para isso, precisam naturalmente de competências que não têm na empresa. As competências estão desajustadas. Então o que se espera que aconteça? As empresas conseguem fazer disrupções tecnológicas? Conseguem fazer transformações, esses chavões que se usam tanto — a digitalização da economia, a economia 4.0… como é que se faz isso sem que haja uma alteração nas competências das pessoas? E todas estas alterações que foram introduzidas a pretexto da agenda do trabalho digno vão naturalmente criar ainda mais dificuldade nessa transformação, nessa economia que se pretende que seja mais sofisticada, que acrescente valor para que não haja esta comoção social cada vez que se fala em aumentos salariais. Porque nós temos de facto uma economia pouco competitiva, de baixo valor acrescentado. E se não permitirmos que consigamos transformar os recursos, as pessoas, isso não vai acontecer.
Mas essa questão do outsourcing é o grande ponto que a CIP contesta na agenda do trabalho digno?
É claramente um dos pontos mais significativos.
Ela não foi pensada para esses casos que referiu de uma ou duas pessoas, mas foi para aqueles casos em que se despede muitas dezenas, para pôr lá outra empresa.
Esse é que é o problema. Então porque é que não criamos uma lei que diz assim: nesta circunstância aplica-se e nesta outra não se aplica. Porque nesse caso, em 93%, não se aplicaria. O problema da legislação portuguesa é que legislamos para as grandes empresas, mas temos um tecido empresarial que é constituído por pequenas e médias empresas. Isto é um desastre.
Mas a agenda na sua maioria foi apresentada na concertação social e até algumas medidas constam no acordo de rendimentos. Essas medidas que critica são suficientes para prejudicar assim tanto as empresas?
Quando se fala em transformação digital, e tem sido sempre esta ideia da transformação digital… E é verdade, as empresas precisam de se transformar. Nós gostamos de nos comprar aos melhores da Europa. E é bom que o façamos, mas é preciso entender que a nossa produtividade — e aqui a produtividade é sempre aquele contexto que parece que os trabalhadores são preguiçosos ou os gestores têm falta de ambição. Não, não tem nada a ver com isso. A produtividade tem a ver com aquilo que nós produzimos, a dividir pelo custo do que produzimos. Se nós fizermos um trabalho de baixo valor acrescentado, naturalmente que a produtividade é baixa. Mesmo que o façamos com muito empenho e com todo o coração e todo o entusiasmo. Se nós não subirmos na cadeia de valor, se não acrescentarmos valor àquilo que nós produzimos, a nossa produtividade vai continuar a ser baixa. Nós não produzimos BMW, não produzimos Mercedes, não produzimos como a Alemanha produto de valor acrescentado. E por isso aqueles que nós temos, nós vamos ter de encontrar nichos de valorização para conseguirmos subir na cadeia de valor. E isso muitas vezes faz-se com tecnologia, com competências das pessoas, com novas formas de gestão. Faz-se com tudo isso. E quanto mais nós criarmos uma agenda de trabalho com uma camisa de sete varas nós não conseguimos transformar a economia.
Mas o que é certo é que não foi para o Tribunal Constitucional como pretendiam, alegando que havia normas inconstitucionais, portanto estão de mãos e pés atados neste momento.
Porque a decisão de ir para o Constitucional de facto não depende de nós. Achamos que nem seria necessário apelar para o Constitucional. Seria necessário apenas apelar para uma economia competitiva. E os nossos governantes quando se referirem à economia nacional e às transformações que são necessárias fazer e às exigências sobre a economia é bom que se lembrem que isso não pode estar desligado de condições para que as empresas façam esta transformação.
Mas há margem para se alterar alguma norma em sede de Orçamento?
Eu espero que sim. Até porque os próximos orçamentos espero que sejam diferentes daqueles que temos tido. O que têm sido os últimos orçamentos? Uma autorização para realizar despesas e uma identificação dos impostos que vão ser cobrados. Aquilo que nós gostávamos de ver em sede de Orçamento são aquilo que antes se chamavam as Grandes Opções do Plano. Ou seja, quais é que são os grandes desígnios? Os grandes objetivos para a nossa economia?
E isso não tem estado nos orçamentos…
Eu penso que tenho estado atento e não tenho visto nunca. Vejo apenas uma relação de impostos para cobrar, de despesas para realizar. Nós nas empresas usamos as leads, com a equipa comercial identificamos onde é que há oportunidades de negócio, vamos qualificar essas oportunidades para que se transformem em vendas. Aqui aquilo que parece identificar-se é onde é que nós vamos cobrar impostos, quais: às pessoas, a todos, nalguns segmentos de rendimento, às famílias, às empresas, a quem é detentor de património imobiliário, é quem tem algum património? Ou seja, o Orçamento a que temos assistido até agora não aponta nada em termos de futuro, não aponta nada em termos de desígnios nacionais, em termos de objetivos a atingir, marcos. Apenas é aquilo que é a cobrança de receitas e realização de despesas.
“PSD não foi um aliado das empresas na agenda do trabalho digno”
Ficou desiludido com a postura dos partidos à direita na defesa das empresas?
Naturalmente que sim porque quando, de facto, nenhuma força política entende que deveria, para esta economia de transformação, ser ouvida a voz das empresas, quando nenhum partido entende fazer isso… Ficámos naturalmente na confederação bastante desiludidos. E os insuspeitos Bloco de Esquerda e Partido Comunista foram as únicas forças políticas que ousaram votar contra estas medidas da agenda do trabalho digno. Penso que isto também é muito sintomático. Aquilo que me parece que aconteceu com a agenda do trabalho digno, à semelhança do que acontece com outras agendas, é claramente um taticismo político, partidário, e não uma visão para a economia e para aquilo que é importante para o país. Tem muito a ver com um taticismo político-partidário para fixar eleitorados, para fixar clientelas eleitorais, e não com uma visão do Estado…
Portanto, o PSD não vai ser ou não vê o PSD agora, neste momento, como um aliado da CIP. E pode vir a sê-lo ou não?
Não foi claramente nesta medida. Há normalmente sempre uma componente coincidente naquilo que têm sido as medidas dos partidos, com as empresas. E há uns que são naturalmente sempre mais favoráveis e outros tendencialmente menos favoráveis à iniciativa privada e isso é da História. Mas, neste momento, aquilo que é de tal maneira constrangedor é reconhecer que se calhar para este jogo político-partidário as empresas ou desconhecem o que é necessário fazer para um país com mais riqueza e mais competitivo ou, conhecendo, acham que isso não rende votos. Isso é terrível em qualquer um dos dois casos, é absolutamente terrível. Desconhecer a realidade ou, mesmo conhecendo, não aceitar porque isso pode não ser rentável para os votos.
O outro partido que votou contra a agenda foi a Iniciativa Liberal. Poderia ser um aliado para a CIP?
A Iniciativa Liberal tem posto vários pontos que vão no sentido de defender as empresas. Mas também aí é importante que haja um equilíbrio. Na confederação, nós não somos favoráveis a qualquer solução que não tenha a ver com um compromisso, com um equilíbrio. Podem contar com a confederação para ter uma visão equilibrada das coisas. Nós não vivemos sozinhos, nós não estamos nas empresas em torres de marfim. Estamos num mundo, vemos o que acontece à nossa volta, o que aconteceu durante a pandemia, que parece que já muitos se esqueceram. Vemos como todos precisamos de todos. Isto não é um discurso filosófico. É um pragmatismo de sustentabilidade. Não vejam nisto uma vontade, um cliché para ficar bonito, para parecermos moderninhos. Nada disso. As empresas precisam, efetivamente, de ser responsáveis na sociedade em que vivem. E, como tal, precisam de ter um equilíbrio entre os dois planos. Um plano em que é necessário que as empresas sejam rentáveis para conseguir fazer novos investimentos, conseguir pagar salários que sejam salários que permitam às pessoas ter os seus projetos de vida. E também é preciso que as pessoas tenham a noção que fruto do seu trabalho é que as empresas têm rendimento e rentabilidade para tudo o resto. É um equilíbrio.
Então onde é que vai procurar aliados no Parlamento?
Gostava que fosse o contrário. Que fosse o Parlamento a procurar aliados nas empresas e nas famílias. Porque nós não vamos a votos, não somos um partido. A Confederação não disputa eleições. A Confederação cria emprego, desenvolve a economia, são a locomotiva económica do país, e quanto melhor as empresas de um país, melhor é esse país, mais forte. Claramente a força de Portugal entendemos que está nas empresas. E, por isso, aquilo que gostávamos que todos os partidos entendessem é exatamente isso: que não fosse necessário nós mostrarmos aquilo que é evidente. E o que é evidente é que estamos neste momento com desafios muito grandes, estamos a empobrecer todos os dias. Gostamos sempre de nos comparar aos melhores da Europa, queremos atingir níveis de riqueza do melhor da Europa. Depois, abrandámos nesse objetivo e já só queríamos estar no meio do pelotão. Neste momento, a consciência que temos de ter é que, se não fizermos nada, seremos o carro-vassoura da Europa. Temos apenas quatro países atrás de nós na Europa que são mais pobres do que nós.
E o Governo é um aliado ou é um opositor às empresas e à CIP neste momento?
Eu creio que, neste momento, o Governo prima pela ausência.
Ministro da Economia “está diminuído”
Vou dizer uma citação e gostava que me dissesse quem é que disse isto. “Infelizmente vivemos num país que, por motivos ideológicos, hostiliza as empresas, hostiliza os empresários, muitas vezes trata o lucro como um pecado. E sobretudo há também um ataque sistemático contra as grandes empresas e contra aquilo que muitos chamam o grande capital”. Sabe quem disse isto?
(Abana a cabeça negativamente)
Foi o ministro da Economia, António Costa Silva. Costa Silva tem feito o contrário?
Nós temos, na pasta da Economia, alguém que tem um pensamento e uma reflexão muito bom, que vem das empresas, sabe o que é a vida empresarial, e sabe o que é necessário para um tecido empresarial produtivo e competitivo.
Mas?
Mas não tem a pasta das Finanças, nem a pasta dos recursos. Está diminuído, tem a parte ideológica da economia — e revemo-nos completamente nessa afirmação —, mas para além desse apoio moral nós precisamos de um ministro da Economia performant, que tenha a capacidade de intervir de forma ativa, transformando as coisas. Naturalmente é muito agradável e serve-nos de catarse, e de estímulo, mas precisamos um pouco mais do que isso. Precisamos de sentir que no Governo existem preocupações, mas que podem ser materializadas. O Estado captura 48% da riqueza que se produz no país. Significa que é incontornável, estamos a falar de um Estado omnipresente, omnipotente. E, por isso, se o Estado não tiver esta ideia que a sua ação na economia não é apenas para as suas razões, mas para as razões de uma economia forte, nós não conseguimos fazer nada. Aquilo que gostaríamos é de um ministro da Economia com os instrumentos necessários para ser atuante e poder fazer a diferença na Economia.
Mas são só os instrumentos que lhe faltam, ou falta-lhe alguma componente política e força dentro do Governo?
A componente política parece-nos que é absolutamente fundamental. E porventura o primeiro-ministro devia ser o primeiro a ter essa visão daquilo que é necessário fazer para um país mais competitivo. Gostamos daquele pensamento do nosso grande poeta: Rei forte faz forte a fraca gente. Mas também o contrário: Rei fraco faz fraca a forte gente. Se nós não tivermos uma lideranças nas matérias que são absolutamente essenciais, eu temo que o país vai continuar a caminhar para trás, vai deixar todos ultrapassarem-no e vamos ser o carro-vassoura da Europa. E, sinceramente, não é prestigiante, seja enquanto português, seja enquanto empresário fazer parte de um estado de coisas em que nos parece que o nosso desígnio é viver de mão estendida para Bruxelas. Nós não temos que ser subsídio-dependentes. O Estado, de alguma maneira, cria uma malha para sermos dependentes, não estimula a nossa soberania, não estimula a nossa independência. O Estado tem apreciado criar estas dependências porque é uma forma naturalmente de também controlar a agenda.
Foi isso que viu também nas medidas de mitigação à inflação, essa dependência?
Claramente. Faz sentido pormos portugueses contra portugueses? Nós durante tempos e tempos, na confederação, dissemos que não estava a haver apoios à produção e que as empresas estavam a conseguir não replicar para o mercado os aumentos extraordinários da produção e que estavam a fazê-lo à custa de margens. Mas que haveria um momento em que já não seria sustentável fazer isso. Avisámos isso durante meses. O que é que aconteceu por essa Europa fora? O Estado apoiou as empresas com capital e em Portugal apoiou com crédito. Estamos a falar de uma coisa completamente diferente. Agora, surpreende-se que muitos produtos tenham de facto aumentado de custo, por uma pressão grande nas matérias-primas, nos custos energéticos, e a primeira reação que faz é enviar a ASAE? Então não era evidente que os aumentos estavam a ser parados à custa das margens, mas que haveria uma altura em que isso não podia acontecer? É preciso que o Estado resista a esta tentação de pôr portugueses contra portugueses.
Existe um culpado neste aumento dos preços da alimentação?
Eu creio que o culpado é o aumento dos custos de fatores, que é a escassez de produtos. Nós ainda não estamos com a produção ao nível pré-pandémico e que, nalgumas áreas, como cereais, foram fortemente agravados com esta invasão da Ucrânia. É preciso percebermos que hoje a lei da oferta e da procura ainda não está numa situação perfeita.
E o IVA zero vai resolver alguma coisa?
Não, nada. Qual é o sentido que faz qualquer pessoa que vai comprar um produto tenha rendimentos ou não tenha rendimentos… imagine o maior milionário do mundo chega a Portugal compra um produto e paga IVA zero. Faz sentido isso? Alguém consegue perceber isso? Ninguém consegue perceber isso. Porque é que há de pagar IVA zero? Realmente existe o problema, mas a solução é completamente errada. Há naturalmente famílias que estão a passar dificuldades. O que tem de se fazer é essas famílias receberem uma subvenção para poderem aliviar as suas…
Isso também foi feito.
Trinta euros? Foi isso que foi feito. São esmolas, não faz sentido. Uma política não é assim, não é feita por pontos ad hoc, arbitrários. Não faz sentido isso. O que faz sentido é que haja uma política, uma visão que trate cada um de forma diferente porque é isso que é o princípio da solidariedade, tratar cada um conforme as suas necessidades. Não é tratar todos de forma igual, porque as necessidades não são iguais. E por isso o IVA zero foi uma medida que acredito que não vai resolver coisa nenhuma e as famílias continuam naturalmente com dificuldades.
Acha que não vai conseguir equilibrar os preços?
Acho que não. Acho que os preços vão ser equilibrados pela lei da oferta e da procura. E muitos desses preços estão agora a baixar precisamente porque já estamos a chegar à altura das colheitas. E, portanto, com a altura das colheitas, com maior quantidade, a lei da oferta e da procura diz que com mais quantidade o preço desce e isso, sim, vai contribuir para baixar os preços. O IVA zero, sinceramente, não creio.
O Governo tem avançado com subidas de salário mínimo muitas vezes sem o acordo dos patrões. Qual a sua posição sobre o aumento do salário mínimo?
Eu próprio fiz uma evolução nessa ideia. No início achava que o salário mínimo não era importante, ou seja, que deveria obedecer à lei da oferta e da procura e hoje tenho uma ideia diferente porque é necessário que haja um estímulo para que as empresas possam subir na cadeia de valor, para conseguirem pagar melhores salários. Porque se não houver esse estímulo, as empresas vão continuar a fazer o que fazem e sempre fizeram. Esse estímulo acontece. Mas, atenção, isto não pode ser desligado da realidade económica. Nós temos em Portugal franjas da economia que não têm nenhuma capacidade de refletir nos preços de venda aumentos dos custos de produção. Podemos dizer assim: mas esses setores estão condenados a desaparecer e não fazem falta à economia. Se estão condenados a desaparecer eu acho que sim, que estão. Mas que não fazem falta neste momento já não concordo, porque acho que neste momento empregam quantidade significativa de pessoas. Por isso, aquilo que me parece que é importante fazer é não desligar esta política do salário mínimo da política fiscal. Porque se nós a desligarmos estamos a fazer de novo o trabalho do cobrador de impostos, o Estado, que é estimular o aumento de salários para ir buscar mais impostos sobre esses salários. Aquilo que me parece que é importante fazer é: vamos conseguir remunerar melhor as pessoas, vamos criar um sistema que seja menos penalizador sob o ponto de vista de imposto porque o que importa às pessoas é o dinheiro que levam para casa. Ninguém se governa pelo salário bruto, é pelo líquido. E, nesse sentido, parece-nos que é importante estimular toda uma economia a subir na cadeia de valor, para que realmente os salários possam ser melhor pagos. Mas, dito isto, repare que até há algum tempo, o salário mínimo estava indexado ao indexante de prestações sociais.
O IAS…
Ou seja, as prestações sociais eram o salário mínimo, não havia uma separação. O que é que aconteceu a partir de determinada altura? Separou-se: o salário mínimo é uma coisa e a prestação social é outra. Significa que o esforço que o Estado está a obrigar às empresas não está a fazer ele próprio, porque as pensões, reformas, pensões sociais, de sobrevivência… justifica-se que estejam a subir tão pouco como têm subido desde que se desligaram do salário mínimo? Então numa altura tão frágil da vida como é quando se está reformado, muitas vezes até com a saúde mais debilitada, e as pensões são muitas vezes o único recurso que as pessoas têm para sobreviver porque não têm outro tipo de rendimentos. É que não há sindicato dos reformados e dos pensionistas. Mas era importante que, neste esforço de solidariedade que todos nós temos, também o Estado fizesse a sua parte. Que exija aumentos de salários, com certeza, mas que também se imponha aumentos de pensões, para a ideia de ninguém ficar para trás.
O salário mínimo deveria estar indexado a indicadores objetivos?
Absolutamente. Porque se nós não conseguirmos fazer isso podemos estar a decretar aumentos salariais e a estabelecer aumentos salariais que depois não têm nenhuma relação com a produtividade. Todos nós gostaríamos que o salário mínimo fosse muito elevado. Porque é que não há-de ser 5 mil, 10 mil euros? Porque todos nós compreendemos que não vivemos em abstrato, vivemos no concreto. Se nós tivéssemos um salário mínimo exageradamente elevado, nós íamos ter franjas de desemprego muito elevadas, porque as empresas não conseguem rentabilizar, ter retorno, a um salário muito elevado. Quanto mais elevado for o salário, mais exigente é o retorno desse salário. Todos nós compreendemos isso. Se nós quisermos aumentar um salário e não quisermos olhar para o outro lado, a curto, a médio prazo, vamos naturalmente ter uma dificuldade e é um colapso económico da nossa economia, que ninguém deseja.
Aeroporto de Lisboa: “Decida-se… e decida-se rápido”
Gostávamos de ir aqui a um outro tema de atualidade que tem a ver com o aeroporto de Lisboa. Já houve vários avisos para a possibilidade de o aeroporto de Lisboa não aguentar este verão. Teme que isso possa acontecer e tem preferência da localização para o novo aeroporto?
Este é um exemplo que se não fosse tão sério também era risível. E é revelador da nossa incapacidade de tomar decisões e, sobretudo, decisões estratégicas. Esta decisão é uma decisão que deveria estar tomada como todos sabemos há muitos anos, muitos anos. E continuamos um bocadinho nestes jogos florais, a estudar alternativas até encontrar a melhor opção.
Mas tem preferência por alguma localização?
Neste momento a minha preferência é: decida-se. E decida-se rápido. Porque nós apostamos no turismo — e é bom apostarmos no turismo; não é a única valia económica de Portugal, mas é uma valia importante. E como é que é possível se queremos tanto apostar no turismo e não termos capacidade para que os turistas cheguem a Portugal e, neste caso concreto, a Lisboa? Mais do que uma preferência, aquilo que é a posição da confederação é a necessidade de uma decisão rápida e que já teve todo o tempo do mundo para ser ponderada. O pedir-se agora uma decisão rápida não quer dizer que não seja uma decisão ponderada. Com as ponderações que já foram feitas tome-se uma decisão.
António Saraiva fechou uma conferência sobre o aeroporto em Santarém. Também defende Santarém?
Santarém tem a particularidade de não representar custos para o erário público, é um projeto de privados. Creio que só por essa razão o projeto deveria ser feito, independentemente de qualquer outra decisão. Ou seja, a decisão de fazer uma infraestrutura paga por privados creio eu que todos estamos de acordo que não vem grande mal ao mundo que isso aconteça. Às vezes há algum frenesim quando se toma decisões como se tudo tivesse de estar nas mãos do Estado e dentro da limitação do Estado, não vejo essa dificuldade. Creio que é meritório esse projeto, está a ser liderado por alguém que deu provas da sua capacidade profissional, não é alguém que tenha ideia de ser um sonhador ou um fantasioso das coisas e não está sozinho. Agora, a posição da confederação não é a favor ou contra nenhuma localização. A posição da confederação é que se tome uma decisão rápida, com os elementos que já seguramente foram muito ponderados, mas que se tome uma decisão rápida e se comece a construir.
Fechamos como abrimos, com a TAP. A TAP serve bem o país? Deve ser privatizada?
Creio que o Estado quis — nesta deriva de a política interferir em tudo o que é a economia e nesta vontade de o Estado ser absolutamente omnipresente em tudo — entrar num problema que já estava resolvido. A TAP tinha sido privatizada, eu creio que nenhum português deixou de viajar ou passou a viajar de forma mais fácil por ter uma empresa nacionalizada. Não creio que haja neste momento nenhum português que diga que viajou melhor ou mais barato por ter sido nacionalizada. Mas sei de muitos portugueses que estão neste momento a passar mal porque todos os custos que foram neste momento já investidos na TAP poderiam estar a ser muito mais eficientes na vida de cada um. Não tenho nenhuma comoção especial em relação a este dossier porque acho que resultou de um enorme erro feito pelo Governo, que não é o único. A Efacec é também um exemplo de um problema que estava na esfera privada e que na sua vontade de se meter em tudo o Estado não resistiu.
E fez mal nacionalizar?
Fez mal e vai sair muito caro. Não tem tido a visibilidade que a TAP tem tido por razões várias, porque estamos a assistir todos os dias a este folhetim da TAP. Mas a Efacec também é, efetivamente, um custo que se vai repercutir sobre os portugueses de uma forma muito agressiva.
[Já saiu: pode ouvir aqui o quinto episódio da série em podcast “O Sargento na Cela 7”. E ouça aqui o primeiro episódio, aqui o segundo episódio, aqui o terceiro episódio e aqui o quarto episódio. É a história de António Lobato, o português que mais tempo esteve preso na guerra em África.]