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Num dia a vacina desenvolvida pela Astrazeneca e pela Universidade de Oxford não suscitava dúvidas, no outro era suspensa e três dias depois tem novamente luz verde para ser administrada por parte da Direção Geral de Saúde e do Infarmed. Portugal foi dos últimos países a suspender esta vacina, o 19.º em 21: fê-lo na última segunda-feira, depois de domingo ter garantindo não existirem problemas, quando 215 mil portugueses já tinham levado a primeira toma. Mas foi também dos primeiros a levantar essa suspensão: um par de horas depois de a Agência Europeia do Medicamento (EMA) anunciar as conclusões da sua investigação aos casos de tromboembolismo registados em toda a Europa, garantindo novamente que são “menos do que os expectáveis na população geral”, Graça Freitas anunciou a sua retoma para a próxima segunda-feira, depois de 120 mil portugueses terem ficado por vacinar nestes dias.
A EMA já tinha afirmado não existir qualquer evidência científica sobre os efeitos secundários notificados em pessoas vacinadas com a AstreZeneca, mas anunciou uma investigação aos casos registados a um medicamento que aprovou. Esta quinta-feira veio garantir não ter encontrado qualquer “problema de qualidade ou num lote”, concluindo que “esta é uma vacina segura e eficaz” e que “não está associada com o aumento do risco geral de evento de tromboembolismo ou coágulos”. Logo de seguida, além de Portugal, vários países que tinham decidido suspender a sua utilização, acataram a recomendação e anunciaram que iam voltar a administrar a vacina.
A AstreZeneca foi a terceira vacina a ser aprovada na União Europeia, a 29 de janeiro, depois da Pfizer/BioNTech e da Moderna. Segundo a EMA, desde então foram vacinadas só na União Europeia cerca de sete milhões de pessoas. Até à noite de quarta-feira, tinham sido reportados sete casos de coagulação intravascular disseminada e 18 de trombose venosa cerebral, num universo de quase 20 milhões de pessoas vacinadas.
Em Portugal houve dois casos de tromboembolismo, mas as autoridades de saúde ressalvaram que têm características clínicas e laboratoriais distintas, de menor gravidade e complexidade quando comparados com os quadros clínicos reportados noutros países. Ambos os doentes já estão em recuperação.
Se se perdeu no que está a acontecer com a vacina da AstraZeneca, que voltará a ser administrada em Portugal a partir de segunda-feira, leia as próximas seis perguntas e respostas.
Que países suspenderam a AstraZeneca?
Foram 21 os países a suspender a administração da vacina desenvolvida pela AstraZeneca com a Universidade de Oxford: Portugal, Espanha, Itália, Alemanha, França, Noruega, Áustria, Roménia, Estónia, Países Baixos, Islândia, Lituânia, Letónia, Bulgária, Luxemburgo, Chipre, Irlanda, Dinamarca, Suécia, Indonésia e Venezuela.
Portugal foi o 19.º país a fazê-lo, ao final de segunda-feira, dia 15 de março, 24 horas depois de ter anunciado que a vacina era segura. O primeiro país tinha sido a Áustria, a 7 de março, que anunciou a suspensão de um lote da vacina contra a Covid-19 da AstraZeneca como medida de precaução enquanto investigava a morte de uma enfermeira e uma embolia pulmonar numa outra, após ambas terem sido vacinadas.
Na Alemanha, na última terça-feira, o Instituto Federal para as Vacinas e os Medicamentos da Alemanha publicou mesmo um documento de quatro páginas para explicar pormenorizadamente aos cidadãos todo o processo que levou à suspensão da vacina. Aí lê-se que foram identificados sete casos de vacinados com a AstraZeneca com “uma forma específica de trombose venosa cerebral grave associada à deficiência de plaquetas (trombocitopenia) e a hemorragias”. Destes sete (seis mulheres e um homem), que tinham entre 20 e 50 anos de idade, três morreram entre 4 e 16 dias depois de terem levado a vacina.
Segundo os cientistas alemães, em termos estatísticos “o número destes casos depois da vacinação com a AstraZeneca é mais elevado” do que o número de tromboses venosas que ocorrem normalmente na população não vacinada. Nas suas contas, nos 14 dias seguintes à vacinação, num universo de 1,6 milhões de doses administradas, “seria expectável cerca de um caso”, de trombose venosa, mas foram reportados 7. Além disso, acrescenta o instituto alemão, as idades dos mais afetados não batem certo com a população que, naturalmente, está em maior risco de sofrer uma trombose venal com desfecho fatal, associada a uma baixa contagem de plaquetas no sangue.
Depois das dúvidas sobre a vacina para os mais velhos, o que diz agora a AstraZeneca?
Já não é a primeira vez que a vacina da AstraZeneca levanta dúvidas. No início de fevereiro, o Financial Times divulgava que a maior partes dos voluntários que participaram nos testes eram sobretudo jovens adultos saudáveis e que a vacina era menos eficaz para a variante da África do Sul. “Nesta fase I/II de testes, os dados mostram uma eficácia limitada sobretudo contra a doença leve provocada pela variante da África do Sul B.1.351”, explicou à data um porta-voz da AstraZeneca,
O facto de ter sido testada em voluntários mais jovens fez mesmo com que a Agência Europeia do Medicamento aprovasse a sua venda na União Europeia, mas dando a cada estado-membro a hipótese de definir quais os critérios etários para a sua administração — uma vez que não existiam pessoas suficientes com mais de 65 anos entre os voluntários para atestar a sua eficácia a partir desta idade. Muitos países não recomendaram a vacina aos mais idosos e isso só aconteceu quando a EMA também veio dizer que não havia quaisquer riscos, o que só aconteceu cerca de um mês da aprovação inicial. Em Portugal, a indicação para ser administrada a quem tivesse mais de 65 anos aconteceu a 10 de março.
Esta segunda-feira, perante os possíveis efeitos secundários da vacina, a AstraZeneca garantiu que “a natureza da pandemia levou a uma maior atenção em casos individuais”, mas que a incidência de quadros de embolia nas pessoas vacinadas “é muito menor do que seria esperado que ocorresse naturalmente numa população geral deste tamanho e é semelhante em outras vacinas”. Até agora, uma revisão dos dados de segurança “não mostrou evidências de um risco aumentado de embolia pulmonar, trombose venosa profunda ou trombocitopenia em qualquer faixa etária, sexo, lote ou em qualquer país em particular”, justificou.
O que diz a Organização Mundial da Saúde (OMS)?
A Organização Mundial de Saúde (OMS) também tem usado o argumento de que os benefícios da vacina da AstraZeneca, suspensa em vários países europeus, ultrapassam os riscos e por isso recomendou que a vacinação seja retomada. “A vacinação contra a Covid-19 não reduz os casos de doença ou morte por outras causas. Eventos tromboembólicos são conhecidos por ocorrerem com frequência. O tromboembolismo venoso é a terceira doença cardiovascular mais comum a nível global”, sublinhou a OMS em comunicado.
A organização refere ainda que “em grandes campanhas de vacinação, é rotina que os países assinalem potenciais eventos adversos após a imunização”, mas realça que tal “não significa necessariamente que os eventos estejam relacionados com a própria vacinação”. Ainda assim considerou ser “uma boa prática investigá-los”.
O que diz a EMA, que não afasta por completo a ligação dos coágulos à vacina?
A Agência Europeia do Medicamento manteve sempre também o argumento de que “os benefícios da vacina continuam a superar os seus riscos” e que esta podia continuar a ser administrada, embora ressalvando que os casos de coagulação reportados estavam em investigação. Ainda assim fixou-se sempre no facto do número de eventos tromboembólicos em pessoas vacinadas não ser maior do que o número observado na população em geral. Na última terça-feira, um dia depois de Portugal anunciar a suspensão da vacina, a diretora da organização, Emer Cooke, sublinhou não existirem evidências científicas que sustentassem uma ligação direta entre a administração da vacina da AstraZeneca e o aparecimento de coágulos sanguíneos.
Já esta quinta-feira a Agência Europeia do Medicamento acabou por anunciar o resultado final da sua investigação. “Esta é uma vacina segura e eficaz”. “A vacina não está associada com o aumento do risco geral de evento de tromboembolismo ou coágulos“, afirmou Emer Cooke.
Ainda assim, a diretora da organização disse que ainda não é possível “descartar definitivamente a ligação entre estes casos [de coágulos] e a vacina” da AstraZeneca. Emer Cooke adiantou que a Agência está a fazer mais estudos e a investigar mais a fundo os efeitos da vacina e apela a que todas as pessoas que tenham sentido efeitos secundários, que os reportem. Mas voltando a reiterar: “Esta vacina é uma opção segura e eficaz para proteger os cidadãos contra a Covid-19″.
“Tendo em conta as milhares de pessoas na UE morrem todos os dias, era crucial a EMA anunciar a decisão rapidamente e com base em todas as informações disponíveis. Por isso, esta revisão foi a nossa maior prioridade”, disse, dirigindo-se a todos os países que optaram por suspender a vacina.
“As conclusões científicas adotadas hoje, dão aos estados-membros a informação que precisam para tomar uma decisão informada sobre o uso da vacina da AstraZeneca“, afirmou ainda Emer Cooke.
Sabine Strauss, presidente do comité de segurança da vacina da EMA, garantiu não ter encontrado “nenhum problema de qualidade ou num lote”. Os casos de tromboembolismo em toda a Europa foram investigados e são “menos do que os expectáveis na população geral”, pelo que “não há um aumento do risco de coágulos no sangue com esta vacina”. “Em alguns casos, minúsculos coágulos foram desenvolvidos em vários vasos sanguíneos nos primeiros 7 a 14 dias após a vacinação”, afirmou, adiantando que as informações que existem “não são suficientes para concluir com certeza se estes casos são de facto causados pela vacina ou não”, acrescentou. São “extremamente raros”.
O que diz a Direção Geral da Saúde sobre a retoma da vacinação?
Na segunda-feira as autoridades de saúde portuguesas que asseguravam que não havia problemas com a vacina deram um passo atrás. Vinte e quatro horas depois de terem comunicado aos jornalistas que a vacinação contra a Covid-19 com a AstraZeneca podia prosseguir com normalidade, Rui Ivo, presidente do Infarmed, anunciou em conferência de imprensa que a autoridade do medicamento e a Direção-Geral da Saúde (DGS) recomendavam a “interrupção temporária” do processo de vacinação com a vacina, seguindo o princípio da “precaução em saúde pública” perante os vários casos de reações adversas reportadas em vários países europeus.
No dia seguinte o primeiro-ministro, António Costa, garantia que suspensão da vacina AstraZeneca tinha sido “mera precaução” e podia durar três ou quatro dias. Ao mesmo tempo vários especialistas alertavam que esta decisão era política e que podia pôr em causa o sentimento de segurança em relação às vacinas.
Esta quinta-feira, mal a EMA anunciou a sua posição, a Direção Geral da Saúde marcou de imediato uma conferência de imprensa com o Infarmed e a task force de vacinação. “Vamos retomar o plano acelerando e recuperando o atraso que foi feito pelo facto de termos este quatro ou cinco dias parados”, anunciou o coordenador Henrique Gouveia e Melo. O presidente do Infarmed, Rui Ivo, voltou a referir que “os benefícios da vacina são claramente superiores a quaisquer riscos”.
O que vai acontecer agora?
Itália já anunciou que retoma vacinação com AstraZeneca para esta sexta-feira: “A prioridade do governo mantém-se em dar o maior número de vacinas no menor tempo possível“, disse o primeiro-ministro Mario Draghi, citado pelo La Repubblica.
Em Espanha o El Pais também deu conta da retoma a partir da próxima semana. Em França a recomendação da vacina da AstraZeneca será feita igualmente amanhã.
Também está previsto que Alemanha, Holanda, Letónia e Lituânia retomem a administração da vacina em breve. Já a Irlanda prevê anunciar, esta sexta-feira, a decisão de retomar a vacinação com a AstraZeneca e a Suécia, um dos últimos países a suspender o uso da vacina, só vai anunciar na próxima semana se retoma a vacinação. “A agência de saúde pública precisa de alguns dias para analisar a situação e como a vacina da AstraZeneca pode ser usada na Suécia”, disse o diretor geral da agência, Johan Carlson, citado pelo The Guardian.
Em Portugal o plano de vacinação relativo à AstraZeneca “vai ser posto em marcha a partir de segunda-feira”, com os professores e funcionários das escolas a receberem a primeira dose no fim de semana de 27 e 28 de março. Nestes dias de suspensão, cerca de 120 mil pessoas ficaram por vacinar.
A diretora-geral de Saúde apelou a que as pessoas não recusem a vacina da AstraZeneca. “Creio que é uma hipótese que as pessoas não deviam colocar. A recusa de uma vacina é recusar proteger-se contra uma doença grave. A alternativa é continuarem vulneráveis“, disse Graça Freitas.