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“Paranóia, um desejo total de controlo, de se quererem colocar no centro de poder, e não confiarem em ninguém.” É assim que a editora sénior da China e de Assuntos Globais na revista New Statesman, Katie Stallard, define ao Observador o comportamento do chefe de Estado, Vladimir Putin, do líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un, e do Presidente chinês, Xi Jinping. No livro Dança dos Ossos, publicado agora em Portugal pela Zigurate, a jornalista e antiga correspondente da Sky News na Rússia e na China explora a forma como é que estes homens se conseguem manter no poder através da instrumentalização da História e da propaganda que se gera em redor de eventos históricos manipulados — muitas das vezes distorcidos ou mesmo falsificados.
Na Rússia, Vladimir Putin tem tentado evocar as imagens da Segunda Guerra Mundial — ou Grande Guerra Patriótica — para justificar a invasão da Ucrânia. Levando a cabo um processo de “desnazificação” no país vizinho, o líder russo tenta mostrar que o nazismo está de regresso à Europa, sendo que a Rússia deve levar a cabo a missão de erradicar aquela ideologia. Neste conflito e na maneira como gere o país, está também, segundo Katie Stallard, associada uma ideia de grandeza: “Penso que ele se convenceu de que o seu legado e o seu papel é assegurar o poderio da Rússia nas próximas décadas”.
Para o regime chinês, a vitória na Segunda Guerra Mundial — chamada de Guerra de Resistência contra a Agressão Japonesa — também passou a ser tratada como um dos eventos mais importantes na história do país. A ideia adjacente era mostrar que, após o conflito, a China não ia aceitar ser mais humilhada (como a propaganda de Pequim insiste que aconteceu antes), passando a ser uma potência a ser tomada em consideração entre a comunidade internacional.
“Xi e Putin concordavam que, na qualidade das nações que mais se tinham sacrificado para salvar o mundo do fascismo, a guerra conferia-lhes o direito ao respeito. Apresentavam-se como os fundadores e guardiões da ordem internacional do pós-guerra — em vez de representarem a maior ameaça a essa mesma ordem”, escreve Katie Stallard.
Longe da grandeza chinesa ou russa, mas usando métodos brutais, a Coreia do Norte prefere dar grande relevo à Guerra da Coreia. Envolta em falsidades históricas que se misturam com mitos, aquele conflito é a prova, segundo a propaganda de Pyongyang, que o Ocidente quer “dizimar” o país. De forma a travar as tentativas ocidentais, o regime dos Kim investiu fortemente em armamento, inclusivamente o nuclear. No entanto, como sublinha a autora de Dança dos Ossos, as razões para esses investimentos estão longe de ser meramente defensivas. São, antes, “essenciais para a própria segurança e sobrevivência” do regime.
“Putin foi construindo uma narrativa em que os russos eram os bons da fita e que tinham sido atacados”
Acabou de escrever o livro em janeiro de 2022, certo?
Certo. Quando as tropas russas estavam concentradas na fronteira. As coisas estavam bastante confusas nessa altura.
Desde aí, já se passaram mais de dois anos desde que a guerra na Ucrânia começou. Como é que a propaganda russa mudou com a invasão total da Ucrânia?
Acho que fomos vendo uma progressão desde o início da guerra. Na manhã de 24 de fevereiro de 2022, quando acordei e vi o discurso de Putin a dizer que era sobre a desnazificação e desmilitarização da Ucrânia., soaram os alarmes. Estudei isto durante um número de anos e o quão central a Grande Guerra Patriótica [como é conhecida a Segunda Guerra Mundial na Rússia] se tinha tornado para a propaganda de Putin.
Ao longo das décadas, Putin foi construindo uma propaganda em que os russos eram os bons da fita, que eram os heróis e que tinham sido atacados e que precisavam de se proteger. Naquele momento, Putin disse que os nazis eram reais, que havia uma ameaça real e que os russos precisavam de proteger os patriotas. Pensei que, para o mundo real, era completamente ridícula esta justificação, mas havia uma lógica interna nesta versão da realidade para a propaganda russa.
Considerava que a invasão da Ucrânia seria um trunfo para a propaganda de Putin?
Não tinha a certeza de quão bem-sucedida seria, porque uma coisa é as pessoas na Rússia celebrarem a anexação da Crimeia. Da anexação ilegal não houve nenhum preço a pagar.
Isto porque, como explica no livro, a anexação da Crimeia em 2014 foi uma ideia popular.
Sim, muito. Até entre pessoas que se consideravam liberais havia uma certa nostalgia sobre a anexação da Crimeia. E também coincidia com outros eventos, como os Jogos Olímpicos em Sochi. Havia uma sensação de que a Rússia estava de volta, de que a Rússia era um player importante e que a Rússia tinha de ser levada a sério outra vez. Mas não havia um preço a pagar por isso.
E na invasão?
Não tinha a certeza se o tipo de mitos em redor da História e da propaganda se manteriam vivos na Rússia. Havia pessoas a morrer. E uma vez que as pessoas estavam em perigo de ser mobilizadas, havia um preço real a pagar. A partir daí, vi uma consolidação defensiva, uma maneira de explicar às pessoas o que estava a acontecer e o motivo pelo qual era necessária [a invasão]. Porém, não se gerou um entusiasmo real entre os russos para lutarem numa nova versão da Grande Guerra Patriótica.
“Atentado pode ser usado pelo Kremlin de forma muito cínica, mas muito eficaz, para mostrar que a Rússia está sob ataque”
O que conclui sobre os esforços da propaganda russa durante tempos de guerra?
Acho que foi relativamente bem-sucedida. Quando os soldados russos morrem na Ucrânia, a retórica é que eles são uns novos heróis e que estão a morrer numa guerra defensiva, em vez de uma guerra de agressão absolutamente evitável, o que é o caso. Penso que a versão da História e da propaganda de uma guerra defensiva foi útil, porque ressoa entre a população com esta ideia: a de que a Rússia enfrenta um inimigo externo. Ninguém gosta da guerra. Ninguém está entusiasmado, mas a ideia da guerra defensiva — que é a coisa a ser feita — é algo que se pode vender a uma larga percentagem da população.
A propaganda russa evoca a possibilidade de uma guerra com a NATO. Porquê?
O que acontece na Ucrânia está a ser apresentado como parte de uma guerra mais ampla em que se luta contra o Ocidente na Ucrânia. É uma visão do mundo que não dá qualquer papel à Ucrânia. É uma nova realidade em que a Rússia tem de resistir e lutar, ou então aceitar um avanço da NATO até à fronteira entre a Rússia e a Ucrânia. Neste último caso, a Rússia terá uma habilidade muito mais fraca de se defender. Portanto, acho que a grande diferença entre guerras passadas é que, na versão da propaganda russa, isto não é algo que a Rússia queira. Não é uma guerra de conquista ou imperialista — como é na verdade. É uma guerra defensiva.
Isso vê-se no ataque terrorista durante o fim de semana. [A propaganda] já está a ser trabalhada para explicar por que motivo é necessário neutralizar a Ucrânia, que é a base em que Putin trabalha desde o início da guerra: de que a Ucrânia será antirrussa e que se tornará numa base para o Ocidente atacar a Rússia. Esta ideia é útil ser apresentada.
Pode elaborar? De que forma é que a propaganda russa pode usar o atentado de sexta-feira no Crocus City Hall?
Quando não se tem moral e escrúpulos no que diz respeito a mentir aos cidadãos, pode ser extremamente útil. O ataque pode ser mostrado como uma prova do motivo pelo qual a fronteira tem de ser defendida e por que razão é necessário neutralizar a suposta ameaça da Ucrânia. Não me surpreenderia se começássemos a ver, na propaganda russa, que existe uma espécie de golpe do Ocidente. E há esta ideia: sim, os Estados Unidos avisaram sobre isto, mas foi porque os Estados Unidos estavam envolvidos e planearam isto?Além disso, os ataques terroristas que aconteceram em Moscovo quando Putin chegou a Presidente foram muito úteis a enviar a mensagem de que era por aquele motivo que a Rússia precisava de um líder forte. Assistiu-se a um esforço para centralizar o poder e investir mais nas forças de segurança.
Tudo isto pode justificar parte do argumento do Kremlin, mas desde que se ignore a realidade de que houve avisos que não foram levados a sério. E que muitas forças de segurança estão envolvidas na guerra na Ucrânia. Putin, na verdade, não está a fazer um bom trabalho em manter o povo russo seguro. Mas, desde que se consiga ignorar isso, penso que este atentado pode ser usado pelo Kremlin de forma muito cínica, mas muito eficaz, para mostrar que a Rússia está sob ataque e que é necessário defender-se.
“Um Estado forte com um forte aparato de segurança”. As parecenças e diferenças entre Putin, Xi e Estaline
No livro, explica como Josef Estaline utilizou a propaganda enquanto esteve à frente da União Soviética. Nota alguma semelhanças entre Estaline e Putin?
Acho que as semelhanças entre Estaline, Putin — e também Xi Jinping na China — são a paranóia total, um desejo total de controlo, de se quererem colocar no centro de poder, e não confiarem em ninguém. Os três também acreditam na sua versão de tornar a Rússia e a China grandes outra vez. Parece que eles se convenceram de que têm de assumir o cargo de imperador para atingirem isso. E, por isso, todos os passos que tomam justificam-nos com o facto de ser essencial ter um Estado forte e de terem um forte aparato de segurança.
Em relação a Putin e a Estaline, penso que a diferença crucial é que não vejo um componente de ideologia em Putin — que Estaline tinha. Penso que Putin está mais motivado em tornar a Rússia numa grande potência. E, contrariamente a Estaline, Putin não tem interesse em exportar o seu modelo de governação. Putin quer consolidar o poder e a soberania da Rússia, ao mesmo tempo que assegura o seu lugar na história como alguém que vai ser lembrado ao lado de Pedro o Grande, Catarina a Grande, Estaline. Putin quer ser um líder forte como aqueles.
É sobre legado.
Sim. É sobre legado. Penso que Putin considera que líderes como Gorbachev não têm desculpa, porque deixaram o poder escapar-lhes nas mãos. E penso que o Presidente se convenceu de que o seu legado e o seu papel é assegurar o poderio da Rússia nas próximas décadas. Ele vê-se como um grande homem da História e, por isso, os sacrifícios e dificuldades do presente são justificáveis. Acredito que ele pensa sobre como será lembrado e se estará nos livros de História.
A estratégia “da pureza cultural” de Kim Jong-Un
E Kim Jong-Un, onde fica no meio destas comparações?
A dificuldade em relação a Kim é que existem poucas fontes e é muito mais difícil dizer isso. Não se consegue perceber tanto como pensa em declarações públicas. Há menos coisas a acontecer. Inicialmente pensei apenas em escrever sobre a Rússia e a China. Fui correspondente na Rússia e na China e vi paralelismos entre Xi e Putin. Só quando comecei a cobrir a Coreia do Norte é que pensei o quão relevante e o quão central a História das guerras passadas eram [para os três líderes] no presente. Quando se vai lá [Katie Stallard esteve na Coreia do Norte em 2016], e se vê os grandes monumentos em Pyongyang, vê-se a versão da História da Coreia do Norte. Onde vejo os paralelos é na utilidade da História. Na primeira década do mandato de Kim, ele era alvo de chacota e [visto] como um personagem de desenhos animados.
Como Trump lhe chamou, o Rocket Man…
Sim. Mas não se viu a ressonância da História que ele estava a contar. No entanto, tal como Putin e Xi, para ele o controlo e a consolidação do poder são tudo, cercando-se apenas de pessoas leais em que pode confiar, neste caso, a sua irmã. A versão da História que ele propaga é uma versão da História que mostra a Coreia do Norte a ser atacada desde o exterior, sendo que a Coreia do Norte tem de se defender.
Penso que muitas das ações agressivas — que depois levam a sanções que empobrece o país —, requerem que grande parte da população viva em condições absolutamente terríveis, mas essa ideia é apresentada como não havendo escolha, porque [a Coreia do Norte] está sozinha e é o último poder genuíno socialista.
Como é apresentado o Ocidente na propaganda norte-coreana?
Que o Ocidente quer destruir a Coreia do Norte e que mobilizou todos os recursos para dizimar o pequeno país. E é por isso que é necessário enfrentá-lo e desenvolver armas nucleares e mísseis balísticos intercontinentais, porque é assim que [a Coreia do Norte] se defende. “Nós somos os heróis, nós somos os bons da fita, estamos a resistir pelo nosso povo e estilo de vida e é o Ocidente que nos está a tentar destruir”. É por isso que Kim Jong-un investe massivamente em reconstruir museus e monumentos, para que a sua versão da história vingue. É ridículo que se pense sobre isso, visto os níveis de pobreza que existem lá.
Pensa que Kim Jong-un teme que o seu regime colapse? Acha que Putin e Xi também receiam esse cenário?
Penso que o perigo para Kim, que os outros líderes não enfrentam, é que existe a outra Coreia, que tem sucesso, que é democrática e onde a qualidade de vida é mais elevada. O perigo para Kim é permitir que o país se abra. Se abrir e se permitir demasiada informação, é muito difícil para ele justificar por que motivo é que a população vive daquela maneira, porque na outra Coreia estão a viver muito melhor. E houve uma mudança. Antes, a Coreia do Norte era a mais próspera. Mas ao longo da governação dos Kim tornou-se tão pobre…
Na propaganda norte-coreana, tentavam convencer as pessoas que na Coreia do Sul se vive na pobreza e que era uma colónia norte-americana. Há histórias sobre crianças a ser atropeladas por tanques e sobre a forma terrível como os norte-americanos tratavam os civis coreanos. Quando se visita a Zona Desmilitarizada, vindo do sul, eles até dizem para não vestir calças de ganga rasgadas, que muitas vezes estão na moda, porque isso pode ser usado pelo norte para expor o quão pobres são os norte-americanos e os sul-coreanos. Manter a propaganda de que a Coreia do Sul é pobre tornou-se cada vez mais difícil. Por exemplo, existem programas de entretenimento sul-coreanos— como K-dramas — que são vistos na Coreia do Norte. E nesses programas, vê-se os arranha-céus em Seul, vê-se os carros, vê-se as roupas e vê-se a maneira como as pessoas vivem.
Como é que Kim pode contrariar isso?
Acho que tem havido esforços para tentar bloquear tudo o que venha do outro lado da fronteira. Há histórias de pessoas que são condenadas à morte por distribuírem programas de entretenimento sul-coreanos. É importante manter a informação a conta-gotas. E agora a estratégia é a da pureza cultural. Existe o reconhecimento que, sim, as pessoas na Coreia do Sul podem ter mais dinheiro. Mas é porque desistiram dos valores conservadores, de uma maneira mais pura e virtuosa da vida para terem alguma riqueza material, mas cultural e moralmente ainda estão muito pobres.
Mas, para essa tese resultar, o país tem de estar fechado…
Havia o otimismo, com Trump, de que haveria uma abertura. Se ele a permitisse, o seu povo viveria muito melhor. Mas existe igualmente o perigo de que o seu regime caia, sendo que a elite norte-coreana também quer manter o regime, porque está a viver bem. Eles não querem perder isso. Eu acho que nos estamos a enganarmo-nos ao pensar que Kim quer abrir a Coreia do Norte. Ele considera que manter a Coreia do Norte isolada e um controlo tão apertado é essencial para a sua própria segurança e sobrevivência. E ainda é um homem jovem e pode governar durante décadas. E tem filhos a quem quer passar o poder.
“Deve manter-se uma separação entre aqueles que estão no poder e os cidadãos” destes regimes
No livro, diz que o Ocidente tem de lidar com este tipo de propaganda, mesmo que até seja falsa. Como é que os países ocidentais devem interagir com essa propaganda? Qual é o maior desafio para o Ocidente?
Penso que vimos isso na Rússia e com Putin: há uma tendência em resumir o país a Putin e ver a Rússia como um país em que toda a gente acredita na propaganda e defende a guerra. Penso que se deve manter-se uma separação entre aqueles que estão no poder e os cidadãos e não entender que, só por que ainda não depuseram o governo, apoiam o regime. Deve sentir-se uma empatia estratégica. Há pessoas na Rússia que estão a resistir corajosamente. No dia do funeral de Alexei Navalny, houve imensas pessoas a saírem às ruas e a correrem riscos.
Insisto que se deve manter uma separação entre os que estão no poder e 143 milhões de pessoas. E é importante que as entendamos. Sei que não resultou, mas o apelo que Volodymyr Zelensky fez antes da guerra, em que pediu aos russos para não participarem na guerra, é importante e poderoso. Acho que os políticos no Ocidente devem saber como comunicar e manter a possibilidade de haver relações, independentemente do que acontece atualmente. Isso significa falar para a próxima geração de elites. Se se mantiver a ideia de que somos adversários, não haverá forma de contacto. Não há uma forma de retomar a comunicação. Isso é realmente perigoso. É importante pensar além de Putin, além da guerra, além de como a relação está neste momento.
O que ajuda é tornar mais fácil para os russos obterem vistos para fazerem ótimos artigos científicos e publicarem-nos em russo, fora da Rússia, e trabalharem em meios de comunicação fora da Rússia. Tem havido um êxodo massivo de académicos e jornalistas brilhantes desde o início da guerra. Acho que qualquer coisa que possamos fazer para apoiar informações em russo, chinês e coreano é realmente importante. Por isso, considero que precisamos pensar em quem vem a seguir e se existe uma maneira de oferecer um futuro que não pareça apenas uma rivalidade constante.
A Coreia do Norte e a Rússia adotam narrativas antiocidentais. E na China? São tão expressivas?
Depende. Olhando desde 1945, houve períodos de grande proximidade e outros de afastamento. Na China, nos anos 80, a versão da história do que se chama Segunda Guerra Mundial — na China chamam Guerra de Resistência contra a Agressão Japonesa — houve uma mudança. O Kuomintang [partido nacionalista chinês que lutou contra o comunista após a Segunda Guerra Mundial] era o vilão durante muito tempo: eram inimigos da classe e eram igualmente culpados pela guerra. Houve um reescrever da História em meados dos anos 80 e isso tornou toda a guerra um símbolo da nação unida, em vez de ser apenas os comunistas a defender a China. Pessoas que eram antes vistas como inimigas da classe tornaram-se heróis de guerra.
Então, há margem de manobra para haver mudanças [nestes regimes]. No que diz respeito aos Estados Unidos e à China, há áreas em que podem concordar e há visões comuns e partilhadas da História. Os dois lutaram ao mesmo lado na guerra contra o fascismo. Quando as delegações do Congresso norte-americano iam à China, iam sempre às bases aéreas onde os norte-americanos lutaram na guerra, como uma espécie de talismã, num tempo em que a China e os Estados Unidos trabalharam juntos e estiveram do mesmo lado.
Considero que há diferentes partes da História que servem o momento atual. Com a China, é de altos e baixos. Com Trump, houve um impulso repentino na China sobre a Guerra da Coreia em que soldados chineses lutaram contra os norte-americanos. Havia ainda discursos de Xi Jinping a lembrar que, naquela guerra, os chineses humilharam os norte-americanos. Por isso, eles podem voltar-se para partes da História de confronto e onde os dois lados estavam um contra o outro. Quando há o desejo de melhores relações, pode haver mais referências à Segunda Guerra Mundial. Varia e não é linear. E julgo que na China também se tem de separar o regime do Estado. Há pessoas no sistema que adoravam ter boas relações com os Estados Unidos: os negócios podiam beneficiar [disso]. Existe a ideologia [comunista] que se torna uma forma de controlo, mas não significa que as pessoas necessariamente acreditem nela e não significa que não possa mudar. As prioridades daqueles que lideram também se alteram.
Como é que pensa que o futuro da propaganda será na Rússia, na Coreia do Norte e na China? Como é que a tecnologia pode ajudar ou pode ter efeitos negativos? A tecnologia é mais difícil de controlar.
Infelizmente, estão a aprender uns com os outros. Bill Clinton [antigo Presidente norte-americano] disse que o Partido Comunista Chinês se dissolveria com a internet. Boa sorte com isso. Quando comecei a trabalhar no livro, fiquei na dúvida sobre se deveria comparar a Rússia à Coreia do Norte, porque estão muito longe no que concerne às liberdades diárias. Na Rússia, podia aceder-se a uma internet totalmente sem filtros e pesquisar qualquer coisa. Mas, ao longo dos últimos anos, já vemos experiências na Rússia, em que se tenta pelo menos diminuir a velocidade da internet, quando coisas mais delicadas para o regime estão a acontecer e exigir que as informações mostradas estejam em conformidade com o delineado pela censura interna.
Na Coreia do Norte, acho que existe mais uma intranet do que uma internet. No país, existe uma censura digital. Com o recurso às impressões digitais, torna-se mais fácil procurar quem partilhou determinadas informações que não interessam e prender essa pessoa. É este tipo de controlo que vemos na Coreia do Norte e na China, enquanto a Rússia está muito interessada em implementar algo similar, ou pelo menos ter a habilidade de conseguir fazer isso. Além disso, penso que seria errado ver como uma panaceia o facto de o mundo estar mais aberto e mais integrado. Esses regimes vão fazer de tudo para evitar que isso aconteça.