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Na imagem, uma conferência de Imprensa do Partido Revolucionário do Proletariado - Brigadas Revolucionárias com Pedro Goulart, Isabel do Carmo, Carlos Antunes e Manuel Crespo. Goulart e Crespo integrariam depois as FP-25
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Na imagem, uma conferência de Imprensa do Partido Revolucionário do Proletariado - Brigadas Revolucionárias com Pedro Goulart, Isabel do Carmo, Carlos Antunes e Manuel Crespo. Goulart e Crespo integrariam depois as FP-25

Arquivo DN

Na imagem, uma conferência de Imprensa do Partido Revolucionário do Proletariado - Brigadas Revolucionárias com Pedro Goulart, Isabel do Carmo, Carlos Antunes e Manuel Crespo. Goulart e Crespo integrariam depois as FP-25

Arquivo DN

Brigadas Revolucionárias: Unir, Organizar, Armar, em nome da Revolução Socialista

O Partido Revolucionário do Proletariado/BR não foi a organização terrorista mais mortífera do país, mas também matou e deixou todas as sementes para as FP-25. Ensaio de Manuel Castelo-Branco

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“Esta manhã, dez minutos após a abertura da agência do Banco Pinto Magalhães (…) um grupo de seis indivíduos tentou assaltá-la, armado com armas de guerra. Sucedeu, todavia, que o guarda da P.S.P., José Ferreira da Rocha, 44 anos, casado, ali em serviço enfrentou corajosamente os assaltantes, envolvendo-se em luta com dois deles. Ouviram-se três disparos e, imediatamente, os funcionários da dependência bancária ocorreram ao exterior, onde a luta se travara, e viram tombar mortalmente ferido o polícia.”

Era assim que o extinto jornal Diário Popular descrevia, a 18 de Março de 1976, um assalto das Brigadas Revolucionárias (BR) do qual resultava a primeira vítima mortal da organização terrorista. Ao contrário do que sempre reclamaram os seus fundadores, Carlos Antunes e Isabel do Carmo, existiram várias vítimas mortais: três inocentes e dois terroristas mortos. Se estes últimos morreram ainda antes do 25 de Abril, os primeiros foram mortos já em democracia. Além disso, dezenas de feridos, incluindo duas crianças mutiladas para o resto das suas vidas.

Aquando deste assalto, as BR tinham já um longo historial de atentados e ataques à bomba, o primeiro ainda antes do 25 de Abril contra as instalações da NATO, que consideravam um instrumento do imperialismo e opressão. Seguiram-se vários ataques à bomba, contra alvos do exército ou em apoio à ocupação da Capela do Rato, alguns assaltos a bancos e uma espetacular destruição de 14 camiões Berliet destinados ao exército.

Um trabalho das investigadoras Raquel da Silva e Ana Sofia Ferreira, publicado em 2018, fala também de atentado realizado em 1978, na Mauritânia, em nome da Frente Polisário, executado pelas BR e financiado pelos Serviços Secretos Argelinos. Deste atentado — um ataque à bomba contra um comboio de carga mineiro — resultaram, pelo menos, oito mortos e terá sido a primeira (e única) acção (mercenária) realizada pelas BR, com o objectivo de provocar vítimas mortais de uma forma indiscriminada. Os explosivos e o armamento utilizados vieram de Portugal, acredita-se que por via marítima, num barco que costumava pescar na região. Na altura do atentado, Carlos Antunes e Isabel do Carmo estavam presos e negam ter tido conhecimento. No entanto, segundo o relato de um dos ex-operacionais envolvidos, estes tiveram conhecimento e não se opuseram.

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Da criação das Brigadas Revolucionárias e do Partido Revolucionário do Proletariado ao 25 de Abril com o PRP-BR

Em Portugal, o tema da violência armada foi equacionado várias vezes pelo PCP desde o fim da II Grande Guerra, mas só em meados dos anos 60 a ideia ganhou força, tendo alguns militantes comunistas recebido treino militar em Cuba e na União Soviética. Internacionalmente, o clima era propício à violência armada: em França vivia-se o Maio de 68; a radicalização armada teve em Itália a sua pior expressão, com as Brigate Rosse (Brigadas Vermelhas); na Alemanha Ocidental com o Baader-Meinhof. Em Portugal não seria diferente e em 1970 nascia a Acção Revolucionária Armada (ARA), grupo clandestino armado e liderado pelo PCP, que se fez anunciar com a colocação de uma bomba-relógio num cargueiro – o Cunene — que fazia a ligação de Lisboa para Angola. O PCP focava-se apenas em alvos militares, tendo como propósito único enfraquecer o regime, combatendo a guerra colonial – excluindo, por isso, qualquer alvo civil.

Surge assim um movimento algo original, desde logo pela sua direcção bicéfala, em casal, bem como por ter surgido como uma organização armada sem um partido que lhe servisse de fachada, fornecesse cobertura política, ou o apoiasse em acções de propaganda

O grupo viria a ser seriamente abalado pela PIDE, fruto da prisão de alguns dos seus membros operacionais mais importantes, suspendendo a sua actividade em 1973 e extinguindo-se a seguir ao 25 de Abril de 1974. Na verdade, o interesse da União Soviética, a quem o PCP reportava funcionalmente, era a África Portuguesa, e era aí que se deveriam concentrar os esforços. Por outro lado, a ligação a um grupo terrorista armado representava um risco acrescido para o PCP e poderia pôr em causa a sua implantação em Portugal.

Carlos Antunes, nome de código Jacques, era um militante activo do PCP desde 1955, tendo estado na Roménia e em Paris, onde se tornou “controleiro” de muitos dos estudantes que por ali viviam. Carlos Antunes defendia que era preciso dar um passo adicional para a luta armada. Sem acesso directo a Cunhal, tentava persuadi-lo via o seu “controleiro” António Vitoriano.

Isabel do Carmo, nome de código Elisa, médica, comunista, tinha origens na zona industrial e altamente politizada do Barreiro, onde a influência comunista era grande. Conheceu Carlos Antunes em Paris, ainda nos tempos do PCP, e acompanhou-o também na saída. A convergência de pontos de vista é tanta que tiveram dois filhos e fundaram a organização terrorista PRP/BR.

Isabel do Carmo e Carlos Antunes no julgamento sobre as Brigadas Revolucionárias

Isabel do Carmo e Carlos Antunes no julgamento das Brigadas Revolucionárias

ALFREDO CUNHA/LUSA

Após a cisão do PCP estabelecem-se em Argel, onde já viviam alguns oposicionistas ao regime, membros da Frente Patriótica de Libertação Nacional (FPLN), que também tinham rompido com o Partido Comunista, entre os quais Manuel Alegre. A ditadura marxista argelina de Boumédiène era particularmente acolhedora a movimentos independentistas africanos, e Carlos Antunes, dando o passo adicional na luta armada, conquistou as boas graças do governo argelino. Neste caso, além de abrigo, a Argélia forneceu treino militar e financiou a criação das Brigadas Revolucionárias (BR). Surge assim um movimento algo original, desde logo pela sua direcção bicéfala, em casal, bem como por ter surgido como uma organização armada sem um partido que lhe servisse de fachada, fornecesse cobertura política, ou o apoiasse em acções de propaganda. As BR, numa fase inicial, contavam ainda com a participação, com diferentes graus de envolvimento e proximidade, de alguns católicos progressistas como Nuno Bragança, Nuno Teotónio Pereira, Luís Moita — Padre, Professor no Seminário dos Olivais e futuro Vice-Reitor da Universidade Autónoma —, a sua irmã Maria da Conceição Moita, o Padre Felicidade Alves, Luísa Sarsfield Cabral — futura dirigente do Partido Socialista — e Francisco Cordovil, entre outros. Aos poucos, todos se vieram a afastar da organização, aderindo a outras organizações após o 25 de Abril.

A 31 de Dezembro de 1972, as BR aproveitam a famosa acção de ocupação e vigília da Capela do Rato para se fazerem notar, com um conjunto de atentados à bomba em vários locais de Lisboa. Os explosivos utilizados na acção eram de fabrico checo, provenientes da LUAR, estavam escondidos em duas malas ao cuidado de Nuno Teotónio Pereira e Luísa Sarsfield Cabral que, temendo a vigilância e rusgas da PIDE, pediram a Carlos Antunes que as guardasse. Um desses petardos causou ferimentos graves em três crianças, duas das quais ficaram mutiladas: Jaime Armando Costa, de sete anos, perdeu os dedos de uma das mãos, teve cicatrizes no peito e um defeito de visão; Ana Paula Costa, sua irmã, de apenas nove anos, ficou cega de um olho. Os irmãos eram filhos de um humilde jardineiro da Câmara Municipal de Lisboa e de uma mulher-a-dias analfabeta.

A luta armada era a prioridade — “a libertação do povo português, tal como todas as mudanças históricas, só por meios violentos se poderá alcançar” —, mas, ao mesmo tempo, reconheciam que estes, por si só, “não poderão conduzir à derrota definitiva do fascismo e à tomada do poder pelos trabalhadores”. A organização de massas podia esperar até Outubro de 1973, data em que foi finalmente criado, por Carlos Antunes e Isabel do Carmo, o Partido Revolucionário do Proletariado (PRP). Este não era uma organização funcionalmente ou politicamente autónoma: todos os operacionais das BR faziam parte do PRP, mas nem todos os militantes do PRP faziam parte das BR. O PRP tinha como objectivo principal alargar a base de apoio e fornecer resguardo político às acções do grupo armado. Ao contrário das BR, que, de início, ainda tinham algumas ligações aos católicos progressistas, o PRP estabeleceu a sua base em sectores mais radicais da sociedade, sem nunca ter conseguido atrair uma base de implantação significativa. Foi também uma organização muito delimitada geograficamente na zona metropolitana de Lisboa e Setúbal, com pouca capacidade de mobilização, ainda que possuísse algumas células em algumas empresas industriais, como a Lisnave. A sua base de apoio inicial, as BR, alimentada na luta anticolonial, enfraqueceu após o 25 de Abril, não conseguindo conquistar apoio relevante no sector estudantil ou académico. Manteve, no entanto, adeptos entre alguma imprensa próxima da extrema-esquerda radical.

Do 25 de Abril ao 25 de Novembro

Poucos meses depois da criação do PRP, aconteceu o 25 de Abril e o partido fundiu-se com as BR, tornando-se numa única entidade — PRP/BR. Esta focou-se na acção política e, durante largos meses, o país não teve conhecimento de atentados bombistas ou assaltos a bancos. É possível que os quase 600 mil euros (valores actualizados a Abril de 2022) “expropriados” no assalto ao Banco Português do Atlântico, a 6 de Abril de 1974, também ajudem a explicar a folga sentida pela organização. No entanto, o objectivo de desenvolver uma organização subversiva clandestina e armada manteve-se sem que se demonstrasse qualquer fé no processo democrático que então se iniciara: “Procurávamos fazer desaparecer a velha estrutura das BR, mas procurámos sempre obter armamentos com duas ideias: se regressássemos ao passado fascista não íamos de mãos vazias; por outro lado, o desaparecimento de armas significava preservar o futuro”, confessaria Carlos Antunes no livro “Luta Armada” de Isabel do Carmo, em 2017.

Durante o PREC, alguns dos militantes/operacionais do PRP/BR estiveram sob o comando e a folha de salários do COPCON, numa altura em que os sacos azuis eram uma realidade mais ou menos aceitável. Talvez isso ajude também a explicar a relativa acalmia do movimento, tanto nas acções armadas como nas “expropriações” ou “recuperações de fundos”.

Durante este período, foi intensa a actividade política com a implantação do agora PRP/BR e com o crescimento de sedes (a mais famosa situada na Rua Braamcamp e outra, um palacete ocupado na Avenida 5 de Outubro, onde funcionava a Universidade Ernesto e Luís — nome de dois operacionais mortos quando se preparavam para colocar duas bombas-relógio em instalações do exército, em Abril de 1973). Apesar disso, o partido nunca se legalizou, nem ousou a concorrer a eleições, ao contrário de muitos outros na mesma área política.

Com o acentuar da radicalização do discurso político após o 11 de Março, o PRP/BR e nomeadamente Carlos Antunes e Isabel do Carmo, ganham proximidade aos corredores do poder. A convivência e conivência com Otelo Saraiva de Carvalho, responsável máximo do COPCON, permite-lhes obter um protagonismo que nunca tiveram antes.

“Antes do 25 de Novembro realmente tínhamos muito poder”, reconheceu mais tarde Isabel do Carmo, numa entrevista ao Diário de Notícias.

Segundo informações e entrevistas posteriores a dissidentes, durante o PREC alguns dos militantes/operacionais do PRP/BR estiveram sob o comando e a folha de salários do COPCON, numa altura em que os sacos azuis eram uma realidade mais ou menos aceitável. Talvez isso ajude também a explicar a relativa acalmia do movimento, tanto nas acções armadas como nas “expropriações” ou “recuperações de fundos” — nomes pelos quais eram conhecidos os assaltos a bancos e repartições de finanças que, durante muitos anos, suportaram a organização. Durante um ano, o PRP/BR teve uma actuação quase legal, até finais de Julho de 1975, data em que retomam as lucrativas “recuperações de fundos”.

O País continuava o seu caminho revolucionário, com o Presidente da República, Costa Gomes, e o primeiro-ministro, Vasco Gonçalves, em cumplicidade com o Partido Comunista. O comando da Região Militar de Lisboa e o Comando Operacional do Continente (COPCON) estavam entregues a um dos oficiais mais radicais, Otelo Saraiva de Carvalho, cujo poder e influência lhe permitiam exercer o comando de forma discricionária e em aliança com os movimentos políticos mais radicais. Neste período, o PRP/BR impulsionou a criação de movimentos de moradores, cujo objectivo era a ocupação de casas, principalmente em Lisboa, bem como movimentos de trabalhadores para tomada de controlo das empresas e saneamento dos seus directores e administradores — tudo isto com o apoio político e militar do COPCON.

Otelo Saraiva de Carvalho, à direita, com Vasco Lourenço

LUIZ CARVALHO/ARQUIVO DN

A 25 de Abril de 1975, realizam-se as primeiras eleições legislativas para a Assembleia Constituinte. O PS foi o partido mais votado, com quase 38%, o PPD foi o segundo, com cerca de 26%, e o PCP não conseguiu obter mais do que 12,5%, sendo que os partidos de extrema-esquerda somados não superaram os 20%. Estava clara a força relativa dos comunistas e dos partidos à sua esquerda. Nestas eleições (bem como em todas as que se lhe seguiram), o PRP/BR, que nunca se legalizou ou formalizou a sua existência, recusou-se a participar por considerá-las uma “farsa burguesa”:

“O socialismo nunca se instaurou em sítio nenhum por eleições. União Soviética, China, Cuba fizeram uma revolução para instaurarem socialismo. Até porque a burguesia não se deixa derrubar por via pacífica. O socialismo não é, pois, um presente de Natal, é uma conquista pela força”, explicava Isabel do Carmo ao Diário de Notícias.

A contestação ao Gonçalvismo e ao PREC continuava. O resto da história é sobejamente conhecido: a reforma agrária, os mandados de captura em branco, os saneamentos, as ocupações de casas, o MDLP, o ELP, a Maria da Fonte, o caso República, o abandono do Governo pelo PS e PSD, a luta pela unidade sindical, as manifestações de apoio a Mário Soares na Alameda. Todos estes acontecimentos deram origem à publicação do “Documento dos Nove”, ao qual se seguiu a resposta através do documento “Autocrítica revolucionária do COPCON e proposta de trabalho para um programa político”, redigido por Mário Tomé, com a participação de Carlos Antunes e que propunha para Portugal um modelo assente no poder popular basista, já que, como defendiam neste documento, as eleições só tinham vindo confundir o povo, impedindo que a consciência revolucionária fosse alargada às massas populares na medida em que o voto universal conduziria sempre à perpetuação da burguesia. “Para reforçar a Aliança Povo/MFA torna-se necessário constituir um grande exército formado por militares e por membros das organizações populares de base (comissões de trabalhadores, de moradores, etc.) devendo este exército revolucionário tomar o poder com ajuda das armas.”

Já prevendo um futuro confronto, de onde viria a resultar o 25 de Novembro, foi delineado dentro do COPCON um plano para distribuir dez mil metralhadoras G3 a grupos de populares próximos dos movimentos de esquerda radical. Em Setembro, no auge da confrontação entre radicais e moderados, o capitão Álvaro Fernandes, oficial do COPCON, desviou mil G3 guardadas no depósito de munições de Beirolas e entregou-as a Carlos Antunes e Isabel do Carmo. Quando confrontado, Otelo procurou serenar os ânimos: “Sei pelo menos que as armas se encontram à esquerda e isso é uma satisfação muito grande. Se elas se encontrassem à direita é que era perigoso. Como se encontram à esquerda, para mim estão em boas mãos”.

Entretanto, estava prestes a ser aprovada a lei do armamento. Em virtude do elevado número de armas não legalizadas nas mãos de civis, o risco de confrontos armados ou de criação de milícias populares era demasiado perigoso. Havia armas em populares para a defesa da revolução ou da reação, conforme o lado em que se encontravam. Por outro lado, atendendo às pressões exercidas na opinião pública, o Conselho da Revolução exigiu a Carlos Antunes e a Isabel do Carmo a devolução das armas que possuíam. Estes recusaram assertivamente e encontraram uma solução criativa. De forma a preservar e defender o paiol de armamento que possuíam, onde se incluíam as mil G3 entregues pelo Capitão Fernandes, decidiram que o BR deverá passar à clandestinidade, levando consigo todo o paiol de armamento armazenado. É absolutamente surreal a conferência de imprensa (que até há poucos dias a RTP Arquivos teve disponível no seu site) onde Isabel do Carmo e Carlos Antunes, de cara destapada, ao lado de outros quatro operacionais com passa-montanhas ocultando o rosto, anunciaram a passagem à clandestinidade, cujo objectivo era o treino e armamento de trabalhadores.

Se, pelo menos na frente civil, já estava assegurada a manutenção de milícias privadas, havia que assegurar também a lealdade ideológica dentro do exército e a submissão deste à revolução socialista. Em finais de Agosto, são criados os SUV – Soldados Unidos Vencerão — com o objectivo de criar células políticas dentro do exército, garantindo que, no momento certo, estes pudessem actuar de forma autónoma à hierarquia militar. Ainda que a vida deste movimento tenha sido efémera, algumas manifestações com tropa fardada assustaram muitos dos militares da ala mais moderada.

Durante este período e através de declarações de ex-operacionais, é possível saber que o PRP/BR chegou a equacionar a execução de Jaime Neves e de Pires Veloso. A ideia surgiu em Novembro de 1975 após uma reunião do COPCON onde Otelo informou que já não poderia financiar o PRP/BR. “Os dinheiros, que seriam provenientes do saco-azul do Estado-Maior do Exército (…) a verba em questão seria desviada para o pagamento aos quatrocentos novos comandos e ex-comandos da Amadora.” Os comandos estavam a organizar-se e era preciso fazer sentir a oposição a Jaime Neves. Os seus passos e rotinas eram conhecidos. Tudo seria feito através da colocação de um engenho explosivo por baixo do seu carro. Sobre Pires Veloso, foi efectuada uma reunião secreta em Campo de Ourique, com um grau de planeamento semelhante. No entanto, a alteração da situação política que culminou no 25 de Novembro veio a direcionar o partido para outros caminhos.

Do apoio à candidatura presidencial de Otelo aos lucrativos anos de 1976 até à prisão

Com o 25 de Novembro e a normalização democrática, inicia-se o período de irrelevância política do PRP, novamente separado das BR. Estamos em 1976 e a organização continuava sem ter existência legal, sem qualquer gesto ou intenção de concorrer a qualquer eleição legislativa ou autárquica. O braço armado BR vive na clandestinidade, concentrando-se quase exclusivamente na “recuperação de fundos”. Com a normalização do regime, o poder de Carlos Antunes e Isabel do Carmo, que nunca tinha tido qualquer base popular, deixou de existir e as aparições mediáticas são substancialmente menos frequentes, causando uma crescente dificuldade em passar a mensagem na imprensa e televisão.

Ainda assim, nas eleições presidenciais de 1976, o apoio à candidatura de Otelo Saraiva de Carvalho representa a primeira e única participação do PRP num processo eleitoral, ainda que por via indirecta. Otelo viria a obter, como se sabe, um expressivo segundo lugar, conquistando quase 800 mil votos.

Otelo Saraiva de Carvalho, líder da Frente Unitária popular FUP

Otelo Saraiva de Carvalho numa conferência de Imprensa como líder da Frente Unitária popular (FUP)

AMÉRICO DIÉGUES/ARQUIVO JN

Otelo escreveu o que deveriam ser os próximos passos: “Havia, sim que aproveitar o balanço possibilitado pelas eleições recentes, para aglutinar o maior número possível de bons companheiros, revolucionários, à volta de um projecto político mobilizador que mantivesse permanentemente viva a chama da Revolução Socialista, criando-se uma organização política dinâmica — o MUP, Movimento de Unidade Popular em aproveitamento da sigla GDUP que alcançara inegável êxito na campanha — de tipo quase frentista, à custa dos militantes e quadros das organizações políticas que haviam apoiado a campanha, dos elementos ‘independentes’ e de todos aqueles que, despartidarizados, haviam aderido aos GDUP”.

Os GDUP — Grupos de Dinamização e Unidade Popular —, desenhados em casa de Ferro Rodrigues, na altura na presidência do Comité Central do Movimento de Esquerda Socialista (MES), vêm a ser liderados interinamente por Luís Moita, um ex-BR, e procuraram agregar o capital político da esquerda radical criado à volta da votação presidencial de Otelo. O PRP recusa-se a fazer parte deste movimento e, uma vez que não o consegue liderar, preferiu tacitamente destruir a MUP à nascença, deixando que a coligação ficasse limitada apenas ao MES e à UDP. O GDUP/MUP morreu uns meses depois, após ter concorrido às eleições autárquicas, onde não foi além de 100 mil votos, muito abaixo do resultado de Otelo nas presidenciais, uns meses antes.

Apesar da relativa insignificância política que tinham atingido, o PRP e as BR, ainda que separados, continuavam a actuar como um só e a precisar de fundos para sustentar as suas sedes, as casas de recuo, os operacionais e militantes. O partido, sem existência legal e sem ter concorrido a qualquer eleição, não tinha direito a receber as subvenções estatais atribuídas por lei, os militantes eram poucos e a maioria estava na clandestinidade. O apoio dos Serviços Secretos Argelinos ou Líbios não tinha acontecido, o financiamento do COPCON esfumou-se e a única forma que a organização conhecia para se financiar eram os assaltos a bancos e repartições de finanças. E assim foi. Entre 27 de Julho de 1975 e o final de 1978, foram efectuados pelo PRP/BR 32 assaltos a bancos e repartições de finanças que renderam um valor total actualizado (INE, Abril 2022) de sete milhões de euros. Para onde foi esse dinheiro?  Não sabemos, muito pouca gente sabe. Mas o dinheiro ficou em poucas mãos.

[Consulte nesta tabela a lista de ações das BR. Use a barra no topo para pesquisar]

A morte de um agente da PJ e de um dissidente, a constituição da OUT e as FP-25

A 21 de Março de 1978, no Porto, numa troca de tiros entre a PJ e operacionais do PRP/BR, durante uma operação policial, é morto a tiro o agente Jorge Augusto Carvalho, ficando feridos mais dois agentes e um dos operacionais. Os detalhes desta morte estão envoltos em algum mistério — por um lado, a PJ defende que o PRP/BR se preparava para tentar libertar um elemento preso; por outro lado, o PRP/BR defende que lhes montaram uma cilada. É a partir deste momento que tudo se precipita naquilo que viria a ditar o desmantelamento da organização.

Paralelamente, em Abril de 1978, tinha nascido na Marinha Grande a Organização Unitária dos Trabalhadores (OUT), com Otelo Saraiva de Carvalho, Mouta Liz, director do Banco de Portugal, e Pedro Goulart, do PRP, como os seus maiores promotores. Goulart chega mesmo a propor a dissolução do PRP na OUT. Em muita coisa, a OUT é tirada a papel químico do PRP, já que defende que “o poder popular, só será possível (…) pelo recurso (…) à violência revolucionária armada” e só poderá ser uma realidade “se os trabalhadores estiverem armados, constituído um (…) exército popular” e “só com a violência (…) é possível ao povo a conquista do poder político”.  Por não se identificar com o novo regime, a OUT não se constitui como partido político e a maioria dos seus órgãos são ocupados por dirigentes do PRP, partido que alberga o movimento nas suas sedes, nomeadamente a existente na Rua Braamcamp, e que permite que Otelo, apesar de a sua condição de militar o impedir de ter participação política activa, tenha direito a ser considerado um convidado permanente, sem direito a voto, em todas as reuniões políticas do PRP.

Coincidência ou não, menos de dois meses depois do congresso da OUT, a 20 de Junho de 1978, a Polícia Judiciária desenvolve uma vasta operação policial, que resulta na prisão de Carlos Antunes e Isabel do Carmo, juntamente com cerca de 18 outros operacionais e militantes do PRP/BR.

A 15 de Novembro de 1979, na Marinha Grande, nas vésperas do julgamento de Isabel do Carmo e Carlos Antunes, é assassinado à queima-roupa com três tiros na cabeça José Manuel Plácido, um dissidente da organização PRP/BR. José Plácido era um elemento importante, porque seria dos poucos a ter conhecimento da origem e do destino dos fundos. É a terceira vítima mortal da organização. Ao contrário das duas mortes anteriores — “danos colaterais” de um assalto a um banco e troca de tiros com a polícia —, esta foi uma morte premeditada e planeada. Carlos Antunes e Isabel do Carmo, que estavam detidos, negam ter tido conhecimento ou dado qualquer ordem para matar ou ferir, o que, a ser verdade, nos leva a concluir que Pedro Goulart tinha já tomado conta da organização. O PRP/BR passava agora para outro patamar da violência armada, do qual resultaria a criação das FP-25. Era também mais um passo na divergência de fundo que viria a resultar na cisão e, no ano seguinte, na expulsão de Isabel do Carmo e Carlos Antunes da organização que tinham fundado. Como nota final, não deixa de ser surpreendente que um dissidente, cujo testemunho em tribunal seria tão importante, passeasse em liberdade sem segurança ou protecção. A PJ não voltaria a cometer este erro, anos mais tarde, aquando da investigação dos arrependidos das FP-25.

JULGAMENTO DO CASO FP-25 NO TRIBUNAL DE MONSANTO. DA ESQUERDA PARA DIREITA: CESAR ESCUMALHA, OTELO SARAIVA DE CARVALHO E PEDRO GOULART. LUSA MANUEL MOURA

Otelo Saraiva de Carvalho e Pedro Goulart no julgamento das FP-25, no Tribunal de Monsanto

MANUEL MOURA/LUSA

Se a morte de José Plácido foi juridicamente benéfica para Carlos Antunes e Isabel do Carmo, politicamente foi um desastre. O assassinato de um dissidente, testemunha em tribunal, contrariava o discurso de que o PRP/BR não matava, não exercia violência armada contra pessoas ou alvos humanos. Este princípio tinha sido defendido publicamente até à exaustão por Isabel do Carmo, mesmo que ignorando ostensivamente as duas mortes, do agente da PSP e da PJ, ou os feridos, considerados danos colaterais. Os jornais e a opinião pública levantavam legítimas reservas sobre autoria e verdadeiras intenções deste assassinato.

Da prisão de Isabel do Carmo e Carlos Antunes ao julgamento e à criação das FP-25

A partir daqui, tudo mudou e o julgamento resultou na condenação, em Abril de 1980, de Carlos Antunes em 16 anos de prisão, de Isabel do Carmo em 11 anos e de Fernanda Fráguas em 10 anos e meio. A sentença teve também a particularidade de as penas aplicadas serem superiores ao pretendido pelo Ministério Público. Como advogados de defesa foram escolhidos causídicos de primeira linha: Francisco Sousa Tavares, deputado; Jorge Fagundes, antigo Presidente da Federação Portuguesa de Futebol; Guilherme da Palma Carlos; e Carlos Candal. Marcelo Rebelo de Sousa, num artigo para o jornal Expresso, mostrava-se surpreendido com a qualidade dos advogados, o que dizia muito sobre a capacidade financeira da organização.

Entretanto, ainda antes da sentença, em Novembro de 1979, é publicada a lei 74/79, que pretendia amnistiar todos os crimes de carácter político, nomeadamente os ocorridos a 11 de Março e 25 de Novembro de 1975. Curiosamente, a lei não estabelecia o período ao qual a amnistia deveria ser aplicada, deixando em aberto se a data-limite seria 25 de Novembro, a data de publicação da lei, ou outra qualquer. De qualquer forma, excluía claramente as “(i)nfracções cometidas com emprego de bombas ou outros engenhos explosivos”, sem, no entanto, referir expressamente assassinatos ou assaltos a bancos. Ora, Carlos Antunes e Isabel do Carmo, que reclamavam para si o estatuto de presos políticos, viam na lei um argumento jurídico que os sustentava politicamente. Nascia aqui o famoso “caso PRP” que iria criar várias polémicas e greves da fome, alimentando os títulos dos jornais até meados de 1982.

No início de 1981 surgem duas decisões jurídicas de sentido diferente com enorme impacto no dilema jurídico. É publicado um Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça clarificando que os assalto a bancos não podiam ser qualificados como crimes políticos, mesmo que, como defendiam os réus, os bancos fossem nacionalizados.

Seriam várias as greves da fome, numa tentativa de atrair atenção mediática e fazer pressão ou exercer chantagem sobre os órgãos de soberania. Ao final da primeira semana de greve de fome, já o jornal Expresso antevia entradas em coma. Estas greves de fome, que tão depressa começavam como acabavam, levaram inclusive à visita à prisão de Caxias de uma delegação de deputados liderados por Almeida Santos para se inteirarem do estado de saúde de Carlos Antunes. Até o Cardeal-Patriarca, D. António Ribeiro, emitiu comunicados de solidariedade e consternação. Foram várias as greves da fome cujo objectivo era “exigir a libertação de todos os presos políticos do PRP”. Começavam e acabavam ao sabor de uma agenda mediática, somando sempre os dias como se não tivessem sido interrompidas. Carlos Antunes esteve mais de 80 dias (não consecutivos) em greve da fome, em menos de dois anos, uma resiliência que faria inveja a Bobby Sands, operacional do IRA — que com apenas 27 anos morreu em greve de fome ao final de 66 dias consecutivos sem comer.

Entretanto, Isabel do Carmo, Carlos Antunes, Fernanda Fráguas e os restantes detidos, em contradição com o seu discurso e práticas passadas, decidiram concorrer às eleições legislativas de 1980, na esperança de que dessa forma pudessem ser libertados. Na ausência de um partido legal, concorreram nas listas da UDP e do PSR, partidos que mais tarde dariam origem ao Bloco de Esquerda. Como previsível, não foram libertados, nem sequer eleitos, até porque os seus lugares, quaisquer que fossem, nunca seriam elegíveis, já que os partidos onde concorriam ainda estavam longe de conseguir representação parlamentar.

No início de 1981 surgem duas decisões jurídicas de sentido diferente com enorme impacto no dilema jurídico. É publicado um Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça clarificando que os assalto a bancos não podiam ser qualificados como crimes políticos, mesmo que, como defendiam os réus, os bancos fossem nacionalizados. Vem o Acórdão defender que o crime de roubo só pode ser considerado de natureza política se cometido durante “uma insurreição ou guerra civil”, o que não era o caso. Sendo certo que “o PRP/BR defende a tomada de poder através de meios violentos e da insurreição armada (…), mas os assaltos aos bancos não constituem actos executivos (ou sequer preparatórios) dessa tomada de poder, visando a obtenção de fundos por meios ilícitos – embora fundos destinados ao financiamento das actividades políticas do partido”. Estava assim clarificada a definição de crime político, sem dúvidas ou hesitações.

A outra, um parecer emanado pela Comissão Constitucional do Conselho da Revolução, uma vez que se vivia num período transitório ainda sem Tribunal Constitucional, e apesar de não direcionado ao processo em questão, teve como consequência a anulação deste julgamento. Este veio declarar inconstitucional um dos artigos do Código de Processo Penal, na medida em que permitia a leitura em audiência de julgamento de depoimentos de testemunhas de acusação que não compareçam naquela audiência e as quais o arguido não tenha tido previamente a possibilidade jurídica de interrogar ou fazer interrogar. Ora, essa norma contraria o artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, que afirmava claramente que a audiência em julgamento estaria sujeita ao princípio do contraditório. Este princípio enquadrava-se na estrutura acusatória do nosso processo penal democrático em detrimento do princípio do inquisitório, seguido até ao 25 de Abril. Neste caso, os depoimentos das testemunhas do julgamento dos PRP/BR não tinham sido presenciais. A aplicação do artigo n.º 439 terá assim impedido que a outra parte, neste caso a defesa, tivesse a oportunidade de contraditar os depoimentos de testemunhas de acusação, e que dessa forma limitaram o conhecimento da verdade material dos factos alegados em juízo.

julgamento brigadas revolucionárias - carlos antunes

O advogado de Carlos Antunes, Jorge Fagundes, fala aos jornalistas à saída da sessão do julgamento do antigo líder das Brigadas Revolucionárias

LUSA

Apesar do parecer da Comissão Constitucional não ser vinculativo e dos alertas do Ministro da Justiça, Menéres Pimentel, para que a norma fosse aplicada apenas a casos futuros, o Conselho da Revolução determinou sobre a inconstitucionalidade da lei. O Ministério Público recorreu da decisão da anulação do julgamento. No entanto, o seu recurso não foi aceite e o julgamento foi anulado.

Em Julho de 1982 realizou-se o segundo julgamento, também ele com um desfecho inesperado e com as suas particularidades. Em primeiro lugar, o juiz António Augusto Santos Carvalho (que mais tarde chegou ao Tribunal de Contas) desconsiderou uma das testemunhas mais importantes, Altino Oliveira, operacional PRP/BR preso e condenado por assalto a um banco em Alhos Vedros, com o argumento de que este não teria credibilidade moral para ser testemunha, tendo sido acusado de proxenetismo em Espanha. Isabel do Carmo já o tinha criticado, por viver com uma prostituta e pela sua mãe explorar uma pensão no Bairro Alto, com quartos de elevada rotação. O mesmo juiz considerou que os crimes em julgamento (assaltos a três bancos em 1977 e posse de armas e explosivos proibidos) se enquadravam na Lei 74/79 que amnistiava “Infracções de Natureza Política” — apesar de o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, do ano anterior, clarificar que assaltar bancos não poderia ser considerado per si um crime político.

Por fim, tendo sido amnistiados os autores materiais, entenderam os tribunais que não seria possível condenar os autores morais, o que significou também, na prática, a aplicação da amnistia a Isabel do Carmo e Carlos Antunes. Uma sentença cujo princípio e desfecho foram muito semelhantes ao que aconteceu no caso FP-25, anos mais tarde, relativamente aos crimes de sangue. Incompreensivelmente, o Ministério Público não recorreu desta decisão para o Tribunal da Relação, apesar de a decisão ignorar e até contrariar o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça sobre a definição de crime político. Apesar de existirem outras acusações e processos pendentes em várias outras comarcas do País, mais nenhuma acusação foi lavrada e a maioria dos réus saíram em liberdade, em Agosto de 1982.

À lei da bala. Os 25 anos sobre a amnistia às Forças Populares-25 de Abril

Ao longo dos meses seguintes vão sendo libertados quase todos os restantes réus. Curiosamente, já em liberdade, em Outubro de 1983, Isabel do Carmo e Carlos Antunes não se solidarizam com a greve da fome do ainda detido Amílcar dos Santos Romano, mais tarde eleito deputado por Setúbal e dirigente do PS no Barreiro. Este continuava preso e resolveu continuar o protesto, o que deixou os antigos dirigentes “surpreendidos por uma greve decidida de forma unilateral”, pelo que se manifestaram em desacordo com “desesperos individuais”, já que não queriam “ser vulgares espectadores neste processo”. E assim, Amílcar Romano foi deixado à sua sorte.

Entre a data de prisão de Isabel do Carmo e Carlos Antunes (Junho de 1978) até 20 de Abril de 1980 (data de constituição oficial das FP-25), o PRP/BR realizou um total de nove assaltos a bancos, repartições de finanças e balcões dos CTT que resultaram em mais de um milhão de euros (actualização do INE a Abril de 2022). Em virtude das enormes e rápidas mutações sofridas pelo PRP/BR após a prisão dos seus dirigentes, é difícil definir a data a partir da qual a autoria moral deixa de pertencer a Isabel do Carmo e Carlos Antunes e passa a ser corporizada em Pedro Goulart, Mouta Liz e Otelo. Os fundadores do PRP/BR estavam presos, com capacidade de comunicação limitada com o exterior, sendo por isso plausível que progressivamente tenham perdido o ascendente e controle sobre a organização. No entanto, é indiscutível que estes foram roubos efectuados pelas BR.

Pedro Goulart e Otelo Saraiva de Carvalho a 24/1/2000 JULGAMENTO DAS FPS 25 DE ABRIL ( FORCAS POPULARES 25 DE ABRIL NO TRIBUNAL ) FOTO: ACACIO FRANCO

Pedro Goulart e Otelo Saraiva de Carvalho no julgamento das FP-25

ACACIO FRANCO/ARQUIVO DN

Esta falta de sintonia, mais na prática do que em qualquer conteúdo ideológico ou programático, evoluiu gradualmente para uma cisão em Janeiro de 1980, ao ponto de Carlos Antunes e Isabel do Carmo virem a ser expulsos do PRP e o que restava da organização ser integrado no Projecto Global/FP-25.

Conclusão

A bem da verdade, é bom que se reconheça que a decisão de não matar premeditadamente se deve a Isabel do Carmo. Mesmo que isso seja totalmente contraditório e hipócrita perante o acto de transportar bombas, andar armada, assaltar bancos, ou mesmo reagir ao tiroteio da polícia. Quando se pega em armas não é possível acreditar que estas não possam causar a morte de alguém. As balas e as bombas do PRP/BR matam, mutilam e ferem sem selecionar o alvo, sem atender à intenção de quem dispara, não têm consciência. As vítimas, mesmo não sendo o alvo primário, são muitas vezes um dano colateral. Em momento algum, os fundadores das PRP/BR, Isabel do Carmo e Carlos Antunes, reconhecem que a sua organização matou um polícia, José Ferreira da Rocha, e um agente da PJ, Jorge Augusto Carvalho. Dois elementos das forças de segurança são assassinados pelo PRP/BR porque reagiram com coragem e sentido de dever. Quanto ao arrependido José Manuel Plácido, não o ignoram, mas dizem-se não responsáveis pela sua morte, como se nada tivessem a ver com a organização que criaram. Todos eles também tinham mulher e filhos, ou pais e irmãos e amigos. A sua morte causou enorme dano e sofrimento. Os feridos, entre os quais crianças mutiladas, é como se não tivessem existido. Sobre isto não houve uma única palavra de arrependimento ou contrição. “Há uma coisa que faz com que não me arrependa de nenhum desses actos, é o facto de ninguém ter morrido. Só a morte é que deixa as coisas irreversíveis”, dizia Isabel do Carmo ao Diário de Notícias, em 2008.

É curioso ver o que diziam os entrevistados em 1974, 75 e 76 e aquilo que dizem hoje. Parece existir uma espécie de esponja branqueadora, criando uma narrativa evolutiva adaptada aos tempos que vivemos hoje e que passa uma espécie de detergente sobre a história, descafeinando-a. Não foi a organização terrorista mais mortífera existente em Portugal, mas também matou e deixou todas as sementes que resultaram na formação das Forças Populares 25 de Abril. A maioria dos operacionais do PRP/BR vieram a criar o Projecto Global/FP-25. Com eles transferiram as armas e explosivos, bem como as sedes, que se tornaram da FUP (Força de Unidade Popular). Foi todo esse arsenal e capacidade logística que permitiram que as FP-25 aterrorizassem e matassem desde o primeiro dia. Foram 19 mortos, entre os quais 13 vítimas inocentes assassinadas e seis operacionais. Não foi uma consequência menor, nem displicente, nem imprevisível da organização criada por Carlos Antunes e Isabel do Carmo. Nem se pode dizer que dela se tenham demarcado. Quando foi preciso, lá estiveram os dois a prestar o seu apoio solidário, na criação da “Comissão Amnistia Otelo e companheiros”, que defendia a amnistia para os réus das FP-25 acusados de participar e liderar a organização terrorista.

Mesmo com toda a subjectividade que este tipo de avaliações acarreta, será difícil encontrar um racional para a condecoração de Isabel do Carmo. O terrorismo tem como consequência o endurecimento das ditaduras e enfraquecimento das democracias. E Isabel do Carmo e Carlos Antunes mostraram claramente a sua descrença na democracia parlamentar.

À medida que os anos passavam, o discurso tornar-se-ia mais distante da realidade. A agressividade da luta armada e tomada violenta de poder foi-se transformando num socialismo utópico, quase inocente, romantizado e pueril. É certo que Isabel do Carmo retomou a sua profissão de médica endocrinologista, com vários livros publicados sobre as dietas, enquanto Carlos Antunes desenvolveu vários e lucrativos negócios em Angola, nomeadamente com as Forças Armadas Angolanas. Nenhum deles retomou a luta armada.

Ao contrário do que afirmam, não foram absolvidos dos crimes de que eram acusados. Pelo contrário, beneficiaram indirectamente de uma amnistia, decretada unilateralmente por um tribunal de primeira instância, contrariando um acórdão do Supremo.

Em 2004, Jorge Sampaio, então Presidente da República, condecorou Isabel do Carmo com a Ordem da Liberdade, distinção que enaltecia o seu passado político, esquecendo toda a actividade subversiva, clandestina e terrorista decorrida já em democracia, a maior parte dela após o 25 de Novembro. Se a violência política contra uma ditadura tem óbvias atenuantes, a violência contra a democracia só pode ter agravantes.

isabel do carmo condecorada

O Presidente da Republica, Jorge Sampaio, condecora a médica Isabel do Carmo

TIAGO PETINGA/LUSA

Entre os partidos com assento parlamentar, apenas o CDS, pela voz de António Pires de Lima, mostrou a sua indignação e revolta. Paulo Portas, então Ministro da Defesa, foi acometido de uma providencial gripe, para justificar não estar presente na cerimónia. Mesmo com toda a subjectividade que este tipo de avaliações acarreta, será difícil encontrar um racional para tal comenda. O terrorismo tem como consequência o endurecimento das ditaduras e enfraquecimento das democracias. E Isabel do Carmo e Carlos Antunes mostraram claramente a sua descrença na democracia parlamentar. O seu partido nunca foi oficialmente registado nos tribunais, nunca concorreu a qualquer eleição e, durante anos, acumulou armas, que usou para intimidar as instituições democráticas, assaltar bancos e repartições de finanças.

O tema da chamada “recuperação de fundos” que mais não eram do que vulgares assaltos a bancos, deixa bastantes dúvidas sobre as verdadeiras intenções da organização. 90% das suas acções e 100% das vítimas mortais foram realizadas já em democracia, quando nada o justificava. Das cerca de 41 acções armadas realizadas entre o 25 de Abril de 1974 e o final de 1978, 32 foram assaltos a bancos e oito foram ataques à bomba. Destes, é importante referir que apenas dois aconteceram durante a “loucura” do PREC. Sete milhões de euros angariados em assaltos (valores actualizados segundo o INE a Abril de 2022), ocorridos entre julho de 1975 e Julho de 1978, é muito dinheiro. O contribuinte português, rico ou pobre, burguês ou proletário, querendo ou não, tornou-se o maior financiador do PRP/BR. Foram cerca de 2,3 milhões de euros por ano. Para quem e para fazer o quê? E quem ficou com esse dinheiro? Mesmo no seu livro “Luta Armada”, Isabel do Carmo nunca responde a essa pergunta. Ela, Carlos Antunes, Pedro Goulart e José Plácido saberiam responder. Destes, só Isabel do Carmo está viva.

Notas finais:

  1. Todos os factos reportados neste ensaio são baseados nos seguintes livros:
  • Congresso, Organização Unitária de Trabalhadores, 7-8 e 9 de Abril 1978, Documentos. 1978 Edição OUT – Organização Unitária de Trabalhadores.
  • Dinfo – A Queda do Último Serviço Secreto Militar. Fernando Cavaleiro Ângelo. Casa das Letras, Maio de 2021.
  • Luta Armada, Isabel do Carmo, Outubro de 2017, D. Quixote
  • Ministério Público – “Caso FP-25 de Abril”: Alegações do Ministério Público. Ministério da Justiça, 1986.
  • Mulheres de Armas – Histórias das Brigadas Revolucionárias. Objectiva, Isabel Lindim.
  • Partido Revolucionário do Proletariado/Brigadas Revolucionárias – O partido e a organização autónoma, Lisboa, Revolução, 1975.
  • Partido Revolucionário do Proletariado/Brigadas Revolucionárias – Documentos 1971-1974, Lisboa, 1.º Volume, Revolução, 1975.
  • Presos por um fio: Portugal e as FP-25 de Abril. Lisboa, Nuno Gonçalo Poças, Abril de 2021.
  • Otelo – O revolucionário, Paulo Moura, Alfragide, D. Quixote.

2. Alguns ensaios académicos serviram também como fonte:

  • “A paz é possível”: algumas notas sobre o caso da Capela do Rato”. Universidade de Lisboa, Faculdade de Direito, 2004, António Araújo.
  • “Luta Armada em Portugal /1970-1974)”. Ana Sofia Ferreira, Tese de Doutoramento em História Especialidade em História Contemporânea, Maio de 2015, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa.
  • “From the Armed Struggle against the Dictatorship to the Socialist Revolution: The Narrative Restraints to Lethal Violence among Radical Left Organizations in Portugal.” Raquel da Silva and Ana Sofia Ferreira, Perspectives on Terrorism.
  • “Unir, Organizar, Armar”: O PRP durante o PREC. 2020, Instituto de História Contemporânea (IHC).

3. Foram utilizados jornais da época que, além das entrevistas aos envolvidos, confirmam vítimas de atentados, bem como datas e valores dos assaltos: A Capital, Diário de Lisboa, Diário de Notícias, Diário Popular, Expresso, O Diabo, O Jornal, Página Um, Poder Popular, Publico, Revolução, Tempo, etc.

4. Os valores e montantes roubados foram actualizados à data de Abril 2022, conforme os índices disponíveis no site do Instituto Nacional de Estatística.

Nota: o Observador recebeu um direito de esposta a este ensaio.

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