Meteu-se o Natal e, com ele, o aumento dos preços nos supermercados. Com a chegada de 2023, as subidas (em alguns casos vertiginosas) de 2022 não desapareceram em forma de resolução de ano novo. Mas abrandaram no início de janeiro face ao início de dezembro. O cabaz de produtos essenciais que o Observador reúne todos os meses desde abril, após o início da guerra na Ucrânia, revela que vários dos produtos selecionados mantiveram o valor que marcavam no mês anterior. E até houve descidas. E honrosas exceções.
Olhando para a inflação de dezembro, cuja primeira estimativa foi adiantada pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) na passada sexta-feira, nada faria prever uma descida de preços nas prateleiras. A taxa de variação homóloga ficou nos 9,6%, já abaixo dos 9,9% do mês anterior, mas ainda historicamente elevada. Além da energia, são os produtos alimentares que continuam a impulsionar a subida dos preços. O índice de produtos não transformados avançou 17,6%, após ter subido 18,4% em novembro. Já os produtos alimentares transformados continuam a escalar, com uma subida de 17,5%, face aos 16,8% registados no mês anterior.
Inflação fica nos 9,6% em dezembro. Produtos alimentares transformados aceleram de preço
No cabaz recolhido pelo Observador, entre dezembro e janeiro o valor do bolo total só aumentou no Pingo Doce (2,55%). Continente e Auchan até registaram ligeiras descidas no montante do cabaz inteiro. O caso muda quando é feito o balanço de nove meses. Aí, os valores já são mais próximos da inflação apurada pelo INE. Entre abril e janeiro, o cabaz do Observador ficou 20,3% mais caro no Pingo Doce, 17,4% no Continente e 6,8% no Auchan. Em todos, o cabaz está a poucos cêntimos da marca dos 60 euros.
O objetivo desta recolha não é comparar as superfícies comerciais, mas acompanhar a evolução dos preços de produtos selecionados a cada mês, tendo em conta o atual ambiente de elevada inflação.
O cabaz é composto por um conjunto de bens considerados essenciais para uma família com filhos. São eles óleo alimentar, atum, farinha, arroz, massa, bolacha Maria, cereais Corn Flakes, leite, farinha láctea, maçãs, bacalhau, frango, feijão, ovos, açúcar, pão, papel higiénico e fraldas. As comparações têm como base os preços verificados no primeiro dia útil de cada mês nos sites dos três hipermercados.
Entre os produtos que hoje pesam mais no bolso dos portugueses destacam-se as fraldas, que, além das subidas na ordem dos 50%, sofreram com um “fenómeno” conhecido como reduflação. Quando a recolha começou a ser feita, os pacotes monitorizados tinham 58 fraldas. Hoje, trazem 54. A subida do preço pela retirada de quantidade atinge outros produtos, como a Cerelac, que passou de um quilo para 900 gramas.
Os aumentos expressivos atingem outros bens essenciais, como o açúcar, que disparou entre 44% e 75% desde abril, e o arroz, hoje entre 68% e 91% mais caro do que há nove meses.
Já na comparação mensal, entre dezembro e janeiro, há uma subida de preços que se destaca: a dos ovos. Nas três superfícies, o aumento oscilou entre 14,4% e 23,3%. Antes do Natal, houve até o receio de rutura ou escassez, prontamente afastado pelos responsáveis do setor. Alfredo Martins, diretor-geral da Zêzerovo, garantiu ao Observador, a 19 de dezembro, que a produção da empresa não sofreu alterações.
Mudou, sim, a capacidade de acumular stock. “Nos meses de verão, julho e agosto, por norma, o consumo caía e fazíamos algum stock, que ajudava no Natal quando a procura aumenta”, adiantou na altura. Isso não aconteceu este ano devido à gripe aviária que assola alguns países europeus, que, não tendo chegado a Portugal, contribui mesmo assim para diminuir a oferta. O aumento do consumo no Natal também justifica as prateleiras vazias. Além disso, houve também a subida dos preços das rações para os animais. Tudo junto, terá conduzido ao aumento dos preços.
Como tem sido habitual no cabaz Observador, há mexidas nos preços que não se explicam com a conjuntura. Há variações mensais significativas em alguns produtos, de 25% ou 35%, justificadas pelas promoções. Dos 18 produtos que compõe o cabaz do Observador, nove registam promoções a 2 de janeiro. Há produtos em promoção, com o mesmo desconto, em todas as superfícies analisadas, como é o caso do leite.
Para 2023, as previsões apontam para um abrandamento da inflação em relação ao ano que passou. Ainda que “incerteza” continue a ser a palavra de ordem para os próximos meses, devido a questões como a guerra na Ucrânia ou a pandemia. Mas o setor da distribuição acredita que poderá haver mexidas nas etiquetas dos produtos ainda no primeiro trimestre, e nem sempre para cima.
Ao Observador, Gonçalo Lobo Xavier, diretor geral da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED), afirmou, no final de dezembro, que a já notória redução dos preços da energia, de alguns cereais e das embalagens poderá trazer boas notícias para a carteira das famílias. Poderemos, acredita, “começar a sentir uma estabilização de preços e redução de preços de alguns produtos” no início de 2023, como os cereais ou a carne.
Aqui ao lado, em Espanha, o Governo decidiu, para aliviar o peso dos aumentos para as famílias, reduzir temporariamente o IVA de alguns bens essenciais. Questionado sobre a possível aplicação dessa medida em Portugal, o ministro das Finanças, Fernando Medina, voltou a afirmar que ela não está em cima da mesa. “Tivemos esse debate há uns meses e, na altura, a conclusão a que chegámos foi a de que seria mais benéfico fazer um apoio direto ao rendimento das famílias em vez de uma redução do IVA, por não termos os mecanismos de controlo que nos permitam assegurar que o que investimos na redução do IVA chega ao bolso das famílias”, defendeu o ministro. Mas, admitiu, a porta não está totalmente fechada. “É uma questão que avaliaremos sempre”.