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Catarina Martins e Mariana Mortágua discursaram este domingo num comício em Lisboa
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Catarina Martins e Mariana Mortágua discursaram este domingo num comício em Lisboa

LUSA

Catarina Martins e Mariana Mortágua discursaram este domingo num comício em Lisboa

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Catarina e Mortágua denunciam "guerra contra mulheres" e alertam para aliança entre direita e "perseguidores de mulheres"

Catarina Martins e Mariana Mortágua discursaram este domingo num comício em Lisboa e focaram-se nos direitos das mulheres para acusar direita tradicional de estar demasiado próxima da extrema-direita.

Dezassete anos depois do referendo que resultou na despenalização da interrupção voluntária da gravidez por opção da mulher em Portugal, e após mais de uma década com relativo consenso no país em relação ao assunto, o direito ao aborto voltou a ser um tema quente do debate político nacional e tem ocupado um espaço considerável na atual campanha eleitoral para as europeias da próxima semana. Este domingo, a coordenadora do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, e a cabeça-de-lista do partido às europeias, Catarina Martins, centraram-se no assunto para desferir fortes ataques à direita, especialmente à Aliança Democrática, e para lembrar décadas de conquistas feministas — que o Bloco diz estarem em causa pela aproximação entre extrema-direita e direita tradicional. Enquanto Catarina Martins denunciou uma “guerra contra as mulheres” levada a cabo pela direita, Mariana Mortágua classificou como “perseguidores de mulheres” os “aliados” de Von der Leyen, Bugalho e Montenegro.

Durante uma festa-comício no jardim da Quinta das Conchas, em Lisboa, que contou com várias figuras do partido na plateia, tanto Catarina Martins como Mariana Mortágua usaram aqueles que foram, provavelmente, os discursos mais fortes da campanha até agora para se centrarem na história da luta pelos direitos das mulheres — e para atacarem tanto a direita tradicional (Sebastião Bugalho e a AD) como a extrema-direita de André Ventura e dos seus “aliados”, incluindo Javier Milei, Donald Trump, Giorgia Meloni ou Viktor Orbán. A coordenadora do Bloco, Mariana Mortágua, falou mesmo da direita tradicional como uma “rampa deslizante contra a democracia”, devido à aproximação aos partidos da direita radical.

Catarina Martins, que falou primeiro, usou vários minutos do seu discurso para recordar Nora Cortiñas, ativista argentina que fundou o movimento das Mães da Praça de Maio e que morreu na sexta-feira aos 94 anos de idade, em Buenos Aires. “O seu nome foi evocado com emoção pela multidão que marchou esta semana contra o ultra-liberal Milei, o presidente de que esteve há quinze dias com Ventura, ao lado de um dos ministros de Netanyahu e da elite da extrema-direita mundial”, afirmou Catarina Martins.

A candidata bloquista lembrou como Nora Cortiñas fez parte do “movimento popular que se opõe a este liberalismo autoritário que elogia o passado da ditadura militar”. Participou na fundação do movimento quando, há 48 anos, o seu filho foi raptado pela ditadura militar — durante aquele período, entre 1976 e 1983, estima-se que cerca de 30 mil opositores políticos tenham sido sequestrados pela ditadura, que ficou conhecida pelos tenebrosos voos da morte. Décadas depois, nunca foi possível saber o que aconteceu realmente a milhares de pessoas desaparecidos. O movimento das Mães da Praça de Maio tornar-se-ia um dos mais célebres movimentos de resistência à ditadura argentina.

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Catarina Martins fez uma intervenção com duros ataques à direita

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“A mãe nunca desistiu de o procurar e juntou-se a um pequeno grupo de outras mulheres que queriam a devolução dos seus filhos e filhas, todas as quintas-feiras lá estavam na Praça de Maio, em frente ao palácio presidencial, com lenços brancos na cabeça”, recordou Catarina Martins. “A ditadura castigou-as, algumas também foram sequestradas e terão morrido, as outras nunca desistiram, puseram-se à porta do centro do poder e voltavam todas as quintas-feiras. Acontecesse o que acontecesse, estavam lá, a exigir os seus filhos. ‘São loucas’, diziam os ditadores. E eram invisíveis, contam elas, ‘naquele tempo sinistro ninguém olhava para nós, as pessoas passavam com medo’. E elas continuaram, todas as quintas-feiras.”

Nora Cortiñas nunca soube o que aconteceu ao seu filho — e continuou a lutar por essa informação até ao final da sua vida. “Essa persistência, a mais bela homenagem à vida, foi o alicerce da luta democrática naquele país. Elas foram o mais belo e extraordinário movimento de coragem que enfrentou uma ditadura”, lembrou a candidata bloquista. “E Nora continuou sempre: há uns anos, começou a pôr também um lenço verde, o da luta pela legalização do aborto, até essa vitória conseguiu, o parlamento aceitou acabar com essa perseguição às mulheres.”

Catarina Martins pegou no exemplo de Nora Cortiñas para mostrar que muitas das conquistas de direitos das mulheres estão hoje em perigo com o crescimento da extrema-direita. Nora Cortiñas, disse a bloquista, “indignou-se quando o partido do Milei propôs restabelecer a pena de prisão de três anos pelo aborto”. Além disso, “indignou-se, como nós, quando nos Estados Unidos, onde governam os trumpistas se começou a proibir o aborto até nos casos de violação”.

“Terá festejado quando tivemos a alegria de saber que na Polónia, um dos epicentros da extrema-direita europeia, as mulheres que são a luta e a resistência viram aprovadas normas legais para respeitar a decisão que é sua”, acrescentou Catarina Martins. “Mas o que ela não podia — e nós não podemos — é iludir-nos. Sabemos de ciência certa que por cada vitória as mulheres serão mais atacadas e atacadas mais ferozmente. A bandeira da direita dos dias de hoje é esse ataque: sentem que a igualdade ameaça privilégios e responde à violência.”

Catarina Martins foi mesmo mais longe e considerou que “a direita está a transformar-se num exército de guerra contra as mulheres“. A candidata bloquista usou, mais uma vez, as ligações europeias dos vários partidos da direita portuguesa para assinalar as suas proximidades a posições que atentam contra os direitos das mulheres.

“Alguém se espanta por ver Meloni, a chefe da extrema-direita italiana, acarinhada pelo PPE e pela AD (…) que veio escandalosamente sugerir que é possível um entendimento com essa parte da extrema-direita?”, questionou, voltando a tocar neste tema em que tem insistido nesta campanha: a aproximação entre o PPE (partido europeu do PSD e CDS, liderado por Ursula von der Leyen) ao grupo dos Conservadores e Reformistas, liderados por Giorgia Meloni, que agregam uma parte da direita radical europeia.

“Espanta que Orban, que impõe limites à liberdade de opinião e até ao funcionamento dos tribunais, tenha feito parte até à 25ª hora do partido europeu de Von der Leyen?”, perguntou ainda. “Nada disso é para nós uma questão estrangeira. Os aliados de Ventura, seja Milei, seja Trump, seja Meloni, seja Orban, tomam os direitos das mulheres como alvo. Os aliados de Montenegro querem aproximar-se dos aliados de Ventura, afirmando que se normalizaram e são democratas. Mas nós sabemos que quem quer espezinhar os direitos das mulheres não é democrata, é simplesmente alguém que despreza a humanidade.”

Catarina Martins lembrou, depois, que foram as “mulheres de coragem” que permitiram muitas das conquistas da democracia portuguesa: “Foram assim as assalariadas agrícolas em Portugal nas greves pelo seu salário, foram assim as mulheres que exigiram a lei do divórcio, foram assim as resistentes à ditadura salazarista que reclamavam que os filhos não fossem mandados para a guerra colonial, foram assim as que criaram o planeamento familiar, foram assim as que exigiram igualdade plena.”

"A direita está a transformar-se num exército de guerra contra as mulheres."
Catarina Martins

A candidata do Bloco de Esquerda tem procurado manter, ao longo da primeira semana, uma campanha essencialmente focada em mostrar “o melhor” que existe em Portugal, chamando a atenção para casos de sucesso de integração de imigrantes, de preservação da natureza ou até de defesa dos direitos das trabalhadoras domésticas, e evitando quase sempre entrar na troca de picardias através da comunicação social com outros candidatos.

Este domingo, porém, Catarina Martins não poupou ninguém e voltou ao tema do direito ao aborto, que, apesar de decidido em referendo em 2007, tem regressado à discussão política em Portugal. A bloquista não deixou cair no esquecimento o facto de, na campanha para as legislativas, no final de fevereiro, Paulo Núncio (agora deputado do CDS) ter falado publicamente da possibilidade de reverter a despenalização do aborto através de um novo referendo, o que causou forte embaraço à campanha da Aliança Democrática e reintroduziu a discussão sobre o aborto na corrida eleitoral. Tanto Montenegro como Bugalho já disseram que não defendem qualquer alteração na lei do aborto, mas Catarina Martins não acredita.

“E se me dizem que aqui não vão mexer na lei do aborto, pois lembro-vos que o PSD e CDS, mesmo depois do referendo ter dito o que o país queria, votaram contra a lei que descriminalizava o aborto; lembro-vos que os que dizem que não vão mexer na lei já mexeram, precisamente no último governo PSD-CDS, e para humilhar as mulheres; lembro-vos que, há dois meses, um dos dirigentes da coligação explicou que voltariam a fazer o mesmo truque; e lembro-vos que é só porque o PPM está escondido no sótão que não o temos a repetir a cena do macho ibérico”, disse Catarina Martins.

Também na campanha das europeias o tema do aborto tem acompanhado o Bloco de Esquerda, que desde o primeiro dia chamou os direitos das mulheres para o centro do debate. Depois de em abril o Parlamento Europeu ter aprovado uma decisão para incluir o direito ao aborto na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, e de França ter consagrado o direito ao aborto na Constituição, Sebastião Bugalho não conseguiu evitar o embaraço quando, num dos debates televisivos, hesitou na resposta sobre o assunto justificando a resistência do PPE à ideia com a ponderação entre dois direitos.

Ao longo da campanha eleitoral, Sebastião Bugalho tem sido um dos alvos preferidos de Catarina Martins — com o tema do aborto a merecer especial destaque. A ex-coordenadora bloquista tem alertado sistematicamente para o perigo da aproximação da direita tradicional à extrema-direita (recorrendo ao exemplo da proximidade entre Von der Leyen e Meloni, mas também através da relação entre partidos de extrema-direita e os regimes de Putin e Netanyahu), sobretudo para a ameaça que ela representa nos avanços nos direitos das mulheres. “Cada voto no Bloco é muito mais do que uma garantia contra o recuo. É a força para avançar”, sintetizou.

Mariana Mortágua: direita está aliada a “perseguidores de mulheres”

O encerramento do comício coube a Mariana Mortágua, coordenadora do Bloco de Esquerda, que também se centrou nos direitos das mulheres e nos ataques em toda a linha à direita. Depois de lembrar como a sua geração (nascida nos anos 80) cresceu com o sonho de uma Europa de paz que se revelaria incapaz de contribuir para a paz no resto do mundo, mas que se desiludiu com a quebra da “promessa de prosperidade” que prejudicou os países do sul no período da crise, Mortágua regressou ao tema das mulheres para exigir a continuidade do caminho de progresso das últimas décadas.

“No ano da entrada para a CEE, havia ainda uma parte da Europa, um cantão suíço, em que as mulheres não tinham direito a votar”, lembrou Mariana Mortágua. “Crescemos a saber que havia ainda mulheres julgadas pelo aborto clandestino e éramos já adultas quando Portugal aprovou a despenalização do aborto e terminou esse calvário que era a perseguição e a prisão de mulheres.”

A coordenadora do Bloco de Esquerda encerrou o comício da tarde deste domingo em Lisboa

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Mortágua recordou também que, durante o seu tempo de vida, assistiu a múltiplas transformações na sociedade, incluindo a classificação da violência doméstica como crime público, a atenção às pessoas com deficiência, o combate ao racismo ou a proteção da comunidade LGBT — tudo conquistas da esquerda, defendeu. “A força do Bloco tornou Portugal numa parte dessa Europa que sempre foi promessa de vida boa, de progresso, de uma Europa de povos unidos pela igualdade“, argumentou, avisando que “essa ideia de Europa não está garantida”.

Para a líder bloquista, afinal, a direita não tem qualquer linha vermelha em relação à extrema-direita. “Quem acreditava na linha perante o neofascismo bem pode ver que o único vermelho é o da passadeira que Von der Leyen estendeu à chefe da extrema-direita italiana”, destacou. “Bem podem fazer juras de amor às leis para ver se são inocentados de todos os ataques às mulheres; porque, afinal, na questão dos imigrantes já estão todos de acordo, crianças detidas é para o seu bem e que morram à sede e à fome os corpos sem valor que a UE despeja no deserto.”

Tal como Catarina Martins, também Mariana Mortágua recordou a história, lembrando Simone Veil, a “ministra francesa de direita” que há 50 anos “propôs e fez aprovar a descriminalização do aborto no seu país”.

"Esses perseguidores de mulheres são bons aliados [para o PPE] e vão escolher juntos quem lidera a comissão europeia, ou seja, os cargos estão acima das convicções, se ainda restassem convicções."
Mariana Mortágua

“Honra lhe seja prestada, ela não hesitou. Vejam o que é agora a direita: hordas de perseguidores anti-aborto estão autorizados a entrar nos centros italianos em que mulheres vão abortar porque assim decidiram, mas isso é alguma linha vermelha para o partido europeu de Von der Leyen, Bugalho e Montenegro?”, perguntou Mortágua. “Não, esses perseguidores de mulheres são bons aliados e vão escolher juntos quem lidera a comissão europeia, ou seja, os cargos estão acima das convicções, se ainda restassem convicções.

Depois de, no sábado, André Ventura ter alegado que a identidade de género não é um direito humano, Mariana Mortágua respondeu-lhe afirmando que “desprezar as mulheres é a forma de ser da extrema-direita”. A líder bloquista deixou um alerta semelhante ao de Catarina Martins e acusou a “direita tradicional” de ser “uma rampa deslizante contra a democracia”. “São a mão dada com a extrema-direita e só triunfarão se criarem o medo“, disse Mortágua.

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