O debate decorreu como se os candidatos só tivessem um minuto de saldo no telemóvel e muito para dizer. Era o último confronto a quatro e, por isso, Sebastião Bugalho (AD), Marta Temido (PS) e Catarina Martins (BE) não deixaram nada por dizer. Pedro Fidalgo Marques (PAN) passou mais despercebido. O debate ficou marcado por um agente externo, António Costa, que foi ouvido pelo Ministério Público horas antes no processo judicial em que foi envolvido. Temido empolou, Bugalho tentou desvalorizar e Catarina Martins ficou a meio da ponte — lá conseguiu dizer que a justiça demorou muito e que Costa é melhor que Durão Barroso.

Sobre fundos europeus, a AD voltou a admitir um reagendamento das metas e Temido tentou dar os louros dos pagamentos ao anterior governo, mais uma vez a usar o fator Costa. Neste ponto, Sebastião Bugalho decidiu debater com a moderadora, confundindo o seu papel. O candidato da AD daria ainda a “palavra de honra” de que não haveriam regressões nos direitos das mulheres, quando a esquerda falou no direito ao aborto e abanou o fantasma de um acordo entre o PPE e os conservadores do ECR.

A “boa notícia” para Marta Temido: o fator Costa

O facto de António Costa ter sido ouvido horas no processo judicial em que está envolvido marcou o início do debate. A cabeça de lista do PS não precisou sequer de um minuto para começar a capitalizar essa inquirição do Ministério Público, de onde o antigo primeiro-ministro não saiu arguido. “É uma excelente notícia para começar a noite”, disse Marta Temido.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O cabeça de lista da AD disse que “qualquer democrata fica aliviado” com este desenvolvimento, mas tentou desvalorizar o assunto e afastar o fator-Costa o mais que podia da campanha: “Não estou aqui para fazer campanha pelo senhor António Costa, nem a favor nem contra”. Já Catarina Martins lamentou que tenham sido necessários mais de seis meses para que o ex-primeiro-ministro fosse ouvido pela justiça no âmbito da Operação Influencer. Sobre um apoio a Costa, não se compromete, mas diz que “é melhor que Durão Barroso“. Pedro Fidalgo Marques, do PAN, também criticou a falta de meios da justiça, sem se querer adiantar muito sobre o caso que envolve António Costa.

Fundos europeus. Bugalho não é porta-voz de Montenegro, Temido só vê méritos de Costa

Sobre a execução do PRR, Marta Temido diz que é possível cumprir as metas do PRR em 2026, a data prevista. A cabeça de lista do PS está convicta que “Portugal vai cumprir as metas”, lembrando que foi um dos “três países que receberam o quarto cheque”, por ter executado requisitos. Sobre o atual Governo ter cumprido a apresentação da atual fase do plano, Temido quis dar ao PS os louros desse avanço: “Conseguiu apresentar porque o trabalho estava preparado pelo anterior Governo“.

O candidato da AD protesta depois quanto à escolha de temas, criticando que se tenha passado do facto de António Costa ter sido ouvido pelo Ministério Público para uma decisão nacional sobre o PRR, que não passa pelos eurodeputados. Isso levou a moderadora da TVI/CNN a avisar o candidato: “Aqui quem faz as perguntas sou eu“.

[Já saiu o segundo episódio de “Matar o Papa”, o novo podcast Plus do Observador que recua a 1982 para contar a história da tentativa de assassinato de João Paulo II em Fátima por um padre conservador espanhol. Ouça aqui o primeiro episódio.]

Sobre um alargamento do prazo do PRR, Sebastião Bugalho acaba por responder que o que espera “é que o PRR seja executado o mais rapidamente possível para que os portugueses tenham soluções para os problemas.” E acrescenta: “Se nos cruzarmos com uma situação em que Portugal beneficiaria do alargamento do prazo, acho que nenhum eurodeputado português seria contra. Mas a decisão não cabe aos eurodeputados.” O candidato da AD é confrontado com declarações de Luís Montenegro, que, no passado, defendeu que a Comissão Europeia deveria ser mais exigente com Portugal pelos atrasos na execução dos fundos estruturais. Como tem feito ao longo da campanha, o candidato tenta sacudir do capote tudo o que sejam ações do Executivo liderado pelo partido a que se candidata: “Não defendemos, nem vamos defender punição ao país. Mas não sou porta-voz do Governo”.

Ainda sobre o PRR, Catarina Martins diz que o plano foi definido com base em “decisões erradíssimas” sobre aquilo que deveria ser a orientação económica dos fundos europeus. A cabeça de lista do Bloco de Esquerda considera que as regras de financiamento “dão à Comissão Europeia um poder discricionário para definir aquilo que o país gasta” e que “tendem a dizer aos Estado que não podem ter mais trabalhadores”, nomeadamente em setores fulcrais como a Educação e a Saúde. Catarina Martins tenta ainda colar o PS ao PSD: “Nesta questão da governação económica, as duas forças estiveram juntas”.

Já Pedro Fidalgo Marques, do PAN, aproveita para atirar ao ‘centrão’: “Aquilo que temos de olhar é para o Bloco Central, que não tem conseguido executar estes fundos. Ou quando falámos do aeroporto de Alcochete, que vai custar 10 mil milhões de euros, que dava para escolhas e Saúde.” O candidato do PAN sugere ainda que os fundos europeus são mal usados — à cabeça, a questão dos apoios à touradas — e que poderiam ser melhor direcionados para a Cultura. Fidalgo Marques desafia ainda todos os outros candidatos a comprometerem-se com o fim dos apoios à touradas.

A extrema-direita boa e a extrema-direita má

Sobre as novas regras orçamentais, a candidata bloquista Catarina Martins critica as novas regras orçamentais e lamenta o peso que os partidos do centro tenham atribuído mais poder à Comissão Europeia para definir a condução das políticas. Marta Temido tenta responder, mas Catarina Martins interrompe: “Os socialistas deixaram que seja a Comissão Europeia a decidir. E a extrema-direita vai ter mais poder”, responsabiliza a bloquista.

Seguiu-se depois uma troca mais intensa de posições Catarina Martins e Sebastião Bugalho divergem sobre as implicações das novas regras orçamentais. O cabeça de lista da AD defende que o novo plano dá “maior flexibilidade entre Estados para definirem as suas prioridades” de investimento público, “desde que cumpram os limites do défice”. Catarina Martins volta a contestar contesta. Para a cabeça de lista do Bloco, Sebastião Bugalho está “a falar de uma realidade que não existe”. “Esqueceram-se da parte em que a Comissão Europeia fica com poder discricionário” para determinar os setores em que cada Estado pode investir, a. “Deram à CE o poder para decidir sobre a nossa política de Saúde, e isso é um erro”, atira. Isto, volta a insistir, momento em que a Comissão Europeia poderá ficar “condicionada pela extrema direita”.

Sobre o mesmo assunto, o candidato do PAN lamenta que se continue preso ao “binómio défice/dívida” e que não seja possível aumentar e diferenciar o investimento, para áreas como a saúde. Bugalho contesta e diz que o investimento na saúde e no combate a doenças como o cancro já estão nas prioridades da UE. Ainda assim, o candidato da AD não resiste a provocar a candidata do Bloco de Esquerda por estar tão pessimista em relação à ascensão da direita radical.

Catarina Martins, sempre à procura de um pretexto para atirar à direita europeia (do PPE à extrema-direita), aproveitou a deixa, lançando uma farpa a Ursula Von der Leyen, por admitir negociações com o grupo dos conservadores (ECR):  “É muito interessante. Registo que a direita anda a dividir a extrema-direita entre boa e má. Toda ela detesta as mulheres e ataca as mulheres.” Fidalgo Marques intervém para perguntar a Bugalho se admite esse acordo com o ECR e o candidato responde: “As nossas linhas vermelhas são intransponíveis e são o respeito pelo estado de direito, o europeísmo e a defesa da Ucrânia.”

Aborto. A palavra de honra de Bugalho e o ataque da esquerda ao PPE

O debate avançou depois para a resistência do PPE em colocar o direito ao aborto na Carta dos Direitos Fundamentais da UE. O cabeça de lista da AD explica que o que está em causa, na verdade, é uma discussão jurídica: o equilíbrio entre dois direitos, o direito à vida e o direito das mulheres; não uma obstaculização ao direito ao aborto. Sebastião Bugalho deixa ainda uma garantia de que não haverá qualquer recuo nos direitos das mulheres. “Dou a minha palavra de honra.”

Já Marta Temido explica que o PS incluiu a questão do aborto no capitulo dos direitos reprodutivos das mulheres. E, porque “foi ministra”, diz que não “pode ficar calada” porque “o que está em causa em última instância é a morte de mulheres por causa do aborto clandestino”.

A candidata do Bloco de Esquerda acusa os candidatos da direita de se “escudarem atrás de um argumento jurídico” para não alinhar na defesa do direito ao aborto na carta dos direitos fundamentais. “A desculpa jurídica é só mesmo isso: uma desculpa”, acusa Catarina Martins. A bloquista lembra a pertença do PPM à AD, as declarações de Paulo Núncio durante a campanha e o aumento.

Sebastião Bugalho sai em defesa da honra da futura bancada: “A delegação portuguesa do PPE também se vai levantar para defender os direitos das mulheres. O atual primeiro-ministro fez um compromisso de jamais reverter esse direito”. O candidato da AD recorda que esse “direito também não está consagrado na Constituição da República Portuguesa” e não foi por isso que não deixou de haver avanços. “Não vale a pena quando não temos agenda europeia tentarmos nacionalizar uma polémica e confundir”, critica Sebastião Bugalho.

Marta Temido volta a provocar o candidato da AD com as posições assumidas pelos eurodeputados do PSD e do CDS nesta matéria e Sebastião Bugalho responde com o exemplo de Malta, o único Estado-membro da UE que criminaliza o aborto e é governado por socialistas. Sebastião Bugalho lança ainda outra questão a Temido: se António Costa precisar do apoio de Viktor Orbán, Temido continua a apoiar António Costa ou não? “O que é que faz?”, desafia. Temido tenta desviar-se: “Quem sabe as regras, sabe que esse apoio não é negociado”.

Corrupção e Israel a fechar

A corrupção é o tema que fecha o debate. Catarina Martins atira ao lóbi e à ideia de que “pode regular-se” essa atividade “e depois fica tudo bem”. Não pode”, acrescenta a candidata do Bloco. A cabeça de lista do BE  lembra ainda o caso do QatarGate e a posição da presidente da Comissão Europeia que se “recusou a revelar mensagens” que trocou com representantes de uma das principais farmacêuticas aquando da negociação para a compra de vacinas durante a pandemia. O lóbi, diz a bloquista, “é o grande buraco negro onde toda a corrupção se esconde”.

Catarina Martins aproveita ainda para atirar aos adversários a propósito da relação com Israel. No dia em que o Tribunal Penal Internacional determinou que Israel ponha fim à ofensiva em Rafah, Catarina Martins defende que socialistas, além de PAN e Livre, devem pressionar os governos das suas cores políticas a parar o apoio ao governo de Netanyahu e a entrega de armas a Israel.

Ainda no tópico da corrupção, Marta Temido defende “maior transparência” nas políticas de prevenção, lembra a posição dos socialistas europeus no chamado caso QatarGate e como foram “lestos a afastar as pessoas que estavam envolvidas”.

O candidato do PAN atira em defesa do lóbi: “Cinismo é tentar enganar as pessoas a dizer que o lóbi é só mau” e lembra que, quando um sindicato se senta à mesa como responsáveis do governo para defender os interesses laborais, isso também é lóbi. “Pedimos transparência”, resume Pedro Fidalgo Marques. A fechar o debate, Sebastião Bugalho alinha por uma defesa do “reforço da transparência”