Portugal e a TAP continuam à espera da luz verde final para o plano de reestruturação que irá assegurar a torneira dos apoios públicos à transportadora.
Depois de meses — praticamente um ano de expetativa — a Comissão Europeia acabou por dizer “nim” ao plano proposto em Dezembro. Não recusou, nem aprovou, tendo aberto uma investigação aprofundada que irá atrasar o processo durante mais uns meses. Portugal tem de responder às dúvidas levantadas pelos serviços da DG Comp até meados deste mês — um mês depois de o Governo ter recebido a carta da Comissão Europeia, assinada por Margrethe Vestager.
A missiva da vice-presidente da Comissão Europeia, que tem o pelouro da Concorrência, a fundamentar as dúvidas da direção europeia da concorrência foi divulgada na semana passada, a 30 de julho (depois de eliminada informação tida como confidencial) permitindo também às partes interessadas, nomeadamente companhias aéreas concorrentes, enviarem os seus comentários a Bruxelas.
Bruxelas aprova apoio estatal de 1,2 mil milhões de euros à TAP, mas abre investigação aprofundada
De acordo com o documento, os serviços da concorrência até dão alguma força à posição defendida por Pedro Nuno Santos, ministro das Infraestruturas, em defesa da necessidade de manter a TAP. Bruxelas reconhece que a queda da empresa iria perturbar a conetividade dos passageiros da diáspora portuguesa e que os serviços da TAP seriam apenas parcialmente cobertos por empresas concorrentes e para destinos europeus. A oferta de voos diretos intercontinentais deixaria de ser garantida a partir de Lisboa, com os concorrentes da TAP a levar os passageiros para os seus hubs antes do destino final. A duração das viagens nestas rotas seria mais longa do que a atual.
A Comissão também aceita o papel importante da TAP na economia portuguesa, como grande empregadora e na promoção do setor do turismo. No entanto, levantara várias reservas ao plano de reestruturação no que toca ao cumprimento das regras europeias para autorizar ajudas de Estado a empresas.
A TAP será viável no futuro? Vai precisar de mais dinheiro? Quando tempo isso vai demorar?
A avaliação das autoridades portuguesas é a de que os retornos esperados no plano permitem fundamentar a tese de que a TAP será uma empresa viável no longo prazo, indicando ainda um custo de oportunidade mais favorável do que investimentos feitos em outros setores da economia. Mas para os técnicos europeus, estas projeções “estão carregadas de várias incertezas”, entre as quais a mais significativa é a que diz respeito à evolução da procura até 2025 que, em cenários mais adversos, pode exigir mais ajuda pública.
Em resultado destas dúvidas, Bruxelas defende que o plano precisa de ser testado na sua solidez e pressupostos e para os cenários mais negativos. Além disso, o tempo que será necessário para atingir uma viabilidade a longo prazo está sustentado num plano de reestruturação cujos efeitos excedem os cinco anos (até 2025) o que ainda levanta mais dúvidas sobre a proporcionalidade da ajuda e das medidas adotadas para limitar distorções da concorrência, que “nesta fase a Comissão considera insuficientes”.
Bruxelas reconhece que a informação prestada pelas autoridades portuguesas demonstra que está de acordo com as regras, ao permitir ao beneficiário que continue a reestruturar as suas operações, ao mesmo tempo que cumpre com as suas obrigações financeiras nos anos seguintes. Mais: contribui para o desenvolvimento da economia. No entanto, é também necessário que o plano assegure o regresso à viabilidade de forma apropriada e atempada, o que não está garantido de momento.
Para tal, é preciso examinar a necessidade, adequação e condições negociais da ajuda e os seus efeitos na concorrência e no comércio. Também será preciso ponderar os efeitos positivos na promoção do setor com os efeitos negativos que terá no mercado interno europeu.
O objetivo do plano é o de evitar que a TAP entre em insolvência. Neste ponto, o plano de Portugal mostra que, tanto a nível de liquidez como de solvência, o beneficiário precisa de ter acesso aos fundos públicos, porque não teria capacidade de, a curto prazo, prestar os serviços essenciais de transporte. Logo, “a ajuda é necessária para a conclusão com êxito do plano de reestruturação”.
Mas haveria medidas alternativas que trariam menos distorção ao mercado, alcançando as mesmas finalidades? As medidas de reestruturação, em conjunto com as injeções de capital público, devem permitir à TAP SGSP aceder ao mercado de capitais durante o período de reestruturação. Só num cenário mais adverso, no qual o beneficiário não consegue financiar-se no mercado sem o apoio de Estado, seria preciso recorrer ao apoio adicional de 512 milhões de euros, sob a forma de um empréstimo com garantia do Estado. Para Bruxelas, e nesta fase (embora admita avaliar), os instrumentos e dimensão da ajuda parecem ser adequados.
A ajuda é proporcional e o esforço interno da TAP e seus financiadores chega? E os privados?
Neste eixo, os serviços da Comissão analisam o contributo, leia-se esforço, do beneficiário para os custos de reestruturação que deve ser equilibrado face à ajuda pública. A regra é a de que exista uma contribuição de pelo menos 50% por parte do beneficiário, mas no caso da TAP, Portugal não apresentou uma distribuição detalhada desses contribuições, que podem resultar dos custos sociais, cortes de investimentos e cortes operacionais necessários para continuar a operar enquanto as receitas não cobrem os custos.
A maioria dos contributos apresentados por Portugal centra-se apenas na redução de custos ou da sua eliminação, sem a entrada de novos fundos. O plano prevê, por exemplo, uma poupança de 1,4 mil milhões de euros em custos com pessoal em resultado da suspensão (e revisão dos acordos de empresa), dos acordos que permitiram cortar salários e da saída de trabalhadores cujo processo final de despedimento coletivo está em curso.
Mas Bruxelas realça que não há investimento ou financiamento privado a suportar o plano, além do que resulta da renegociação (adiamento) de contratos de leasing associados à compra de novos aviões. Além disso, nem os bancos nem outros operadores financiam partes dos investimentos ou custos associados à reestruturação
A TAP negociou o adiamento de alguns reembolsos financeiros, mas deixou de fora do esforço os detentores de obrigações que emitiu nos últimos anos da gestão de David Neeleman (o anterior maior acionista privado), tendo como argumento a necessidade de manter as portas dos mercados da dívida abertas.
Segundo Bruxelas, o plano indica que a empresa negociou várias concessões financeiras junto de fornecedores, leasers a fabricantes) e outros stakeholders, como trabalhadores. Ainda assim, estes montantes correspondem apenas a 36% dos custos reestruturação (excluindo os locadores), o que fica claramente abaixo do limite mínimo desejável.
Bruxelas admite aceitar esta insuficiência em situações excecionais. E refere o argumento português de que a contribuição interna pode subir para 40% a 50%, caso a execução das medidas de reestruturação permitam à TAP recorrer aos mercados financeiros mais cedo ou aceder a mais compensação financeira pelos danos causados pelas restrições às viagens. Mas estes argumentos não convencem Bruxelas. Qualquer compensação por danos da pandemia — que tem de ser autorizada pela Comissão ao abrigo do quadro legal — não pode contar como um contributo do beneficiário. Além disso, um eventual financiamento futuro em mercado nesta fase é “hipotético”, logo, “não pode ser considerado como real e efetivo”.
Em relação ao argumento repetido várias vezes pelo ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, de que não havia investidores/financiadores privados disponíveis para financiar a TAP, Bruxelas destaca os exemplos de outras companhias como a Air France e a Finnair nas quais foi possível juntar investimento privado e ajuda pública de reestruturação. E conclui: “É por isso duvidoso de nenhum financiamento de mercado pudesse ser obtido para reduzir o montante de ajudas públicas em qualquer dimensão”.
O Governo português comprou a participação de David Neeleman há um ano, depois de não ter chegado a acordo sobre os termos da ajuda pública e a governação da empresa. O sócio português, Humberto Pedrosa, manteve-se na TAP, mas apesar de ter perdido todo o capital que aplicou na recapitalização após a privatização, não colocou mais dinheiro, o que diluiu quase na totalidade a participação privada na empresa.
Bruxelas nota que o esforço do beneficiário deve resultar de fontes próprias da entidade, dos seus acionistas ou dos seus credores. “Não é claro nesse contexto (….) se tal iria libertar recursos para a implementação das medidas de reestruturação ou permitiria novos financiamentos no mercado num montante capaz de equivaler a uma efetiva contribuição real e própria”.
Ainda sujeito a explicações concretas e detalhadas de Portugal, é “duvidoso que esteja previsto no plano de ajuda uma partilha de encargos adequada e satisfatória”. Logo, “a Comissão tem dúvidas nesta fase de que a reestruturação é proporcional e limitada ao mínimo necessário.
As medidas para limitar a distorção da concorrência são suficientes?
A Comissão Europeia validou a opção do Governo português de notificar o plano da TAP como uma ajuda de Estado. O pacote tem um valor de 3,2 mil milhões de euros, mas pode chegar aos 3.700 milhões se for emitida uma garantia pública para um empréstimo em mercado. Além do empréstimo de 1.200 milhões de euros já recebido em 2020 – e que será transferido em capital – a TAP recebeu já este ano 462 milhões de euros de compensações para cobrir danos causados pelas restrições legais aos voos na sequência do Covid-19. Este montante vai ser descontado do pacote global.
Os serviços de Bruxelas suportam a posição portuguesa de que esta é uma ajuda pública porque é financiada pelo Orçamento do Estado e porque não seria possível à TAP levantar capital ou obter empréstimos em mercado na mesma dimensão. Ao conceder estes financiamentos, que não seriam dados em condições de mercado, a ajuda do Estado dá uma vantagem à TAP que resulta numa distorção da concorrência.
Ainda assim, o plano pode estar em linha com as regras europeias, desde que estejam previstas medidas estruturais de desinvestimento em ativos, redução de capacidade ou da presença de mercado. Medidas que “favoreçam a entrada de novos concorrentes ou o reforço de operadores mais pequenos. Como desinvestimento, o plano propõe a venda da empresa de manutenção e engenharia no Brasil (segundo informação pública, já que a carta de Bruxelas é omissa neste ponto).
Mas opõe-se ao corte no número de slots no aeroporto de Lisboa (reservas de espaço e tempo para aterragem e descolagem de aviões para determinados destinos) que qualifica de “prematuro”, porque provavelmente não seria necessário para garantir a concorrência e iria dificultar o retorno da TAP à viabilidade.
Bruxelas assinala que a venda ou o fecho da negócios deficitários — como seria o da VEM — não são vistos como suficientes para contrariar a distorção da concorrência. E manifesta dúvidas de que esses desinvestimentos possam ser aceites para contrariar os efeitos na concorrência, sobretudo porque a TAP manterá uma posição significativa depois da reestruturação.
Já a posição de não ceder slots “não está fundamentada numa análise quantitativa a demonstrar que tais desinvestimentos poriam de facto em risco o regresso da TAP à viabilidade. “É um facto que a TAP controla uma posição forte em slots no altamente congestionado aeroporto de Lisboa”. Portugal sustenta que a posição de força da TAP no aeroporto de Lisboa é menor do que a detida por outras grandes companhias ajudadas e que tiveram de ceder a Bruxelas. E defende que são essenciais para manter o hub da TAP e retomar a estratégia de ligação a vários continentes, via Lisboa, com tempos de voos competitivos e que era central para a companhia antes do Covid-19.
Bruxelas reconhece que a companhia reduziu a sua capacidade, mas sublinha que não é feito nenhum compromisso no plano de reestruturação em como essa capacidade mais reduzida será mantida durante todo o período de reestruturação. Antes pelo contrário, “a TAP planeia aumentar a sua capacidade para responder à retoma da procura”.
Menos 20 aviões e 25% da força de trabalho. A reestruturação da TAP já “está no terreno”
Ainda que o plano preveja que essa capacidade ficará do nível que tinha antes da reestruturação, não há nada que permita à Comissão verificar se o novo reforço não será em excesso. Daí que Bruxelas duvida que as medidas destinadas a compensar as distorções da concorrência apresentadas por Portugal sejam suficientes para mitigar os efeitos do apoio substancial que o Estado prevê dar à TAP.