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Uma coisa é Londres, outra coisa é o Reino Unido

A câmara de Londres parece de um país diferente daquele do sotaque aristocrata e do protocolo ao qual pertence o parlamento britânico. Hoje vai ser disputada por um multimilionário e um muçulmano.

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“The Honourable gentleman”, “my Honourable friend”, “Right Honourable”, são algumas das expressões que se costumam ouvir nas intervenções dos deputados do Parlamento Britânico, variando-se as designações de acordo com o estatuto e posição da pessoa a quem se dirige a mensagem. Mas tudo isto, dito com aquele sotaque aristocrático, que só os britânicos conseguem pronunciar, torna a política inglesa ainda mais peculiar e, por vezes, até cómica. Para o comprovar basta assistir a uma sessão parlamentar: a aristocracia não está apenas presente no sotaque, está na maneira de intervir dos agentes políticos, está na atuação do chamado “Speaker of the House” (o equivalente ao Presidente da Assembleia da República) e na sua própria indumentária, está até na composição da Assembleia. Mas todo este protocolo, respeito e tradição tem uma grande exceção no panorama político britânico: a Câmara de Londres e, mais concretamente, os seus líderes.

Esta quinta-feira serão, no total, 12 os candidatos que vão a votos para disputar a liderança de Londres. No entanto o mais provável é que esta seja uma batalha entre os dois representantes dos principais partidos do país. São eles, Sadiq Khan, pelo Partido Trabalhista, e Zac Goldsmith, pelo Partido Conservador.

“Greater London Authority”

A autoridade que governa a cidade de Londres não foge muito daquilo que é praticado por cá em termos de organização e liderança. Existe um presidente eleito e uma assembleia constituída por 25 membros que têm como missão escrutinar e analisar as decisões tomadas pelo mayor. O que pode parecer mais estranho é que esta forma de governo existe apenas há 16 anos.

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Antes existia o “Greater London Council” (Conselho da Grande Londres), formada em 1965 com o objetivo de alargar a área de atuação do antigo “London County Council” (Conselho do Município de Londres). Mas, em 1986, já com Margaret Thatcher no poder, o órgão foi extinto. A ala mais crítica de Thatcher ainda hoje afirma que esta decisão se deveu ao crescimento da esquerda e dos trabalhistas na administração da capital. O que é certo é que a governação de Londres ficou a cargo de agentes políticos nomeados pelo Governo central e durante 14 anos não existiu um único órgão eleito na cidade.

Durante todo este período, os trabalhistas defenderam sempre a readoção da antiga autoridade eleita. Em 1997, depois do Tony Blair ter vencido as eleições gerais, as intenções materializaram-se em legislação para restabelecer uma forma de governo municipal, inspirada em algumas cidades americanas, com um presidente diretamente eleito e vigiado por uma assembleia também ela eleita. Por isso, em 1998 criaram-se as condições para a realização de um referendo regional e a medida foi aprovada por 72% dos londrinos. No ano seguinte o parlamento britânico aprovava a proposta.

A polémica estalou logo no início. Isto porque, nas primeiras eleições para o órgão, em 2000, o então líder trabalhista, Tony Blair, quis impedir a candidatura de Ken Livingstone pelo partido. Em resposta a este desentendimento, Livingstone decidiu ir a votos como independente. E ganhou, tornando-se no primeiro líder do “Greater London Authority”.

Os dois mayors de Londres. E que mayors!

A partir do momento da eleição de Livingstone, a política em Londres quase se tornou num mundo à parte em relação à governação protocolar e cerimoniosa do país.

Ken Livingstone acabaria por ser reeleito, permanecendo no cargo até 2008. Mas as muitas polémicas em que se viu envolvido, algumas que culminaram até em suspensões, dominaram este período.

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A última controvérsia ocorreu há alguns dias apenas, quando o antigo presidente da câmara decidiu defender que Adolf Hitler tinha sido um apoiante do sionismo israelita, tudo isto para defender uma deputada que havia afirmado que os israelitas deviam ser deportados para os Estados Unidos. Vários membros do parlamento acusaram Livingstone de antissemitismo, acabando por ser suspenso do próprio partido.

As suspensões não são novas na sua vida. Foi, por exemplo, afastado do cargo de presidente da câmara durante quatro semanas, em 2006, por comparar um jornalista judeu a um guarda de um campo de concentração, mas a lista de polémicas está longe de terminar tendo ainda sugerido que Kevan Jones, o ministro da defesa do governo-sombra que sofria de depressão, necessitava de “ajuda psiquiátrica” por ter afirmado que Livingstone “não percebia nada de defesa”, e recebido por isso muitas críticas, incluindo de Jeremy Corbyn. Livingstone afirmou numa entrevista à BBC, que os bombistas suicidas que preconizaram os atentados de Londres tinham “dado as suas vidas” em protesto contra a guerra no Iraque – a enxurrada de críticas não se fez por esperar também. Tudo isto, e muito mais, fez com que o jornal The Sun apelidasse Ken Livingstone como o “homem mais odioso da Grã-Bretanha”.

Depois chegou Boris Johnson, que já foi jornalista, diretor da revista Spectator, ministro-sombra, deputado e tem os dias contados como presidente da Câmara de Londres, cargo que ocupou desde 2008. Agora, lidera a campanha pela saída do Reino Unido da União Europeia, e pisca o olho ao lugar de David Cameron para que possa, quem sabe, ser catapultado para primeiro-ministro.

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Se alguém pensou que a troca de partido e de ideologia política na presidência da Câmara de Londres, depois da saída de um trabalhista e da entrada de um conservador, podia resultar no fim das polémicas, o tempo acabou por dar a resposta: não.

“Mr. Johnson”, como é conhecido por terras de Sua Majestade, acabou por ser mais conhecido pelo cabelo despenteado e pela bicicleta que conduz frequentemente do que, propriamente, pelas decisões políticas. Ainda como jornalista envolveu-se numa controvérsia ao considerar o Islão “um problema”, depois dos atentados na capital britânica. Mais recentemente afirmou que os jihadistas militantes do autoproclamado Estado Islâmico são obcecados por pornografia e que não passam de “graves onanistas”. Atirou-se a Donald Trump quando explicou que “a única razão para não ir a algumas partes de Nova Iorque é o risco real de encontrar Donald Trump” – isto depois do empresário americano ter defendido que existiam zonas em Londres em que não se podia entrar por haver demasiados muçulmanos. Os escândalos pessoais e matrimoniais também não lhe passaram ao lado, com algumas alegações que davam conta de relações extraconjugais que resultaram inclusivamente em filhos fora do casamento.

Estes são apenas alguns exemplos que marcaram vida política de Boris Johnson até aos dias de hoje e são elucidativos como a curta história da Great London Authority choca de frente com a atuação política tipicamente britânica.

Os candidatos e o provável vencedor

Sendo uma das principais capitais e um dos mais importantes centros económicos do mundo, o cargo de presidente da Câmara de Londres reveste-se, logo à partida, de um grande protagonismo a nível internacional. Algo que é reforçado numa altura em que se decide a permanência do Reino Unido na União Europeia. Mas, e se olharmos para o exemplo de Johnson, este cargo começa também a transformar-se numa rampa de lançamento para voos políticos mais altos no país.

Com tudo isto em vista estão 12 candidatos. 10 deles considerados “secundários” e outros dois que vão disputar verdadeiramente a liderança da cidade. No boletim de voto destaca-se ainda a presença de três mulheres – Sian Berry, do Partido Verde de Inglaterra e Gales; Caroline Pidgeon, dos Democratas Liberais e Sophie Walker, do Partido para a Igualdade das Mulheres. Nesta lista faz parte ainda um representante do partido “Canábis é Mais Seguro do que Álcool”.

Zac Goldsmith (Partido Conservador) e Sadiq Khan (Partido Trabalhista) são os principais candidatos à câmara de Londres

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Se as sondagens estiverem corretas – algo que não aconteceu nas eleições gerais do ano passado, em que se previa um dos combates eleitorais mais renhidos da história do país, mas que acabou com uma vitória estrondosa do Partido Conservador – o vencedor será mesmo o candidato trabalhista, Sadiq Khan.

A vitória não é, no entanto, garantida. E a principal razão são as acusações de antissemitismo dirigidas a algumas figuras trabalhistas, e em concreto, a Ken Livingstone, que poderão ter resultado na perda de votos principalmente da comunidade judaica. De tal maneira que Khan, que foi um dos primeiros a defender a suspensão de Livingstone, teve que vir a público, mais do que uma vez, assegurar que não vai tolerar afirmações deste género: “Os comentários de Ken Livingstone foram terríveis e repugnantes. Não pode haver lugar para quem partilhe destes ideias no Partido Trabalhista”. Surgiram também, durante a campanha, acusações de ligações ao extremismo islâmico enquanto exercia a advocacia de direitos humanos. No entanto, e tendo em conta as últimas sondagens, os eleitores não parecem ter sido afetados por estas acusações, numa cidade que representa uma autêntica mistura de nacionalidades e origens e com uma presença especialmente forte da comunidade muçulmana.

A vitória do candidato que foi ministro no Governo de Gordon Brown, a acontecer, surgirá como um acontecimento histórico – Londres tornar-se-á na primeira grande cidade ocidental a ser liderada por um muçulmano.

O protagonismo de Sadiq Khan pode ter efeitos que vão para além da sua religião ou cor da pele. Numa altura em que a Europa tem sido abalada pela enorme vaga de refugiados que chegam às suas fronteiras, e em que se vive um ambiente de aparente desorientação política em relação a esta crise, alguém como o candidato trabalhista chegar ao poder em Londres pode dar que falar. É que já há quem diga que daqui a alguns anos vamos estar a falar do primeiro primeiro-ministro muçulmano no Ocidente.

Do outro lado está o conservador Zac Goldsmith. Com um caminho político sem grandes desvios e sobressaltos, o antigo jornalista é filho do multimilionário Sir James Goldsmith, de uma importante família de origem judaica alemã, e tornou-se num dos deputados mais ricos do parlamento britânico depois da morte do pai em 1997, deixando uma fortuna, calcula-se, de mais de mil milhões de libras (cerca de 1.2 mil milhões de euros). Baseou a campanha na promessa de seguir as pisadas de Boris Johnson, nomeadamente em relação à política de impostos baixos e declarando-se defensor do Brexit. Apesar disso foi criticado pelos ataques a Sadiq pelo seu passado alegadamente radical e as sondagens não lhe têm sido favoráveis, posicionando-se entre 16 a 20 pontos de distância do candidato trabalhista.

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