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O Papa Francisco prometeu, desde o início do pontificado, reformar as finanças do Vaticano
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O Papa Francisco prometeu, desde o início do pontificado, reformar as finanças do Vaticano

Getty Images

O Papa Francisco prometeu, desde o início do pontificado, reformar as finanças do Vaticano

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"Coisas que não parecem limpas." Como um prédio em Londres obrigou o Papa a reformar as finanças do Vaticano

Enquanto o mundo se concentra na pandemia, o Papa Francisco está a fazer uma das mais profundas reformas nas finanças do Vaticano. O mais recente escândalo está relacionado com um prédio em Londres.

A reforma das estruturas financeiras do Vaticano, marcadas por décadas de suspeitas de corrupção e ainda a recuperar do escândalo do Vatileaks de 2012, foi uma das principais bandeiras do início do pontificado do Papa Francisco, depois de os escândalos financeiros terem dado um contributo decisivo para a resignação de Bento XVI. Porém, o processo de reforma da gestão dos dinheiros da Igreja abrandou ao longo dos anos — para agora regressar em força, num momento que está a ser apelidado pelos analistas de Reforma 2.0.

Durante os últimos anos, não ajudou o facto de o cardeal australiano George Pell, chamado por Francisco em 2013 para liderar esta reforma, ter sido arrastado para um processo de abuso sexual de menores que só este ano chegou ao final, com Pell absolvido de todas acusações após passar mais de um ano na cadeia. Agora, numa altura em que as atenções mundiais continuam quase exclusivamente focadas na pandemia da Covid-19, o Papa argentino está por estes dias a levar a cabo um discreto mas significativo processo de reforma das instituições financeiras da Igreja Católica.

Como em quase todas as reformas, há um escândalo por trás. Desta vez, foram os desenvolvimentos à volta do controverso negócio de compra de um prédio de luxo em Londres com dinheiro dos fiéis católicos (que se arrasta há anos e que o Brexit arruinou) que provocou a reforma. Mas a assinalável perda de receitas provocada pela suspensão das missas e a chegada da próxima auditoria internacional às contas do Vaticano, a ser realizada ainda este ano, ajudaram a acelerar o processo.

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Em apenas dois meses, o Papa Francisco já nomeou um novo diretor da entidade de supervisão financeira do Vaticano, despediu cinco funcionários da Santa Sé envolvidos no caso do prédio de Londres, organizou uma cimeira em maio para discutir os problemas financeiros do Vaticano e produzir um relatório detalhado, encerrou nove empresas criadas na Suíça para gerir património da Santa Sé, reorganizou a estrutura de monitorização financeira, aprovou uma nova lei para travar conflitos de interesse e obrigar à realização de concursos mais transparentes antes de serem assinados contratos que envolvem o dinheiro da Santa Sé, e nomeou um leigo italiano para número dois do banco central do Vaticano.

A reforma mais recente aconteceu no último dia de junho, quando o Papa Francisco nomeou o arcebispo italiano Mario Giordana, antigo embaixador da Santa Sé no Haiti e na Eslováquia, como comissário extraordinário da Fabbrica di San Pietro — o organismo responsável pela administração direta da Basílica de São Pedro —, com a missão de reorganizar o seu funcionamento e investigar as suspeitas de falta de transparência que recaem sobre o organismo.

Em poucos meses, o Papa Francisco reorganizou a estrutura financeira do Vaticano, despediu funcionários, trocou dirigentes e aprovou novas leis.

Nesse dia, as autoridades do Vaticano tinham feito buscas nos escritórios da Fabbrica di San Pietro por causa do mais recente capítulo dos escândalos financeiros no coração da Igreja Católica: irregularidades nas contas do organismo, saídas de dinheiro sem explicação, falta de transparência na gestão dos contratos e suspeitas de favorecimento na adjudicação de contratos de restauro da cúpula da basílica — com valores acima do limite imposto pela Santa Sé de 4 milhões de euros.

O prédio de Londres

De todos os problemas financeiros que se têm multiplicado ao longo dos últimos anos no Vaticano, inclusivamente durante o pontificado do Papa Francisco, destaca-se a compra de contornos duvidosos de um prédio de luxo em Londres, que se viria a transformar num dos maiores escândalos financeiros da Santa Sé nas últimas décadas — expondo não só as fragilidades da gestão financeira do Vaticano, mas também as deficiências dos sistemas de investigação criminal do pequeno Estado. O próprio pontífice já admitiu publicamente que se trata de “um escândalo” e que “foram feitas coisas que não parecem limpas”.

Para compreender o problema é preciso recuar até 2014, ano em que o Vaticano decidiu investir cerca de 200 milhões de dólares (mais de 175 milhões de euros) num fundo liderado pelo empresário italiano Raffaele Mincione. Nessa altura, de acordo com uma investigação do Financial Times, a Secretaria de Estado do Vaticano — no fundo, a liderança “civil” do Vaticano — procurava pôr a render parte do dinheiro que chega aos cofres da Santa Sé através do Óbolo de São Pedro (um dos muitos sistemas de angariação de fundos na Igreja Católica, no qual os fiéis oferecem dinheiro diretamente ao Papa para o sustento da Igreja e para o apoio aos mais pobres e necessitados).

Depois de ponderar investir o dinheiro num projeto de exploração de petróleo em Angola, o Vaticano — através da Secretaria de Estado — optou por um investimento menos arriscado: através daquele fundo, a Santa Sé ficaria com 45% de um projeto imobiliário de luxo a crescer numa das zonas mais privilegiadas da capital do Reino Unido. O negócio, mediado por Mincione, envolveu transferências de dinheiro através de diferentes fundos e empresas offshore e prometia lucro ao Vaticano — que, supostamente, pretendia fazer crescer o dinheiro disponível para obras de caridade.

O prédio, no número 60 da Sloane Avenue, em Londres, é um empreendimento de luxo com apartamentos e serviços

Google Maps

Em 2016, a decisão do Reino Unido de sair da União Europeia provocou um forte abalo no mercado do imobiliário de luxo no país, devido à importância do investimento estrangeiro naquele setor, e o Vaticano viu-se confrontado com a inevitabilidade de perder grande parte do dinheiro investido no prédio. No fim de 2018, a Secretaria de Estado do Vaticano deu ordens para que Mincione adquirisse o prédio na totalidade, em nome da Santa Sé. O objetivo era proteger o valor do investimento para o futuro.

A partir desse momento, o problema complicou-se. O Vaticano detinha agora um imóvel de luxo, numa das zonas mais exclusivas de Londres, comprado com mais de 350 milhões de euros que eram destinados a ajudar os mais pobres. É aí que entra em cena o investidor italiano Gianluigi Torzi, que no final de 2018 se aproximou das autoridades financeiras do Vaticano com uma aparente solução para o problema: transferir o prédio para uma empresa (também offshore) em seu nome, através da qual o empresário faria negócios imobiliários pelo Vaticano.

Segundo uma nova investigação do Financial Times, que acompanhou de perto os detalhes do processo, a transferência tem contornos duvidosos. Desde logo, no que toca aos motivos: em teoria, permaneceriam um mistério as razões que levaram o Vaticano a transferir o prédio para aquele empresário. O processo levanta, por isso, dúvidas sobre a atuação de algumas das mais altas figuras da Santa Sé, incluindo o padre Alberto Perlasca, responsável pelo departamento da Secretaria de Estado que gere os investimentos, mas também sobre o próprio secretário de Estado, cardeal Pietro Parolin, e sobre o seu adjunto, o arcebispo Edgar Peña Parra, que autorizaram as transferências bancárias em novembro de 2018.

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O cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado, é a mais alta figura da hierarquia católica a seguir ao Papa

Corbis

No mês seguinte, Gianluigi Torzi teria um privilégio habitualmente concedido a poucos: uma audiência privada com o Papa Francisco. Restam ainda dúvidas sobre qual seria o nível de conhecimento do Papa Francisco relativamente ao esquema que envolve o prédio, uma vez que o líder da Igreja Católica delega a administração direta do património na Secretaria de Estado.

A investigação (e a investigação à investigação)

O caso mudaria de figura vários meses depois da transação acordada entre responsáveis da Secretaria de Estado e Torzi, quando o empresário italiano mudou de atitude: de repente, de acordo com o Vaticano, Torzi começou a exigir pagamentos para gerir o prédio e terá chegado a ameaçar que não devolveria o edifício se não os recebesse. Segundo o Financial Times, que cita documentos internos do Vaticano, Torzi queria receber 2,75 milhões de libras (mais de 3 milhões de euros) por ano e ainda receber uma percentagem de todos os lucros obtidos com a exploração do edifício de Londres.

O comportamento de Torzi fez com que a AIF (Autoridade de Informação Financeira, criada em 2010 pelo Papa Bento XVI para investigar crimes financeiros no Vaticano) começasse a investigar as transações. Rapidamente se percebeu, devido ao contrato assinado com o empresário, que o Vaticano não tinha meios de recuperar o edifício. Torzi acabaria por receber um pagamento (diferentes fontes colocam a quantia entre os 5 e os 15 milhões de euros) para resolver o diferendo.

De repente, Torzi começou a exigir pagamentos para gerir o prédio e terá chegado a ameaçar que não devolveria o edifício se não os recebesse.

Foi já em 2020 que se começou a precipitar uma série de acontecimentos que levariam à reforma agora em curso pelo Papa Francisco. Em fevereiro, numa altura em que cinco funcionários do Vaticano já estavam suspensos — em maio seriam despedidos — enquanto decorria a investigação, as autoridades vaticanas fizeram buscas na casa do padre Alberto Perlasca para apreender documentos e computadores. Mas Perlasca negou ter agido por conta própria e garantiu que os superiores dele, incluindo o Papa Francisco, estavam ao corrente da operação relativa ao prédio de Londres.

Para acrescentar uma dose extra de confusão a todo este processo, no meio da investigação a própria AIF foi alvo de buscas por parte da polícia do Vaticano, o que levou à demissão de muitos dos responsáveis daquela autoridade financeira, incluindo o suíço René Brülhart, que tinha sido levado para o Vaticano em 2012 pelo Papa Bento XVI para aumentar a credibilidade e independência da instituição.

Em sua substituição, o Papa Francisco nomeou, para o lugar de presidente da AIF o banqueiro italiano Carmelo Barbagallo, com uma carreira de 40 anos no Banco de Itália. Mais recentemente, para a direção executiva do organismo, o Papa escolheu o economista italiano Giuseppe Schlitzer. Isto significa que, pela primeira vez no período dos últimos cinco papas, os principais dirigentes financeiros do Vaticano voltam a ser italianos. Até aqui, registava-se uma tendência para escolher banqueiros e economistas não italianos como forma de contrariar práticas pouco transparentes já enraizadas na sociedade italiana. Agora, como escreve o influente analista do Vaticano John L. Allen, o Papa coloca nos lugares de destaque “italianos para resolver um problema italiano”.

Ao longo dos últimos meses, a investigação à compra do prédio de Londres tem continuado e, em junho, a polícia do Vaticano deteve o empresário Gianluigi Torzi para o interrogar sobre o processo. A mera detenção de Torzi mostra a importância do caso: por questões diplomáticas óbvias, é muito raro as autoridades do Vaticano fazerem detenções de cidadãos italianos que não tenham também cidadania vaticana ou que não sejam funcionários da Santa Sé.

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A investigação está a cargo da polícia do Vaticano

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Torzi assegurou que é inocente e que nunca teve intenção de agir contra os interesses da Santa Sé e acabou por sair em liberdade condicional depois de ter fornecido aos investigadores um relato escrito completo da sua intervenção na compra do prédio em Londres. O caso continua em investigação — e deverá estar no centro da próxima auditoria realizada pelo Conselho da Europa às contas do Vaticano, destinada a avaliar a transparência do micro-Estado no que toca à prevenção da fraude e lavagem de dinheiro.

Pandemia faz disparar défice orçamental até 175%

A reforma de Francisco acontece também numa altura em que a pandemia da Covid-19 ameaça a sustentabilidade financeira do Vaticano. Em maio, o recém-nomeado responsável pelo dicastério do Vaticano para as Finanças, o padre jesuíta espanhol Juan Antonio Guerrero Alves, admitiu que a Santa Sé se prepara para “anos difíceis” depois de o período do confinamento ter feito cair as receitas da Igreja.

Antes, Guerrero e o cardeal alemão Reinhard Marx (presidente do Conselho para a Economia do Vaticano) enviaram uma carta a todos os departamentos do Vaticano a pedir-lhes que reduzissem ao mínimo possível as suas despesas e revissem os orçamentos para o ano corrente. Na carta, os responsáveis pediram que fossem canceladas todas as viagens, conferências, reuniões, visitas de bispos a Roma e outras atividades dispensáveis.

Numa apresentação do orçamento revisto do Vaticano, os responsáveis explicaram que a maioria das fontes de receita da Santa Sé (que incluem, entre outras, as contribuições das dioceses, os donativos, os investimentos no estrangeiro e as entradas no museu do Vaticano) caíram a pique, mas garantiu que não haverá cortes no dinheiro destinado à caridade.

O Vaticano pediu a todos os departamentos que fossem canceladas todas as viagens, conferências, reuniões, visitas de bispos a Roma e outras atividades dispensáveis.

Não haverá corte de fundos para aqueles que mais precisam. Não vivemos para salvar o orçamento. Confiamos na generosidade dos fiéis, mas temos de mostrar àqueles que oferecem parte das suas poupanças que o seu dinheiro é bem gasto”, disse Guerrero na conferência de imprensa em maio. Na pior das hipóteses, com uma recuperação económica lenta, o Vaticano espera um défice entre os 83% e os 175% em relação ao orçamento previamente definido para 2020 — entre 44 e 93 milhões de euros a menos do que inicialmente previsto.

Com cerca de 5 mil funcionários, na grande maioria leigos que trabalham nos serviços e nos museus, o Vaticano tem no simples pagamento dos salários o principal desafio para os próximos tempos — o que acrescenta a sobrevivência económica à lista de razões que obrigam o Papa Francisco a reformar as estruturas financeiras do Vaticano, habituadas a grandes despesas de origem controversa envolvendo altos elementos da hierarquia católica.

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