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Com o avanço das terceiras doses na Europa e, até, nos Estados Unidos, começa a levantar-se uma questão: afinal o que é estar totalmente vacinado? Em França, os certificados digitais de quem não levar o reforço podem expirar automaticamente e em Inglaterra as três doses podem vir a tornar-se norma para todos os adultos.
A própria Comissão Europeia está a preparar uma revisão do que significa “vacinação completa” em contexto de viagem. Isso implicará incluir as doses de reforço e atualizar a recomendação de junho de 2021, não se sabendo que repercussões terá ainda para quem viaja.
Mas nos Estados Unidos, os Centros de Controlo e Prevenção da Doença (CDC) deixam claro que “todas as pessoas são considerados totalmente vacinadas duas semanas após a sua segunda dose — numa série de duas doses, tais como as vacinas da Pfizer/BioNTech ou Moderna — ou duas semanas após uma única dose — como no caso da vacina da Janssen”. Isto, mesmo que sejam elegíveis para o reforço e não o tenham tomado.
Luís Graça, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, por sua vez, diz que “não faz muito sentido continuar a falar da vacinação completa ou não. O que faz sentido falar é se as pessoas têm a necessidade de um reforço ou não têm, se estão em estado de proteção mantido ou não“.
Afinal o que é ter a vacinação completa?
A definição oficial é a mais simples: a vacinação completa é o número de doses recomendado pelo fabricante da vacina, dentro do intervalo previsto. Para as vacinas aprovadas na Europa (e em Portugal), são duas doses para a vacina da Pfizer/BioNTech, Oxford/AstraZeneca e Moderna e uma dose para a vacina da Janssen.
Na prática, e ao avaliar as regras do certificado de vacinação em vigor, ter a vacinação completa é não só ter completado o esquema vacinal definido (com uma ou duas doses), mas somar ainda 14 dias depois da toma da segunda dose (0u da dose única, quando é o caso) para dar tempo ao sistema imunitário de desenvolver uma resposta. Ou seja, é mais uma questão de estar protegido ou não.
Porque se dão doses adicionais depois da esquema vacinal completo?
Os dados dos ensaios clínicos mostraram que uma dose da Janssen e duas doses das outras três vacinas contra a Covid-19 eram o suficiente para proteger as pessoas contra a doença grave e mortalidade. Daí que, a vacinação completa correspondesse à proteção adequada, como explicou ao Observador Luís Graça, investigador do Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes.
Recuperados da Covid-19 que precisem da segunda dose para viajar já podem ser vacinados
Mas depois começaram a entrar as exceções. Primeiro, as pessoas que estiveram infetadas e que, depois disso, só tomaram uma dose da vacina: também assim se considera que têm o esquema vacinal completo (como se a infeção fosse a primeira injeção). O que faz sentido, seguindo o princípio da proteção contra a Covid-19.
Foi isso que Portugal fez. “Do ponto de vista científico o nosso procedimento é o mais correto”, afirma o epidemiologista Manuel do Carmo Gomes ao Observador. Mas não é assim em todos os países, o que faz com que alguns destes recuperados de Covid-19 tenham de levar duas doses da vacina para poderem viajar. Mas isto é a exceção.
Depois, percebeu-se também que as pessoas que têm os sistemas imunitários comprometidos, quer devido a doenças ou tratamentos (como a quimioterapia), não teriam desenvolvido a devida resposta imunitária com as duas doses da vacina. Ou seja, o esquema vacinal estava completo, mas a proteção não. Logo, a estas pessoas foi dada uma dose adicional, o tal reforço, e passou a considerar-se que a vacinação completa incluía três doses. Mas tratam-se também de situações excecionais.
Por fim, tendo em conta a perda de imunidade ao fim de cinco ou seis meses (ou, pelo menos, a diminuição da quantidade de anticorpos) nos idosos, Portugal e muitos países da Europa começaram a reforçar a vacina nos mais velhos, acima dos 65 anos (ou até mais cedo — já há países a administrar a pessoas com mais de 60). A vacinação completa continua a seguir a definição descrita em cima e esta terceira dose é considerada apenas um reforço à imunização primária.
E é aqui que perde o sentido falar de vacinação completa, o que interessa é que as pessoas estejam protegidas. “O que acontece nos idosos que já foram vacinados há mais tempo e pode haver uma necessidade de reforço para retomar este estado de proteção [tal como se faz o reforço da vacina do tétano]”, explica o médico Luís Graça.
“Vacinação completa é duas doses mais 14 dias passados. Reforço é… reforço. E pressupõe, por definição, que houve esquema vacinal completo antes”, afirma por sua vez Manuel do Carmo Gomes, professor na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
Os Estados Unidos incluíram mais umas quantas exceções. Só aprovaram as vacinas da Pfizer/BioNTech, Moderna e Janssen, mas aceitam quem tenha recebido as doses recomendadas das vacinas aprovadas pelo Organização Mundial de Saúde (OMS) ou as pessoas que tenham tomado duas doses nos ensaios clínicos da AstraZeneca ou da Novavax. Os Estados Unidos aceitam até casos de cidadãos que tenham tomado doses de vacinas diferentes deste que constem na lista do regulador americano (FDA) ou da OMS.
Os países vão tornar os atuais certificados inválidos?
O Presidente Emmanuel Macron avisou que todas as pessoas com mais de 65 anos e as que tenham tomado a vacina da Janssen devem tomar uma dose de reforço até 15 de dezembro se querem manter o passe sanitário (ou certificado digital) válido. A partir do momento em que cada uma destas pessoas se torna elegível para a dose de reforço, tem quatro semanas para o fazer ou arrisca-se a ter o certificado cancelado automaticamente, explica o site do governo francês.
O passaporte sanitário francês, também chamado de “passe verde”, permite não só ser equiparado ao certificado digital europeu para viajar, mas é exigido na entrada de vários locais em França, como eventos culturais, desportivos e religiosos, museus e monumentos, feiras e conferências, cafés, restaurantes e discotecas, mas também em espaços ao ar livre, como parques temáticos.
França pressiona maiores de 65 anos a tomar terceira dose da vacina contra Covid-19
Para enfrentar situações de reduzida adesão à vacinação, os países europeus têm adotado várias medidas, incluindo paras as vacinas de reforço. A Áustria, Suíça e Croácia, por exemplo, estabeleceram prazos de validade para a condição de totalmente vacinado, o que na prática vai obrigar à dose de reforço, segundo o jornal The Guardian. Não é o mesmo que ter um certificado digital que expira ao fim de um certo período (180 dias, em Portugal) e que pode ser renovado.
Nos Estados Unidos, pelo contrário, não existe um limite de tempo para se considerar que uma pessoa está totalmente vacinada — ou seja, o estatuto de vacinado não expira —, refere o site dos CDC. Só se considera que uma pessoa não está totalmente vacinada se não completou o esquema vacinal (no caso das vacinas de duas doses), se não pode tomar a vacina ou se tem menos de 12 anos, acrescenta o organismo.
Para a Comissão Europeia, as doses de reforço também não fazem perder a validade dos certificados europeus e a ideia é continuar a trabalhar no sentido de facilitar a livre circulação.
Os certificados estão preparados para incluir a dose de reforço?
Em Inglaterra, a dose de reforço já é recomendada para maiores de 40 anos e, se continuar a ser recomendada a adultos que tomaram a segunda dose há mais de seis meses, o esquema vacinal pode passar a ser três doses já na primavera do próximo ano, calcula o jornal The Guardian.
No entanto, e até ao momento, o certificado digital do Serviço Nacional de Saúde britânico (NHS) não assinala a terceira dose (nem para quem já a tomou). Aliás, o site do governo (atualizado a 2 de novembro) assume que isso não será necessário dentro do país.
O Passe Covid do NHS para viagens não inclui atualmente as vacinas Covid-19 de reforço. O governo está a rever as implicações e requisitos dos reforços para a certificação de viagens internacionais”, refere o site dedicado ao certificado digital britânico.
A Comissão Europeia já iniciou a adaptação técnica de como devem ser representadas as doses de reforço nos certificados europeus de forma a que seja possível lê-los em qualquer dos países que tenham adotado o sistema. Mas não cabe à Comissão dizer se, como e quando são dadas as doses de reforço, nem tão pouco as regras impostas por cada país nos respetivos certificados.
O Observador não conseguiu confirmar, junto dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS), se a terceira dose é (ou vai ser) incluída no certificado de vacinação. Assim, como também não conseguiu respostas da Direção-Geral da Saúde (DGS), do Ministério da Saúde ou dos SPMS, sobre se para os idosos o esquema vacinal completo vai passar a ser de três doses.
Manuel do Carmo Gomes defende que mesmo que o certificado ainda não inclua a dose de reforço, o deverá fazer no futuro. Mas admite: “Tudo isto é muito recente. Ainda, não se sabe quase nada sobre a duração da proteção nos reforçados”.