Almoços, jantares, conversas e muitos minutos ao telefone. Semanas depois, no Palácio de Cristal, no Porto, Luís Montenegro escolheu a dedo a sua corte e os barões não faltaram à chamada. Todos garantiram que os convites só chegaram este sábado e, mesmo que não seja bem assim, todos estavam coordenados a dizê-lo, prova da lealdade ao novo líder do PSD. Entre jogos mais ou menos palacianos, Luís Montenegro construiu a nova unidade do partido em três atos: simulou as pazes com Rio, recrutou potenciais adversários e recuperou o passismo sem Passos. Eis Montenegro I, o unificador.
Ato 1. A reconciliação com Rio (a única que deixa uma ponta solta)
Luís Montenegro tentou demonstrar desde a primeira hora que não faria uma política de terra queimada quando chegasse à liderança do PSD. O momento zero foi escolher Joaquim Miranda Sarmento — aquele que foi noutra vida, não muito longínqua, o ‘Centeno de Rio’ — para coordenar a sua moção estratégica. Mais do que isso: a um dia do Congresso promoveu-o como candidato oficial à liderança da bancada do PSD.
O ainda secretário-geral, José Silvano, em entrevista à Rádio Observador ao início da tarde deste sábado apontava este como o único ato de unidade dirigido ao rioísmo. Se houve convites, houve negas. Mas muitos nem aconteceram porque quase todos os membros da direção de Rio foram claros: querem uma pausa, por estarem demasiado colados ao líder cessante.
Jorge Moreira da Silva — que era de alguma forma o herdeiro da máquina de Rio que Montenegro não conseguiu emperrar — nem teve pudor de o dizer com todas as letras: foi convidado para cargos, mas não quis aceitar. “Apesar da simpatia de Luís Montenegro, que me fez vários convites nos últimos dias — revelo-o porque é crédito —, entendi que era preferível não integrar as listas porque não daria um bom contributo para o partido”, disse.
A aproximação ao rioísmo fez-se, depois, pela comunicação. Literalmente, para a fotografia. Rio e Montenegro encontraram-se numa sala, uma espécie de camarim, com um frigorífico da Super Bock, um plasma, um charriot e uma impressora. Entraram depois juntos na sala do Congresso. O sinal era simples: unidade. Era o que contava para as televisões, mesmo que, nos discursos, as feridas estivessem lá.
Mas o esforço para Rio e rioístas ficou por ali: pelo recuperado Miranda Sarmento e pelas fotografias. Não há rioístas na direção nem em outros cargos. Só mesmo de forma muito indireta ou lateral: o antigo presidente do Conselho de Jurisdição de um dos mandatos Rui Rio, Nunes Liberato (antigo chefe da Casa Civil de Cavaco Silva), preside agora à Comissão de Auditoria Financeira. Mas é pouco: Nunes Liberato está longe de ser um rioísta. É aí, na área do rioísmo, que existe uma brecha para a contestação interna, onde ficam à solta alguns protagonistas (Paulo Mota Pinto, por exemplo, está solto e não disfarça o azedume).
Luís Montenegro preferiu, antes, promover a integração na sua direção e em cargos de relevo de outras fações. E isso leva-nos ao segundo ato.
Ato 2. A fórmula Barroso: ter os adversários ainda mais perto
Luís Montenegro não pode ser acusado de não tentar a união. Se Jorge Moreira da Silva tivesse aceitado o seu convite, o novo líder conseguiria a proeza de distribuir cargos de relevo por todos os candidatos à liderança derrotados em eleições internas desde que Passos Coelho saiu do partido. É uma fórmula que Durão Barroso também seguiu quando chegou à liderança do PSD e escolheu a sua maior sombra (Pedro Santana Lopes) para número dois do partido. A ideia é manter os apoiantes próximos e os adversários ainda mais próximos.
Rangel: o número dois de um “aluno razoável” que não é BFF
Se é certo que Luís Montenegro escolheu para secretário-geral um fiel escudeiro (Hugo Soares) — numa relação umbilical que não se via desde a dupla Relvas-Passos — oficialmente o número dois do partido é Paulo Rangel. O candidato que ficou mais próximo de derrotar Rui Rio — e que conseguiu quase metade dos votos dos militantes há oito meses — é agora o primeiro vice-presidente da direção de Luís Montenegro.
As vantagens para Montenegro de ter Rangel na direção são claras: condiciona um potencial challenger e tem ao seu lado um dos eurodeputados mais experientes naquele que será o seu principal desafio, as eleições europeias. Seja ou não o candidato em 2024 (“é um assunto que não está sequer na agenda, é uma coisa para se ver lá para a frente”, disse o eurodeputado ao Observador), Rangel pode ser sempre corresponsabilizado nesse resultado como número dois e “senhor Europa” da direção.
Por outro lado, Rangel também beneficia: passa a número dois do PSD quase sem esforço e mantém tudo em aberto. Se o eurodeputado quiser continuar em Bruxelas, ser candidato à Câmara do Porto ou simplesmente ser ministro se Montenegro chegar ao poder, estará na linha da frente para qualquer um desses cenários. É uma win-win situation.
Sobre a relação entre ambos, o próprio Rangel disse em entrevista ao Observador, já depois de conhecida a escolha, que os dois não são os melhores amigos, mas também não são estranhos: “BFF é capaz de ser abusivo, mas conheço Luís Montenegro há muito tempo, sempre falei muito com ele. Fui professor de Luís Montenegro, conheço-o desde essa altura”. E Montenegro era um bom aluno? “Um aluno razoável”, respondeu Rangel com a exigência habitual.
Pinto Luz: o antigo adversário que virou ‘vice’
Luís Montenegro já tinha andado em conversas com a influente ala de Cascais do partido, tendo mesmo circulado no PSD que o presidente da Câmara Carlos Carreiras podia vir a desempenhar um cargo de relevo. Afinal, o convite foi para o vice de Carreiras, Miguel Pinto Luz, e chegou este sábado. “Foi hoje [que fui convidado], durante o congresso. Temos vindo a conversar muito, claro… Sou amigo de Luís Montenegro há muitos anos. Tivemos divergências, mas somos feitos da mesma massa“, contou ao Observador.
O antigo candidato à liderança — que enfrentou Luís Montenegro na primeira volta de 2020 — não acreditou o suficiente em Luís Montenegro para o conseguir apoiar em maio (ao contrário do que tinha feito com Rangel em dezembro), mas agora apreciou o gesto. Havia ainda feridas abertas da eleição de 2020, quando Pinto Luz atrapalhou a corrida de Montenegro, mas foram sanadas.
Miguel Pinto Luz admitiu que Montenegro deve ficar dois mandatos quando disse ao Observador, cinco minutos depois de ser anunciado pelo novo líder, que “é preciso olhar o partido a quatro anos e não a ciclos curtos”. Reconhece, no entanto, que abdica, em parte, de ambições que pudesse ter a curto prazo: ” É preciso alguma humildade. É preciso que os que tinham outras ambições pessoais as coloquem de lado por um valor maior”.
A negociação é boa para Montenegro porque consegue travar os ímpetos de contestação dos apoiantes de Pinto Luz; e é boa para o vice-presidente da Câmara de Cascais, que teria pouco espaço nos próximos anos. O ciclo de Pinto Luz desaconselhava confrontos imediatos. O antigo candidato à liderança tem boas condições para suceder a Carlos Carreiras à frente da Câmara de Cascais e pode partir daí para anos mais tarde voltar à carga. O tempo ainda não era este. Pinto Luz percebeu isso, Montenegro também.
A coqueluche Moedas condicionada, ma non troppo
Luís Montenegro conseguiu fazer quase o pleno na unidade e nem Moedas lhe escapou. No partido há quem acredite que o antigo comissário europeu é o grande ativo do partido para voltar ao poder e o autarca, há poucos meses, foi mesmo desafiado a avançar contra Montenegro. No entanto, Moedas está, para já, agarrado a Lisboa.
Carlos Moedas não teve, portanto, margem para recusar o convite de Montenegro para encabeçar a lista ao Conselho Nacional. O autarca aceitou um lugar que é simbólico e nem sequer é propriamente um cargo: a partir de domingo é um mero conselheiro nacional.
Voltam a existir ganhos mútuos. Montenegro consegue o objetivo de ter a coqueluche Moedas para colocar como pin na lapela no Congresso, enquanto o autarca consegue o objetivo de mostrar boa vontade sem se comprometer minimamente com a direção de Montenegro. Excluindo os rioístas, Moedas é dos poucos potenciais challengers que não está na comissão permanente. Isso dá-lhe mais liberdade para romper no futuro. Resta saber quanto tempo quer Moedas esperar por esse futuro.
Quando questionado, em entrevista ao Observador, se pode garantir que será candidato à Câmara de Lisboa em 2025, Moedas não o quis fazer: “Essa pergunta é totalmente extemporânea. (…) Essa pergunta, neste momento em que estamos, não faz sentido, não lhe vou responder. (…) É um grande desafio ser presidente da Câmara de Lisboa, mas estou a fazê-lo com grande energia. Depois, o futuro dirá.” No fim do dia, Moedas juntou-se a Montenegro, mas foi, de todos, o que ficou mais livre. Ainda assim, foi mais um tijolo na unidade que o novo líder quer construir.
Ato 3. Recuperar o passismo sem Passos
Uma das maiores ovações no Congresso do PSD teve como protagonista um ausente: Pedro Passos Coelho. Carlos Reis, do PSD/Lisboa, foi ao púlpito atacar Rio por ter marginalizado o passismo e conseguiu uma das maiores ovações. “Um dos principais erros do PSD dos últimos quatro anos foi ter tido timidez na defesa do seu legado. Pedro Passos Coelho merece de Portugal finalmente o seu reconhecimento”, disse Carlos Reis.
Era um prenúncio para algumas das escolhas de Luís Montenegro. Na chamada “lista oficial” ao Conselho Nacional, além do nome do filho do passismo Carlos Moedas, Luís Montenegro — ele próprio nome maior do passismo — colocou Maria Luís Albuquerque, em segundo lugar, e Teresa Morais, em quarto. São duas ex-ministras de Passos: uma que teve a pesada pasta das Finanças, outra que foi ministra no curto Governo que a geringonça derrubou.
E há mais. Na direção, não só está Hugo Soares (que foi o segundo líder parlamentar escolhido pelo antigo primeiro-ministro), como também Margarida Balseiro Lopes (que foi líder da JSD no tempo de Passos) e António Leitão Amaro, secretário de Estado no Governo PSD/CDS.
Mais do que isso, o legado de Passos Coelho deixou de ser escondido e faz mesmo parte da estratégia de Luís Montenegro. Encaixa no que o próprio disse ainda durante a campanha: “Já estou a olhar para o futuro, numa perspetiva de suceder a Pedro Passos Coelho como próximo primeiro-ministro do PSD.”