Com a Iniciativa Liberal e o PAN a poderem ser a tábua de salvação de Miguel Albuquerque, os sociais-democratas escolheram o partido ambientalista. A solução pouca ortodoxa surpreendeu muita gente, virou o próprio PAN do avesso, obrigou Nuno Melo a demarcar-se do acordo e deixou influentes figuras do universo social-democrata a lamentar que Miguel Albuquerque tivesse desperdiçado uma oportunidade única de dar um sinal de unidade à direita. Albuquerque recusou explicar publicamente a preferência pelo PAN. Mas, na verdade, a antipatia que as estruturas regionais do PSD nutrem por Nuno Morna, deputado único da IL, pode ter estado na origem de um solução pouco ortodoxa na Madeira.

Na ressaca da noite eleitoral, quando a Madeira ainda se refazia do tropeção da coligação PSD/CDS, e já as negociações avançam nos bastidores. Os primeiros sinais eram pouco animadores para Iniciativa Liberal. Não precisamos deles. E não confiamos no [Nuno] Morna”, admitia um dirigente do PSD/Madeira ao Observador no dia em que as conversações com o PAN avançavam e os liberais pareciam cada vez mais uma carta fora do baralho. As previsões foram sendo cada vez mais reais e o PSD firmou mesmo um acordo de incidência parlamentar com o PAN — o que transformou Mónica Freitas no joker da equação de Albuquerque. Nuno Morna estava fora.

Se a ‘solução IL‘ surgia como a mais confortável para o PSD nacional — até porque poderia servir de tubo de ensaio para uma alternativa à direita no continente (ainda para mais sem o Chega) —, a estrutura da Madeira pôs um travão à ideia, já depois de contactos entre PSD e IL na noite eleitoral. Nessa altura em que todos os cenários estavam, aparentemente, em cima da mesa, vários dirigentes sociais-democratas com quem o Observador falou partilhavam a ideia de desconfiança relativamente a Nuno Morna. No mesmo sentido, ao próprio CDS/Madeira agradaria mais não ter de coabitar com a Iniciativa Liberal — até porque o deputado único da IL  trocou os democratas-cristãos pelos liberais em 2017.

A antipatia pelo homem que trocou o CDS pela IL

Nuno Morna não é um desconhecido na Madeira e também não é um novato na política, uma característica comum entre vários dirigentes liberais. Tal como o próprio deputado da IL na Madeira contou ao Observador, foi militante do CDS entre 1990 e 2016, altura em que “já tinha muito pouca atividade política no partido”, e juntou-se à IL em 2017, ano da fundação do partido.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Foi membro fundador da IL e fundou o núcleo da Madeira do qual foi coordenador. Faz parte da Comissão Executiva de Rui Rocha, é conselheiro nacional e antes de ser cabeça de lista nas regionais foi o número três da IL nas europeias em 2019, numa lista encabeçada por Ricardo Arroja.

Trabalha na NAV Portugal, mas é mais conhecido pela ligação ao mundo das artes, nomeadamente por ser ator e produtor teatral, tendo sido o fundador do COM.TEMA (Companhia de Teatro da Madeira). Além da carreira no teatro, participou em séries televisivas e foi apresentador em programas da RTP Madeira.

A mãe de Morna, Maria Aurora Carvalho, foi jornalista, professora, escritora e produtora cultural e uma das mais marcantes e populares da cultura madeirense. O JM Madeira escrevia, na altura em que se oficializou a candidatura do liberal, que Maria Aurora foi tida como “uma das ativistas contra o regime do então líder do PSD da Madeira, Alberto João Jardim” — o que pode ajudar a explicar a pouca simpatia que o ex-presidente do Governo regional tem pelo filho.

Alberto João Jardim é um mais críticos da postura de Nuno Morna. Numa entrevista ao Observador, o ex-presidente do Governo Regional da Madeira começou por justificar que o “problema” está nos “senhores que estão hoje à frente da IL, um foi secretário-geral do PS-Madeira, o outro também foi do PS-Madeira, outros andaram na UDP, no PS, no CDS”. Sobre Morna, disse que foi “primeiro um aguerrido, nos tempos revolucionários, um aguerrido militante de extrema-esquerda” e insinuou que depois teria andado no PS e que não foi filiado no PSD porque Jardim não teria deixado (Falaram-me uma vez e disse: “Nem pensar.”).

Nuno Morna assegura, em resposta ao Observador, que não foi como Alberto João Jardim conta. “Quando era jovem, combati o movimento separatista Frente de Libertação do Arquipélago da Madeira (FLAMA). A extrema-esquerda, ao contrário do que afirma Alberto João Jardim, estava nessa barricada sectária e violenta, da qual, obviamente, nunca fiz parte”, começa por explicar, enquanto sublinha que “nunca” teve qualquer ligação ao PS. Aliás, recorda até que quando militava no CDS esteve “contra uma coligação PS/CDS candidata à Câmara Municipal do Funchal”.

Ainda sobre a intenção de se juntar os sociais-democratas, Morna é perentório: “Alberto João Jardim nunca vetou a minha entrada no PSD porque não se pode vetar o que nunca aconteceu: eu nunca pretendi nem tentei entrar para o PSD.”

Questionado, numa entrevista à CNN, sobre se Nuno Morna pode ter sido a razão para que o PSD preferisse não chegar a um entendimento com a IL, Rui Rocha disse não acreditar que haja algum “problema” com o deputado liberal e recordou que na noite eleitoral o PSD tomou a “iniciativa” de contactar a IL. “Quem tem algum tipo de reserva não toma a iniciativa”, sublinhou.

No dia em que se soube da decisão, em entrevista à CNN, Rui Rocha sublinhou que Miguel Albuquerque quis “encontrar um parceiro mais maleável” e “escolheu caminho mais simples“, sugerindo que o PAN serviu essa intenção. “A versão que conhecemos é que seríamos um partido exigente e que quem celebrou o acordo preferia partido mais fácil, satélite, mais maleável“, atirou, referindo que essa decisão tem gerado um “enorme desconforto”, em particular entre “vários quadrantes do PSD e CDS”.

Ainda que assuma que houve esse contacto logo após terem sido conhecidos os resultados, Rocha revelou que não houve nenhuma outra abordagem: “Perguntaram-nos sobre a nossa disponibilidade, mas desde domingo à noite não houve mais nenhum contacto.”

Uma escolha sem justificação

Deixando de fora PCP e Bloco de Esquerda (com um deputado cada um) e o Chega (que foi afastado das negociações, ainda que o próprio Ventura tenha também deixado claro que Miguel Albuquerque não podia contar com o partido), a coligação PSD/CDS tinha duas soluções: IL e PAN. Os liberais aparentavam ser o parceiro mais natural e, aliás, a Iniciativa Liberal já confirmou que foi contactada a vários níveis pelo PSD.

Tal como disse na noite eleitoral, o partido liderado por Rui Rocha assegura, em comunicado, que “respondeu que estaria disponível para conversar” e “discutir uma solução que pudesse melhorar a vida dos madeirenses” — aos jornalistas Rocha disse que o partido vestiria o fato de “adulto na sala” e sublinhava com todas as palavras que, ainda que sem cargos ou funções, não seria pela IL que não haveria uma solução governativa.

Esse acabou por ser o acordo assinado, mas com o PAN. Miguel Albuquerque firmou esse entendimento de incidência parlamentar com o partido ambientalista e deixou a IL de fora — ainda que admita estar disponível para “acordos pontuais” com os liberais. Questionado sobre o porquê da preferência pelo PAN em detrimento da Iniciativa Liberal disse apenas: “Porque escolhi“. Sem uma única justificação.

A Iniciativa Liberal sublinha que o PSD, “podendo optar por um caminho reformista, orientado para a liberdade económica, política e social, acabou por decidir pela via proibicionista, sectária, limitadora da atividade económica associada ao turismo, dirigista e inimiga do mundo rural” — “O PSD preferiu uma governação condicionada por uma visão animalista do que baixar impostos às pessoas.”

A decisão de Miguel Albuquerque fica sem justificação, o PAN é o novo parceiro na Madeira (sem que o CDS, pelo menos nacional, concorde) e PSD e IL ficaram sem o tal tubo de ensaio para demonstrar que são a tal alternativa ao PS e a António Costa.