O afastamento de Nuno Afonso do gabinete parlamentar do Chega foi o gatilho para o início da organização de uma oposição interna no partido. Os críticos e descontentes que apontavam contra André Ventura encontraram um possível sucessor e preparam-se, entre mensagens de WhatsApp e grupos de Facebook, para construir um “novo rumo” para o Chega. Nuno Afonso admite a existência de apoio interno, mas nota a dificuldade de mudança no partido tendo em conta os estatutos que foram reforçados para dar mais poder a André Ventura.

As recentes acusações do deputado Mithá Ribeiro sobre a falta de liberdade de expressão são a prova de que até os mais leais discordam da forma de fazer política da liderança do Chega e dizem-no perante as câmaras. E com estrondo. A originalidade das críticas internas é que, desta vez, foram as palavras de um deputado escolhido por Ventura que voltaram a agitar as águas no Chega.

As acusações são equivalentes às que têm vindo a ser feitas pela mais antiga oposição interna, que tem levantado a voz e apontado Nuno Afonso como um possível sucessor de André Ventura, e que começa a construir-se, com passos pequenos e conscientes da dificuldade de fazer concorrência ao homem forte do Chega (que tem sido constantemente empoderado em congressos e conselhos nacionais).

“É praticamente impossível fazer alguma coisa com os regulamentos que o partido tem atualmente, fechados ao ponto de inviabilizar qualquer candidatura contra o atual presidente.” O alerta é do próprio Nuno Afonso, apontado por muitos como o líder da oposição interna do Chega, desde que foi afastado por André Ventura da liderança do gabinete parlamentar, onde estava desde que o partido elegeu o primeiro deputado.

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Se antes dessa decisão a oposição interna tinha como alvo um ataque direcionado a André Ventura e a quem o acompanha, agora o objetivo tornou-se mais categórico: mostrar aos descontentes que Nuno Afonso é um possível sucessor de André Ventura e que há uma alternativa dentro do partido. Ninguém na oposição interna olha para o assunto como fechado — primeiro, porque Nuno Afonso não se posicionou oficialmente como disponível para disputar esta batalha; depois, porque muitos dos opositores internos estão suspensos pelo partido, o que pode dificultar o poder de fogo de qualquer iniciativa organizada.

Uma oposição que chama por Nuno Afonso

As redes sociais têm sido fundamentais para o crescimento e afirmação do Chega e é exatamente nestas plataformas que se começa a preparar um movimento de esperança de quem já não concorda com a linha seguida pela atual liderança do Chega. No WhatsApp e no Facebook, os grupos com descontentes, suspensos e expulsos multiplicam-se, com palavras de apoio a quem não quer desistir nem deixar o partido, mas que recusa continuar a apoiar o líder do Chega.

É entre descontentes, trocas de mensagens e acusações à atual direção e ao líder do Chega que começa a ser construída a oposição interna. Depois de vários meses de críticas, os opositores de Ventura viram na saída de Nuno Afonso do gabinete parlamentar o motivo ideal para avançar para uma alternativa mais sólida — apesar das dificuldades que fazem questão de referir, nomeadamente pelos estatutos do partido.

O Observador sabe que alguns dos opositores irão reunir-se em setembro para que se comece a desenhar um plano para estruturar a oposição. No grupo há fundadores do partido — até porque, tal como o Observador noticiou, muitos deles estão em rota de colisão com André Ventura–, muitos descontentes, várias pessoas suspensas ou expulsas e uma ambição: Nuno Afonso a liderar a oposição (algo que tem acontecido naturalmente, mas ainda longe de haver uma tentativa oficial de disputar a presidência com André Ventura).

Fundadores do Chega em rota de colisão com André Ventura. Número de dissidentes aumenta

Questionado pelo Observador, o número dois do partido não afasta a ideia, contudo admite que é “muito difícil” fazer oposição no Chega “quando as pessoas que são contra, ou manifestam ser ligeiramente contra, são afastadas”. “É difícil fazer política contra quem expulsa e contra quem tem muito dinheiro para contratar algumas dessas pessoas que aceitam calar-se em troco de um cargo”, acusa o ex-chefe de gabinete, que sublinha o facto de o partido continuar “fechado” e com uma “postura de ‘se não concordas, vai embora'”.

Nuno Afonso sabe que tem grande parte dos críticos de André Ventura do seu lado, mas tem consciência de que uma oposição forte não se faz apenas de descontentes e precisa de ser assente em “alternativas credíveis” e de pensar a política de “forma séria e respeitando toda a gente”.

“Vim de um partido [PSD] onde havia liberdade para pensar de forma diferente e o próprio André Ventura fez um movimento de oposição interna e não foi ostracizado e ninguém disse nada”, realça o antigo dirigente do Chega, que sente que no Chega “não há respeito” por todos os militantes.

Outro dos membros desta oposição interna é o antigo vice-presidente do Chega, José Dias, suspenso há cinco dias. No dia em que foi suspenso, José Dias acusou Ventura de ser um “ditadorzinho” e de estar rodeado de “saltimbancos e maltrapilhos”. E ainda deixou um desejo: “Deus nos livre deste homem [Ventura] governar o país”. A par disso, disse quem apoiava para substituir Ventura: “Estou com Nuno Afonso, quero que tome o poder dentro do Chega. É um homem muito mais racional e mais moderado”.

Um “gabinete de estética” onde se procura um “novo rumo”

Do “Gabinete de Estética” (em referência ao gabinete de ética responsável pelas suspensões no partido) aos “Ratos do Chega” (pela ideia de pessoas não confiáveis que existe dentro do partido), passando pelo “Carreguemos“, pelo “Chega deste Chega” ou pelo “Chega: novo rumo“, há de tudo nos grupos que se posicionam como uma oposição interna a André Ventura. Daí até ao apoio a Nuno Afonso foi um pequeno salto.

É naqueles grupos de conversações fechadas que se partilham as notícias da atualidade ligadas ao Chega, que se comentam declarações, entrevistas ou propostas do partido, mas também que se dá conta das últimas suspensões ou expulsões de quem perdeu, momentânea ou definitivamente, a voz dentro do partido por opção da Comissão de Ética e/ou do Conselho de Jurisdição. E, muitas vezes, quem perde a voz dentro do partido encontra ali um caminho para permanecer ligado ao Chega, normalmente com o intuito de colaborar com uma corrente alternativa que faça frente a André Ventura.

Um militante ouvido pelo Observador não tem dúvida de que se trata de um espaço de partilha de ideias onde há um sentimento predominante: “Há muitos descontentes que estão à espera de uma alternativa.” Contudo, também admite que há “infiltrados” que “levam” informações a outros membros do partido e até pessoas que não estão 100% de acordo com a linha da oposição que se começa a vincar, nomeadamente por confiarem em André Ventura e atribuírem as culpas do estado do partido a quem o rodeia.

“Só quero que penses pela tua cabeça e vejas bem o que se está a passar. (…) Ainda sofres do endeusamento. Todos nós já passámos por isso”, pode ler-se numa das trocas de mensagens a que o Observador teve acesso, onde se percebe que os opositores tentam alertar para as políticas levadas a cabo pela direção nacional, muito criticadas por membros dos diversos grupos.

Os pedidos e imagens com as sugestões de que André Ventura saia da liderança do partido são constantes, bem como referências com linguagem por vezes até ofensiva sobre o presidente do partido e quem o acompanha na liderança. Aquilo em que o Chega se tornou “envergonha” alguns militantes que tentam fazer algo pelo partido, mas a questão das “famosas suspensões” acaba por prejudicar até a tentativa de organização interna, já que os militantes suspensos ou expulsos são apenas um número, sem direito a voto em qualquer que seja o ato eleitoral interno.

Nestas circunstâncias, há pessoas que abandonam o partido definitivamente por perderem a crença, mas há também quem se revolte com as decisões e procure colaborar para mudar o rumo do Chega. Vários dos membros dos grupos da oposição interna estão suspensos e há mesmo quem esteja expulso. Além daqueles que perdem a voz, uma militante ouvida pelo Observador conta que este é também um espaço para serem “debatidas questões internas que são consideradas erróneas”, já que, acusa, “nos órgãos próprios” o tempo de intervenção é “limitado” e há “intervenções cortadas”.

Fundadores do Chega em rota de colisão com André Ventura. Número de dissidentes aumenta

Liberdade de expressão: duas visões da realidade

Pedro Pinto, líder parlamentar do Chega, assegurou que no partido “há espaço para todas as correntes de opinião divergentes de André Ventura”, porém, realçou, “não há é espaço para ofensas pessoais, entrar na vida privada de cada pessoa e para perfis falsos”. No programa Explicador, da Rádio Observador, o dirigente do Chega acusou Nuno Afonso de ter dado uma “entrevista vergonhosa” e abriu-lhe a porta de saída.

“Quem critica o trabalho dos funcionários do partido publicamente não está cá a fazer nada. Percebemos que o Nuno Afonso não queira ou não goste desta maneira de fazer política, mas nós fazemos política assim. Se não gosta, a IL está de portas abertas”, apontou o dirigente do Chega, dando a garantia de que “o Chega não vai mudar a sua linha”.

No mesmo programa, Nuno Afonso reiterou a ideia de que o Chega usa a suspensão e a expulsão para “calar as pessoas” e enalteceu a questão da “falta de liberdade de expressão”, notando que este é um “problema que não é novo, mas que se tem agravado”. Para o número dois do Chega, o partido foi criado para “credibilizar a política” e, sublinhou, “isso não se faz a ameaçar deputados e assessores de outros partidos ou nestas alegadas agressões entre deputados do mesmo partido” — numa referência ao caso de Mithá Ribeiro.

Chega. Há voz para opositores?

Conselheiros nacionais (maioria de Ventura) decidem caminho

Perante a tensão interna que atingiu o seu nível máximo com o caso de Gabriel Mithá Ribeiro, André Ventura decidiu estrear uma figura na história do Chega: a moção de confiança. Pouco tempo depois de o deputado por Leiria ter dado uma conferência de imprensa no distrito pelo qual foi eleito, o líder do Chega não se deixou ficar e garantiu que iria dar voz aos conselheiros (onde a lista apresentada pelo presidente do Chega tem uma larga maioria, apesar de ter havido uma lista da oposição com 17 eleitos).

A convocatória da Mesa Nacional do partido revelou que a discussão se estenderá aos militantes, no Conselho Nacional marcado para 17 e 18 de setembro, onde todos os membros do partido em “situação regular” poderão participar.

Ventura apresenta moção de confiança à sua liderança. “Há fação que acha a nossa oposição agressiva demais”

Para Ventura, a situação de Mithá Ribeiro, responsável pelo programa que o partido levou às eleições, deputado e até há pouco tempo coordenador do gabinete de estudos, merecia uma auscultação dos conselheiros do Chega: “Por entender que em democracia são os militantes que escolhem, informei ontem o presidente da mesa do conselho nacional que pretendo apresentar uma moção de confiança para decidirem se é o caminho — o caminho que nos levou a terceira força política — que querem.”

O presidente do Chega admitiu não ser “indiferente” às palavras de uma das escolhas que fez para o Parlamento, nem às “críticas dos autarcas”, bem como à existência de uma “fação” dentro do partido — embora acredite que esta seja “minoritária”. Para Ventura em causa estará o facto de esses militantes considerarem que “o estilo de oposição [do Chega] tem sido talvez agressivo e assertivo demais”.

Mithá, um problema (grave) para Ventura

Na curta história do Chega, não há memória de alguém que tenha feito declarações idênticas aquelas que fez Mithá Ribeiro no último sábado e que se tenha mantido no núcleo duro de André Ventura por muito tempo. O caso do homem que pensou o programa político que o Chega para as eleições legislativas é um pouco diferente: não só é deputado — e faz parte de uma equipa que o presidente do partido teve carta branca para escolher a dedo e onde o critério da lealdade pesou –; como é um dos ideólogos do partido e o grande responsável pelo gabinete de estudos; como seria uma baixa de peso porque já avisou que cumprirá o mandato até ou fim, o que significa o Chega perder um parlamentar e abrir um precedente no seio do núcleo forte.

Dois dias depois da conferência de imprensa que marcou para Leiria, Mithá Ribeiro sentiu necessidade de um esclarecimento: apesar de “divergir” de André Ventura em algumas questões de funcionamento interno do partido, não colocou em causa, “em nenhum momento”, a liderança do presidente do Chega. Mais do que isso, deixou a certeza de que não contribuirá para “qualquer disputa de liderança da parte seja de quem for”.

Mithá Ribeiro não afasta possibilidade de ficar como deputado não-inscrito e acusa Chega de falta de liberdade de expressão

Naquela tarde, o deputado, numa sala de hotel, acompanhado por Pedro Arroja, mandatário do Chega e autor do texto cuja partilha terá espoletado o afastamento do gabinete de estudos — Mithá e Ventura apresentam versões diferentes –, um deputado municipal e uma assessora de imprensa, ciente de que os holofotes que costumam estar apontados ao líder estavam ali por si, não poupou nas críticas ao Chega, à direção, a Ventura e à falta de liberdade de expressão. Anunciou negociações, mas levava um trunfo forte no bolso: no limite, deixa o Chega, mas não o lugar no Parlamento.

Mithá Ribeiro optaria por esclarecer as diferentes versões sobre o que levou ao afastamento e consequente demissão, porém tinha muito mais a acrescentar. O deputado considera que o grupo parlamentar (do qual que faz parte) “ainda não fez o suficiente para funcionar como modelo moral e cívico” — um objetivo que, garante, o levou a tornar-se militante.

Na opinião de Mithá Ribeiro, falta uma “articulação” entre o partido e a sociedade portuguesa, que explica “parte da sua instabilidade”, nomeadamente a “falta de abertura a uma vertente intelectual ou académica, que saiba pensar e possa pensar com liberdade e qualidade e seja respeitada e valorizada dentro do partido”. “É preciso abrir o partido aos independentes, aos pensadores, às dinâmicas culturais, em especial associadas à identidade portuguesa”, explica, frisando que “um pequeno grupo de deputados” tem “dificultado a concretização dessa ambição”.

“André Ventura é o principal responsável pelos sucessos do partido, mas também pelo adiamento de soluções internas que podem, a prazo, prejudicar-nos seriamente”, apontou Mithá Ribeiro, enumerando “desentendimentos internos, suspeições, expulsões e conflitos”. O deputado frisou ainda ser preciso implementar uma “estratégia sólida, virando o partido de dentro para fora, de questões internas para externas”.

Mithá Ribeiro é o rosto mais recente e mais conhecido da insatisfação interna no Chega, da forma como muitos olham para a liderança de André Ventura e pode ser o ponto capaz de criar uma mudança cirúrgica no partido, principalmente se o líder perder um deputado por questões internas e por acusações de falta de liberdade de expressão.