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Luís Bernardo é, nas suas próprias palavras, um “caso diferente daquele caso típico de assessor”. Apesar de ter vindo do jornalismo, profissão que exerceu durante cinco anos na TVI, o seu percurso começou na política, na Juventude Socialista onde fez parte da direção nacional, e onde começou uma amizade com António José Seguro.
Numa tese de doutoramento de 2019 em Ciências da Comunicação, da Universidade Nova, em que são entrevistados vários jornalistas que “mudaram de lado”, o empresário é citado dizendo que poderia ter sido um dos deputados do PS em 1995, se tivesse continuado a carreira política, mas iniciou-se no jornalismo. Voltou à política pela porta da assessoria no Governo de António Guterres e com Sócrates chegou ao gabinete do então primeiro-ministro.
Hoje rebela-se contra a identificação como ex-assessor de Sócrates, como fez questão de vincar na carta enviada ao Parlamento em que justifica porque não aceitou ir falar sobre a Global Media em janeiro. “A entorse da argumentação é evidente quando em cerca de 15 anos de atividades profissionais ligado ao Governo e trabalhado em Gabinetes com António Guterres, Pedro Silva Pereira e Manuel Maria Carrilho, e também, José Sócrates obviamente, a declaração da deputada (Joana Mortágua do Bloco de Esquerda) se force apenas a referência a José Sócrates, insinuando de forma falsa uma ligação ou proximidade que, há mais de uma década, não existe.”
Na tal entrevista de 2019, Luís Bernardo descrevia-se como um empresário na área da comunicação e da estratégia, dando como exemplo o cargo de diretor de comunicação do Benfica. “Portanto, o que é que eu sou: um empresário, mas também um consultor, especializado em algumas áreas, mais institucional e empresarial.” Foram os contratos com entidades públicas — sobretudo câmaras, mas não só — que o colocaram, para já, no radar da justiça com a Operação Concerto, uma investigação que, esta semana, levou a buscas em vários locais e à mobilização de mais de 100 inspetores da PJ. As suspeitas em investigação envolvem outro empresário da comunicação com ligações ao PS, João Tocha, mas nenhum dos dois foi constituído arguido.
O raio de alcance e networking de Luís Bernardo vai, porém, muito para lá da dimensão financeira das 100 adjudicações que a sua empresa fez com o Estado — 3,6 milhões de de euros, concentrados sobretudo nos últimos três anos. Da política aos negócios, dos media ao futebol. Foi e ainda é conselheiro dos poderosos (alguns dos quais caídos em desgraça).
De Carrilho a Seguro. Uma rede de influência que nasceu na assessoria
Nas declarações para a tese de doutoramento de Jair Norberto Rattner, Luís Bernardo conta que nos anos de 1990 foi convidado para guionista e acabou na equipa que lançou a TVI, em cujo primeiro jornal fez a sua primeira reportagem. “Portanto é uma coisa que vai ficar para sempre, estive sempre a trabalhar na equipa da política, que é a minha área de especialidade.” Quando entrou para os quadros da estação de televisão, suspendeu a atividade política no PS.
Ao fim de cinco anos, decidiu sair da estação porque achou que o projeto televisivo da TVI “não tinha muito mais por onde evoluir”. Admitindo que gostaria de ter tido a oportunidade de fazer grande reportagem, garante que uma coisa nunca quis: “Eu fui o único jornalista que disse que não queria ser pivot.” O convite que o levou a sair (houve outros antes, segundo conta) veio de Jorge Coelho, mas para a assessoria da pasta da Cultura, onde esteve com Manuel Maria Carrilho durante mais de um ano. Foi a partir daqui que começou a nascer uma rede de contactos e influências determinantes para a empresa que montou mais tarde.
Quem com ele se cruzou nestes tempos lembra um “trabalhador”,” infatigável”, “organizado”, mas também foi sempre suscitando algumas reservas, sobretudo quando disparou na sua carreira como empresário depois do longo período ligado ao poder político. No partido, sempre mais atento às afinidades que se vão promovendo a cada tempo, Luís Bernardo foi sendo notado pelos contactos que trabalhava junto das autarquias — aquele que se tornaria um dos seus importantes mercados de negócio anos mais tarde.
O salto da TVI para o Governo acontece quando Manuel Maria Carrilho — que no Ministério da Cultura (que liderava desde outubro de 1995) tinha um assessor cultural — começou a sentir falta de “alguém mais político”. Andava a braços com o caso de pagamento de dívidas do cinema, depois do “cinenegócio”, e acabou por tentar contratar alguém que pudesse ajudá-lo na gestão política do gabinete do Ministério, a que o núcleo político do Governo pretendia também dar uma maior dimensão. Fez um levantamento de nomes e acabou num jornalista: Luís Bernardo.
Na altura, o jovem de 30 anos tratava de um programa sobre assuntos religiosos, com Pedro Silva Pereira, no canal onde estava desde a fundação. Carrilho lembra que lhe falaram da sua “capacidade de trabalho”. Quem já o conhecia bem era Jorge Coelho, o homem forte do PS na era guterrista a quem Luís Bernardo já tinha dado uma ajuda quando foi altura de escolher os primeiros assessores do Governo. É o próprio que o conta numa entrevista para a tese de doutoramento já citada. “O Jorge Coelho percebeu um desabafo meu e disse: Eh pá, chegou a altura de trabalhar com eles’.” Pediram-lhe que ajudasse a projetar o Ministério.
Era uma área efervescente na altura, já se preparava a Expo98 e a futura Presidência, lembrou nessa mesma entrevista. A partir desse gabinete, Luís Bernardo subiu rapidamente, até porque começou a participar na reuniões periódicas de assessores e a fama das suas capacidades rapidamente chegou ao topo. Em 1999, Manuel Maria Carrilho lembra que recebeu um telefonema de António Guterres a recrutar o seu assessor para ajudar na caravana da campanha para as legislativas. “A condição é que volte”, avisou logo Carrilho, mas acabou por acontecer o que temia e, no final dessa campanha, Luís Bernardo acabou desviado para o gabinete do primeiro-ministro de forma permanente.
Ao Observador, Carrilho diz que o seu antigo assessor é “um trabalhador absolutamente infatigável” que ficava até fora de horas no gabinete a inteirar-se dos dossiês de uma área que inicialmente não dominava. Depois, no gabinete de São Bento, fez equipa com Miguel Laranjeiro e David Damião, os dois outros assessores de imprensa de António Guterres, mas o Governo acabou antes do tempo e Luís Bernardo seguiu para o grupo SAG, de João Pereira Coutinho, onde trabalhou. Foi neste mesmo período, mais concretamente em abril de 2002, que criou a sua primeira empresa, a Ideia Prima – Consultoria de Imagem, Comunicação e Eventos.
Em 2005, o país conheceu a primeira maioria absoluta socialista, com José Sócrates, e nessa campanha eleitoral já andava Luís Bernardo, sempre com uma pasta semi-transparente debaixo do braço com documentos para munir o líder do partido das informações que fossem necessárias a cada momento — fossem dados económicos ou documentação sobre as fragilidades de adversários. Sentado a ouvir os comícios já altamente profissionalizados, com Sócrates a ler de dois telepontos, Luís Bernardo era um dos que iam mexendo os lábios, revelando um domínio absoluto dos tempos e conteúdos daquela campanha. Era obcecado pelo controlo da agenda: “É mais fácil se tivermos uma agenda, com a programação, do que andar a reboque dos acontecimentos.”
“É muito organizado”, “muito trabalhador, sem horários”, diz Óscar Gaspar, que o conheceu no gabinete de Sócrates em São Bento. Em conversa com o Observador destaca-lhe “duas componentes importantes” para o trabalho em gabinetes do poder: “Tem pensamento estratégico, faro político, vê para além do imediato e prevê as consequências; conhece muita gente na comunicação social e toda a gente o conhece.” O antigo assessor de Sócrates voltou a estar com ele anos depois, quando Luís Bernardo assumiu o papel de consultor do líder socialista António José Seguro, de quem era próximo (ler mais abaixo neste artigo).
Na era Sócrates, ainda que tivesse tido um papel importante durante a campanha eleitoral, acabou por não seguir imediatamente para o gabinete do primeiro-ministro, novamente com David Damião. Da equipa já fazia parte a antiga assessora de José Sócrates, Maria Rui, e Luís Bernardo seguiu com o ministro Pedro Silva Pereira (e antigo colega na TVI), para a Presidência do Conselho de Ministros — saiu no verão para voltar a trabalhar com Carrilho na candidatura do socialista à Câmara de Lisboa. Antes do final de 2005, Sócrates nomeou Maria Rui conselheira de imprensa da Representação Permanente de Portugal junto da União Europeia, em Bruxelas, e o caminho ficou livre para Luís Bernardo seguir para a cadeira onde preferia estar: no centro do poder.
Ouça aqui o episódio do podcast”A História do Dia” sobre o caso que envolve Luís Bernardo.
Aqui começa a preparar o seu futuro e isso era notado dentro do PS, onde Luís Bernardo era visto como um elemento ambicioso e que não se coibia de referir a relação privilegiada que tinha com o primeiro-ministro, para ir reforçando laços por onde passava, essencialmente junto das autarquias. Uma das pessoas que se cruzaram com ele nos tempos da assessoria conta que todos sabiam que “ia para as Câmaras e dizia que trabalhava no gabinete do primeiro-ministro”. Já na TVI, contou o próprio na entrevista citada, esta sua capacidade de preparar o passo seguinte já era evidente: “Havia alguns colegas meus que diziam ‘tu estás aqui a fazer uma aprendizagem qualquer porque não queres ser jornalista’.”
“Era uma máquina”, lembra um socialista que se cruzou com ele sobretudo na preparação e gestão das campanhas eleitorais. “Era um homem com poder dentro do gabinete de Sócrates, ele e o Almeida Ribeiro”, diz a mesma fonte, que lhe aponta, nessa altura, um “estatuto diferenciado dentro do gabinete”. Luís Bernardo “tem escola política, tem muita intuição, cheiro político”. “Podia ser político.” Mas nunca quis, confirmam dois amigos do empresário que preferem não ser identificados.
No desempenho das funções nos gabinetes diz que nunca foi “um clássico assessor de imprensa” que se limitava a fazer uns comunicados de imprensa. “Eu fui muito para além disso, eu sempre tentei definir estratégias.” E afirma também que, nesta função, é importante ter a coragem para dizer não. “Isto não está certo, está errado. A pior coisa que pode existir é um yes man no cargo de comunicação”, considerava em 2019. Certo é que alinhou com o irascível José Sócrates até ao final, em 2011, sendo ele o famoso “Luís” a quem o então primeiro-ministro se referia quando, momentos antes de entrar em direto para anunciar o pedido de resgate, em 2011, surge inadvertidamente nos ecrãs televisivos a partir de São Bento a preparar-se: “Oh Luís, vê lá como fico a olhar para os… Assim fica melhor, ou fica melhor assim?”
A relação entre os dois esfria depois do final do Governo, quando, na sequência da saída de Sócrates, o PS se lança na organização da sucessão e Luís Bernardo fica ao lado do seu amigo António José Seguro. Luís Bernardo foi sempre discreto sobre os tempos que passou perto de Sócrates e nem na entrevista já citada refere de forma explícita esse cargo que o tornou conhecido. Fica-se apenas pela referência a uma carreira em que viveu “ciclos, fases hegemónicas, em que toda a gente dizia bem, depois já todos diziam mal”. Desses tempos, quem conhece bem Luís Bernardo recorda, no entanto, a dificuldade de influenciar o líder: “Sócrates só era influenciado pela cabeça dele, não havia nenhum assessor que o influenciasse.” Ao mesmo tempo que reconhece que o então primeiro-ministro “ouvia”, sobretudo quando se fazia “uma abordagem racional”, que Bernardo também já sabia resultar.
Na era que se seguiu do PS, Luís Bernardo mantém-se no topo. A proximidade com António José Seguro já era antiga. Tinha-se tornado militante do PS em 1987, quando ainda andava nas associações de estudantes, altura em que foi quadro da JS. Integrou a direção nacional do Conselho Nacional da Juventude, tendo substituído António José Seguro como o representante da JS nessa instituição, integrando por isso mesmo o secretariado nacional da JS, por inerência. Se tivesse seguido esse caminho, acredita que teria chegado a deputado nas eleições de 1995.
Com a direção de Seguro foi mantendo uma relação como consultor do líder, que Óscar Gaspar, que fazia parte da equipa de direção, lembra como uma colaboração “mais esporádica”. Tornou-se, no entanto, mais intensa no último ano, em que a direção socialista que tomou posse em 2011 era pressionada por uma frente costista que se preparava no terreno, insatisfeita com as posições parlamentares — a famosa “abstenção violenta” perante a direita — e não só. Quando Costa desafia a liderança, em 2014, passa para a frente de ataque e prepara uma campanha que o lado de lá classificava de agressiva. Costa nunca mais lhe perdoou e os nove anos da sua liderança foram os poucos dos últimos trinta da política nacional em que Luís Bernardo não teve influência direta sobre a direção do partido — mas a rede de influência já estava montada e a atividade empresarial seguiu de vento em popa.
Jornalismo nunca mais, TVI sempre (e a ligação à Altice)
“O que aprendi ao longo destes anos na política seria muito útil ao jornalismo. Mas acho que há opções na vida que devemos tomar e, na reflexão que fiz, a passagem foi uma coisa definitiva”. Até porque, admitiu Luís Bernardo na entrevista de 2019, perderia um pouco da equidistância. Daí que tenha sido também uma opção ética, argumenta.
Não voltou ao jornalismo, mas não se pode dizer o mesmo da TVI. Enquanto consultor de comunicação e estratégia, o empresário esteve envolvido em mais do que uma tentativa de compra da estação da Media Capital. Primeiro com a Altice, que, pouco tempo depois de ter ficado com a toda-poderosa PT, investiu na tentativa de compra da Media Capital. E não era a primeira vez que o quartel-general de Picoas se mexia para ficar com a TVI.
Já antes, na altura em que Luís Bernardo era assessor de José Sócrates, a PT tinha feito essa investida (sem sucesso e com uma comissão de inquérito pelo meio na qual ficou dito que o Governo se iria opor ao negócio, que foi, por isso, abortado pela PT).
Na nova tentativa da PT, já detida pelos franceses da Altice, em 2017, Luís Bernardo não esteve no início do processo, mas acabaria por se envolver quando passou a deter um contrato de prestação de serviços com a empresa de Picoas, na ascensão de Alexandre Fonseca, que chegou a CEO em 2017 e ainda apanhou o fim do processo da tentativa de compra da Media Capital (abortada). Ao seu lado estava André Figueiredo, que também passou pelo gabinete de Sócrates.
O que falhou na oferta de compra da Altice sobre a Media Capital
Foi com essa equipa que Bernardo conseguiu estabelecer uma avença na empresa de telecomunicações (setor ao qual não era estranho, já que no início do anos 2000 esteve com João Pereira Coutinho na SGC a lançar o projeto que ambicionava ser um mega operador e que desinsuflou com o tempo). Essa avença chegou ao fim já na presidência de Ana Figueiredo, que cortou também publicidade em muitos meios de comunicação social — o que, aliás, é associado, no meio, a capas menos positivas, nomeadamente no Tal & Qual (onde José Paulo Fafe, entretanto administrador da Global Media, esteve como acionista até outubro de 2023).
Luís Bernardo voltaria à carga na TVI. Também por via da Cofina, que fez um acordo com a Prisa para a compra da empresa depois de a Autoridade da Concorrência ter chumbado a concentração com a Altice.
A sua contratação terá sido sugerida pelo adviser financeiro desta operação, a Clearwater, fundada por José Lemos, que também é visto como próximo dos socialistas. A necessidade de evitar atritos à operação por parte do partido que estava no poder terá sido uma das motivações por parte da Cofina (ainda que Luís Bernardo não fosse próximo de António Costa, que era o primeiro-ministro quando aconteceram essas tentativas de compra). Mas não deixa de ser bem relacionado, mesmo para além do horizonte partidário. Também no mundo dos negócios, o desempenho do consultor é elogiado por ser muito trabalhador e eficaz na produção dos resultados pretendidos.
A relação com a Cofina durou pouco tempo porque a empresa de Paulo Fernandes aproveitou a pandemia para deixar cair a oferta . Mas Luís Bernardo manter-se-ia associado à compra da Media Capital, desta vez como consultor de Mário Ferreira. O dono da Douro Azul começou por ser investidor na OPA da Cofina, mas, quando esta recuou, avançou com a sua oferta própria. E é com a entrada em cena de Mário Ferreira que Luís Bernardo reentra pela porta grande na TVI – tendo chegado a fazer algum trabalho de consultoria a outras empresas de Mário Ferreira. Foi pelo menos a WL Partners a apareceu quando o Ministério Público procedeu a buscas ao empresário do Norte.
Empresa Douro Azul de Mário Ferreira alvo de buscas. Empresário pede para ser constituído arguido
Segundo afirmou José Paulo Fafe (quando foi ouvido no Parlamento), o consultor Luís Bernardo foi um dos responsáveis pelo lançamento do projeto da CNN (em 2023). É também apontado como tendo escolhido pessoas para a direção da comunicação da Media Capital e até comentadores do novo canal de informação.
O jornalista Bernardo Ferrão fez eco de suspeitas de que o empresário terá estado envolvido na contratação de jornalistas (pela Media Capital) num comentário emitido na SIC que suscitou uma forte reação da direção da TVI, lida na quinta-feira à noite por José Alberto Carvalho, a lamentar declarações que lançaram “suspeitas do envolvimento de Luís Bernardo, hoje alvo de buscas judiciais, na contratação de jornalistas desta estação”. “A direção da TVI convida Bernardo Ferrão a divulgar publicamente e de imediato os nomes dos profissionais desta casa a que se referiu no seu comentário na SIC Notícias”. Na mesma nota, a TVI admite ainda “acionar os mecanismos adequados à salvaguarda do seu bom nome e dos jornalistas que nela trabalham”.
A consultoria à Global Media e a suspeita desmentida de ligação ao fundo misterioso
Foi a ligação à Global Media, e a crise que no final do ano passado tomou conta do grupo dono da TSF, DN e JN, que trouxe o nome de Luís Bernardo para a ribalta, uns meses antes das buscas realizadas esta quinta-feira.
O consultor foi contratado pelo novo e misterioso acionista da Global que, em setembro do ano passado, comprou a maioria do capital ao empresário Marco Galinha. A presença frequente nas reuniões da nova administração e a proximidade ao presidente executivo escolhido pelo fundo WOF (World Opportunity Fund), José Paulo Fafe, foram notadas. Foi lhe atribuído um papel nas contratações feitas para o Diário de Notícias que criaram polémica quando, semanas depois, foi anunciada a intenção de reduzir 150 a 200 pessoas nos outros órgãos do grupo.
Na audição que fez no Parlamento em janeiro, José Paulo Fafe (à data presidente executivo da Global Media) reconheceu que Luís Bernardo foi a primeira pessoa com quem falou (e até convidou para entrar) quando iniciou o projeto da Global Media, destacando a “ótima impressão pessoal e profissional” que tinha do consultor. Antes de ser nomeado presidente executivo da Global em representação do fundo cujos acionistas nunca revelou, José Paulo Fafe tinha relançado o título do Tal & Qual com a autorização de Marco Galinha.
Não aceitando o convite para entrar na nova Global Media, Luís Bernardo foi contratado como consultor “porque tinha provas dadas em projetos semelhantes na Media Capital”, trabalhou com Paulo Fernandes, teve um trabalho “notável” a nível do digital no Benfica, para além do já referido papel na CNN. Fafe confirmou que Luís Bernardo participou em reuniões da Global Media, mas apenas porque a sua empresa prestou serviços contratados. E garantiu que o consultor nunca esteve com os representantes do Fundo que ele próprio foi conhecer à Suíça por sugestão de “um amigo”, que nunca identificou.
Já Marco Galinha, também ouvido no Parlamento, desvalorizou a sua ligação a Luís Bernardo, que retratou como “um consultor estratégico” de vários grupos de comunicação e que nunca representou o fundo misterioso a quem vendeu a posição de controlo na Global Media. O véu sobre os investidores deste fundo com sede nas Bahamas levou a ERC abrir um processo de averiguações que culminou com a suspensão dos direitos de voto do acionista WOF e a demissão da gestão de José Paulo Fafe. Entre as suspeitas levantadas estavam ligações a ex-dirigentes do PT no Brasil, mercado para o qual o novo grupo tinha planos de expansão das marcas da Global.
As suspeitas de que o envolvimento do consultor ia para além da prestação de serviços de consultoria levaram o Bloco de Esquerda a pedir a audição de Luís Bernardo, que este recusou de forma extensamente fundamentada numa carta enviada ao então presidente da comissão de cultura e comunicação.
“Para que fique totalmente claro, apenas e só a empresa de que sou administrador executivo, a WLP, foi convidada pela atual comissão executiva, no âmbito de uma prestação de serviços de consultoria para apresentar um plano estratégico de futuro para o Global Media Group num quadro de expansão para novos mercados e oportunidade de projetar as marcas, diferentes multiplataformas e potencial digital da GMG, a exemplo do que a WLP fez noutras entidades com resultados reconhecidos e nomeadamente na área dos media. Trabalho que ainda está em curso, nos prazos solicitados, mas que naturalmente está num impasse perante a situação de todos conhecida.”
E acrescentava: “Não, não sou acionista, nem exerço qualquer função de administrador ou gestor no Global Media Group (GMG), pelo que manifesto a minha perplexidade e estranheza pela forma forçada e artificial com que o meu nome foi referido nessa comissão com base em pressupostos totalmente falsos e caluniosos para tentar sustentar uma ligação ao administrador Paulo Lima de Carvalho.”
Esta ligação foi levantada na audição de Domingos Andrade no final de 2023, na qual o então ex-diretor da TSF, a propósito da nomeação para a comissão executiva da Global Media de Paulo Lima de Carvalho, partilhou com os deputados informações que pesquisou online.
“Percebi que trabalhou em várias áreas e que esteve na Casa da Música e que tinha ligações a uma empresa, a Sentinelcriterion, de assessoria de comunicação, que tinha ligações a um familiar de Luís Bernardo.” Andrade citou uma investigação da revista Sábado de 2022 na qual eram relatados cruzamentos de interesses em concursos de serviços de comunicação para autarquias e entidades públicas com origem em várias empresas, entre as quais a Sentinelcriterion e a WLP Partners de Luís Bernardo. A ligação familiar ao consultor seria Filipe de Passos Canão que, em conjunto com Paulo Lima de Carvalho, era administrador da Sentinel — e que, segundo a Sábado, é sobrinho da mulher de Luís Bernardo.
A Sentinelcriterion tem três contratos com entidades públicas que também são clientes da WL Partners — Universidade Nova e câmaras do Barreiro e Oeiras. O último procedimento é de 2022 e, desde então, a empresa recebeu um novo acionista, uma sociedade com sede em Macau, e parece ter mudado de atividade para serviços na área de alojamento e imobiliário. Filipe Canão está noutras empresas familiares, sediadas em Viana do Castelo, estando Luís Bernardo associado a uma delas – Electro-Minho (que faz instalações de redes de eletricidade e comunicações) – e a mulher de Bernardo numa outra — Canão & Filhos.
Nas respostas dadas aos deputados, Domingos Andrade (que entretanto voltou a ser diretor da TSF — além de diretor-geral do grupo) diz que ficou apreensivo com as ligações às autarquias de duas pessoas escolhidas pela administração da Global (um como administrador — Paulo Lima de Carvalho — e outro como consultor), porque existia “um histórico no grupo” Global Media de tentativas de controlo das parcerias com as câmaras municipais.
Estes contratos e um eventual acordo de partilha do mercado da prestação de serviços de comunicação entre Luís Bernardo e as empresas associadas a um outro consultor com ligações antigas ao PS, João Tocha, estão no centro das investigações do Ministério Público que, pela informação já conhecida, se centram nos contratos públicos. E não nos negócios privados.
Na carta que enviou ao Parlamento em janeiro, Luís Bernardo dirigiu-se expressamente à deputada do Bloco de Esquerda, Joana Mortágua: “Na minha atividade pessoal como nas atividades profissionais desenvolvidas e em curso, nunca fui suspeito ou acusado em qualquer processo judicial.” Sem uma comissão de inquérito ao caso, proposta pelo Bloco já na nova legislatura, mas chumbada pelo PS e PSD, o consultor não era obrigado a ir à assembleia.
Esta quinta-feira e em reação às buscas da Operação Concerto, o empresário afirmou tratar-se de uma “diligência de recolha de informação, normal no âmbito de uma investigação judicial que abrange diversas entidades públicas e privadas”: “Muitas delas nem sequer estão relacionadas com a minha atividade profissional ou da empresa que lidero”, garantiu. Numa resposta enviada a várias redações, Luís Bernardo afirmou ainda que “foi com total estupefação e surpresa” que ouviu “um conjunto de especulações, absurdas e fantasiosas, em alguns órgãos de comunicação social, que só podem resultar de motivações que não sejam a de informar”, confirmando que não foi constituído arguido e que está a colaborar com as autoridades.
Em 12 anos, empresa de Bernardo passou de um volume de negócios de milhares de euros para milhões
No rol de empresas que poderão estar a ser a ser investigadas há várias associações a anteriores colegas de governos socialistas. É o caso de Vítor Escária, que esteve no gabinete de José Sócrates e que foi, depois, chefe de gabinete de António Costa, estando envolvido no processo que levou à queda do primeiro-ministro. Como o Público noticiou em fevereiro, Luís Bernardo e Escária estiveram associados a uma empresa – Marca Total, que depois passou a designar-se Now Strategy, que acabou detida pela United Pride, onde pontuava Luís Bernardo, Vítor Escária e Óscar Gaspar (ex-secretário de Estado da Saúde). E é aqui que figura também José Almeida Ribeiro (mais tarde, o ex-espião apareceu, segundo noticiou a Visão, como diretor da Aximage, empresa de sondagens que foi adquirida por Marco Galinha e que hoje é a principal empresa de estudos de mercado do grupo Global).
Outra ligação empresarial a ex-governantes socialistas é a que tem com Manuel Maria Carrilho, de quem foi assessor. Bernardo aparece na Millenaire Consulting, em 2021, como gerente, empresa que tinha Manuel Maria Carrilho como acionista e que acabou por entrar em insolvência, aparecendo Luís Bernardo como credor.
Segundo as últimas contas apresentadas em 2023, a principal empresa de Luís Bernardo, a Wonderlevel Partners, registou vendas e serviços prestados de quase três milhões de euros. Os 14 contratos públicos adjudicados à empresa no ano passado, e que estão no portal base, totalizam 836 mil euros, menos de um terço do total de faturação. Mas há um contrato de mais de 300 mil euros com a autarquia do Barreiro. A sociedade apresentou lucro de quase 50 mil euros e empregava 25 pessoas.
A Wonderlevel Partners — Serviços de Consultoria foi criada em 2008 com sede em Massamá, tendo como gerente a mulher do consultor, Belmira Canão Bernardo. Em 2013, a sede muda-se para a Av. da Liberdade e entra uma nova sócia, Natália Bernardo Ferreira da Silva. Em 2019, Luís Bernardo aparece como tendo uma quota e substituindo a mulher como gerente da sociedade, que entretanto fixa a sede na Av. Alexandre Herculano, em Lisboa.
De acordo com as contas consultadas, a empresa viu o volume de negócios crescer de forma significativa na última década. Em 2011 faturou 141 mil euros. Em 2016 já faturava cerca de um milhão de euros e empregava 5 pessoas. Valor que triplicou no ano passado para 2,9 milhões de euros, um crescimento face aos 2,5 milhões de euros de 2022.
Do Sporting de Bruno de Carvalho ao Benfica de Luís Filipe Vieira
A determinada altura, no início de 2015, Luís Bernardo, através da WL Partners, começou a alargar a esfera de influência a dois dos principais clubes nacionais de futebol. Razão? Todo o período de maior tumulto em termos internos do Sporting, então liderado por Bruno de Carvalho, com o técnico Marco Silva, numa relação que nunca foi fácil praticamente desde início, mas que teve entre dezembro de 2014 e janeiro de 2015 o ponto alto da rutura na praça pública. As reuniões entre elementos da Direção fizeram o diagnóstico, o presidente do clube avançou para a solução, a mesma chegou à imprensa através de um email enviado aos elementos do Conselho Leonino, que não demorou a chegar à imprensa. Pela primeira vez havia uma frente de “batalha” que tinha sido aberta, mas que não reunia o apoio a que o número 1 estava habituado. Por isso, mudou.
“Depois dos tristes episódios de dezembro/janeiro decidi que chegou o momento de promover uma mudança importante para o Sporting. Através da contratação de uma empresa de comunicação especializada em relações com a comunicação social e gestão de crises. Uma empresa que trabalhe diretamente comigo e que comece a assegurar, ao nível do clube e SAD, uma comunicação estratégica, elevada e integrada – apoiada num conhecimento forte que já tem do e no meio”, justificou Bruno de Carvalho, que tinha contratos com mais duas empresas para a Sporting TV e para os outros meios de comunicação do clube, mas que fez outro vínculo que pudesse estabilizar e dar critério à parte mais institucional. Essa era a função de Luís Bernardo, a par de uma ideia que, ao longo de ano e meio de ligação, acabou por nunca “vingar”: mudar a perceção que existia no plano público e na imprensa em relação ao líder do clube de Alvalade. Só mudaram as “guerras”.
João Morgado Fernandes, que chegou a ser assessor de José Sócrates e que passou também pelo gabinete de Mário Lino, então ministro das Obras Públicas, foi a primeira aposta para a direção de comunicação, mas não durou mais do que um par de meses por opção própria, saindo para a Associação Nacional de Farmácias. De seguida entrou Mário Carneiro, que esteve cerca de um ano no cargo até à rescisão entre o Sporting e a WL Partners e à chegada de Nuno Saraiva para o posto. Bernardo mantinha alguém “fixo” em Alvalade, tendo reuniões periódicas, em algumas fases semanais, para definir estratégias de comunicação a breve e médio prazo. Estando ou não presente, ia acompanhando toda essa área em termos “macro” no clube leonino.
Ao longo de menos de um ano e meio, a relação entre Bruno de Carvalho e Luís Bernardo, que após a saída do antigo responsável de comunicação passou a ser inexistente e com duras críticas mútuas, foi pautada pelo respeito. Em alguns momentos, aquilo que era pensado pela WL Partners era acolhido sem questões, noutros era contraposto com outras opiniões. Aquele que ficou como um dos grandes “momentos” do então líder do Sporting em termos públicos passou ao lado de Luís Bernardo, com Bruno de Carvalho a isolar-se durante o dia num local fora do estádio para preparar a intervenção na TVI em que denunciou o “kit Eusébio” que era oferecido pelo Benfica a árbitros e delegados (o “caso dos vouchers”, que acabou arquivado na Justiça). Ainda antes do final da época de 2015/16, a decisão de saída estava tomada: Luís Bernardo foi ficando “saturado” de Bruno de Carvalho, Bruno de Carvalho considerou que Luís Bernardo não acrescentara nada em relação ao que mais desejava de perceção pública da sua imagem (apesar do que fizera a nível de organização interna).
Quase de forma direta, até porque não havia nenhum constrangimento (pelo menos contratual) a isso, Luís Bernardo passou do Sporting para o Benfica. No entanto, e na Luz, as funções eram diferentes. Enquanto em Alvalade era sobretudo a WL Partners que trabalhava com o clube verde e branco, nos encarnados houve um assumir concreto da posição de diretor de comunicação, lugar que antes tinha sido ocupado por João Gabriel durante oito anos, até considerar que tinha chegado o momento de abraçar outros projetos perante o desgaste da posição que ocupava – e com a particularidade de, no momento em que era escolhida uma solução para o cargo, se ter manifestado contra a escolha de Luís Bernardo, não pelos contactos e experiência que tinha, mas pelo facto de ter acabado de sair do Sporting e de haver melhores nomes para aquilo que era necessário.
A opção recaiu mesmo em Luís Bernardo, que começou na Luz em agosto de 2016, apesar de ter assinado o contrato via WL Partners a começar a 1 de julho desse ano. Ao contrário do que acontecia com Bruno de Carvalho, Luís Filipe Vieira foi-se habituando ao longo do tempo a ter uma figura mais institucional a dar a cara sempre que necessário em termos públicos, e foi isso que marcou uma primeira era de Bernardo na nova função: fazendo algo que nunca tinha feito no Sporting, foi assumindo as posições do Benfica em entrevistas, entrando em choque muitas vezes com os próprios leões (em especial Jorge Jesus e Bruno de Carvalho) e com o FC Porto de Pinto da Costa. Ao mesmo tempo, ia dando os primeiros passos num projeto interno de reforço das estruturas de comunicação do Benfica como o site, a BTV ou as redes sociais, onde quis colocar o enfoque naquilo que eram as filmagens de bastidores que se iam vendo nos principais clubes europeus.
O maior “choque” com Bruno de Carvalho chegou no início de 2018, quando o jornal I noticiou que o líder dos leões estaria a ser investigado por tráfico de influências. “Mais uma prova de que são marionetas cartilheiras e de que existe um lápis vermelho. Oh São Bernardo, queres fazer as pessoas de estúpidas, mas não são. Mostra lá vouchers ou emails meus? Vai-te acalmando, qualquer dia estás no olho da rua, pois como diz o teu vice ‘ladras muito mas não mordes’”, respondeu o então presidente do Sporting. Nesta fase, Luís Bernardo já estava numa segunda era, marcada pela questão da divulgação dos emails do Benfica, das “cartilhas” que eram enviadas a comentadores do clube nos órgãos de comunicação social e do alegado contrato que teria assinado com o Benfica, num valor de 240 mil euros por ano, com renovação automática, assim fosse desejado por ambas as partes. Tudo isso acabou por ir “minando”, em termos internos, a esfera de influência que tinha.
Por isso, pelo desgaste da posição e do que tinha de fazer na função de diretor de comunicação, num período particularmente difícil do Benfica, e pelo interesse que voltou a ter por outras áreas da sociedade em termos de esfera de influência, a saída acabou por tornar-se quase natural, coincidindo com as eleições de outubro de 2020, em que Vieira conseguiu ser novamente eleito perante a oposição de João Noronha Lopes. A partir do momento da entrada de Pedro Pinto, antigo jornalista da TVI, como CCO (Chief Communications Officer), no início de 2023, a ligação de Luís Bernanrdo ao Benfica terminou em termos oficiais, algo que as partes já teriam “apalavrado” uns meses antes. “Como a estrutura de comunicação já se encontra consolidada, é o momento”, referiu Bernardo em entrevista.
Sem ligações a Sporting e Benfica, nem por isso o consultor e empresário deixou de ter ligações ao futebol, o que neste momento acontece via Liga. A WL Partners faz trabalhos de consultadoria para o órgão que tutela o futebol profissional, mas, ao contrário do que sempre se comentou nos bastidores, não tem ligação “direta” a uma possível candidatura de Pedro Proença ao cargo de presidente da Federação Portuguesa de Futebol, algo que foi levantado numa Cimeira de Presidentes da Liga por alguns clubes e que é uma possibilidade real.
As suspeitas sobre a comunicação do Tribunal Constitucional
Entre os contratos com entidades públicas agora escrutinados pela investigação da Operação Concerto estará a assessoria prestada a partir de 2021 ao Tribunal Constitucional, que durante vários anos teve funcionários, sem ligações a agências, a tratar da comunicação. O primeiro contrato assinado com a WLP, revelado pelo Público, tinha a duração de um ano e implicava o pagamento de 19.800 euros, mais IVA, incluindo uma cláusula sobre o dever de sigilo — durante a prestação dos serviços e nos cinco anos seguintes.
Ao Público, em 2022, o próprio Luís Bernardo reforçou isso mesmo, lembrando que o sigilo estava “contratualizado” e que a empresa tinha “procedimentos internos de grande exigência ao nível de confidencialidade das contas de cada cliente”: “Temos como clientes entidades públicas e privadas e somos procurados por isso: porque asseguramos o sigilo.”
Agora, na sequência da Operação Concerto, João Caupers, que era presidente do Constitucional nessa altura, explicou que o contrato foi feito por ajuste direto porque tinha um valor inferior a 20 mil euros. E que só quando os 12 meses fixados terminaram percebeu que outras empresas de comunicação se sentiram prejudicadas por não terem sido convidadas: “Tanto quanto me recordo, fizemos então uma consulta ao mercado, a três ou quatro entidades, mas nenhuma outra agência apresentou qualquer proposta”, explica o magistrado, que insiste que “não houve absolutamente nada de menos claro neste processo”.
A sugestão de procurar os serviços da WLP, acrescenta, veio de “um antigo presidente do Supremo Tribunal de Justiça”: “Indicou-me a WLP, com a qual já tinha trabalhado.” Seguiu-se um outro contrato de um ano com a empresa de Luís Bernardo, já no valor de 28 mil euros, em 2022.