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Domenico Lancellotti, de 49 anos, passou pela Orquestra Imperial e pelas bandas +2 e Mulheres Q Dizem Sim antes de começar um trajeto a solo, que resulta agora num terceiro disco chamado "Raio"
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Domenico Lancellotti, de 49 anos, passou pela Orquestra Imperial e pelas bandas +2 e Mulheres Q Dizem Sim antes de começar um trajeto a solo, que resulta agora num terceiro disco chamado "Raio"

Daryan Dornelles

Domenico Lancellotti, de 49 anos, passou pela Orquestra Imperial e pelas bandas +2 e Mulheres Q Dizem Sim antes de começar um trajeto a solo, que resulta agora num terceiro disco chamado "Raio"

Daryan Dornelles

Domenico Lancellotti. Uma canção no caminho do bem

Mais do que pensar "Raio", o músico brasileiro encontrou o disco com o instinto. Parceiro de Moreno Veloso e com longa carreira, lança novo álbum já a viver em Lisboa. Só não quer "música agrotóxica".

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Portugal pode não saber sambar mas sabe gingar as ancas ao som da música brasileira, aproveitar a luz que atravessa o oceano e maravilhar-se com o som que ressoa de lá do Atlântico. Só em anos recentes, entre passagens regulares, estadias prolongadas e arraiais firmados em Portugal, entre concertos, colaborações e residências, Portugal confrontou-se com a música de gente tão diferente quanto Mallu Magalhães, Boogarins, Cícero Rosa Lins, Tim Bernardes e a sua banda O Terno, Rincon Sapiência, Emicida e Rael, Rodrigo Amarante e Marcelo Camelo, Elza Soares, os Carne Doce, Silva ou Anitta. E tantos mais do país de Caetano, Chico, Milton, Ben Jor, Gil, Valle, Toquinho, Jobim, Vinicius, João Gilberto e Tim Maia (a lista é infindável).

Agora, sem um oceano a separar, fixado em Lisboa e sem tenção de se mudar, é a vez de Domenico Lancellotti emergir. O nome poderá soar, para portugueses menos atentos à música brasileira das décadas recentes, relativamente desconhecido. Mas isso é também porque ao longo da já vasta carreira Domenico Lancellotti nunca foi um músico que reclamasse para si o protagonismo, que fizesse questão que o conhecêssemos mais pelo nome do que pela música.

Hoje com 49 anos, Domenico tem um trajeto duradouro na música. Colega de escola de Pedro Sá — da Banda Cê e colaborador próximo de Caetano Veloso (entre muitas outras coisas) — e de Moreno Veloso, filho de Caetano e artista e produtor com carreira própria e longa, Domenico passou pela Orquestra Imperial, pela banda Mulheres Q Dizem Sim e pelo importante projeto para a história da Música Popular Brasileira +2 (que teve com Moreno e Kassin). E colaborou — ora compondo músicas, ora participando em gravações de estúdio, ora integrando digressões — com Adriana Calcanhotto, Caetano Veloso, Daniel Jobim, Gal Costa, Marcos Valle e Gilberto Gil, entre outros.

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O protagonismo a solo, com o nome e o apelido assumidos e em destaque, começou a aumentar há aproximadamente dez anos com o disco Cine Privê (editado em 2011). Seguiu-se Serra dos Órgãos, um álbum lançado em 2017 que colheu elogios no Brasil — a edição brasileira da revista Rolling Stone considerou-o o 24º melhor disco brasileiro desse ano, o que não é assim tão pouco tendo em conta que o país tem mais ou menos 20 vezes mais habitantes do que Portugal — e fora de portas, motivando uma edição na Luaka Bop, editora discográfica fundada por David Byrne (Talking Heads).

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Agora chega Raio, um álbum novo inundado de mundo: foi pensado e feito entre Kansas City (EUA), Londres, Rio de Janeiro, Lisboa e a Amazónia. E até se pode acrescentar nas geografias de Raio a Polónia, porque um dos colaboradores que aqui toca, de “nome impronunciável”, o que Domenico resolve (“Eu chamo ele de Pedrinho”) é polaco. Um disco em que Lisboa tem ainda assim um papel fulcral: é a partir de Portugal que Domenico Lancellotti o edita, numa nova editora portuguesa (Arraial) e num momento em que o músico, compositor e cantor, a viver na capital portuguesa com a família, não pensa regressar ao Brasil.

Pese embora algumas nuances eletrónicas, que o próprio autor explica ao Observador não estarem presentes por nenhuma tentativa consciente de tornar o som “moderno”, Raio é um álbum de canções relativamente clássicas, que na ligação das melodias ao canto se insere bem na boa tradição da canção popular brasileira.

Naturalista, cheio de elementos não humanos — abundam as referências a animais, a ambiências naturais, ao mar, ao rio, a nuvens e ao céu, a flores e ao mato —, com grooves subtis e cantado maioritariamente em português mas também com canções em inglês, Raio é o disco que poderíamos esperar de um músico experimentado, conhecedor dos segredos dos ritmos, das percussões e das harmonias vocais, do quão gostoso pode ser o embalo desempoeirado e de havaiana no pé ao pôr do sol que a música pode oferecer.

[‘Raio’, o novo disco de Domenico Lancellotti, já disponível para escuta:]

É um disco, também, com algumas canções de mão cheia, especialmente destacáveis num álbum coeso no seu todo: do balanço e da procura de contacto com a natureza de “Margem do Céu” (“toco a margem do céu / dou com a cara no azul”) à mais clássica e ancorada no “violão”, que em Portugal chamamos de guitarra acústica, “Confusão”, passando pela ginga espreguiçada de “Vinho Velho”.

De repente é como se num segundo estivéssemos no estúdio a ouvir Caetano, Gil (em cujo último disco Domenico Lancellotti entrou) e restantes comparsas a procurar o tom certo das canções, sem grandes artifícios porque aqui não há amadorismo mas há a valorização de uma certa naturalidade e instinto nas gravações, para no segundo seguinte estarmos na Amazónia tropical, a dançar à volta da fogueira, a ouvir — como acontece na última canção — o som espiritual da floresta que nunca é de silêncio, está ao invés cheio de ruídos naturais e de animais.

A mudança para Lisboa: “A minha geração apanhou o final da ditadura. Nunca iríamos passar por isso de novo”

A ligação de Domenico Lancellotti a Portugal, país onde edita este seu terceiro disco a solo, começou há muitos anos, mais precisamente há 20. Em conversa com o Observador através de videochamada, Domenico conta: “Começou em 2001, com um disco que a gente lançou do projeto +2, com Moreno. Viemos a Lisboa em 2001 e desde então vinha quase consecutivamente todos os anos fazer show [dar concertos], seja com o projeto +2 seja, daí em diante, com a Adriana Calcanhoto. Acompanhava-a e ela fazia umas digressões longas em Portugal, tive oportunidade de conhecer o país e algumas cidades pequenas”.

Uma série de circunstâncias, pessoais e políticas, fizeram com que Domenico deixasse de ser visitante regular de Portugal para passar a ser morador. “Havia na nossa família um desejo de vir passar um ano fora. Tenho uma filha de 19 anos que estava em crise com a escola, com o ensino tradicional. Estava com vontade de parar. Eu não podia falar nada porque eu também parei”, começa por dizer, terminando a frase rindo-se.

“Raio”. Da floresta amazónica para o mundo

Em Lisboa, Domenico, a mulher e a filha encontraram “uma escola voltada para a arte”, a Escola Artística António Arroio. A isto somaram-se a vontade da mulher do músico, que é professora, em “ficar um ano na Europa a fazer um pós-doutoramento”, o fator língua e a “situação no Brasil estar cada vez mais insustentável, estávamos desconfortáveis, estava muito difícil viver lá”. Vai daí, a família decidiu fazer as malas e rumar a Lisboa.

A decisão de sair do Brasil e rumar a Portugal foi tomada em 2018: “Viemos logo depois das eleições”, conta Domenico, referindo-se às presidenciais que elegeram Jair Bolsonaro como Presidente do Brasil. Quando lhe perguntamos se a situação insustentável no Brasil se devia ao clima político, a problemas sociais ou à insegurança, respondeu de pronto:

“Acho que é só uma coisa, não é? São questões políticas que transbordam para todos os setores: para a violência, para a saúde da sociedade, para a saúde do meio ambiente, para tudo. A minha geração apanhou o final de uma ditadura e eu vi o Brasil entrar gradativamente numa democracia muito jovem, com muitos defeitos, mas ainda assim num sistema democrático. Aí de repente vemos um golpe [refere-se à destituição de Dilma Rousseff, que considera “um golpe”] e vemos tudo voltar para o obscurantismo. Nunca iríamos passar por isso de novo.”

Quando chegou a Portugal vindo do Brasil, Domenico Lancellotti já tinha começado a trabalhar neste seu terceiro disco. O álbum começou a nascer quando, ainda a viver do lado contrário do Atlântico, recebeu um convite de uma artista brasileira chamada Lúcia Koch para colaborar numa instalação artística na bienal de Kansas City, nos Estados Unidos da América. O plano de Lúcia passou por, na altura, criar “uma espécie de tapete suspenso de acrílico em que o sol quando bate projeta no chão as coisas”, uma instalação montada num parque amplo e ao ar livre de Kansas.

Nesse parque, foram colocada seis instalações e em cada uma existiam “cinco caixas de som tocando um tema”. Como aquele era “um bairro negro, de tradição de música negra, o bairro onde Charlie Parker nasceu”, os dois concordaram que em vez de a música nas instalações ser apenas ambiental, “paisagem sonora” ou escultura sonora, poderia ser “música com arranjo, com parte rítmica, com desenvolvimento”, mais estruturada num formato minimamente tradicional.

"Falo muito da cultura negra e da cultura indígena porque elas existem E são organismos vivos que estão no Brasil e que fazem parte da natureza. Aquilo que acontece naquele lugar só poderia acontecer naquele lugar. É como uma fruta, uma coisa que brota, como uma flor", diz-nos Domenico Lancellotti.

Os temas que Domenico compôs eram “cíclicos, não acabavam nem terminavam, ficavam rodando, não tinham início nem fim” mas algumas das bases foram aproveitadas para este novo disco, depois de tratadas, em alguns casos trabalhadas para que pudessem ter letras. Esse trabalho de moldagem da música originalmente feita para a bienal de Kansas começou ainda no Brasil, por Domenico Lancellotti e por outros dois músicos, Joana Queiroz — “uma clarinetista mas que também toca muito bem piano” — e Bruno Di Lullo, “parceiro” em “várias músicas” e que tocou “baixo e sintetizadores”.

O autor deste Raio conta ainda um episódio curioso: num dia em que estava em estúdio a participar nas gravações do disco OK OK OK, editado por Gilberto Gil em 2018, Domenico apercebeu-se de que o mestre da MPB era o único que ainda não tinha chegado. Aproveitando, virou-se para os músicos que ali estavam e perguntou: “Vamos gravar um negócio aqui, rapidinho, para aproveitar o tempo?”. Os músicos “toparam” e, enquanto Gilberto Gil não chegou, gravou-se uma base musical para o que se viria a tornar a primeira canção deste seu novo disco, “Vai a Serpente”:

Em Portugal foram feitas mais tarde “outras músicas”, por exemplo “Confusão”, gravada — tal como outras canções — “no estúdio da Avenida de Roma do Bernardo Barata, que era um dos integrantes da banda que acabou de terminar, os Diabo na Cruz”. E em Londres, onde esteve com a cantora e compositora (nascida no Brasil, mas que ali vive) Nina Miranda, da sua geração etária, fez aquela que se tornaria a sétima faixa deste disco, “Mushroom Room”, inspirada “numa viagem de cogumelos que ela [Nina Miranda] teve por aqueles parques”.

A espiritualidade indígena: “A música também é invisível, são energias e sons”

Nem só de paisagens urbanas e cidades se alimentou este disco, porém. Raio bebe também dos ritmos, dos modos de vida e do modo de entender a música — como uma espécie de contacto espiritual com a natureza, como um meio de expressão que não é inteiramente racional e pensado — de “um povo indígena” do estado do Acre, na Amazónia. Na penúltima canção do álbum, “Eu Lanço Minha Flecha”, ouve-se inclusivamente a voz “de um amigo de lá, o Iban”, que canta a expressão que dá título à canção “só que falando na língua dele”.

Domenico Lancellotti dá mais detalhes sobre como a sua música se quer relacionar com as culturas negras e indígenas do Brasil, sendo ele um músico branco que está atualmente a viver em Lisboa: “Falo muito da cultura negra e da cultura indígena porque elas existem E são organismos vivos que estão no Brasil e que fazem parte da natureza. Aquilo que acontece naquele lugar só poderia acontecer naquele lugar. É como uma fruta, uma coisa que brota, como uma flor”.

“São culturas que estão conectadas com mistérios, com coisas que não são puramente do mundo mental. A festa do Carnaval, por exemplo, tem na sua base um paganismo religioso, há uma comunicação [espiritual] de um tambor que talvez na Europa não exista mais porque isso foi soterrado por camadas e camadas de civilizações”, refere.

O lugar que Domenico Lancellotti quer que a sua música ocupe está impregnado da forma como a música e a expressão artística são entendidas pelas tribos indígenas. Explica melhor: “A perspetiva indígena é uma outra visão do mundo, onde tudo é sagrado. É uma visão solene na qual se entende que as coisas que estão aqui invisíveis existem da mesma forma e participam na vida quotidiana com a mesma força das coisas materiais, visíveis. Acho isso fantástico porque a música também não existe, é invisível, são energias e sons”.

O que o músico quer é que, como é entendida pelas tribos indígenas que conhece, a sua música funcione como “os caminhos, os portais, os códigos para se alcançar uma comunicação com determinada energia”. E como é que a cultura negra se relaciona com isto? “No Brasil há muitas religiões africanas que veem o tambor como o telefone que estabelece a comunicação com o outro mundo. Para eles, tocam tambor e os espíritos descem e as pessoas incorporam aqueles espíritos. O meu trabalho está impregnado disso, dessas experiências que tive no Brasil”.

Tudo isto pode soar estranhamente metafísico a quem não conhecer as realidades das tribos indígenas brasileiras, ou o modo como concebem a música, mas talvez pudesse ser simplificado assim: para Domenico, a música é comunicação espiritual, não pode ser matemática nem mera expressão intelectual e racional.

Na memória Domenico tem as imagens de "estúdios enormes com 15 músicos a tocar, músicos incríveis e que tocavam antes do computador, antes de se ter a possibilidade de arranjar as coisas e consertar as coisas" que não ficavam imaculadas, perfeitinhas, sem alma.

Talvez seja por não entender o processo de criação musical como uma criação inteiramente consciente que quando lhe perguntamos se foi preciso algum esforço para encontrar uma linguagem nova que o diferencie na vasta e rica história da música popular do Brasil, ele responda que não: “Nunca achei que exista esforço nesse sentido. O esforço é você conseguir sempre uma expressão que seja genuína. Se o for não parte de suposições, ideias ou coisas que não são profundas. Essas correm o risco de envelhecerem, de não estarem adequadas ou de não serem boas”.

O que lhe interessa não é tanto a originalidade mas a genuinidade, uma “visceralidade” na criação. Mais claro ainda: “Por exemplo, as coisas que gosto de ouvir são muito simples. Você pega na [banda] Velha Guarda da Portela, em Paulinho da Viola: são coisas do samba do Rio de Janeiro e, se repararmos, o formato das músicas e a instrução é sempre idêntico. Não muda muito, é tipo filme do Charlie Chaplin, tem sempre o mesmo enredo e acontecem sempre as mesmas coisas mas surpreende na mesma, aquilo basta”. O mais difícil, entende Domenico Lancellotti, é “chegar a essa simplicidade” sempre surpreendente. E é preciso “confiança suficiente para dizer que é só isto, o negócio é só este, o acorde é este e não precisa de mais, basta o violão e não é preciso mais nada”.

É certo que, na música de Domenico, não há apenas voz, guitarra e percussões simples. Também se ouvem timbres eletrónicos e sintéticos, texturas que situam a música neste tempo. Mas isso acontece há vários anos e tem uma explicação. Quando Domenico ensaiava com Kassin e Moreno Veloso para o projeto +2, em Copacabana, os ensaios eram tardios e não se podia tocar bateria tradicional: usava-se antes uma espécie de “sampler”.

Mesmo recorrendo a esse método musical supostamente mais progamado, com ritmos precisos, Domenico fez finca pé para lhe acrescentar nuances humanas: “Comecei a tocar esses timbres sintéticos com oscilações, com dinâmicas e um jeito de tocar acústico”, conta, voltando às tribos indígenas para explicar que as que conhece usam apenas voz que “não contracena com o silêncio, contracena sempre com sons porque a floresta é um organismo vivo que está sempre a emitir sons — de grilos, de sapos, de pássaros — que são muito semelhantes a timbres da música eletrónica. E eu tenho experimentado misturar esse tipo de timbres com coisas acústicas, convivendo de igual para igual, tocando-os sempre, nunca usando notas programadas e nunca corrigindo. Se tem erro, é deixar o erro. Se ficou desafinado, é para ficar desafinado”.

Domenico Lancellotti: música com samba no pé

Um episódio em Portugal: “A senhora sabe que este saxofone está cheio de agrotóxico?”

A música entrou cedo na vida deste artista brasileiro que tem ascendência italiana e que até começou por estudar artes plásticas, mas que cedo se apercebeu de que a música lhe permitia um trajeto de vida e de trabalho menos solitário — mais colaborativo — do que a pintura. E tudo começou pelo pai, Ivor Lancellotti, um compositor que também trabalhava “na Rádio Nacional” nos anos 60 e que teve músicas gravadas “por Roberto Carlos, por muitos artistas de samba, por quase todos os intérpretes de peso daquela época”.

O pai, conta Domenico Lancellotti, levava o filho “a rodas de samba” e às “gravações de músicas dele” e isso “era o melhor programa, foi uma coisa que me marcou”. Na memória Domenico tem as imagens de “estúdios enormes com 15 músicos a tocar, músicos incríveis e que tocavam antes do computador, antes de se ter a possibilidade de arranjar as coisas e consertar as coisas” que não ficavam imaculadas, perfeitinhas, sem alma.

As bandas, iniciadas com os amigos de escola, foram o percurso natural para um artista que passou por uma “escola experimental” que “incentivava muito as colaborações, os trabalhos em grupo”. E se hoje Domenico não vê “muita diferença” na maneira como faz as coisas a solo, porque a sua música em nome próprio continua a ser colaborativa e continua a beneficiar da mais-valia do contacto musical com os outros, Lancellotti admite que há diferenças logística entre estar numa banda e estar numa carreira a solo. “A solo, a força tem de partir toda de você”, explica ele, acrescentando:

“Fazer um disco exige um empenho muito grande. Quando estamos numa banda, dividimos esse empenho com outras pessoas — quando um está mais fraco, o outro puxa… até financeiramente. E raramente consigo ter dinheiro para fazer um disco inteiro em pouco tempo, para pagar o estúdio, pagar os músicos, pagar tudo. O que me acontece é o disco ficar um tempão em suspenso, o que para mim enriquece-o, dá-me a possibilidade de ouvir, achar ruim uma coisa de que gostei há umas semanas, jogar fora e fazer de novo”.

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Desta vez, o disco a solo demorou um “tempão” mas acabou concluído e editado em Portugal. E quando lhe perguntamos se não temeu que editar o disco aqui tenha repercussões negativas no impacto que o disco terá no mercado do brasileiro, aquele em que trilhou maioritariamente o seu caminho até aqui, não pestaneja: “Não. Vivo cá agora e estou concentrado para que as coisas aconteçam aqui. Tenho a esperança de tocar aqui e em algumas cidades da Europa. Seria ótimo. Ao Brasil não tenho vontade de voltar porque aquilo está um caco, uma miséria, sem trabalho e sem esperança. Ia fazer disco para quê, então, estando tudo isso? É uma coisa meio terrível”.

Notando que o Brasil é algo “ensimesmado” tal como os Estados Unidos da América pela dimensão que tem e por ter uma cultura que é “um colosso” — “vocês conhecem muito mais da cultura brasileira do que o contrário, o Brasil é tão grande que não sabe nem o que está acontecendo ao lado, na Argentina ou no Chile” —, Domenico não arrisca previsões quanto à forma como a sua música pode ser recebida em Portugal. Mas há indícios que o deixam triste: “Entro num Uber e o cara está ouvindo um negócio terrível, uma coisa que não tem nenhuma alma, uma música que é puramente para preencher o vazio e o silêncio, que é um negócio mecânico. E vê-se isso até em restaurantes, em sítios interessantes”.

“No outro dia estava numa loja de produtos orgânicos, de agricultura familiar, um sítio que deveria ter alguma sensibilidade. No altifalante estava a tocar uma música como se estivesse num supermercado. Aí falei: a senhora sabe que este saxofone está cheio de agrotóxico, não sabe?”, conta.

O episódio é recordado com risos mas Domenico Lancellotti não faz mesmo previsões, fica só à espera de ver como os portugueses reagem às suas canções. O tempo dirá: “Não sei direito. Claro que há muitas pessoas interessadas, mas onde isso vai chegar não sei”.

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