Na manhã deste domingo, o Presidente do Irão, Ebrahim Raisi, fez uma visita oficial à província do Azerbaijão Oriental para inaugurar uma barragem. Foi acompanhado por uma delegação composta pelo ministro dos Negócios Estrangeiros iraniano, Hossein Amir-Abdollahian, e outros responsáveis pela diplomacia de Teerão. Levantaram voo de regresso à capital no início da tarde. Horas depois, chegavam as primeiras notícias, que indicavam que tinha caído um helicóptero que fazia a escolta presidencial. Mas a televisão estatal iraniana vinha depois confirmar a informação: afinal tinha sido a aeronave que transportava a delegação presidencial e diplomática que sofreu uma “aterragem forçada” na região iraniana do Azerbaijão Oriental, perto da cidade de Varzaghan.
Equipas de resgate foram imediatamente mobilizadas para o local. Porém, cedo enfrentaram várias dificuldades. Chovia, estava nevoeiro e frio — na ordem dos 7 graus. Com uma agravante: o terreno era montanhoso, com poucos acessos, o que complicava os esforços. O Irão enviou as forças armadas para o local e vários países prontificaram-se a ajudar as autoridades iranianas. A Turquia enviou uma equipa de 32 homens e a União Europeia providenciou o sistema de satélites Copernicus para localizar o helicóptero. Até ao momento, sem grande sucesso.
Até ao final da noite de domingo, apenas se obtiveram as coordenadas da localização onde se despenhou o helicóptero. Além disso, o regime iraniano, através da televisão estatal, mudou — ao longo da tarde — a narrativa: passou de “aterragem forçada” a acidente, causado pelo mau tempo na região. Na madrugada desta segunda-feira foram encontrados os destroços do helicóptero, sem sinais de sobreviventes, segundo o presidente do Crescente Vermelho.
Descartou-se, em teoria, um atentado planeado pelos opositores internos ou externos de Ebrahim Raisi, um Presidente ultraconservador eleito em 2021 e que não é particularmente popular entre a sociedade iraniana.
Mesmo sem mais detalhes, inevitavelmente começaram a desenhar-se cenários futuros. De acordo com a Constituição iraniana, no caso da morte do Presidente, será o vice Mohammad Mokhber que o substituirá no imediato e convocará eleições num prazo de 50 dias. No entanto, contrariamente a vários regimes, o cargo de Presidente não é assim tão importante. Acima está o líder supremo, ocupado atualmente pelo aiatolá Ali Khamenei, atualmente com 85 anos.
O nome de Ebrahim Raisi, um político que foi jurista e que se dedica ao estudo da lei islâmica, tem sido cogitado para substituir Ali Khamenei, sendo considerado a sucessor mais natural. Se se confirmar a morte do Presidente, terá de haver alterações aos planos originais. Num comunicado emitido na tarde deste domingo, o aiatolá garantiu, ainda assim, que o acidente não causará qualquer “disrupção” à governabilidade do país.
“O segundo homem mais importante no Irão” que não é “particularmente popular”
Nascido em 1960, Ebrahim Raisi nasceu numa família conservadora e religiosa na cidade de Mashhad. Não é de admirar que, em 1979, tenha apoiado abertamente a revolução islâmica, enquanto estudava Direito em Teerão. Doutorado em jurisprudência e lei islâmica, o jovem de 25 anos, como conta o Guardian, ocupou logo um cargo de destaque: foi nomeado vice-procurador de Teerão.
Foi progredindo na carreira jurídica e, em 1988, enquanto aliado do regime, integrou a chamada “comissão da morte”, nomeado pelo antigo líder supremo, Ruhollah Khomeini. De acordo com organizações humanitárias, Ebrahim Raisi, juntamente com outro quatro juristas, foi o responsável pela execução de 4.500 a 5.000 prisioneiros ligados à oposição. Aqueles reclusos já estavam a cumprir penas, mas o governo queria eliminar-se dos elementos que considerava desleais.
Questionado mais tarde pelo que foi classificado por diferentes organizações internacionais como “massacre”, Ebrahim Raisi não se mostrou arrependido. Muito pelo contrário. “Se um juiz ou um procurador defendeu a segurança do seu povo, deve ser elogiado… Estou orgulhoso de defender os direitos humanos em todas as posições que ocupei até agora”, afirmou, citado pela Reuters.
Sempre ligado à revolução islâmica, Ebrahim Raisi tornou-se procurador de Teerão, liderou o Gabinete de Inspeção Geral Anticorrupção, foi o procurador-geral do Tribunal Clérigo Especial e chegou a procurador-geral do Irão. Ao longo dos anos, o atual Presidente iraniano tem adotado um pulso firme contra todos aqueles que ousam desafiar o regime. Em 2009, como lembra o Guardian, apoiou a repressão policial contra manifestantes.
A porta para a política estava sempre entreaberta. Num regime teocrático em que a justiça está ao serviço do poder político, Ebrahim Raisi candidata-se ao cargo de Presidente em 2017, angariando o apoio de vários partidos conservadores. Perde as eleições, vencendo-as Hassan Rouhani, com 57% dos votos, um candidato mais moderado. Apesar de acabar derrotado, ganhou visibilidade no espaço público e também junto do aiatolá.
Em 2021, Ebrahim Raisi, sancionado pelos Estados Unidos dois anos antes, volta a tentar tornar-se Presidente do Irão — e, desta vez, sagra-se vencedor com um resultado na ordem dos 72%, numas eleições em que o aiatolá o apoiou abertamente, assim como a maioria dos clérigos iranianos. Apesar da vitória expressiva, estas eleições foram as menos votadas de sempre: apenas 48% dos eleitores iranianos votaram — uma forma de contestação a umas presidenciais cujo desfecho parecia já ser conhecido antes da divulgação dos resultados. Quatro anos antes, tinham votado 73% dos iranianos.
Contrariamente ao seu antecessor, o então novo líder, incentivado pelo aiatolá, rompeu todas as ligações com o Ocidente, incluindo o acordo nuclear de 2015, e deu mais força ao chamado “eixo da resistência”, composto pelo Hamas, pelo grupo libanês Hezbollah e pelos iemenitas Houthis. Apostando no endurecimento de medidas mais repressivas, Ebrahim Raisi herdava, no entanto, um país que sofria uma profunda crise económica, potenciada pela pandemia de Covid-19.
À Sky News, o correspondente no Médio Oriente adjetivou Ebrahim Raisi como uma “figura de relevo na política iraniana e na sociedade religiosa”, mas não é “universalmente popular” pelas suas “atitudes” mais conservadoras e radicais. Adicionalmente, tem sido sempre um representante das vontades do aiatolá, quase nunca se demarcando do líder supremo.
Em 2022, a morte da jovem de 22 anos Mahsa Amini, detida por violar o código de vestuário imposto precisamente por Ebrahim Raisi, causou uma onda de manifestações no Irão, as maiores revoltas no país desde a revolução de 1979. Tal como tinha feito no passado, o Presidente iraniano ordenou à polícia para suprimir à força os protestos, detendo arbitrariamente manifestantes com o recurso à violência.
Na política externa, durante o mandato do Presidente, o Irão aproximou-se da Rússia, tornando-se um dos seus maiores aliados. Forneceu inclusivamente drones a Moscovo para atacar a Ucrânia. Já sobre o conflito entre Telavive e o Hamas, a maneira como Teerão geria as suas relações internacionais foram colocadas no centro das atenções da comunidade internacional. Para o regime iraniano, Israel é considerado o maior rival geopolítico. A tensão foi escalando ao longo dos meses e, em abril, o Irão atacou território israelita com drones e mísseis, numa retaliação a Israel pelo ataque ao complexo diplomático iraniano em Damasco, na Síria.
As dificuldades económicas do Irão e os problemas de umas novas eleições
Tensões com Israel, dificuldades económicas — como o rial iraniano a afundar-se e a pobreza a grassar — e um país praticamente isolado no seio da comunidade internacional alvo de sanções pelo Ocidente. Este é o retrato atual do Irão, que está a atravessar tempos difíceis, como relata o New York Times. A realização das eleições daqui a 50 dias será um problema para o regime, aponta àquele jornal Ali Vaez, diretor iraniano do International Crisis Group.
“Será um grande desafio para um país que está no meio de uma crise severa de legitimidade”, afirmou o especialista, que recorda as últimas eleições parlamentares em março de 2024. Ainda que os partidos leiais ao Presidente e ao aiatolá tenham vencido, milhões de iranianos boicotaram novamente o ato eleitoral. “Isto mostra o quão impopular a República Islâmica é. Existe uma profunda divisão entre o Estado e a sociedade.”
Por tudo isto, não é de estranhar que próximas eleições possam ser motivo para novos protestos. No X, o think tank norte-americano Instituto para a Guerra escreve que a eventual morte de Ebrahim Raisi pode causar “implicações significativas e de longo termo para o regime”. Contudo, o impacto não mudará a configuração do atual governo iraniano. “Não vai mudar a trajetória do regime.”
O think tank salienta, ainda assim, que a eventual morte de Ebrahim Raisi pode alterar a sucessão do aiatolá, que “confia profundamente” no atual Presidente. “Raisi tem sido o grande favorito para suceder a Ali Khamenei como líder supremo, apesar da sua impopularidade. A morte de Raisi pode ter, por isso, implicações significativas para a sucessão do líder supremo e da visão de Khamenei para o futuro do regime.”
Quem vai suceder ao aiatolá tornar-se-á, assim, uma incógnita. Entre os nomes falados, Ahmad Khatami, veterano político na Assembleia de Peritos, pode ser o escolhido. Mas tudo dependerá se Ebrahim Raisi continua vivo, após o acidente nas montanhas do Azerbaijão Oriental — que pode mudar o rosto de um regime cada vez mais contestado.
* atualizado às 5h31 com a informação de que os destroços do helicóptero foram localizados sem haver sobreviventes