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Bastidores da nova série da RTP, "Homens de Honra"
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Bastidores da nova série da RTP, "Homens de Honra"

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Bastidores da nova série da RTP, "Homens de Honra"

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

"Homens de Honra": entre Cunhal e Soares há uma história à espera de ser uma série

O argumento é de Raquel Palermo e João Matos, a realização de Sérgio Graciano. Estivemos na rodagem da produção para a RTP que vai retratar regimes, sociedades e homens distintos num mesmo país.

Quando as portas de uma das carrinhas da produção se abrem, revela-se uma gaveta com um nome inscrito: “Álvaro Cunhal”. No Estabelecimento Prisional de Caxias, no Reduto Sul, que entrou em funcionamento em 1995, voltamos atrás no tempo. Figura histórica da política portuguesa e do Partido Comunista Português em particular, um dos principais opositores ao Estado Novo, Álvaro Cunhal foi detido a 25 de março de 1949 pela PIDE. Esteve onze anos preso, foi torturado e acabou por fugir do forte de Peniche em janeiro de 1960. Voltando à carrinha: é uma de várias, de onde a equipa de produção e o realizador Sérgio Graciano vão saindo e onde voltam a entrar ao sabor de cada cena de Homens de Honra, série de oito episódios da RTP, com produção da Skydreams, sem data de estreia marcada, a caminho das comemorações do 50.º aniversário do 25 de abril.

De criança para jovem adulto e depois para homem da política, Álvaro Cunhal não está só nesta série. Também estará presente Mário Soares, outra das figuras fundamentais da história da democracia portuguesa. A série vai apresentar versões distintas de cada um, em períodos diferentes: as suas infâncias e juventudes, os discursos no 1º de Maio,  o Verão Quente, o famoso e épico debate de 1976, ente Cunhal e Soares, que originou aquela que ainda é uma das mais icónicas frases políticas de Portugal: “Olhe que não, olhe que não”. Ou a “paulada” na Marinha Grande em 1986 que virou as presidenciais a favor do socialista. Visitámos as gravações de Homens de Honra, cumprindo o sigilo exigido: há informações que ainda não podem ser reveladas.

No meio de tamanho peso histórico e político e tendo em conta que as personagens que protagonizam a história continuam, de alguma forma, a fazer parte do presente do país, o maior desafio de Homens de Honra foi o de criar uma ficção que não mimetizasse literalmente aqueles anos de transição democrática. Mas que conseguisse basear a narrativa na evolução de dois homens que combateram a ditadura e que, depois, dentro do espaço democrático, se combateram entre si. Quando encontramos o ator Vítor d’Andrade, não o vemos fardado ou com aspeto de quem está prestes a entrar na cela de uma prisão. À porta do edifício branco e velho que dá entrada para aquela parte do Estabelecimento Prisional de Caxias, o ator afirma que se tornou num viciado na vida e obra de Álvaro Cunhal. “Já parei de filmar e continuo a ler. No outro dia, encontrei num alfarrabista um livro com um discurso dele de 1976 no qual falava sobre a possibilidade do Partido Comunista se aliar aos outros partidos de esquerda, criticando os ‘esquerdistas’ do PS. Ou seja, fala da ideia de uma geringonça”, diz-nos. Os paralelismos com os dias de hoje não se ficam por aqui. Afinal, o país está prestes a ir novamente a eleições.

Seguindo o guião de Raquel Palermo e João Matos, o objetivo do realizador Sérgio Graciano é o de dividir bem o tempo entre cada uma destas personagens pelos oito episódios

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Reina, por isso, a incerteza e instabilidade, duas características que também marcaram o pós-25 de Abril, ainda que em planos diferentes, é certo. Por outro lado, nas conversas que o Observador teve nestas rodagens, é notória uma certa saudade da oratória de cada um destes homens. O “dom da palavra”, dizem-nos – na televisão, no palanque, na rua. Por alguma razão, todos com quem falámos destacaram a “falta que fazem à política portuguesa” pessoas como Álvaro Cunhal e Mário Soares. “São de uma seriedade e respeito pelo que se pensa, algo que existe pouco na nossa política. Penso que é bom que a série origine paixões e ódios tais como estas duas personagens causam. Devemo-lhes muito, concordemos ou não com a sua ideologia ou pensamento”, confessa Vítor d’Andrade.

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O realizador de Homens de Honra não podia concordar mais: “Falta carisma à política portuguesa, estes homens fazem falta”, diz. Lá dentro, coordena uma cena numa sala de ofícios, onde a equipa de produção quase supera os atores em cena e em que um preso Cunhal ensina francês a outro recluso. A máquina de fumos não lhe ofusca a voz, nem a rigidez afável das palavras. “Bem vindos a Peniche”, saúda Romeu

Vala, responsável por dar corpo ao comunista jovem e adulto. “Foi preciso largar um pouco a parte do peso histórico destas duas figuras se não, não conseguíamos chegar ao fim. Os dois não morreram assim há tanto tempo, as pessoas constroem histórias a partir das memórias que têm deles, foi preciso ter alguma distância para criar, dando o mesmo tempo a cada um na série”, argumenta Sérgio Graciano ao Observador.

"Li o máximo possível, tive um encontro com João Soares [filho de Mário Soares], para tentar perceber o homem por trás do político. Porque estamos a falar de alguém que foi político desde os 16 anos. Tenho cenas nos anos 70, mas o 'meu Mário Soares' foca-se especialmente em 86. Estava muito inquieto", explica Vítor D'Andrade.

Seguindo o guião de Raquel Palermo e João Matos, o objetivo do realizador é o de dividir bem o tempo entre cada uma destas personagens pelos oito episódios. Se a parte política era impossível de escapar, e não estando perante um documentário puro e duro, houve espaço para, através da ficção, explorar o lado pessoal. “Fomos à procura do lado que ninguém conhece através do fio condutor que é a política.” Homens de honra, dentro e fora dos holofotes, foi esta a ideia que desenhou a história agora filmada. Não é a primeira vez que Sérgio Graciano e outros autores abraçam o passado recente do país. Salgueiro Maia — O Implicado, 3 Mulheres, Atentado ou mesmo Conta-me Como Foi integram, com diferentes abordagens e distintos resultados, um cenário de memória através da produção audiovisual, uns títulos mais pelos factos históricos, outros sobretudo pela nostalgia.

Se Vítor d’Andrade perdeu horas na caracterização e maquilhagem a transformar-se no Álvaro Cunhal mais velho, Tónan Quito tentou ir à procura da inquietação de Mário Soares. Os dois queriam agarrar esse pedaço de história e dar-lhe um cunho pessoal. Sobretudo no momento histórico que foi a noite das eleições presidenciais de 1986, que ditou a vitória do socialista contra Freitas do Amaral à segunda volta. O ator, ao contrário de Vítor d’Andrade e Romeu Vala, conseguiu conversar com pessoas próximas do antigo primeiro-ministro e ex-Presidente da República. “Li o máximo possível, tive um encontro com João Soares [filho de Mário Soares], para tentar perceber o homem por trás do político. Porque estamos a falar de alguém que foi político desde os 16 anos. Tenho cenas nos anos 70, mas o ‘meu Mário Soares’ foca-se especialmente em 86. Estava muito inquieto. A partir das informações que fui recolhendo, da maneira como se mexia, comecei a entrar no tal homem. Não queríamos fazer uma imitação”, refere.

Tónan Quito não tem as “bochechas de Mário Soares”, nem queria assemelhar-se à transfiguração de Daniel Day-Lewis para interpretar Abraham Lincoln, antigo presidente dos Estados Unidos da América. “Com o tempo que tínhamos, que foi limitado, não queríamos reproduções literais. Para Mário Soares, nessa noite, tudo estava em causa. A ideia foi trabalhar essa dúvida. Foi primeiro-ministro, esteve fugido, lutou contra a ditadura. De repente, chega uma etapa em que ou é Presidente da República ou não é nada. havia essa adrenalina metafórica de viver ou morrer.”

"Homens de Honra" está prestes a concluir as gravações. Há ainda, por exemplo, cenas dentro de celas em rodagem, mas que o Observador não pôde visitar por não estarem preparadas

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Ainda que Tónan Quito tenha receado aceitar o papel pela dimensão coletiva que a figura em causa motiva — “todos o conhecemos”, afirma — não virou a cara ao desafio. Aliás, até se divertiu. Foi trabalhar o texto em casa, chegar ao set e reagir, com oito pessoas aos berros ou no meio de um total silêncio, se é que isso é possível em rodagem quando alguém manda cortar. Sem pisar ninguém e respeitando o objetivo de igualar o peso de Cunhal ao de Soares. “Tinha um sentido de humor muito grande mas também devia ser irascível quando algo não lhe corria bem. Era uma pessoa sempre no limite. Reproduzir as entrevistas foi mais fácil, mas muito divertido. Era uma coreografia, como foi quando se fez a cena da paulada na Marinha Grande. O resto é que se tornou mais difícil porque não conhecemos”. O lado pessoal é este “resto” de que o autor nos fala.

Se para Sérgio Graciano esta é — não só, mas também — “uma série sobre a palavra”, para Romeu Vala é a hipótese de colocar a lupa sobre momentos históricos para desfazer certas ideias feitas. “Fazem-se muitos juízos de valor sem se saber mesmo concretamente sobre as pessoas. Vale a pena informarmo-nos, nem tudo é a preto e branco.” A citação reta condiz com o seu Álvaro Cunhal, “que já era um homem feito aos 20 anos”. Poucos minutos depois de falar com o Observador, estaria de robe para respirar um pouco da última cena, mas quando toca a falar sobre Homens de Honra, veste a personagem. Palavras medidas, com princípio meio e fim.

"O que ficou foi principalmente o que deixou escrito. Tinha um processo mental rebuscado, através do qual as palavras saíam com uma velocidade de débito grande, sem palha, com um pensamento claro sobre valores e ideias que tinha para a sociedade", diz o ator Romão Vala, que interpreta Álvaro Cunhal numa das fases de vida do líder comunista que a série vai retratar.

“Cunhal era um homem reto, fiel à sua ideologia, nunca se vergou à tortura, o que era comum no PCP. Tenho 35 anos, vivi sempre em liberdade, tentei colocar-me na posição de um jovem, já homem feito, que nasceu privado das suas liberdades, constantemente a ser castrado mas que nunca desistiu. O maior desafio foi criar um homem com uma sensibilidade grande e uma coragem consistente”, diz. Romeu Vala pode não ter precisado de tanta caracterização já que o aspeto franzino se assemelha às imagens, a preto e branco, de Cunhal na juventude. Foi à procura da “força” que estava debaixo da pele de um corpo magro e baseou-se, sobretudo, no que o líder comunista deixou escrito. A razão é simples: sentiu abertura para contactar o partido, mas nunca chegou a conversar com pessoas próximas de Cunhal. “O que ficou foi principalmente o que deixou escrito. Tinha um processo mental rebuscado, através do qual as palavras saíam com uma velocidade de débito grande, sem palha, com um pensamento claro sobre valores e ideias que tinha para a sociedade.”

Homens de Honra está prestes a concluir as gravações. Há ainda, por exemplo, cenas dentro de celas em rodagem, mas que o Observador não pôde visitar por não estarem preparadas. Numa pequena divisão de arrumos, antes da sala de ofícios, está uma câmara que permite espreitar o que se vê lá dentro. Sem se poder revelar muito sobre o que se passa, e depois das conversas, fica-se com a sensação de que houve uma tentativa de respeitar o legado de cada uma destas figuras políticas, independentemente das ideologias dos atores, do realizador, dos técnicos e dos produtores.

O diretor da RTP1, José Fragoso, está junto às carrinhas de produção. Veio de propósito falar com os jornalistas, tirar fotografias com os autores e, como é habitual, marcar presença nas rodagens do conteúdo audiovisual da estação pública. Além desta série, estão programados dois filmes, um sobre Álvaro Cunhal e outro sobre Mário Soares, relativos a períodos específicos das suas vidas políticas. Mas ao contrário de outras apostas televisivas, esta move ódios e paixões. Está fresca na memória e o público estará muito atento. Não dará tréguas se o guião escolher um lado ou falhar noutros. “Não podemos julgar, és ator, não és juiz, mesmo que faças o papel do tipo mais tirano do mundo. Tem de se contar a história deles”, argumenta Tónan Quinto.

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