O debate foi morno, com pouca interação e ainda menos discussão. Catarina Martins ainda tentou várias vezes provocar António Tânger Corrêa, acusando a “extrema-direita de ser o maior risco para a segurança da Europa” ou de defender teses “perigosas” sobre o armamento da Europa, mas sem sucesso. Entre partidos houve pouco embates e os por várias vezes os candidatos acabaram por concordar nos princípios das discussões (sobre o apoio à Ucrânia ou o alargamento da UE) mas a discordar na forma.
Durante o debate, Tânger Corrêa teve de explicar a posição do Chega sobre a imigração, elogiando especificamente “a brasileira” e garantindo que quando não há controlo das fronteiras se permite que entrem “maus elementos” no país. A ex-líder bloquista mostrou-se particularmente crítica da UE, falando várias vezes num “eurocinismo” (incluindo relativamente ao envio de armas para Israel) e acusando a Europa de não se ter esforçado seriamente para chegar à paz. E os candidatos do Livre e do PAN acabaram o debate numa breve disputa para definir os pontos que distinguem os dois partidos, que são adversários eleitorais.
Partidos defendem apoio à Ucrânia, mas com “negociações”
Os quatro candidatos presentes nos estúdios da RTP garantiram que a UE deve continuar a assegurar o seu apoio à Ucrânia, embora com opiniões diferentes sobre o formato desses apoios – e a postura que a UE deve assumir em negociações de paz. Catarina Martins pareceu ser, tal como noutros pontos do debate, a mais dura relativamente à posição da UE, que acusou de percorrer um “caminho de enorme cinismo” e de não tentar negociar a paz, nem ter uma estratégia autónoma para esse fim.
“As guerras acabam em conferências para a paz”, argumentou Catarina Martins, sendo que a proposta de uma conferência para a paz organizada a nível europeu tem sido defendida pelo Bloco de Esquerda desde o início da invasão russa. Neste momento, acrescentou, a continuação do conflito só vai levar a dois caminhos: “a destruição da Ucrânia ou escalada nuclear”.
Já os candidatos do Livre e do PAN quiseram desenhar limites relativamente à forma como o apoio militar deve acontecer: Francisco Paupério defendeu que devem ser enviadas para a Ucrânia “armas de defesa” e que nem UE nem Portugal devem enviar tropas, para evitar a escalada do conflito. Já Pedro Fidalgo Marques frisou que não se pode pensar de forma “utópica” como se não pudesse haver um apoio militar, mas defendeu que as negociações para a paz devem acontecer “em paralelo”.
Pelo Chega, Tânger Corrêa disse que Putin cometeu um “erro fatal” quando invadiu o país vizinho, sendo agora necessário “apoiar a Ucrânia para não ir para a mesa das negociações numa situação de inferioridade”. O cabeça de lista do Chega ainda foi questionado sobre se uma vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais norte-americanas seria um risco para a Europa, mas disse não saber – “ainda não percebi” – porque considera que Trump tem respostas “contraditórias”.
Defesa motivou acusações de “eurocinismo”
Os partidos foram questionados sobre a necessidade (ou não) de apostar na Defesa da Europa, sendo que a maior parte dos candidatos defendeu que a Europa deve ser mais “independente” deste ponto de vista. Mais uma vez, Catarina Martins colocou-se ao ataque à UE e acusou a União de “eurocinismo”: “Utiliza a Ucrânia para um caminho que sempre quis”, disparou, sublinhando que “há um massacre em Gaza a acontecer e temos governos, como o alemão, que está a dar armas a Israel”.
Já Tânger Corrêa quis alertar que a Europa “não tem forças militares ativas para enfrentar um desafio sério” que se venha a colocar – apesar de o “tranquilizar” a ideia de que Putin está mais ocupado “com a Ucrânia” do que como o Ocidente. Ainda assim, defendeu, é preciso “gastar dinheiro” em Defesa para colmatar as lacunas europeias no setor.
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Do lado do Livre, Paupério argumentou a favor de uma “política de segurança comum”, que tal como noutras áreas (a soberania energética ou alimentar) garanta a autonomia europeia. E questionou que seja preciso um investimento militar maior – tem é de ser mais “pensado”. Fidalgo Marques acabou por atirar para o ar a ideia de uma contribuição extraordinária sobre os lucros da indústria da Defesa, assim como a criação de “unidades de intervenção rápida” internacionais em substituição da ideia, mais “utópica”, de um exército comum europeu.
Podia ainda ter havido um embate entre Catarina Martins e Tânger Corrêa, que mais uma vez a bloquista tentou provocar, mas nem assim. O diplomata, que argumentou que o Japão só não invadiu os EUA porque o país contava com uma “população armada”, ouviu a ex-coordenadora bloquista acusá-lo de falar num “plano perigoso” que envolveria armar a população mas não reagiu.
Uma disputa à esquerda e um desafio do Bloco para o Livre
O final do debate ficou marcado por uma disputa à esquerda. Primeiro, por uma competição entre Livre e PAN, dois partidos que fazem parte da família dos Verdes, para se distinguirem um do outro: Pedro Fidalgo Marques defendeu que o PAN é mais ambientalista (dando o exemplo de ser contra o aeroporto em Alcochete) e defende mais os animais, Francisco Paupério argumentou que o Livre tem uma visão mais “integrada” no ambientalismo e não o separa do Estado social.
Foi nessa sequência que Catarina Martins, que tendo em conta os resultados das eleições legislativas (em que, à esquerda, só o Livre cresceu) também poderá ter uma disputa muito direta com o Livre, decidiu desafiar o partido vizinho a sair do grupo dos Verdes – que disse ter posições menos humanistas do que o Livre – e colocar-se “verdadeiramente na esquerda”. Paupério declinou e disse estar “muito feliz nos Verdes europeus”, embora o Livre se mantenha disponível para convergências à esquerda.
Imigração, o único tema que aqueceu o debate
Com a imigração no centro do debate político para as eleições europeias e com o Chega a fazer do tema uma a prioridade da sua narrativa política, Tânger Corrêa quis começar por atenuar nas palavras ao dizer que “o problema não é a origem” dos imigrantes — uma questão que já foi levantada por vários dirigentes do partido, com André Ventura à cabeça — mas o facto de estas pessoas chegarem “sem o mínimo de escrutínio”. “Não somos, de todo, contra a imigração, e somos contra os incidentes no Porto ou com a criança nepalesa”, defendeu, justificando que “Portugal precisa de imigrantes” e realçando que é preciso que estas se integrem. Ainda assim, reiterou o que tem vindo a dizer por diversas vezes: “Portugal não está a cumprir os acordos de Schengen.”
Mesmo sem confronto de ideias (porque Tânger não respondeu) quando Catarina Martins, a mais rodada em debates, aproveitou as palavras do cabeça de lista do Chega para o acusar de ter fazer um discurso que “explica o que é a xenofobia e o discurso de ódio” e para concluir que “a extrema-direita é o maior problema de segurança na Europa”, negando a existência de uma “onda descontrolada” de imigração que o partido liderado por Ventura faz questão de dizer que é preciso combater.
A antiga coordenadora bloquista acusou o adversário de desvalorizar incidentes graves, de distinguir “imigração boa e má” e defendeu que as fronteiras portuguesas são vigiadas, justificando que o país está a receber “centenas de milhares de pessoas que têm descontos para a Segurança Social” e que “o país está a explorar”.
No mesmo comprimento de onda esteve Francisco Paupério, que afirmou que Portugal não tem as “portas escancaradas” e que “os imigrantes chegam com regras”, apontando a integração como o problema. Já sobre a necessidade de haver limitações nas entradas, o cabeça de lista do Livre às europeias considera que “se a pessoa cumprir os requisitos para entrar deve poder entrar”.
Também Pedro Fidalgo Marques, candidato do PAN a Bruxelas, acrescentou que o projeto europeu é de integração e que Portugal deve trabalhar mais as políticas neste sentido, nomeadamente através do ensino da língua portuguesa. Além disso, criticou o atual Pacto das Migrações, por abrir a porta a uma política racializada que pode chegar ao ponto de deter aleatoriamente e por cinco dias cidadãos europeus que, por algum motivo, se tenham esquecido da documentação.
O tema ainda levou Pedro Fidalgo Marques a interromper Tânger Corrêa — quando argumentava que, enquanto embaixador, já tinha estado em vários campos de concentração e que as pessoas que estão a viver em tendas junto à Igreja dos Anjos, em Lisboa, vivem pior — para dizer que é de uma “tremenda desumanidade” dizer que essas pessoas vivem melhor.
Um alargamento em que o Bloco foi o mais cético
Quanto ao alargamento, Catarina Martins foi a mais cética, argumentando que é preciso encarar de frente o “problema das políticas de coesão, vamos ter mais desigualdades na Europa”. A cabeça de lista do Bloco de Esquerda às europeias defendeu que é preciso rever a estrutura da União Europeia. “Os tratados são impossíveis de utilizar e há necessidade de mudar.”
PAN e Livre, mais alinhados, defenderam um alargamento da União Europeia. Francisco Paupério começou por reconhecer que Portugal pode vir a ser um dos países “penalizados com o alargamento”, mas não deixou de realçar que a missão da UE é contribuir para a “coesão e criar estabilidade europeia”, pelo que é importante “expandir o projeto de paz”.
Ainda assim, e independentemente da guerra na Ucrânia, o candidato do Livre entende que todos os candidatos devem respeitar os critérios estabelecidos e que os processos não podem ser acelerados “por questões geopolíticas”. Pedro Fidalgo Marques, cabeça de lista do PAN, acredita que não devemos “encarar um alargamento da UE como um problema”. “O fim da UE é quando nos fecharmos como nós próprios”, sugeriu. Apesar disso, alertou para “a necessidade de uma reorganização” quando e se esses países entrarem.
Por sua vez, Tânger Corrêa não recusou um alargamento e disse estar de acordo que cada partido dite a velocidade da sua adesão à UE: “Ou estas coisas andam porque os países querem, ou não andam e não vale a pena empurrar”. No final das contas, o segundo debate televisivo mal aqueceu e, ainda assim, o Chega ficou isolado no meio de um frente a frente que mais pareceu uma disputa branda à esquerda.