Christine Lagarde deixou tudo em aberto – “que sera, sera” – mas todas as pistas que deu, na conferência de imprensa após o último corte dos juros (a 12 de setembro), levaram os analistas a acreditar que o BCE não deveria fazer um novo corte de juros em outubro. Só em dezembro, perto do Natal, é que a autoridade monetária daria um novo passo no caminho gradual de descida dos juros na zona euro. Porém, como disse Mário Centeno, as últimas “cinco semanas trouxeram surpresas” – nos dados sobre a inflação e sobre a atividade económica – que apontam, em uníssono, para que nesta quinta-feira possa surgir um novo corte.

“Temos tido, ultimamente, um conjunto de dados que trouxeram surpresas”, disse o governador do Banco de Portugal aos jornalistas, na apresentação da última edição do Boletim Económico. “Já prevíamos que a taxa de inflação em setembro seria mais baixa, mas ela foi mais baixa do que aquilo que o BCE e os mercados previam“, explicou Centeno, referindo-se à descida do ritmo (homólogo) de subida dos preços no mês passado: de 2,2% em agosto para 1,8% em setembro.

O governador do Banco de Portugal também lembrou a descida na inflação subjacente, que exclui os preços de itens mais voláteis como os preços da energia e combustíveis. É “onde as pressões internas sobre a inflação mais se fazem sentir”, disse Centeno a respeito do indicador que se moveu pouco, mas na direção certa (baixou de 2,8% em agosto para 2,7% em setembro).

Por outro lado, embora o BCE só tenha como mandato o controlo da inflação, a evolução da atividade económica também é algo que a autoridade monetária tem de monitorizar – até pelo efeito indireto que tem sobre a evolução dos preços. Ou seja, períodos de crescimento mais robusto têm uma maior tendência para gerar um sobreaquecimento da inflação, e vice versa (embora, em determinadas circunstâncias, possa haver inflação alta num contexto de crescimento baixo, a chamada estagflação).

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Centeno salientou que essa foi outra das “surpresas” das últimas semanas, que alteram o quadro face àquele que estava em cima da mesa na última reunião, a 12 de setembro. “Nós temos uma confirmação forte daquilo que é já não só um abrandamento, mas a entrada em recessão – uma evolução negativa da atividade – na Alemanha, com a importância que a Alemanha tem para a zona euro”, afirmou o representante português no Conselho do BCE, acrescentando que o “tom negativo” na economia se “propagou” aos indicadores avançados de outras grandes economias europeias.

Todos estes elementos fazem “com que os mercados tenham hoje uma posição face à próxima decisão do BCE que é diferente da que prevalecia há umas semanas”. “Na verdade, veio dar razão a uma frase que eu disse: cinco semanas não é pouco tempo, acontecem muitas coisas em cinco semanas, e foi exatamente aquilo que vimos”, afirmou Mário Centeno, lembrando que o BCE deve manter o “gradualismo” das decisões e deve, também, ser “previsível” nas suas decisões – evitando surpreender os mercados financeiros que, entretanto, já se balancearam quase totalmente para um novo corte de juros nesta quinta-feira, para 3,25%.

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Depois de já ter dito, no verão, que a reunião de outubro iria ser mais “engraçada” (porque a descida de 25 pontos em setembro não surpreendeu ninguém e foi relativamente consensual no Conselho do BCE), Mário Centeno não irá, porém, ter direito de voto nesta quinta-feira, devido ao sistema de rotação que existe no banco central.

“BCE tem tudo o que precisa para continuar a descer os juros”

A inversão de marcha de Lagarde, depois da mensagem transmitida na última reunião do BCE, surgiu cerca de duas semanas depois, no dia 30 de setembro. “Os últimos desenvolvimentos reforçam a nossa confiança de que a inflação vai regressar ao objetivo em tempo oportuno” e “iremos ter isso em conta na nossa próxima reunião de política monetária, em outubro”, afirmou a presidente da autoridade monetária da zona euro, dando um sinal claro de que uma nova descida dos juros se tinha tornado mais provável.

Carsten Brzeski, economista-chefe do banco holandês ING, enviou, de imediato, uma nota aos clientes onde dizia que “o BCE tem tudo o que precisa para continuar a descer os juros“. Praticamente todos os principais bancos de investimento, nos dias seguintes, ajustaram as suas expectativas, levando as taxas Euribor – taxas interbancárias mas que são influenciadas pelos juros do BCE – a acentuarem o ritmo de descida.

Indexantes aprofundaram a descida nas últimas semanas. FONTE: Euribor-rates.eu | Linha preta: Euribor 3 meses; Linha verde: Euribor 6 meses; Linha azul: Euribor 12 meses

“Até recentemente, os economistas assumiam que o BCE só voltaria a cortar os juros em dezembro, no momento em que publicasse novas projeções (atualizadas) para a inflação e para a economia. Porém, neste momento, os investidores estão a prever, de forma firme, que o BCE irá baixar os juros novamente, apenas cinco semanas depois da última redução”, afirma Jörg Krämer, economista do alemão Commerzbank.

Apesar de concordar que este é o cenário mais provável, o economista não concorda que essa seja a melhor opção – e dá várias razões para justificar esta opinião. Entre essas razões está o risco de que “o forte aumento dos salários possa levar a inflação subjacente a subir novamente”, diz Jörg Krämer, salientando que, “ao contrário daquilo que o BCE alega, o aumento dos salários na zona euro não está ainda a abrandar”.

Por outro lado, o economista alemão salienta que “muitas empresas na zona euro continuam a enfrentar uma escassez de mão de obra” e, por isso, “se o BCE baixar as taxas de juro, nesta situação, isso irá alimentar o interesse das empresas em fazer investimentos e isso poderá exacerbar a escassez de mão de obra no médio prazo”, gerando aumentos salariais não suportados no aumento da produtividade.

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Outros analistas, porém, têm uma opinião diferente. Holger Schmieding, do Berenberg Bank, está sobretudo preocupado com a desaceleração do crescimento e com o impacto negativo que as taxas de juro – que ainda estão num nível que restringe a atividade económica, apesar das últimas descidas – podem estar a ter.

“Na última reunião do Conselho, em 12 de setembro, o BCE já tinha reduzido as suas projeções para o crescimento real do PIB para cada ano do horizonte de previsão (de 2024 a 2026) em 0,1 pontos percentuais”, afirma o economista, acrescentando que os dados que entretanto saíram reforçam a ideia de que a atividade económica estará em níveis ainda mais baixos. É por isso, afirma Holger Schmieding, que até o governador do banco central nacional alemão – Joachim Nagel, do Bundesbank – já admitiu estar “aberto” ao debate sobre um eventual corte dos juros já em outubro. O francês François Villeroy de Galhau foi ainda mais longe: o corte dos juros em outubro “é muito provável, e não será o último“.

Os analistas antecipam que, depois de 25 pontos-base em outubro, o BCE voltará a baixar os juros em dezembro para os 3%. “Quando apresentar as novas projeções, em 12 de dezembro, o BCE provavelmente terá de voltar a reduzir as previsões de crescimento em 2025 (atualmente nos 0,8%)”, diz Holger Schmieding. E, “a menos que haja uma grande surpresa na inflação (em alta) ou nos indicadores de atividade económica, o BCE parece estar a preparar-se para reduzir as taxas em mais 25 pontos base em dezembro”.

E mais: “No início do ano que vem, esperamos mais dois cortes de 25 pontos, para levar a taxa para os 2,5%”, antecipa o analista.

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