Isabel Díaz Ayuso passou grande parte da sua carreira política longe dos holofotes. A dada altura, foi-lhe atribuída no partido a discreta missão de gerir o perfil de Twitter de ‘Pecas Aguirre’, cão de Esperanza Aguirre, antiga líder do PP em Madrid — e conseguiu que o cachorro tivesse sucesso nas redes sociais. Exemplo de um dos tweets de ‘Pecas’: “Os comunistas não querem que me levem a passear na rua. Não querem liberdade”. Não era uma frase escrita ao acaso: anos depois, na campanha que agora acabou, Ayuso teve como um dos seus slogans “Comunismo ou liberdade”.
O anonimato de Isabel Díaz Ayuso acabou em 2019, quando assumiu a difícil tarefa de disputar a presidência da comunidade de Madrid num contexto desfavorável para o Partido Popular (PP), numa altura em que o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) estava em ascensão. Passados dois anos, após a vitória arrasadora nas autonómicas madrilenas nesta terça-feira, Ayuso representa uma nova esperança para a direita espanhola, que sonha em derrubar os socialistas a nível nacional.
Graças ao seu estilo assertivo, provocador e muitas vezes polémico, Isabel Ayuso, de 42 anos, polarizou a política madrilena, impondo uma derrota histórica ao PSOE e impulsionando o PP para governar confortavelmente a capital espanhola até 2023 (embora precise da abstenção do Vox, o que não a parece incomodar minimamente). Confirmada a sua vitória na terça-feira, a presidente da comunidade de Madrid, ao lado do líder do PP, Pablo Casado, anunciava o início de um “novo capítulo em Espanha”. São afirmações com projeção nacional, e particularmente dirigidas para o Palácio da Moncloa, onde está o seu principal alvo: Pedro Sánchez.
Antes da vitória em Madrid, no entanto, Ayuso passou por testes complicados — e muitos vaticinaram-lhe uma passagem curta pela política madrilena. Voltemos ao início de 2019. O PSOE, de Pedro Sánchez, está lançado num ciclo eleitoral vencedor, e as autonómicas de Madrid, de maio desse ano, são vistas como um possível momento de viragem na capital espanhola, que há mais de 20 anos era governada pela direita, fortemente abalada por escândalos de corrupção. Sánchez aposta no experiente Ángel Gabilondo, ex-ministro da Educação, como cabeça de lista, enquanto no PP, temendo-se uma derrota, as principais figuras ficam à margem e não avançam.
Pablo Casado, que tinha sido há pouco tempo eleito líder dos conservadores, sabe que uma aposta em falso poderia ser a sua morte política. Sabe também que apostar em alguém muito carismático e popular poderia pôr em causa a sua liderança a curto prazo. Por isso, vira-se para Isabel Ayuso, uma desconhecida que desempenhou alguns cargos políticos na capital espanhola, e que conhecia da Nuevas Generaciones, a juventude do PP, desde 2004.
Depois de várias lideranças carismáticas na capital, numa altura de ascensão do PSOE e do Ciudadanos, que ambicionava, em 2019, tornar-se no maior partido da direita espanhola, temia-se o pior para o PP. E a verdade é que Ayuso teve mesmo o pior resultado da história dos conservadores na capital, ficando atrás do PSOE, elegendo 30 deputados, mas ficando à frente do Ciudadanos. Contudo, a esquerda toda junta não tinha votos suficientes para governar, o que permitiu ao PP, em coligação com o Ciudadanos e com o apoio parlamentar do Vox, formar governo. O teste, apesar do susto, foi superado com sucesso. Conforme escreve o El Periódico, Ayuso passou de “carne para canhão para uma nova líder”.
A presidente da comunidade de Madrid, no entanto, nunca esteve muito satisfeita com a dependência do Ciudadanos, um partido que entrou em crise de identidade nesse ano de 2019. A aproximação do partido de Inés Arrimadas ao PSOE para a apresentação de uma moção de censura em Múrcia foi o gatilho de que Ayuso precisava para romper a coligação, convocar novas eleições e reforçar o seu poder. O resto da história já conhecemos, e teve o seu auge na terça-feira, quando o PP não só duplicou os votos em relação a 2019, como engoliu o Ciudadanos.
Do jornalismo ao topo do PP de Madrid
Licenciada em Jornalismo e com mestrado em Comunicação Política, antes de se tornar militante do PP, em 2004, Ayuso teve uma passagem por vários órgãos de comunicação social e também por empresas de comunicação. Deixou os jornais em 2002, entrando, dois anos depois, para a juventude do PP, tendo como principais referências políticas o ex-presidente do governo espanhol José María Aznar e a antiga presidente da comunidade de Madrid Esperanza Aguirre, que a tratava por “Isabelita”.
As suas aptidões para a comunicação política levaram a que em 2007 começasse a trabalhar como assessora política no PP, tendo sido eleita deputada na assembleia de Madrid em 2011, repetindo o efeito quatro anos depois. Pelo meio, foi porta-voz adjunta do seu grupo parlamentar — e geriu a conta de Twitter do cão de Esperanza Aguirre.
Los comunistas no quieren que me paseen. No quieren libertad. ¡Guau! #FreePecas #DebateTM
— Pecas Aguirre (@SoyPecas) May 18, 2015
Com a saída de Aguirre da presidência da comunidade de Madrid, Ayuso aproximou-se de Cristina Cifuentes e, em 2015, acabou a gerir a campanha eleitoral nos meios digitais da mulher que viria a ganhar as eleições desse ano — um papel importante, que lhe permitiu ganhar destaque e importância junto da liderança do PP madrileno.
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Mas Ayuso queria mais — o seu objetivo era integrar o governo. Em 2017, é nomeada vice-conselheira da Presidência e da Justiça no executivo regional de Cristina Cifuentes, caída em desgraça no ano seguinte. Foi um cargo que lhe deu mais projeção política, mas ainda longe dos holofotes. No ano seguinte, Pablo Casado chega à liderança do PP e Ayuso começa a preparar o salto.
“O mais importante para ela era a política e o partido, a sua carreira. Se lhe ligassem à uma da manhã ela ia”, conta ao El País uma amiga de juventude de Ayuso, destacando que a atual presidente da comunidade de Madrid soube aproveitar as oportunidades que teve: “É como o Forrest Gump, sempre esteve no sítio certo.”
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Após vários anos na sombra, sobretudo com trabalho atrás de computadores, ao ser escolhida para concorrer à liderança da comunidade de Madrid, Isabel Ayuso assume-se como uma figura em ascensão no PP. Durante a campanha eleitoral, começa a mostrar as características que a viriam a definir politicamente — que, aliás, foram fundamentais em criar as condições para que conseguisse governar, mesmo perdendo as eleições —, mas o facto de não ser muito conhecida entre os eleitores não cria um efeito de grande entusiasmo à sua volta.
Já no governo madrileno, a sua popularidade começa a disparar, e a imprensa espanhola considera que há um momento decisivo para a transformação de Ayuso de uma “desconhecida” em líder carismática: a nomeação de Miguel Ángel Rodríguez como seu chefe de gabinete, em janeiro de 2020.
Na política espanhola, Miguel Ángel Rodríguez notabilizou-se como secretário de Estado das Comunicações e porta-voz do governo de José María Aznar, conhecido pelo seu estilo provocador, capaz de criar um grande mediatismo em torno das figuras políticas que apoia. Ao começar a trabalhar com Ayuso, a imagem da presidente da comunidade de Madrid transformou-se.
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“A partir daquele momento, ela ficou mais confiante, menos hesitante”, disse um conselheiro de Ayuso, sob anonimato, ao El País. “O Miguel Ángel Rodríguez sabe o que faz. Trumpismo tradicional para dividir a sociedade e sair vencedor”, acrescentou a mesma fonte.
O ano de 2020 é marcado por uma postura cada vez mais provocadora de Ayuso, que muitas vezes piscou o olho ao eleitorado do Vox, ao mesmo tempo que atacava diretamente o presidente do governo espanhol, Pedro Sánchez. Os dois travaram intensas batalhas mediáticas, com Ayuso a opor-se a medidas de confinamento e a defender, por exemplo, que bares e restaurantes não deviam fechar, porque isso ia contra a sua noção do conceito de “viver à madrilena”.
Nesse sentido, Ayuso conseguiu transformar Madrid no epicentro da vida política espanhola, uma tendência que se manteve durante esta última campanha eleitoral, onde Pedro Sánchez, e não Ángel Gabilondo, foi sempre o seu alvo preferencial, contando com uma forte componente mediática que fez eco das suas duras críticas ao governo espanhol.
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“A partir de Miguel Ángel Rodríguez, o seu perfil tornou-se mais nacional, mas o mais surpreendente foi a forma como Ayuso começou a ser tratada em determinados meios de comunicação. Nunca vi nada assim”, disse o mesmo conselheiro, sob anonimato ao El País. Prova disso é o slogan criado por Ayuso que marcou a campanha eleitoral: “Comunismo ou liberdade”. Miguel Ángel Rodríguez foi também o escolhido para chefiar esta campanha eleitoral.
Desde então, o debate foi polarizado de tal forma que temas mais prejudiciais para a Ayuso, como as mortes causadas pela pandemia em Madrid, acabaram relegados para segundo plano. Por outro lado, com o seu discurso de abertura da economia e de diminuição de impostos, Ayuso conseguiu convencer os empresários da hotelaria, um dos seus grandes trunfos nestas eleições.
Até onde estará Ayuso disposta a ir?
Dois anos depois, deixou de ser uma desconhecida. Um bom exemplo disso é a forma apoteótica como foi recebida e aplaudida, após a vitória desta terça-feira, pelos seus apoiantes. Mas não só. Durante a campanha, os comícios de Isabel Ayuso foram um sucesso, com milhares de pessoas a participarem, incluindo muitos jovens desejosos de tirarem selfies com a presidente da comunidade de Madrid. Toni Cantó, um ex-dirigente do Ciudadanos que saiu do partido para se juntar ao PP para reunificar o voto da direita, diz que sair à rua com Ayuso é como “estar com a Madonna”.
O entusiasmo em torno de Ayuso é tal que, escreve o El Mundo, a líder da comunidade madrilena é hoje “uma marca em si mesma”, tendo inclusive um clube de fãs — os Ayusers — e uma vasta linha de merchandising, que vai desde t-shirts a canecas, passando por emblemas com as suas frases célebres, como “Comunismo ou liberdade”.
Devido a todo este mediatismo, e às batalhas constantes travadas diretamente com Pedro Sánchez, a projeção de Isabel Ayuso atravessou as fronteiras da capital espanhola e chegou muitas vezes a ofuscar a figura de Pablo Casado, que viu a líder madrilena a assumir-se várias vezes como o principal rosto da oposição ao PSOE e ao Unidas Podemos a nível nacional.
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Com a vitória avassaladora de de Ayuso em Madrid, Pablo Casado ganha também força para começar uma nova etapa na oposição a Pedro Sánchez, e o líder do PP já decretou que o 4 de maio foi um “ponto de inflexão”, marcando o início do fim do “sanchismo”. Se os conservadores vão ou não conseguir aproveitar a onda de direita liderada por Ayuso, é uma incógnita, sendo que alguns politólogos têm também alertado que os resultados de Madrid podem não ser extrapoláveis a nível nacional. Certo é que o ambiente é de euforia na direita espanhola.
No entanto, parece ainda ser cedo para saber se Ayuso tem ou não a ambição de vir a disputar a liderança do PP a Pablo Casado — o homem que liderava a Nuevas Generaciones quando uma jornalista desconhecida decidiu entrar para a política.