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Se 2014 e 2015 foram anos judiciários marcados pela Operação Marquês, 2016 não será muito diferente. José Sócrates representa uma espécie de espada de Dâmocles sobre o pescoço da senhora com os olhos vendados – a estátua da deusa romana Iustitia que simboliza a Justiça. O que acontecer no caso Sócrates marcará, inevitavelmente, não só 2016 mas, também, a relação entre o poder político e o poder judicial – dois poderes de que depende o equilíbrio da República. E veremos se a espada que Iustitia costuma ter na mão direita valerá mais do que aquela que José Sócrates invoca nas suas entrevistas.
Eis os casos da Justiça que vão marcar 2016.
1. Operação Marquês
Sendo certo que é inevitável a conclusão do inquérito em 2016, a questão que se coloca é simples: em que data exata o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) proferirá o despacho de encerramento de inquérito? As divisões internas entre os investigadores que foram tornadas públicas impedem uma resposta clara.
Paulo Silva, inspetor da Autoridade Tributária e titular do órgão de polícia criminal da Operação Marquês, defende que apenas poderá apresentar o seu relatório final, que costuma preceder a decisão final do MP, em setembro de 2016. Amadeu Guerra, diretor do DCIAP, começou por dizer, num primeiro despacho datado de 11 novembro, que nem pensar. Num segundo despacho, de 22 de dezembro, depois de ouvir as explicações detalhadas do procurador Rosário Teixeira, titular dos autos, e de Paulo Silva, a sua posição evoluiu. Além de ter dado mais três meses para a investigação continuar (até 22 de março, portanto), Amadeu Guerra decidiu que só nessa data será obrigatório definir uma data final para a conclusão das investigações. Ou seja, não é garantido que o despacho final de encerramento de inquérito seja proferido antes do verão – o que faz com que a data programada por Paulo Silva esteja cada vez mais próxima.
Guerra e a procuradora-geral, Joana Marques Vidal, desejavam em outubro a conclusão mais rápida possível do inquérito, concentrando-se uma eventual acusação contra José Sócrates na relação deste com Carlos Santos Silva – ficando as restantes situações para outras investigações que podiam (e podem) ser abertas através de extração de certidões dos respetivos indícios. O inspetor tributário discordou em absoluto dessa estratégia, tendo feito questão de expor a mesma por escrito nos autos através de um relatório que foi tornado público pelo Diário de Notícias no final de outubro. Daí o despacho de Amadeu Guerra datado de 11 de novembro.
Essas divisões internas parecem esbatidas com a última decisão do diretor do DCIAP de 22 de dezembro, e com a sua aparente cedência à estratégia dos investigadores. Aliás, Amadeu Guerra tinha sempre a possibilidade legal de retirar a investigação ao procurador Rosário Teixeira e distribui-la a outro magistrado. Não só não o fez, como reforçou a equipa que está adstrita à Operação Marquês.
De facto, e segundo o último comunicado da Procuradoria-Geral da República, o Ministério Público (MP) tem quatro procuradores do DCIAP, dois magistrados a área administrativa (que se dedicam às matérias urbanísticas da expansão imobiliária Vale do Lobo que está sob suspeita de corrupção) e um procurador da Instância Central Criminal de Lisboa (o magistrado Vítor Pinto que deverá um eventual julgamento do caso) a trabalhar na Operação Marquês. Enquanto que a Autoridade Tributária reforçou a equipa liderada por Paulo Silva para 16 inspetores tributários dedicados a analisar e a sistematizar os mais de 1900 documentos em suporte de papel, mais de 5.000.000 de ficheiros informáticos e os mais de 130.000 registos bancários que fazem parte dos autos.
E qual o resultado: acusação ou arquivamento?
Poucos acreditarão que o MP arquive um caso no qual propôs a prisão preventiva de um ex-primeiro-ministro durante dez meses. Sendo o arquivamento uma ideia teoricamente aceitável num inquérito normal, seria o descrédito do titular da ação penal, caso o procurador Rosário Teixeira não avançasse para uma acusação depois de apelidar as provas contra José Sócrates como “fortes indícios” da prática dos crimes de corrupção, fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais em praticamente todas as respostas aos diversos recursos interpostos pela defesa de Sócrates.
Tal como é certo que, quanto mais tempo demorar uma acusação contra o ex-primeiro-ministro, maior será a ecitação das críticas de Sócrates junto da opinião pública – e maior eficácia terá a sua narrativa de que o MP não tem provas para apresentar.
Para já, foram constituídos 12 arguidos: José Sócrates, Carlos Santos Silva, João Perna (ex-motorista de Sócrates), Gonçalo Trindade Ferreira (advogado de Santos Silva), Joaquim Barroca (administrador do Grupo Lena), Paulo Lalanda Castro (ex-patrão de Sócrates), Inês Rosário (mulher de Santos Silva), Diogo Gaspar Ferreira (administrador da empresa que detém o resort de Vale do Lobo), Armando Vara, (ex-vice-presidente da Caixa Geral de Depósitos), Bárbara Vara (filha de Armando Vara) e Rui Mão de Ferro (gestor e sócio de Santos Silva).
Face ao último ponto da situação do processo feito pelo procurador-geral adjunto Rosário Teixeira, e àquilo que foi noticiado pelo Observador, esperam-se mais 20 inquirições das quais podem nascer novos arguidos.
Hélder Bataglia deverá ser um deles. O líder do Grupo Escom, que comprou o empreendimento de Vale do Lobo e propôs um financiamento de mais de 220 milhões de euros à Caixa Geral de Depósitos, encontra-se em negociações com o MP para ser ouvido o mais rapidamente possível. Bataglia receia ser detido em Portugal mas, tendo em conta que nenhum arguido está, neste momento, detido à ordem desses autos, é pouco provável que tal venha a acontecer.
Por outro lado, dois jornalistas do Correio da Manhã, que são assistentes no processo, solicitaram a constituição como arguidos de Fernanda Câncio, ex-namorada de José Sócrates, e de Sofia Fava, ex-mulher do ex-primeiro-ministro, por suspeitas de fraude fiscal e de branqueamento de capitais. Em causa, segundo alegam aqueles assistentes, estarão imputações de que Câncio e Fava terão beneficiado de capitais que saíram das contas de Carlos Santos Silva – que, no entendimento do MP, pertencerão a José Sócrates e têm origem ilícita.
2. Caso BES/GES
Este caso, como todos os outros relacionados com a banca, tem duas vertentes, uma criminal e outra contra-ordenacional, que marcarão os noticiários em 2016.
Comecemos pela primeira. Embora seja conhecido como o caso BES/GES, a Procuradoria-Geral da República (PGR) decidiu apelidar os processos relacionados com a derrocada do Banco Espírito Santo e do Grupo Espírito Santo de “Universo Espírito Santo”. A PGR confirmou, a 24 de julho, que existem cinco inquéritos, sendo que um deles, relacionado exclusivamente com queixas de burla por parte de antigos clientes, tem apensas 73 investigações espalhadas por diversos distritos judiciais.
Além deste inquérito, também conhecido como o “caso dos clientes”, existem ainda mais quatro inquéritos com o seguinte objeto de investigação:
- O chamado “caso principal” relaciona-se com a alegada falsificação da contabilidade de sociedades fundamentais do Grupo Espírito Santo (GES), como a Espírito Santo International (ESI), e que já esteve na origem da primeira acusação do Banco de Portugal contra Ricardo Salgado e mais 14 ex-gestores do BES e do GES. A alegada gestão ruinosa do BES está no centro deste inquérito, assim como a emissão de papel comercial da ESI e da RioForte (duas sociedades do GES) em 2013 e 2014, que terá permitido a Ricardo Salgado adiar o inevitável quando o GES já tinha entrado em colapso, está igualmente a ser passada a pente fino;
- As relações entre o BES e o Banco Espírito Santo de Angola que terão levado a alegados desvios financeiros superiores a mais de mil milhões de euros;
- Um esquema alegadamente montado pela sociedade Eurofin Securities, empresa de direito suíço, que terá permitido retirar cerca de 800 milhões de euros do BES nas semanas que precederam a intervenção do Banco de Portugal e posterior desmembramento do banco da família Espírito Santo. O esquema da Eurofin terá estado na origem de prejuízos de cerca de 1,2 mil milhões de euros registados nas contas do BES;
- O investimento de cerca de 900 milhões de euros que a Portugal Telecom, liderada por Henrique Granadeiro e por Zeinal Bava, fez na RioForte em 2014. Neste inquérito estará, também, a ser investigado o investimento que a PT fez na empresa brasileira Oi, assim como as suspeitas de alegados pagamentos de luvas pela viabilização desse negócio essencial para a empresa se manter no mercado brasileiro.
Até ao momento, estão confirmados sete arguidos nos inquéritos ao Universo Espírito Santo:
- Ricardo Salgado, ex-presidente executivo do BES e ex-líder do GES, foi constituído arguido por suspeitas dos crimes de burla qualificada, falsificação de documento, falsificação informática, branqueamento de capitais, fraude fiscal qualificada e corrupção no setor privado; Salgado esteve até recentemente em prisão domiciliária à ordem dos inquéritos ao Universo Espírito Santo;
- Amílcar Morais Pires, ex-chief financial officer (CFO) do BES e braço direito de Salgado;
- Isabel Almeida, ex-diretora financeira do BES que chegou a ser dada como administradora do banco numa lista encabeçada por Amílcar Morais Pires (apontado pelo próprio Ricardo Salgado como seu sucessor);
- António Soares, ex-administrador da seguradora BES Vida;
- José Castella, ex-controller financeiro do GES e figura próxima de Ricardo Salgado;
- Cláudia Boal de Faria, ex-diretora do Departamento de Gestão de Poupança do BES;
- Pedro Luís Costa, ex-alto funcionário do BES.
O sucesso das investigações do DCIAP dependem muito da cooperação judicial internacional de países onde muitas das empresas do GES tinham ou ainda têm sede: Suíça, Luxemburgo, Reino Unido, Estados Unidos, Panamá, Dubai, etc. Sendo o GES (e por arrasto o BES) um grupo com implantação mundial, é necessário recolher muita prova em jurisdições nas quais o DCIAP não tem poder, dependendo assim da boa vontade das instâncias internacionais.
Apesar de não ser possível adiantar uma data de conclusão para qualquer um dos cinco inquéritos do caso BES/GES, é expectável que novos desenvolvimentos sejam conhecidos ao longo de 2016. Por exemplo, mais membros da família Espírito Santo deverão ser chamados a prestar contas à Justiça e novos arguidos deverão nascer desses interrogatórios.
Os cinco inquéritos contam, para já, com uma equipa de cinco magistrados do DCIAP e uma equipa multidisciplinar de seis procuradores de outras jurisdições em Portugal, nomeadamente na área administrativa e cível, que intervém em diferentes processos relacionados com o arresto de bens, recuperação de ativos (ambos para prevenir o pagamento de eventuais indemnizações) e insolvência.
Outra questão prende-se com a vertente contra-ordenacional a cargo das entidades reguladoras do mercado bancário (o Banco de Portugal) e do mercado de capitais (a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários).
O Banco de Portugal é o que está mais avançado. Dos quatro inquéritos de contra-ordenação abertos, o supervisor bancário já terminou dois:
- O primeiro relacionado com a falsificação da contabilidade da ESI e a colocação de papel comercial da ESI e da RioForte em clientes do BES – que culminou em acusações graves, como gestão ruinosa, contra Ricardo Salgado, 14 gestores do BES e três sociedades do GES e a aplicação de multas máximas que podem chegar aos cinco milhões de euros no caso de Salgado e a inibição por 10 anos como gestor bancário. Está a decorrer a fase de instrução deste processo de contra-ordenação, prevendo-se que exista uma decisão final do conselho de administração do Banco de Portugal até maio de 2016;
- As relações entre o BES e o BES Angola concentraram as atenções no segundo inquérito. Foram acusados 18 ex-gestores do BES, entre os quais se encontra novamente Ricardo Salgado. As contestações já terão sido entregues no BdP, seguindo-se a fase de instrução do processo que se assemelha, parcialmente, a uma espécie de pré-julgamento.
- Faltam ainda mais dois inquéritos relacionados com os clientes que se dizem lesados e as relações entre o Eurofin e o BES.
Do lado da CMVM, esperam-se novidades sobre os respetivos processos de contra-ordenação no início do Ano Novo.
3. Monte Branco
É um caso que ficou conhecido em maio de 2012 e que se arrasta desde então. Tem uma rede de branqueamento de capitais com operações em Portugal e na Suíça, liderada por Michel Canals e Francisco Canas, no centro da investigação. Uma fuga em massa ao fisco português é o ponto de partida desta investigação, sendo que os números totais dessa evasão fiscal variam de forma significativa. O semanário Sol, que noticiou em exclusivo o caso em 2012, já falou num montante total superior a três mil milhões de euros, enquanto outros jornais, como o Expresso, falam num montante muito inferior: cerca de 100 milhões de euros – e só no que diz respeito a serviços prestados por Francisco Canas.
O caso é complexo e tem cruzamentos com vários outros processos conhecidos (como o caso BPN, Furacão, BES/GES e Operação Marquês). Tudo começava com a entrega de dinheiro vivo a Francisco Canas nas instalações da sua loja de câmbios na baixa de Lisboa, fazendo este, posteriormente, transferências bancárias internacionais no mesmo montante entregue (com o desconto da sua comissão de 1%) a partir do BPN IFI de Cabo Verde para as contas das sociedades Akoya, gerida por Michel Canals e Nicolas Figueiredo, e Arco Finance, de Ricardo Arcos, em diversos bancos suíços. Estas duas sociedades gestoras de fortunas, por seu lado, tinham uma rede quase interminável de sociedades sedeadas em paraísos fiscais que faziam “rodar” o dinheiro sempre que necessário para ocultar a sua origem.
As listas de clientes da rede do Monte Branco estão, em parte, na origem do intenso escrutínio jornalístico que o caso conheceu desde maio de 2012. O Expresso revelou os principais nomes de uma lista de clientes de Francisco Canas com mais de 180 indivíduos, sendo Manuel Vilarinho, ex-presidente do Benfica, e Maria José Rau, ex-secretária de Estado da Administração Educativa de António Guterres, os nomes mais conhecidos. Na Operação Marquês, como o Observador noticiou, foi igualmente detetada a participação de Armando Vara, então vice-presidente da Caixa Geral de Depósitos, na rede do Monte Branco. Vara terá entregado a Canas, e recebido de várias offshores controladas por Canals, um total de cerca de 800 mil euros.
Já as listas de clientes da Akoya e da Arco Finance têm nomes mais mediáticos. Ricardo Salgado, ex-presidente executivo do BES, é um deles. Chamado a depor como testemunha para justificar as retificações fiscais superiores a 14 milhões de euros que realizou juntamente com a sua mulher no âmbito do Regime Excecional de Regularização Extraordinária (RERT) de 2012, Salgado confessou que era cliente da Akoya tendo utilizado a sociedade suíça, da qual Álvaro Sobrinho (ex-presidente do BES Angola) era acionista, para transferir montantes que lhe foram oferecidos por José Guilherme, empreiteiro e importante cliente do BES e do BES Angola. Mais tarde, em julho de 2014 e quando já não era líder do BES, Salgado foi detido para interrogatório para ser constituído arguido por suspeitas dos crimes de burla, abuso de confiança, falsificação de documento e branqueamento de capitais. Foi a primeira vez que o banqueiro, que era conhecido como o “dono disto tudo”, foi formalmente constituído suspeito da prática de ilícitos criminais.
A maior curiosidade para 2016 reside em perceber se serão conhecidos mais detalhes das listas de clientes da Akoya e da Arco Finance, até porque um número significativo destes clientes já terão regularizado a sua situação fiscal ao abrigo do RERT. O MP já terá muitos dados na sua posse, pois os principais arguidos (Michel Canals, Nicolas Figueiredo, Francisco Canas e Ricardo Arcos) terão colaborado com o procurador Rosário Teixeira na descoberta da verdade.
Resta saber se este caso terá o mesmo destino que o processo Furacão. Isto é, se o MP ficará satisfeito com as regularizações extraordinárias efetuadas junto do Fisco (que levaram a um acréscimo muito significativo da receita fiscal) ou se continuará a perseguir criminalmente os protagonistas da rede e os seus clientes. Tendo em conta os crimes pelos quais Ricardo Salgado foi constituído arguido, tudo aponta para que seja seguida a segunda opção.
Não será ainda em 2016, contudo, que este caso será encerrado. O facto de o procurador Rosário Teixeira ter que dividir a titularidade destes autos com a Operação Marquês, e a prioridade que o caso que envolve José Sócrates terá de ter, implicam a passagem para segundo plano do caso Monte Branco.
4. Vistos Gold
Foi uma das acusações que marcaram 2015. Direcionada a uma das medidas emblemáticas do governo PSD/CDS, a acusação do MP visou Miguel Macedo, ex-ministro da Administração Interna de Passos Coelho, António Figueiredo, ex-presidente do Instituto de Registos e Notariado, Manuel Palos, ex-diretor nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), e Maria Antónia Anes, ex-secretária-geral do Ministério da Justiça. Foram estes os principais arguidos de um caso que ficou conhecido da opinião pública com a detenção destes três últimos arguidos em novembro de 2014, dias antes da detenção de José Sócrates. Foram, ainda, acusados mais 13 arguidos, entre os quais Paulo Lalanda Castro (ex-patrão de Sócrates) e quatro sociedades comerciais.
O ano de 2016 começará com a abertura de instrução que pode ser requerida por qualquer um dos arguidos. É uma fase facultativa, existindo a possibilidade de alguns arguidos passarem diretamente para a fase de julgamento. E, ao que o Observador apurou, deverá ser essa a opção da maioria dos arguidos mais importantes. É expectável que apenas os arguidos com menos crimes contestem, desde já, a acusação do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP).
Se apenas alguns arguidos, e os que têm menos acusações a contestar, avançarem para a fase de instrução, 2016 poderá igualmente ser o ano em que ficará decidido quem vai a julgamento e em que data. É essa a expectativa de diversos advogados do processo, até pela forma expedita como o Tribunal Central de Instrução Criminal costuma despachar a fase de instrução.
Se todos estes cenários se concretizarem, e tendo em conta os timings nacionais de processos complexos de crimes económico-financeiros, não deixará de ser um feito que um processo que se iniciou em 2013 tenha julgamento marcado apenas três anos depois.
5. Julgamento do caso principal do BPN
Ao contrário do caso Vistos Gold, pode dizer-se que o caso BPN é um exemplo da lentidão da Justiça portuguesa. Para sustentar esta tese, basta olhar para os processos-crime que nasceram da derrocada do banco gerido por José Oliveira Costa.
Dos 20 inquéritos criminais abertos e coordenados pelo procurador Rosário Teixeira, apenas quatro resultaram em acusações formais do DCIAP, sendo que apenas um teve sentença em primeira instância: o chamado caso Homeland, que envolve Duarte Lima. O ex-líder parlamentar do PSD foi condenado, em novembro de 2014, a dez anos de prisão efetiva por burla qualificada e branqueamento de capitais. Para não se perder no caso BPN, fizemos este guia que voltamos a recomendar.
Contudo, será precisamente a primeira acusação, e a mais importante por ser a principal, do caso BPN que marcará 2016. A acusação é de 2009 mas o julgamento dura desde dezembro de 2010. São cinco anos de sessões de um caso que envolve 15 arguidos. Houve 16 pronunciados e, ainda, mais uma sociedade comercial chamada Labicer que foi declarada insolvente. As acusações contra esta pessoa coletiva caíram. O processo envolveu mais de 150 testemunhas. Só uma destas testemunhas, um alto quadro do BPN, foi ouvida durante mais de sete meses consecutivos em 200 sessões por praticamente todos os advogados terem colocado perguntas. O julgamento encontra-se na fase em que alguns dos principais arguidos estão a utilizar a prerrogativa legal de prestarem esclarecimentos ao tribunal após a audição das testemunhas, sendo esperada a conclusão das alegações finais no início do ano novo e a leitura da sentença até ao final do primeiro semestre de 2016.
Está em causa a alegada falsificação da contabilidade do BPN e a criação de uma contabilidade paralela no Banco Insular de Cabo Verde – os dois principais factos que estiveram na origem da nacionalização do BPN tomada pelo governo de José Sócrates em novembro de 2008.
José Oliveira Costa, ex-presidente executivo do banco, é o principal réu, estando a ser julgado pelos crimes de abuso de confiança, burla qualificada, falsificação de documento, branqueamento de capitais, infidelidade, aquisição ilícita de ações e fraude fiscal. É acompanhado, entre outros, por José Vaz de Mascarenhas (ex-presidente do Banco Insular), Luís Caprichoso e Francisco Sanchez (ambos ex-gestores do BPN) e pelo empresário Ricardo Oliveira.
Está a decorrer, ainda, um julgamento de uma segunda acusação do caso BPN, relacionada com um investimento imobiliário que envolve Arlindo Carvalho, ex-ministro da Saúde de Cavaco Silva, e Oliveira Costa, e que resultou num prejuízo superior a 78 milhões de euros para o BPN. Contudo, diversos advogados contactados pelo Observador não preveem que a leitura da sentença ocorra em 2016.
6. Outros casos (e várias interrogações)
- Luís Filipe Menezes
Um caso a acompanhar com atenção em 2016 será o de Luís Filipe Menezes (ex-líder do PSD e ex-presidente da Câmara Municipal de Gaia) e, por arrasto, o inquérito que visa Marco António Costa (secretário-geral do PSD e ex-vice-presidente de Menezes em Gaia).
Luís Filipe Menezes está a ser investigado pelo Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) do Porto e pela Polícia Judiciária por suspeitas, entre outros crimes, de corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais. Estarão em causa alegações sobre uma divergência significativa entre o património declarado pelo ex-autarca e os vencimentos que declarou enquanto titular de cargo político – alegações que foram desmentidas de forma veemente pelo próprio Luís Filipe Menezes.
Certo é que o ex-líder do PSD vai perder o lugar de conselheiro de Estado para o qual foi eleito em 2011 na quota relativa à Assembleia da República. Ao perder este estatuto, deixa de ter direito à imunidade que lhe era garantida como conselheiro do Presidente da República.
- Marco António Costa
Também Marco António Costa viu a Procuradoria-Geral da República, tal como aconteceu com Menezes, confirmar oficialmente a existência de uma investigação criminal contra si, na sequência de uma participação entregue ao DIAP do Porto por um ex-dirigente da distrital portuense do PSD: Paulo Vieira da Silva. Estão igualmente em causa denúncias que visam uma alegada prática do crime de tráfico de influências através do PSD e da Câmara de Gaia.
Marco António Costa mostrou-se disponível para colaborar com a investigação e interpôs uma ação por difamação contra Paulo Vieira da Silva.
- Caso Banif
Com a mais do que provável instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito à gestão do Banif, terá de se seguir com atenção as eventuais responsabilidades criminais que possam surgir. Seja pelas duras críticas de falta de proatividade que o primeiro-ministro, António Costa, e o ministro das Finanças, Mário Centeno, dirigiram ao anterior governo de Pedro Passos Coelho, seja pelo processo de venda do Banif acarretar elevados prejuízos para os contribuintes, que podem chegar a cerca de quatro mil milhões de euros, seja, por último, por ser esse o padrão de todas as comissões parlamentares de inquérito abertas à gestão de entidades bancárias que tiveram apoio público. Nos casos BPN e BES, não faltaram factos que foram encaminhados para a Procuradoria-Geral da República.
Para já, e tal como o Observador noticiou, a PGR está a analisar se toda a informação que já veio a público contém suspeitas da prática de crimes públicos.
Um caso, mais um, a seguir em 2016.