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A Ukrainian soldier from the 63 brigades is seen having
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Depois de Kherson, o foco da batalha deverá ser cada vez mais na região do Donbass

SOPA Images/LightRocket via Gett

Depois de Kherson, o foco da batalha deverá ser cada vez mais na região do Donbass

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Kherson, vitória ucraniana ou russa? A estratégia militar diz-nos que tanto Kiev como Moscovo saem a ganhar

Com a lama a tornar-se gelo, os combates vão intensificar-se. Kiev pode tentar um movimento de pinça para ganhar a margem esquerda do Dnipro, mas a fronteira natural favorece o esforço militar russo.

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“É o princípio do fim da guerra.” O otimismo de Volodymyr Zelensky é partilhado com euforia pela população de Kherson, cidade libertada a 11 de novembro, depois de oito meses de ocupação russa. Mas esse olhar positivo para o futuro da guerra da Ucrânia não contagia todos, mesmo os que consideram que a retirada ordeira russa foi uma vitória para o Presidente ucraniano. Michael Clarke, analista militar da Sky News, prefere citar Winston Churchill: “Isto não é o fim. Isto não é sequer o princípio do fim. É, talvez, o fim do princípio.”

“É nosso.” Ucranianos regressam a Kherson e a festa toma conta das ruas

Quem ganhou com a retirada russa de Kherson, a única capital regional que Moscovo conseguiu controlar? Os analistas acreditam que há ganhos para ambos os lados da batalha, embora o futuro dependa da estratégia militar que vai ser seguida. Kiev pode tentar um movimento de pinça para ganhar a margem esquerda do Dnipro, onde as forças russas se estabeleceram, mas o rio é uma fronteira natural que, sem pontes em condições de facilitar a travessia de militares, favorece a Rússia.

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Moscovo, mesmo que tenha abandonado Kherson, fê-lo sem ter de travar uma batalha direta, com os custos humanos e operacionais que isso envolve, conseguindo deslocar mais de 30 mil soldados e 5 mil veículos para a margem esquerda do Dnipro. Agora, pode redirecioná-los para a região que é o seu foco central nesta guerra: o Donbass.

Recently recaptured village of Archangelske in Kherson Oblast, Ukraine

Vila de Archangelske, no oblast de Kherson

Anadolu Agency via Getty Images

Retirada russa soou a “encenação”, falta de resposta ucraniana foi invulgar

A análise militar e a análise política do que se passou em Kherson é distinta. Os especialistas em estratégia levantam o sobrolho quando instados a comentar o vídeo em que o general Sergei Surovikin diz ao ministro da Defesa russo qual deve ser o próximo passo e Sergei Shoigu concorda com a retirada das tropas de Kherson.

“Assistimos a cenas bizarras na televisão russa quando, na noite de 9 de novembro, vimos generais a discutir a retirada e depois a ordená-la, defende Sean Bell, Air Marshal na reserva, em declarações à Sky News. “Sabemos agora que a decisão foi tomada há várias semanas. As tropas saíram vestidas à civil, no meio dos populares, durante a evacuação da cidade e, depois de atravessarem o rio, colocaram-se em posições defensivas.”

O general Pinto Ramalho também olha com estranheza para esse momento. “É uma encenação, uma retirada de tropas não se pede ao Comando Superior e ele, em cinco minutos, diz que sim. Foi uma encenação para mostrar que havia uma intenção de Moscovo de sair de Kherson”, diz ao Observador o antigo Chefe do Estado Maior do Exército (2006-2011).

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Se o antigo piloto da Força Aérea britânica considera que a conversa gravada serviu para informar o público doméstico do que ia passar-se a seguir, o general português põe em causa a própria ação das forças militares ucranianas. “As coisas, tal como se passaram, parecem realmente resultar de um entendimento — não quero chamar-lhe acordo — das duas partes. Não faz sentido. Tudo parece uma encenação.”

Quem abandona uma posição no campo de batalha “está vulnerável”, explica o general, que fez parte da delegação portuguesa da NATO. Por isso, o facto de o Exército ucraniano não ter aproveitado esse momento é invulgar. “A própria retirada não faz sentido em plena guerra, não faz sentido que um corpo de exército tenha saído sem qualquer pressão inimiga, quando não houve combate”, diz o militar, membro da Entidade Fiscalizadora do Segredo de Estado.

"As coisas, tal como se passaram, parecem realmente resultar de um entendimento — não quero chamar-lhe acordo — das duas partes. Não faz sentido. Tudo parece uma encenação."
General Pinto Ramalho

“Quanto à desculpa de o terreno estar armadilhado… A Ucrânia tem informação da NATO, dos Estados Unidos, do Reino Unido. Sabe-se perfeitamente onde as forças estão”, acrescenta o general Pinto Ramalho.

À medida que a Rússia ia anunciando a sua intenção de abandonar Kherson, a Ucrânia mostrava-se reticente em acreditar nas declarações oficiais, dizendo temer uma armadilha.

Movimento de pinça: a velha estratégia a que a Ucrânia pode recorrer

Com a bandeira ucraniana hasteada na Praça da Liberdade de Kherson, o que pode a Ucrânia fazer a seguir? As tropas russas atravessaram o Dnipro, estabeleceram posições defensivas na margem esquerda do rio e deitaram abaixo o que restava das infraestruturas que permitiam atravessar o curso de água, já danificadas pelo exército ucraniano, como a ponte Antonovsky.

“A batalha de Kherson só está meia ganha, os ucranianos têm a cidade, mas a cidade não está segura. Tem a outra metade da batalha para ganhar”, defende Michael Clarke, um dos comentadores habituais da SkyNews, em declarações ao canal britânico.

“Os russos estão do outro lado do rio, ou seja, Kherson está ao alcance de artilharia. Quando foram expulsos de Kharkiv, o que os russos fizeram foi ficar do lado de fora da cidade, atacando-a” com armas de fogo pesadas, explica o consultor especializado do Comité de Defesa da Câmara dos Comuns desde 1997.

Assim, os ucranianos tiveram de lançar ataques maiores para conseguirem que os russos recuassem o suficiente. “E é isso que vão ter de fazer agora, vão ter de empurrar os russos cerca de 30 quilómetros, para que a cidade esteja fora do alcance da artilharia”, argumenta o analista militar.

Mine clearance in Kherson Region

Os russos deixaram a região de Kherson, mas para trás ficou um terreno coberto de minas

Future Publishing via Getty Imag

A grande questão é como é que se faz isso quando há um rio pelo meio. Michael Clarke recorda que há notícias de que os militares da Ucrânia chegaram à península de Kinburn e à localidade de Oleshky, segundo admitiram os próprios russos. No entanto, tem havido muita contra informação sobre esta situação e não é certo se os ucranianos conseguiram, de facto, chegar à margem esquerda do Dnipro.

“Se os ucranianos conseguirem levar equipamento pesado até ali — não sei se conseguiram — vão começar a dirigir-se para sul”, conclui Michael Clarke. No Norte, em Nova Kahkova, recorda o analista, o governador pró-russo disse que quer uma zona de exclusão de 10 quilómetros de distância do rio, o que significa, no seu entender, que está à espera de que os ucranianos atravessem o Dnipro através da barragem.

“Se a cidade cair, então os ucranianos ficam em posição de fazer o movimento de pinça para conseguir que os russos abandonem Kherson. Essa é a próxima fase da batalha”, acredita Clarke.

"A batalha de Kherson só está meia ganha, os ucranianos têm a cidade, mas a cidade não está segura. Tem a outra metade da batalha para ganhar."
Michael Clarke, analista militar

O movimento de pinça foi aperfeiçoado pelos nazis durante a Segunda Guerra Mundial. Também chamado de duplo envolvimento, consiste numa manobra em que o exército atacante enfrenta o inimigo pela frente, nos dois flancos e na retaguarda.

A vantagem russa: 30 mil razões para sair de Kherson

O principal foco do esforço militar da Federação Russa é a região do Donbass, onde os conflitos entre os dois países decorrem desde 2014. Por isso, os especialistas em estratégia militar são unânimes em considerar que deslocar os soldados de Kherson para a bacia do rio Donets faz todo o sentido.

“Militarmente, devemos focar-nos no esforço principal. E o dos russos é no Donbass, para onde têm estado a enviar muitos soldados mal treinados. Esta retirada ordeira de Kherson, conseguindo transportar equipamento militar, permite-lhes levar 34 mil soldados para a região, o que lhes permite voltar a atacar naquela zona”, defende Sean Bell. O antigo piloto considera que, “do ponto de vista militar, esta retirada provavelmente favoreceu os dois lados”.

Para Zelensky, argumenta o militar na reserva em declarações à Sky News, o seu esforço principal “era, quase de certeza, Kherson e conseguiu recuperá-la praticamente sem ter de lutar para entrar” na cidade. No entanto, a fase seguinte — afastar os russos o suficiente para que a cidade de Kherson deixe de estar sob o alcance da artilharia — não será tão fácil como em Kharkiv. “Além de os russos terem destruído as pontes, o rio Dnipro é uma barreira muito eficaz e os russos escavaram posições defensivas. Não será fácil para os ucranianos conseguirem afastar” os adversários, refere Sean Bell.

A destroyed village in Ukraine: Posad-Pokrovske

Posad-Pokrovske, uma localidade de Kherson que ficou parcialmente destruída

Anadolu Agency via Getty Images

Michael Clarke concorda com esta análise já que acredita que os russos vão tentar levar as tropas que foram libertadas de Kherson para Donetsk, “ponto forte da batalha”, mas alerta que Moscovo pode ter problemas em conseguir fazê-lo “se os ucranianos continuarem a avançar”.

Perseguir russos? Possível, mas improvável

Ideia oposta chega do think tank ISW, o Instituto para o Estudo da Guerra. Frederick W. Kagan, antigo professor de História Militar na Academia de West Point, considera que perseguir os militares russos não é a melhor opção.

“A Ucrânia poderia tentar perseguir os russos através do rio Dnipro em vários pontos, mas é improvável que o faça porque a logística para dar apoio a uma base estabelecida na margem leste é muito difícil. Portanto, é mais provável que consolide o seu controlo da margem ocidental”, escreve no relatório do ISW de 13 de novembro.

Moscovo declara que Kherson continua a fazer parte da Rússia apesar da retirada

Ao invés disso, o analista norte-americano considera que ambos os lados irão investir os seus recursos no Donbass, região composta pelos oblast de Donetsk e Lugansk. “As operações ofensivas russas em Donetsk vão intensificar-se nas próximas semanas, à medida que mais militares mobilizados cheguem juntamente com as forças retiradas do oeste de Kherson.”

Face a este cenário, Frederick W. Kagan considera que a Ucrânia irá sentir-se pressionada a desviar os seus militares para a mesma região, de modo a conseguir uma defesa efetiva. Bakhmut será o coração da batalha.

"A Ucrânia poderia tentar perseguir os russos através do rio Dnipro em vários pontos, mas é improvável que o faça porque a logística para dar apoio a uma base estabelecida na margem leste é muito difícil. Portanto, é mais provável que consolide o seu controle da margem ocidental."
Frederick W. Kagan, Instituto para o Estudo da Guerra

Pausa na guerra? O gelo é melhor do que a lama para lutar

Se os livros de história contam que o inverno russo foi um fator (não o único, nem o mais importante) para a derrota de Napoleão Bonaparte, em 1812, durante a sua invasão da Rússia, o inverno ucraniano poderá trazer benefícios para o conflito atual.

Nesta fase de outono, o território ucraniano é um mar de lama, que torna impossível muitas manobras militares. Assim que as temperaturas começarem a descer, a lama dará lugar ao gelo e as manobras no terreno serão intensificadas. “Vamos sair das chuvas para o gelo, as terras vão ficar duras e a guerra não vai parar até à primavera”, argumenta o general Pinto Ramalho. “Dentro de pouco tempo o terreno estará duro”, explica. E, mesmo que assim não fosse, há sempre o recurso à artilharia.

Também Frederick W. Kagan lembra que as batalhas já estão a acontecer em condições muito lamacentas, mas as tropas “não vão parar de lutar quando o inverno congelar o solo e torná-lo ainda mais propício para a guerra de manobras mecanizadas em larga escala”. É mais provável que o combate se intensifique à medida que as temperaturas caem, defende o antigo professor da academia militar dos Estados Unidos.

Num outro relatório, os especialistas do ISW argumentam mesmo que alguns analistas ocidentais fizeram suposições erradas ao dizer que o inverno iria trazer uma desaceleração do conflito.

"Do ponto de vista militar, esta retirada provavelmente favoreceu os dois lados. Militarmente, devemos focar-nos no esforço principal. E o dos russos é no Donbass, para onde têm estado a enviar muitos soldados mal treinados. Esta retirada ordeira de Kherson, conseguindo transportar equipamento militar, permite-lhes levar 34 mil soldados para o Donbass, o que lhes permite voltar a atacar naquela zona."
Air Marshall Sean Bell

No final do dia, o vencedor em Kherson é…

“Quando as duas partes dizem bem do acontecimento, ambos salvam a face”, argumenta o general Pinto Ramalho. Apesar de ver vantagens para os dois lados, não nega que houve um ganho evidente para a Ucrânia.

“Há o aspeto mediático, importante, de uma grande vitória ucraniana que dá a Zelensky a oportunidade para apresentar êxitos. Não há dúvidas de que foi um êxito, e não podemos ignorá-lo, os ucranianos podem festejar e dizer que regressaram a Kherson — isso é positivo e pode até criar condições para que Zelensky possa tomar decisões mais difíceis”, argumenta o antigo chefe do Estado Maior do Exército.

Já a posição da Rússia em Kherson era extremamente complexa, do ponto de vista estratégico. “Era uma situação incómoda do ponto de vista militar”, mas, com a retirada ordeira, Moscovo conseguiu deslocar mais de 30 mil homens e 5 mil viaturas daquela zona. “A realidade serviu as duas partes. A Rússia pode usar este acontecimento para utilizar a mobilização geral, carta que ainda não usou, e conseguir pôr mais homens no terreno”, defende o militar português.

De resto, há uma porta aberta para negociações. “Durante muito tempo, era uma palavra banida porque falar em negociações era como premiar a Rússia. Neste momento, há mais de 200 mil mortos no conflito”, recorda o general Pinto Ramalho. “Só há duas maneiras de uma guerra terminar: a capitulação — e nenhum dos lados parece disposto a fazê-lo — ou a negociação. Nesse caso, Zelensky e Putin têm de se lembrar que há mais parceiros na sala e que já não é um diálogo a dois.”

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