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Líder da Huawei, Edward Snowden. A Web Summit vai azedar a relação entre Portugal e os EUA?

De um lado, os perigos para as "democracia liberais". Do outro, uma tecnologia mais rápida que a diplomacia. No mesmo palco, as caras da Huawei e dos abusos dos EUA. Como fica Portugal, o anfitrião?

Edward Snowden está exilado na Rússia depois de ter revelado que os EUA tinham um programa massivo de espionagem, assegurado pelas agências de segurança NSA e a CIA, e escutavam pessoas em todo o mundo. Guo Ping é o chairman (líder rotativo) da Huawei, uma das maiores empresas de equipamentos de telecomunicação do mundo. Problema: tem sido extremamente criticada pelos EUA por, alegadamente, espiar a favor do governo chinês. O que têm os dois em comum? Vão subir ao palco principal na Web Summit, na sessão de abertura desta segunda-feira.

Em agosto de 2018, a controversa francesa Marine Le Pen chegou a ser ‘desconvidada’ pela organização do evento depois de terem surgido várias críticas ao convite dentro da geringonça, como fez o Bloco de Esquerda. Como justificação para optar pelo ‘desconvite’, Paddy Cosgrave, o organizador da Web Summit, afirmou que este “desesrespeitava” Portugal. Na altura, houve silêncio institucional do Governo socialista. Alguns membros do partido, como o antigo secretário de Estado da Indústria, João Vasconcelos, afirmaram que “era preciso ouvir todos”. Já outros, como o deputado Tiago Barbosa Ribeiro, agora envolvido no caso Tancos, diziam que o convite tinha de ser retirado, porque promovia um “branqueamento do fascismo”. Mesmo gerindo dinheiro públicos que são canalizados para a Web Summit, o Governo disse não ter “intervenção na seleção de oradores”.

Numa altura em que o cenário da aliança nacional com os EUA, que data de 1791 — quando Portugal foi o primeiro estado neutro a reconhecer o recente país — está incerto, o palco da Web Summit tem hoje mais do que tecnologia: tem sobretudo política. Snowden e Ping podem ter um lugar de destaque, mas o atual executivo norte-americano não passa despercebido. Desde 2016, aquela que é a maior conferência de empreendedorismo e tecnologia da Europa tem sido uma das ribaltas para vários executivos norte-americanos.  Michael Kratsios, o diretor de tecnologia da Casa Branca, também é um dos convidados deste ano. Mas o que pode significar para os EUA a presença de figuras mais controversas no Altice Arena?

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As relações com entre Portugal e os EUA estão azedas? O dragão chinês na sala

Desde 2011, que a China, pela China Three Gorges, é a maior acionista da EDP. A REN (Redes Energéticas Nacionais) tem como principal acionista a State Grid Corporation of China, também uma empresa estatal chinesa. Para a concessão do Porto de Sines, contra os EUA, só está a China. Em 2013, o grupo de investimento chinês Fosun International adquiriu a seguradora Fidelidade à Caixa Geral de Depósitos, sendo o grupo também o maior acionista do banco BCP e dono da Luz Saúde. Ainda na semana passada, a ECS vendeu a centenária Cifial à chinesa Kinlong. E há mais exemplos de investimento chinês em Portugal.

Numa altura em que os EUA e a China estão em plena guerra económica, as relações económicas entre Portugal e o país asiático continuam a florescer, sendo o país “um parceiro” português, de acordo com o Governo.

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Os EUA, contudo, têm dado exemplos dos perigos que isto representa. Os alertas vão, por exemplo, para o poder que empresa chinesa Huawei pode ter no país se detiver dispositivos de infraestruturas de rede nas operadoras portuguesas (falamos aqui do 5G). Segundo os norte-americanos, não é possível acreditar num país que restringe a liberdade dos seus cidadãos e diz que vai utilizar a tecnologia nos países estrangeiros para fazer o que já faz aos seus cidadãos: controlar.

Na semana passada, Nathan Leamer, especialista em telecomunicações, esteve em Portugal convidado pelo governo dos EUA — numa conversa em que o Observador esteve presente — e relembrou o caso das manifestações em Hong Kong para relembrar a cautela necessária com empresas chinesas. “Há um interesse comum no 5G”, disse Leamer.

Desde fevereiro, os EUA têm deixado recados ao governo português, da mesma forma que o têm feito na Europa, a avisar que há benefícios da aliança — como acesso a exercícios da NATO ou a comunicações de segurança — que podem acabar se se aceitar empresas como a Huawei em Portugal. A presença de empresas chinesas em setores cruciais em Portugal também não tem agradado os norte-americanos, como têm referido o embaixador norte-americano e cidadãos do país em missões diplomáticas em Portugal.

No final de 2018, o presidente chinês esteve em Portugal para estreitar as relações entre os parceiros económicos

MÁRIO CRUZ/LUSA

Como explica ao Observador Raquel Vaz-Pinto, professora na Universidade Nova e especialista em relações internacionais, “há uma grande diferença entre um aliado e um parceiro”. Sendo os EUA um parceiro de Portugal, não se deve descredibilizar os alertas, mesmo que “a administração Trump não mostre propriamente ser a mais previsível no que toca a política externa”.

Os EUA são, além de um aliado, um parceiro económico português: são o quinto parceiro comercial de Portugal no comércio de bens, com as exportações para território americano a valerem cerca de 2,8 mil milhões de euros. Além disso, pela NATO, continuam a ser um aliado estratégico. Contudo, como explica Raquel Vaz-Pinto, “os EUA não podem manter uma postura de exigir ao mesmo tempo que não há uma oferta do ponto de vista tecnológico ou um entendimento a que nós todos possamos chegar, salvaguardando os interesses específicos de cada país”.

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No final das contas diplomáticas, é “importante manter a nossa autonomia estratégica” e ter atenção, principalmente em relação ao 5G, perceber “como os nossos parceiros europeus vão responder” (na Alemanha e Reino Unido tem havido entraves a empresas como a Huawei, mas não tão claros como os EUA têm feito). Para já, a aliança mantém-se. Sobre futuro, Raquel Vaz-Pinto diz: “Prefiro mil vezes estar alinhada com democracias liberais do que com um país que é a maior e mais sofisticada ditadura do mundo”. Não há certeza se Portugal vai azedar ou não as relações com os EUA, mas a querer fazê-lo é preciso “pelo menos uma discussão séria”.

A Web Summit implica com os EUA? O que representa Chairman da Huawei e Edward Snowden 

É injusto afirmar que a Web Summit implica com os EUA. Se falamos de Snowden e Ping, também devemos falar de Brad Smith, responsável máximo jurídico da Microsoft (que assinou recentemente um contrato de cibergurança multimilionário com o Pentágono), entre outros executivos norte-americanos de empresas tecnológicas. A afirmação poderia ser que a Web Summit implica com a administração Trump. Em setembro, em entrevista ao Observador, Paddy Cosgrave afirmou: “Temos também o Michael Pilsbury, que é, na verdade, desde Reagan, o principal responsável pelo desenho da política dos EUA em relação à China. (…) Fala muito publicamente sobre o papel que os EUA têm em Hong Kong. Tem sido muito explícito: acha que os chineses estão corretos quando acusam os EUA de interferir em Hong Kong”.

“Falhar é o fim mais provável para uma startup. Na Europa, não faz sentido ser empreendedor”

A presença de Edward Snowden e Guo Ping na Web Summit é um retrato de que a relação entre a tecnologia e a política está cada vez mais estreita. Como dizia Cosgrave, “a tecnologia costumava fazer parte da secção de negócios [dos jornais], depois, passou a fazer parte das principais histórias dessa secção e, agora, tenho a certeza de que não há uma semana que passe sem que haja uma história tecnológica na primeira página dos jornais. E não se trata de as novas tecnologias serem incríveis e de toda a gente ter de as conhecer melhor. Tem a ver com o facto de estas tecnologias estarem a ter impacto na nossa vida”.

Em dezembro de 2018 a Altice Portugal celebrou um acordo com a Huawei Portugal para o desenvolvimento da tecnologia 5G

(c)christophe_guerreiro

Ironicamente, o convite a Edward Snowden “mostra o estado atual das coisas”, explica Raquel Vaz-Pinto. O homem que denunciou práticas abusivas de privacidade dos EUA, sobe a palco para falar do perigo de agências governamentais espiarem as pessoas e o que o levou a ser denunciante: algo que com o 5G vai ser bem mais fácil para governos com más intenções.

Raquel Vaz-Pinto explica que é este papel da tecnologia que tem mostrado o poder da ditadura do partido comunista chinês: “A política e a tecnologia andam de braço dado”. O governo asiático assume abertamente que a tecnologia é a ferramenta para manter o controlo da população. E quanto ao 5G “a China tem feito o trabalho de casa”. O caso de Shenzhen, a cidade chinesa sede da Huawei que tem sido utilizada como “laboratório da empresa” para equipamentos de videovigilância, o que deve fazer não é cativar os tecnológicos, mas sim preocupar as democracias liberais de que tipo de tecnologias são estas, explica.

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O 5G, o futuro das infraestruturas de rede que promete revolucionar as telecomunicações e ligar todo o tipo de dispositivos de forma mais rápida e eficiente — de smartphones, a carros autónomos e máquinas de operação — vai ser um dos focos da Web Summit. A Altice, coorganizadora do evento, tem afirmado que a Huawei, que contra as europeias Nokia e Ericson oferece condições competitivas para a implementação desta infraestruturas, não é preocupante. No final, há sempre a possibilidade de utilizar a tecnologia a nosso proveito e os perigos podem ser acautelados. Podem? Pode ser que a Web Summit responda.

O que dizem os EUA, a China e o Governo? Não há comentários

Seja dos EUA, da Comissão Europeia ou de “outros autores políticos”, alertas não faltam. Contudo, do outro lado, empresas como a Huawei, que vai ter um palco privilegiado a partir de segunda-feira para falar do seu 5G, tem reiterado que as críticas são infundadas e que oferece condições para se verificar que a sua tecnologia não é utilizada com fins nefastos. O Observador tentou entrar em contacto no início da semana com a Embaixada da China em Portugal para mais comentários por parte do governo chinês sobre a Web Summit e presença de Guo Ping, mas não obteve resposta até à publicação deste artigo.

Por parte do Governo português, até à publicação deste artigo, o ministério dos Negócios Estrangeiros não se pronunciou sobre como pode a Web Summit prejudicar, se é que pode, as relações com os EUA e como têm sido acauteladas estas questões. Já o governo norte-americano, não desenvolveu comentários sobre a presença de Snowden e Ping na Web Summit.

A antiga eurodeputada socialista Ana Gomes tem sido uma das vozes contra parcerias com o governo chinês

Entretanto, a Web Summit, começa esta segunda-feira. Guo Ping sobe a palco numa altura em que o Governo norte-americano continua a recusar trabalhar com a Huawei “por razões de segurança”. Edward Snowden, por videoconferência da Rússia, tem também palco para falar dos perigos da tecnologia para vigilância em massa. No evento, o que não vai falta são testes 5G. Na China, esta sexta-feira, o 5G foi lançado. Nos EUA, também já foi. Em Portugal, a Altice está em braço de ferro com a Anacom, a autoridade reguladora para as telecomunicações, e a Vodafone e a NOS também criticam a reguladora pelo atraso no 5G. A avançar, é difícil presumir um cenário sem a tecnologia da Huawei. Resta ver o que a Web Summit vai mostrar.

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