Isabel Mendes Lopes, líder parlamentar do Livre, considera que o Governo de Luís Montenegro está a ser “extremamente irresponsável” na forma como está a gerir a governação, sugerindo que mais parece já estar em campanha eleitoral e recusando a tese de que há negociações com os partidos da oposição.
Em entrevista no programa Vichyssoise, do Observador, a candidata defende que o Presidente da República tinha razão em trazer o tema das reparações históricas, ainda que considera que “não pode ser feito” numa “histeria” e de “forma pouco responsável”.
Relativamente ao cabeça de lista do Livre às europeias, que protagonizou umas eleições primárias polémicas, Isabel Mendes Lopes desviou-se de comentários individuais, lembrou que o objetivo deste modelo é a construção de uma lista (e não o voto único que levou à vitória de Francisco Paupério) e elogiou apenas a lista como um todo. Para futuro, admite “melhorar”, garantindo que o formato de primárias abertas à sociedade tem sofrido alterações ao longo dos últimos anos.
[Ouça aqui a Vichyssoise com Isabel Mendes Lopes]
“Primárias? É uma experiência de contínuo crescimento”
Como é que o Livre poderá dizer que avança unido para estas eleições europeias e para este congresso? Se aprovou a lista de candidatos às europeias com 13 votos a favor, 18 abstenções e 6 votos contra, não é um sinal preocupante?
O Livre parte para estas eleições europeias como sempre parte para qualquer eleição, com muita vontade de mudar a política, neste caso, europeia. Estamos num momento crítico para a União Europeia, em que assistimos ao crescimento de movimentos populistas, autoritários, e que usam as instituições para as minar por dentro, e isso está a acontecer também ao nível da União Europeia. E, portanto, nós sabemos que o Livre e os partidos verdes europeus têm um papel muito importante para o combate a este crescimento de movimentos autoritários.
Internamente, a eleição não se pode dizer que tenha sido um grande sucesso: 13 votos a favor, 18 abstenções e 6 contra.
Todo o processo das primárias seguiu os processos democráticos do Livre.
Houve acusações de “chapeladas” no interior do partido.
E depois passaram pelos órgãos e os órgãos decidiram e já temos o assunto arrumado e estamos em campanha. Temos uma lista muito boa, vamos discutir no nosso congresso o programa que vamos levar para as eleições europeias, que feito de forma muito participada, com contribuições não só dos membros e apoiantes do Livre, mas também da sociedade civil. E, portanto, temos a certeza que vamos partir com o programa mais forte para estas eleições europeias, mas também com a lista mais forte para estas eleições europeias.
Portanto, estas questões internas estão ultrapassadas, é isso?
Sim, o nosso foco agora são as eleições. Não só as eleições das europeias, também as eleições da Madeira, porque nós estamos numa dupla campanha neste momento.
E para o futuro este modelo das primárias deve ser alterado ou deve terminar?
O modelo das primárias tem vindo a ser afinado desde o início do Livre e, de forma geral, a experiência com as primárias tem sido boa.
Esta não foi?
Não posso dizer que foi uma experiência má, é uma experiência de contínuo crescimento. As primárias trazem a possibilidade de qualquer pessoa, dentro ou fora do Livre, se poder propor a ser candidato nas eleições e isso é uma abertura à sociedade. Portanto, mesmo uma pessoa que não seja militante do partido pode ser candidato pelo partido.
E Francisco Paupério instrumentalizou essa abertura de espírito do Livre?
Aqui estou a falar de quem se pode candidatar. Isso é uma parte das primárias que é muito importante. E depois há outra parte que é as pessoas podem participar na escolha dos candidatos. O objetivo das primárias é que não seja uma direção do partido a escolher os seus candidatos, que seja todo o partido e as pessoas que se reveem nos ideais e nos princípios do partido. E isso, de forma geral, tem corrido muito bem. Temos tido candidatos que vêm da sociedade civil, que são absolutamente maravilhosos e pessoas com imenso valor
e que depois até muitas vezes acabam por se juntar ao Livre já depois de terem sido candidatos. E, portanto, também é assim que temos crescido.
Mas porquê é que diz que, de forma geral, tem corrido bem. Alguma coisa desta vez não correu bem?
Porque há sempre coisas a afinar.
A questão é que o processo podia ter sido interrompido e teve de ser o Conselho de Jurisdição a voltar atrás com aquilo que a Comissão de Eleições tinha proposto. Por isso, não foi um processo propriamente normal.
Não foi um processo normal, mas foi um processo normal no sentido em que todos os órgãos funcionaram dentro da sua normalidade. Ou seja, o processo foi lançado, a Comissão Eleitoral identifica um padrão anormal que não tem histórico neste tipo de processos, atua e depois o Conselho de Jurisdição, também dentro das suas competências, atua novamente. Mas isto faz parte da democracia. Os órgãos fazem parte da democracia e foi assim que chegámos aqui.
Agora com Francisco Paupério chegaram ao melhor cabeça de lista que podiam ter?
Nós temos uma lista que é muito rica e muito boa. Temos candidatos muito fortes para estas eleições europeias e há uma coisa que para nós é muito clara: as primárias não são uma competição pelo cabeça de lista, são primárias para construir uma lista.
Mas é naturalmente importante, até porque o cabeça de lista é sempre a pessoa que tem mais visibilidade, a pessoa que os eleitores ouvem.
Claro. Sim, mas vemos sempre as primárias como a construção de uma lista. E sim, estou muito contente com a lista que temos. Agora, à medida que o partido for crescendo e que em cada processo há sempre coisas a afinar, saímos sempre de umas primárias a identificar os aspetos que vamos ter de melhorar para as primárias seguintes. E naturalmente vamos continuar a fazer isso. Tivemos as primárias para as europeias, para as eleições da Madeira. Tivemos as primárias para as legislativas do dia 10 de março e, portanto, todos esses processos vão ser alvo de escrutínio e vamos melhorar para as próximas primárias.
“Seria muito bom termos um deputado e uma deputada em Bruxelas”
Se nestas eleições europeias só conseguirem eleger um eurodeputado, é um mau resultado?
Nós gostávamos muito de eleger mais eurodeputados.
Dois.
Mas seria muito bom termos um deputado e uma deputada no Parlamento Europeu, porque nós consideramos que essencial que os partidos verdes europeus tenham uma força grande no Parlamento Europeu. Mas ficaremos muito contentes com qualquer eleição.
Celebrarão sempre desde que elejam para o Parlamento Europeu?
Sim, claro.
No plano nacional, que balanço é que faz daquela frente esquerda que o Bloco de Esquerda tentou organizar a seguir às eleições. O que é que saiu de concreto dessas reuniões?
Saiu é um processo que se trabalha todos os dias, vamos conversando, vamos articulando com os outros partidos à esquerda.
Têm tido muito contacto com os outros partidos à esquerda no Parlamento?
No Parlamento temos [contacto] diariamente. Agora, temos de conseguir aprofundar, de criar também os mecanismos para que o país perceba que existe uma alternativa que é a alternativa mais estável, que é uma alternativa de futuro e que é a alternativa que traz as soluções e que é esta alternativa progressista e ecologista, onde o Livre estará sempre incluído e que é uma oposição a esta confusão que se vê que tem sido esta governação do PSD e CDS.
Mas há propostas conjuntas que possam avançar, por exemplo?
Há várias propostas que têm sido apresentadas pelos vários partidos e vamos conversando. Podemos apresentar algumas propostas em conjunto ou apresentar propostas semelhantes e depois trabalhá-las em conjunto.
Alguma prioridade que lhe ocorra para os próximos tempos em que possam estar alinhados?
Nesta configuração que nós temos no Parlamento é muito complicado porque sabemos que depois do lado do Governo não há vontade de implementar as propostas. Mas, na verdade, depois o que tem acontecido é que há várias propostas que têm sido aprovadas apesar do voto contra do PSD. E, portanto, também aí vamos mostrando qual é que poderia ser a alternativa. Há questões que, para o Livre, são essenciais estarem incluídas numa governação progressista que nós queremos mostrar como alternativa, como o aumento de rendimentos, o aumento de salários, a de redução do horário de trabalho, nomeadamente a continuação da experiência da semana de quatro dias, porque todos temos direito a mais tempo para nós e é um dos grandes problemas em Portugal. Nós temos muito pouco tempo para nós, há pessoas que nem sequer conseguem ver os filhos no dia a dia e isso traz problemas de saúde mental gigantes. Estamos num momento de evolução tecnológica e temos de usar a evolução tecnológica a nosso favor para melhorar o nosso dia a dia. Também a questão do tempo associada à questão do aumento do rendimento é uma prioridade.
“Governo diz que quer dialogar, mas depois não dialoga”
Apesar das intenções desse bloco de esquerda, considera que a verdadeira aliança tem sido entre o PS e o Chega?
Não, acho que tem havido algum aproveitamento do Chega, como habitual, em que vai dizendo uma coisa, fazendo outra e jogando o jogo para estar sempre nas notícias.
Mas sem o Chega, a esquerda não estaria a conseguir aprovar estas medidas.
Sim, é verdade, mas não considero que haja uma aliança de qualquer um dos partidos à esquerda com o Chega.
E considera que a oposição tem sido responsável ao aprovar constantemente medidas que representam mais despesa? A esquerda está focada em bloquear a governação de Luís Montenegro?
Acho que é um bocadinho ao contrário. Acho que o Governo é que está a ser extremamente irresponsável na maneira como está a gerir a sua governação. Parece que o Governo não está a governar e que está em campanha eleitoral.
Mas porque é que diz isso?
Porque o Governo diz que quer dialogar, mas depois não dialoga. Aliás, no próprio programa de governo incluíram medidas avulsas dos vários partidos, sem sequer falarem com os partidos, nem sequer nos indicaram depois que medidas de cada partido é que tinham sido incluídas. Quando o normal, num Governo que está em minoria seria perceber que tem de conseguir aqui arranjar as alianças, mesmo que sejam precárias, mas haver uma rede mínima de funcionamento e ir ter com os partidos, dizer: “Eu estou aqui em posição minoritária, temos de arranjar aqui algum compromisso para haver aqui alguma estabilidade, pensámos que se calhar no nosso programa de governo podia haver algumas medidas vossas, o que é que vocês acham essencial estar no nosso programa de Governo”.
E então a solução para combater isso é este bloco de esquerda e contar com o Chega para aprovar as medidas?
Não, a solução para isto parte do Governo. Se o governo quer governar tem também de dialogar com a Assembleia da República e não é o que tem acontecido. Há pouco perguntavam-me porque é que achava que o Governo estava em campanha eleitoral, e quando digo governo é PSD e CDS, e ainda ontem o PSD marcou um debate sobre o estado do SNS, onde não apresentou uma única medida, só esteve a falar sobre o passado, não fez propostas para o futuro e impediu os outros partidos também de apresentarem propostas concretas.
“Temos visto um Governo apostado em minar tudo”
Com todas essas críticas e no contexto que se tem vivido nos últimos meses, acredita que é possível que esta legislatura chegue ao fim?
Acho que para esta legislatura chegar ao fim tem de haver vontade do Governo e não é isso que temos visto. Temos visto um Governo apostado em minar tudo aquilo por onde passa, sem vontade de dialogar e sem vontade que a legislatura chegue ao fim e consideramos que de facto o Governo está já em campanha eleitoral a preparar as próximas eleições.
O Livre admitiu apresentar propostas concretas sobre a questão das reparações históricas. A ideia é transpor as propostas que tinham no programa eleitoral, por exemplo, a devolução de bens das ex-colónias nos museus portugueses ou a revisão de currículos escolares?
O debate sobre reparações históricas e sobre a nossa história em geral e sobre o que é
que o nosso passado implica agora no nosso presente é um debate muito sério que tem de ser feito de forma rigorosa e não pode ser feito da forma como o Presidente da República e como alguns querem fazer, numa histeria e numa forma muito pouco responsável.
Mas o Presidente da República tinha razão na substância, naquilo que disse?
O Presidente da República tinha razão, se calhar não da forma como o tema foi introduzido, porque é um tema sensível, mas é um tema que tem de ser abordado. Estamos a falar de vários séculos de história em que Portugal acabou por ser um país que teve que ir buscar recursos de outros países, provocar muito sofrimento noutros países e que, ainda hoje, há muitas consequências e podemos falar das questões também de racismo. Portanto nós temos de fazer um debate sério sobre reparações históricas, mas isso não é apenas a questão da devolução do património. Reparações históricas é também perceber que implicações é que a escravatura, o sistema colonial teve no passado e que implicações é que tem hoje no presente.
Mas para o Livre pode ser feito agora ou agora é esse o momento de histeria que estava a referir e mais vale deixar passar esta onda e surgirem mais tarde as propostas?
É um debate em que Portugal já está atrasado. Temos vários países já com este debate muito mais adiantado e portanto o tempo era no passado. Não podemos deixar de fazer os debates porque agora não é o momento. Não, é o momento de o fazer, é o momento de o fazer de uma forma séria, com a academia, vendo os exemplos dos outros países, falando com os outros países, com o Brasil, com a Guiné, Angola, Moçambique. Nós temos de fazer esse debate.
Então o Livre vai apresentar algum plano nesse sentido, tem propostas concretas para apresentar?
Nós temos várias propostas, vamos ver como é que é a melhor maneira porque o debate não precisa ser feito na Assembleia da República. É um debate nacional que tem de ser feito em vários fóruns diferentes e temos de ver se nesta configuração da Assembleia da República se vale a pena até ter este debate.
“Bloco e com o PCP também são partidos muito importantes”
O Livre passou de um para quatro deputados nestas últimas eleições, enquanto o resto da esquerda encolhia. O que é que fizeram bem que o resto da esquerda fez mal? Isto porque há alguns mais cínicos que dizem que o livro nos últimos anos focou-se muito e sobretudo em grupos de trabalho, estudos e em medidas mais fáceis para o Governo.
Os grupos de trabalho e estudos têm sempre um objetivo e eu quero lembrar, por exemplo,
um dos estudos que nós aprovámos e que depois foi implementado foi o projeto piloto da semana de quatro dias.
O Bloco de Esquerda e o PCP faziam uma oposição muito vocal ao Governo de António Costa, o Livre menos e que isso terá favorecido o Livre. Encontra razões nessa tese dos mais cínicos?
Não é essa a nossa visão e o que sentimos durante a campanha eleitoral e agora mesmo já no nosso trabalho na Assembleia da República, é que as pessoas vêm ter connosco com muito entusiasmo porque sentem que há aqui uma perspetiva de futuro e uma visão de futuro sobre como é que podemos fazer de forma diferente, como é que essa nossa sociedade pode ser.
E no Bloco e no PCP menos.
Não, também há pessoas que sentem isso com o Bloco e com o PCP e que são partidos muito importantes também na nossa democracia. Mas o Livre é um partido de diálogo e isso vê-se também na Assembleia da República com o diálogo com todos os partidos. Mas quero só voltar aqui à questão dos estudos e dos projetos piloto, eles servem sempre para alguma coisa. Servem para testar e o teste e a ciência são muito importante também para a tomada de decisão política, mas também servem para abrir perspetiva, para perceber como as coisas podem de facto funcionar de forma diferente. E o teste piloto da semana de quatro dias é claramente um desses casos. Nós tivemos mil trabalhadores em quarenta empresas a testarem a semana de quatro dias e os resultados foram espetaculares. As pessoas passaram a dormir melhor, com menos ansiedade, conseguiram conciliar muito melhor a sua vida familiar e a vida profissional e muitas empresas disseram que até ficaram mais produtivas.
“Joacine Katar Moreira já não faz parte do Livre”
Vamos avançar para o segmento Carne ou Peixe, onde só pode escolher uma de duas opções. Preferia que o Livre ficasse com a pasta do ambiente num Governo de Luís Montenegro ou que o livro fizesse parte de uma geringonça, mas fora do governo, com Pedro Nuno Santos?
O Livre nunca faria parte de um Governo com Luís Montenegro. Nós preferíamos estar num governo com a pasta do Ambiente, num governo de esquerda, claramente.
Preferia que o PSD se aliasse ao Chega ou que Joacine Katar Moreira fosse a porta-voz do Livre?
Joacine Katar Moreira já não faz parte do Livre. O que eu quero é que o país não esteja dependente do Chega e que a extrema-direita seja completamente afastada. Eu acho que esse é o melhor cenário para o país e nós temos sempre de pensar no país em primeiro lugar e já temos sempre dito que as forças democráticas devem fazer uma barreira às forças não democráticas e, portanto, preferia que o PSD não dialogasse com o Chega.
E quem preferia levar a comer fish and chips no Reino Unido, Mariana Mortágua ou Paulo Raimundo?
Queria levar os dois.
Queria fazer uma geringonça lá.
Claro.
Já fez teatro, quem é que escolhia como parceiro de cena, Francisco Paupério ou Rui Tavares?
Escolhia os dois também, mas não, se calhar o Rui Tavares que é assim mais… já contraceno muito com o Rui Tavares, já tenho essa experiência, portanto, levaria ao Rui Tavares, mas gostaria também de experimentar fazer teatro com o Francisco Paupério.