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O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, discursa durante o encontro Anual do Conselho da Diáspora Portuguesa no Palácio da Cidadela, em Cascais, 21 de dezembro de 2022. RODRIGO ANTUNES/LUSA
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Presidente já mandou uma vez lei para o Tribunal Constitucional e também já a vetou com argumentos políticos

RODRIGO ANTUNES/LUSA

Presidente já mandou uma vez lei para o Tribunal Constitucional e também já a vetou com argumentos políticos

RODRIGO ANTUNES/LUSA

Marcelo suspeita de "indefinições" na lei da eutanásia e irrita partidos

Partidos já esperavam novo travão de Marcelo e acreditam que se agarrou a pretextos para enviar texto ao TC. Presidente fala em conceitos indefinidos e apoia exigências das regiões autónomas.

Mais um obstáculo. Marcelo Rebelo de Sousa não perdeu tempo e assim que recebeu a última versão da proposta para despenalizar a eutanásia reencaminhou-a para o Tribunal Constitucional. Depois de duas aprovações no Parlamento e de muitos passos em falso, o Presidente volta a um argumento antigo — a dificuldade de definir as condições de saúde em que a eutanásia pode acontecer –, irritando os partidos, convencidos de que continua a arranjar “desculpas” para pôr o diploma em xeque.

Entre os argumentos de Marcelo, que em Belém disse ter enviado o diploma para o Palácio Ratton por uma questão de “certeza de direitos”, encontram-se dois principais reparos à proposta subscrita por PS, IL, BE e PAN.

Por um lado, recorda o Presidente que o Tribunal Constitucional já por uma vez, em 2021, tinha chumbado a lei e apontado para uma “imprecisão” nos conceitos, nomeadamente os que eram usados para definir quem estaria em condições de pedir a eutanásia — na altura, o texto estabelecia como condição uma “lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico”.

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Ora desde então o Parlamento já alterou a lei, já a recebeu de volta pelas mãos do Presidente por “conter um conjunto de contradições” e “inconsistências”, lembra Marcelo, e já a voltou a aprovar, modificando alguns conceitos e deixando cair uma das expressões que constavam da versão inicial do diploma — a “doença fatal”, requisito que não era obrigatório mas ficava previsto no projeto inicial.

Uma mudança que os partidos garantiram, na altura, não passar de uma clarificação e uniformização do diploma, uma vez que o espírito da lei nunca tinha sido antecipar a morte apenas em casos fatais; mas que desde logo pareceu “radical” a Marcelo e que o Presidente avisa agora, em jeito de comentário no texto enviado para os juízes do palácio Ratton, que se traduz num “regime menos restritivo”.

Neste texto, Marcelo não pede aos juízes para analisarem a questão da doença fatal em concreto; mas na justificação que acompanhava o seu veto político já tinha avisado que esta opção dos partidos poderia levar a novo choque com o Presidente, que duvidava de que um regime mais “amplo” refletisse o sentimento da maioria dos portugueses. Essa será, no entanto, uma questão a ter em conta se o diploma voltar a Belém e Marcelo tiver de voltar a decidir se veta a lei por sua iniciativa.

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Por agora, prossegue o Presidente no texto enviado ao Ratton, os partidos passaram a considerar uma “doença grave e incurável”, que é definida numa lista de conceitos na parte inicial do diploma — lista que tinha sido pedida pelo TC — como uma “doença que ameaça a vida, em fase avançada e progressiva, incurável e irreversível, que origina sofrimento de grande intensidade”. Ora a dúvida de Marcelo é saber se esta nova definição, que inclui o conceito indefinido de “grande intensidade”, esclarece os juízes, que antes pediam “precisão” ao diploma.

Ou, pelas palavras do Presidente, se é “de molde a corresponder à densificação e determinabilidade exigida pelo antes aludido Acórdão do Tribunal Constitucional, tendo em consideração a supressão do requisito da “doença fatal” e da alusão à “antecipação da morte'”.

E, de novo, Marcelo aponta incoerências que verifica na redação lei, como o facto de haver referências variáveis à necessidade de se verificar o tal “sofrimento de grande intensidade” (dependendo de se se está a falar de casos de “lesão definitiva de gravidade extrema” ou de “doença grave e incurável”).

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A questão central tem, por isso, a ver mais uma vez com a precisão dos conceitos e com a “densificação da lei”, que Marcelo alerta ser essencial sobretudo “numa questão central em matéria de direitos, liberdade e garantias”. Mais: “Como se compreende, como já teve ocasião de afirmar o Tribunal Constitucional, uma indefinição conceptual não pode manter-se, numa matéria com esta sensibilidade, em que se exige a maior certeza jurídica possível”.

Partidos já esperavam decisão, mas contrariam Presidente

O Presidente agarra-se, assim, a reparos que o TC já tinha deixado no primeiro veto — e está a deixar os proponentes irritados. Mas não surpreendidos: entre as fontes dos vários partidos ouvidas pelo Observador, a primeira reação é considerar que o novo obstáculo lançado por Marcelo era “previsível” e que os argumentos são apenas “desculpas” para continuar a travar a lei. “Nada que não nos tivesse ocorrido”, garante uma das fontes envolvidas no desenho da lei.

E não dão razão aos argumentos do Presidente: no PS, fonte conhecedora do processo frisa que “os conceitos estão determinados” ao nível que é “possível” determiná-los em lei, imitando as definições que já são usadas noutros países europeus onde a eutanásia é legal. “Daí a exigência de uma comissão com vários intervenientes“, incluindo médicos e psicólogos, que pode avaliar as condições de cada doente e a partir daí aprovar ou chumbar cada pedido de eutanásia, lembra a mesma fonte.

À Rádio Observador, a socialista Susana Amador disse esta quarta-feira que o partido “respeita” as decisões do Presidente e referiu o “esforço enorme” feito pelo PS para “dirimir todas as dúvidas” que existiam e chegar finalmente a um “desfecho positivo” — ainda não foi desta.

Mas, no Bloco de Esquerda, a perspetiva é ainda mais cética: os novos reparos do Presidente não traduzem qualquer problema “concreto”, reage uma fonte, convencida de que Marcelo continua a agarrar-se a “desculpas” para atrasar a aprovação da lei.

Deputados votam a favor da lei da despenalização da morte medicamente assistida, na Assembleia da República,em Lisboa, 09 dezembro 2022. MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

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MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

TC pode pedir regulamentação para ilhas

Entre esses argumentos usados por Marcelo encontra-se uma segunda ideia: o facto de as regiões autónimas não terem sido ouvidas neste processo, como chegaram a exigir. “De acordo com a jurisprudência constante do Tribunal Constitucional, parece não avultar, no regime substantivo do diploma, um interesse específico ou diferença particular das Regiões Autónomas”.

Por isso, tendo em conta o acesso dos cidadãos à Saúde, Marcelo lembra que o diploma só se refere a estruturas que existem no continente (do SNS à DGS), “em que não cabem as regiões autónomas”, pelo que será necessário um diploma complementar, envolvendo “obviamente” os governos regionais.

As regiões autónomas já tinham, de resto, feito esse reparo, tendo o presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, chegado a comentar a questão durante uma conferência de líderes, no Parlamento.

Santos Silva considera que não é obrigatório ouvir regiões autónomas para aprovar lei da eutanásia

O entendimento do Presidente da Assembleia “não era esse”, como se lia numa ata da reunião na altura: seria possível concluir o processo legislativo sem o parecer das duas regiões autónomas, como acabou por acontecer.

Quem se mostrou satisfeito com a decisão do Presidente da República foi o Chega, que ainda esta quarta-feira viu o recurso que tinha interposto no Parlamento para chumbar a lei a ser travado, com votos contra de todos os partidos. Ainda assim, a decisão de Marcelo soube a vitória: para André Ventura, que reagiu à notícia no Parlamento, o envio para o TC é a “prova” de que o Chega tinha ao razão ao dizer que o texto “viola flagrantemente” a Constituição e “alarga o âmbito” da lei.

“O Presidente compreendeu o que facilmente qualquer jurista compreenderia. Compreendeu o que os partidos não compreenderam e dificilmente o TC não inviabilizará esta lei”, atirou. Mas se não o fizer, lembra Ventura, Marcelo ainda terá “uma palavra a dizer” — e poderá voltar a exercer um veto político. Uma hipótese que o próprio Marcelo deixaria em aberto, minutos depois, ao comentar a decisão em Belém — mas para já a decisão está nas mãos dos juízes.

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