Na última semana, a ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, saltou da segunda linha onde costuma mover-se para a primeira na linha de fogo dos ataques ao Governo por ter sido ela a anunciar a famosa bolha na qual se moveriam os adeptos ingleses que viriam ao Porto para a final da Liga dos Campeões. A bolha não funcionou a 100% e a ministra assume, em entrevista ao Observador, responsabilidade e também que faltou informação clara por parte do Governo quando se apercebeu — depois de abertas as fronteiras — viriam mais adeptos à margem do evento da UEFA.
É a figura que António Costa colocou no centro da coordenação política da sua era, tanto no PS como no Governo, e elaborou a moção que o líder leva ao congresso de julho, surgindo agora também como uma possível sucessora. Mariana Vieira da Silva, habitualmente reservada em matéria de cálculos políticos, não o descarta. E atira ao PSD e à proximidade com o Chega, embora sublinhe que o partido de Rui Rio não está riscado de diálogos. Basta que “não seja complacente”. A conversa, no programa Sob Escuta da Rádio Observador, começou pela inevitável pandemia.
[Veja aqui os melhores momentos da entrevista:]
Quando é que os portugueses vão retomar a vida normal?
Não é justo para ninguém podermos introduzir um calendário sobre normalidade. Esta pandemia, e tudo o que nós temos vivido nos últimos quinze meses, é marcada por muitas incertezas e por muitas mudanças naquilo que vamos conhecendo sobre a doença. E, portanto, aquilo que podemos dizer é que procuramos, como desde o primeiro dia, tomar todas as medidas necessárias, mas nunca mais do que as necessárias e ir acompanhando o conhecimento. Isto permitindo ao mesmo tempo que todos possam ouvir aquilo que os peritos nos primeiros tempos nos diziam apenas a nós [Governo] para podermos continuar a seguir a nossa vida, que não é numa situação de normalidade. E, na verdade, não sabemos quando pode ser.
Ouça aqui a entrevista na íntegra
Liderar o PS? “A vida acontece muitas vezes por caminhos inesperados”
Acredita que no fim da legislatura vamos estar como em 2019 do ponto de vista daquele que é quotidiano das pessoas?
Não me arrisco dizer e penso muitas vezes nesse dia, em que será possível, como todas as pessoas. Mas a verdade é que ninguém sabe. E, portanto, estarmos aqui a criar expectativas como muitos de nós estivemos no início deste ano, quando começou a vacinação, que rapidamente sairíamos da situação em que vivemos, não sabemos dizer. Não sabemos que variantes vão aparecer nem a efetiva capacidade de resposta das vacinas face a variantes que ainda não conhecemos e, portanto, temos de ir gerindo. Gostava muito, provavelmente mais do que ninguém, de dizer outra coisa, mas a verdade é que não sabemos.
Numa questão mais concreta, a própria ministra tem estado no olho do furacão por causa do que disse antes da final. Vamos ler: “As pessoas que vierem à final da Liga dos Campeões virão e regressarão no mesmo dia, com teste feito e em situação de bolha, ou seja, em voo charter, deslocação para duas zonas de espera de adeptos, daí para o estádio e depois do jogo de volta para o aeroporto, estando em território nacional menos de 24 horas”. Reconhece que as coisas não correram bem assim?
Reconheço, mas queria dizer uma coisa antes: a vez em que expliquei isso ainda não tinham sido retomados os voos turísticos. E é evidente, como aliás no último briefing em que voltei a falar disso antes da final da Liga dos Campeões, que quando isso acontece todo o acordo que tinha sido feito passa a ser muito mais difícil porque qualquer pessoa passa a poder voar para o Porto e muitas pessoas sem bilhete. Essas frases foram ditas num contexto em que não havia voos sem ser essenciais de ingleses para o Porto. Depois a situação mudou. Talvez devêssemos ter sido mais claros quanto a essa mudança de situação porque ela objetivamente passou a ser uma situação diferente. E, obviamente, que reconheço que nem tudo correu bem. Acima de tudo, nem tudo correu como nós dissemos que ia correr. Outra coisa diferente é a avaliação no cômputo geral que, apesar de tudo, não correu mal, de acordo com a polícia ou a DGS. Agora é evidente que não correu como Governo disse e como eu própria disse que ia correr.
As declarações que fez sobre a bolha são de 13 de maio. No dia 11 já havia notícias sobre a reentrada de Portugal na lista verde do RU (o Governo não foi apanhado de surpresa) e o corredor aéreo entre os dois países abriu a 17 de maio, apenas quatro das suas declarações e a final realizou-se 12 dias depois disto tudo. Porque é que nesse período de tempo não houve essa adaptação do plano?
No briefing imediatamente antes da final disse-o: ‘É evidente que tudo agora é diferente porque os voos turísticos entretanto abriram’. Se me pergunta se devia ter dito com mais detalhe, devia, mas é assim.
Mas mais do que dizer, a questão aqui é fazer. Porque não foi feito um plano que acautelasse esta situação?
O plano foi sempre sendo adaptado. O plano das Forças de Segurança, da DGS, o acompanhamento no terreno, que obviamente não sou eu que acompanho.
Então o que correu mal não foram as declarações, foi a gestão que se fez, tendo em conta a informação que se tinha.
Não. Acho que a gestão foi sendo adaptada, não foi é dito nada de diferente daquilo que eu tinha dito entretanto, mas a gestão foi sendo adaptada no território. Não vejo que não tenha sido.
Mas resultou em ajuntamentos, resultou em desacatos até. Portanto, alguma coisa falhou.
Certo. Tenho visto frequentemente notícias de muita gente nas ruas em muitos pontos do país e nada relacionados com a Liga dos Campeões. Nós temos de separar um pouco as águas. Cabe-nos a todos combater os ajuntamentos. E obviamente também ao Governo, através das medidas que toma, e às forças de segurança, através da sua aplicação. Outra coisa distinta é pensarmos que isso aconteceu por causa da final da Liga dos Campeões. E isso não é verdade. Aliás, nos mesmos dias muitos órgãos de comunicação social relatavam ajuntamentos noutros sítios.
A questão é que estes dois eventos, a Liga dos Campeões e os festejos do campeonato nacional, eram previsíveis, como falha mesmo assim a situação?
Falha porque estamos todos muito saturados e julgo que até há poucos dias vivíamos com uma certa sensação de que daqui só poderia melhorar. Já não tínhamos nenhum momento em que as coisas pudessem regredir. E isso num contexto em que já não há nenhuma medida de recolher obrigatório.
Então são os portugueses que estão a falhar pelo cansaço e não o Governo na gestão?
Nunca deixarei de assumir responsabilidades por dificuldades de organização e por erros de gestão. Mas nós já não temos os instrumentos que existiram de controlo das pessoas na rua. E ainda bem. Já não estamos em estado de emergência. Todos nós somos livres de andar na rua. Temos regras para cumprir, mas não estamos a falar do mesmo nível de controlo. Por isso, sim. Quando há abertura de medidas, há maior responsabilidade individual de cada um de nós. É assim e é a única forma de não vivermos com medidas tão restritivas durante tanto tempo. Portanto, erros na comunicação e numa certa expectativa que foi criada sobre a vinda em bolha, assumo-os totalmente. Porque é evidente que a partir do momento em que muda o contexto — e não é o contexto de estarmos na lista do Reino Unido, é também o contexto de levantamento das restrições que havia, porque até há pouco tempos só estavam previstos voos essenciais — a mensagem podia ter sido diferente. Agora, no que diz respeito às pessoas que estavam no estádio, da forma como vieram e regressaram no próprio dia, aí o cumprimento foi muito elevado.
O primeiro-ministro disse que 80% dos adeptos da bolha foram controlados. Mas há relatos de sindicatos da polícia e elementos da PSP, citados esta sexta-feira pelo semanário Expresso, que dizem que a bolha não funcionou e que não era sequer possível controlar os adeptos para que não se misturassem com as outras pessoas. O Governo está mal informado ou a polícia está a mentir?
Não vou comentar declarações. Mas o primeiro-ministro quando deu esses números explicou claramente o que estava a dizer. Explicou quantas pessoas tinham aterrado no próprio dia da Liga dos Campeões e deixado o país no mesmo dia, sendo transportadas em transportes coletivo do aeroporto para as zonas e das zonas para o estádio. Depois como essas coisas foram organizadas no terreno não vou comentar e são decisões que se tomam operacionalmente, reduzindo ao máximo o risco, que é no fundo o objetivo principal.
“Os dados referidos pelo Reino Unido não justificam a decisão tomada”
Depois de tudo, Portugal voltou a ser considerado um destino de risco pelo Reino Unido. Que tipo de impacto estas restrições podem ter no turismo nesta altura?
Ainda há poucos dias todo o discurso público que se fazia era sobre a não existência de necessidade de medidas porque as coisas estavam controladas. Mesmo do ponto de vista económico, as baixas incidências são a melhor garantia de que o país tem boas condições económicas. É por isso que não foi feita nenhuma alteração na matriz de risco para podermos continuar a trabalhar para estar abaixo dos 120 a nível nacional. Quanto à posição do Reino Unido, o nosso entendimento é que os dados referidos não justificam a decisão tomada. Há várias fontes inglesas que até comentam que é por termos tanta capacidade de identificar as variantes que podem estar mais exigentes connosco. Cabe-nos continuar a controlar a pandemia sabendo sempre que quem quer fazer uma oposição entre a situação sanitária e a situação económica, na verdade não está a ser justo para com o que aconteceu. A economia está sempre melhor quando a pandemia está controlada.
O Governo foi surpreendido com esta decisão? Não estavam à espera que acontecesse nesta altura?
Não, porque os números, face ao número nacional, estão ainda abaixo e a situação da pandemia tem um nível de controlo significativo. Acompanhamos todas as variantes e medidas para os locais onde há surtos. A expectativa é que Portugal, tendo a situação ainda controlada, pudesse continuar.
O que se pode fazer para controlar esta instabilidade face ao Reino Unido. Numa semana entramos na lista, noutra saímos. Pelo meio há adeptos ingleses em ajuntamentos em Portugal… O que pode ser feito?
A única coisa que podemos fazer é continuar a controlar a pandemia e continuar a manter abertos todos o canais mais técnicos de comunicação com os diferentes países explicando a nossa situação e dando informação sobre as variantes que temos. Não podemos fazer nada a não ser ter a pandemia controlada. A ideia quem com menos restrições, a economia acelera nem sempre é verdadeira. Portanto, o que temos é de procurar esse equilíbrio entre termos uma vida mais normal numa pandemia como a que vivemos e ao mesmo tempo poder deixar que a economia possa funcionar num contexto de controlo sanitário. Porque quando há descontrolo sanitário é mesmo quando a economia fica mais prejudicada.
Está a ser feito um trabalho de sensibilização junto do Governo britânico para que o certificado Covid seja válido também no país?
É um trabalho do ministro dos Negócios Estrangeiros, mas é óbvio que o certificado verde é um instrumento muito importante porque permite que quem está vacinado ou imunizado de alguma maneira, quem tem teste, possa viver do ponto de vista das viagens mais livremente e esse é um momento importante. É importante que o maior número de países possa aderir a instrumentos como este ou que possam comunicar com este. O que não podemos é associar eventuais crescimentos que temos só aos turistas, porque não existe nenhuma evidência que a Liga dos Campeões tenha provocado qualquer resultado e ao mesmo tempo viver numa espécie de bipolaridade em que queremos que venham, mas não queremos que venham.
Mobilidade: “Temos uma situação muito próxima do normal e isso tem consequências”
Mas há aqui uma coincidência depois dos eventos, tal como houve no campeonato de futebol.
Há, mas também havia maior liberdade.
Houve peritos que disseram que havia uma relação direta no caso dos festejo do campeonato.
Há inúmeras coisas que mudaram e podem explicar a variação de casos. E todos nós participamos e somos parte dessa maior mobilidade. Não creio que algum de nós possa dizer que tem uma mobilidade na sua vida exatamente equivalente à que tinha há um mês. Face ao dia em que estávamos mais confinados, desde que a pandemia começou, temos neste momento 13% de confinamento. Temos uma situação muito próxima do normal e isso tem consequências.
Nesse cenário de maior abertura não faz sentido que as autoridades policiais tenham mais do que um comportamento apenas pedagógico?
Percebi isso, mas devemos afetar as nossas liberdades e as que existem o mínimo possível. Os polícias têm de fazer o que lhes compete e temos visto situações em que intervêm. É sempre um equilíbrio muito difícil e é sempre muito mais fácil quando as restrições são muitas, porque as pessoas estão em casa e é mais fácil controlar isso. Sendo possível ter este maior nível de abertura, devemos tê-lo e comportarmo-nos para que ele se possa manter. Compreendo que nem tudo pode depender do comportamento individual. Mas qual é a alternativa? É manter níveis e confinamento muito isolados para sempre?
Ficou a ideia de que há uma desproporção quando são cidadãos estrangeiros e quando são nacionais. Além disso, o Reino Unido abriu o corredor verde para a Champions e entretanto fechou. O Governo tem alguma prova de que não tenha sido só uma questão científica a motivar esta abertura e fecho?
Não existe essa evidência e não creio que nenhum país impeça as pessoas de saírem do seu país com essa facilidade. Mas também não me cabe fazer qualquer comentário. Em relação à desproporção, não me parece que ela exista. Temos visto várias notícias sobre intervenções em Lisboa, no Algarve, no Porto. E não podemos confundir uma perceção criada porque as imagens são muitas vezes repetidas com uma ideia de que há uma diferença ou discriminação. As regras foram comunicadas a todas as pessoas e fazemos com que sejam cumpridas.
Não fragiliza a questão da pandemia o facto de haver elementos da PSP que vêm dizer que. a bolha não estava fechada ou que a polícia diz teve indicação para não intervir. Não fica a ideia que não há uma coordenação efetiva sobre a ação política a ação no terreno?
O ministro da Administração Interna desmentiu que tenha dado essa orientação. Quando vamos na auto estrada a cumprir a velocidade e passa um carro muito mais rápido, o nosso pensamento não pode ser “aquela devia ser a velocidade permitida nesta auto estrada” ou “não deve ser se ele pode eu também posso”. Temos um conjunto de regras que temos de cumprir, mas isso não diminui a importância das regras e nem que sintamos que se o outro faz também podemos fazer. Não é assim que as regras funcionam e a nós cabe-nos definir regras tão claras como possível e não receio que um acontecimento de três dias represente um traço geral que o nosso país tem tido de cumprimento de regras.
Mas há aqui uma consequência concreta desta fase de desconfinamento que é: os números estão a aumentar. Há dois dias seguidos com mais de 700 casos. Isto pode significar que o país corre o risco de voltar ao estado de emergência ou um confinamento geral?
Aquilo que nós já sabemos por experiência própria é que, a um maior desconfinamento, corresponde sempre um aumento dos casos. Se olhar para a resolução de Conselho de Ministros que aprovou as medidas de desconfinamento em março, lá está dito: é previsível que venha a crescer o número de casos. O que nós precisamos é de ter instrumentos de controlo desse crescimento. Até agora, os instrumentos que tivemos foram bastante bem sucedidos. Fomos sucessivamente aumentando os níveis de desconfinamento e a incidência continua mais baixa do que estava quando iniciámos o desconfinamento.
Mas continua a aumentar. Mesmo sendo de acordo com a previsão do Governo, a questão é se corremos, de facto, o risco voltarmos para casa.
Corremos sempre o risco de aumentar medidas restritivas e esse é um instrumento que foi definido. Termos uma bússola para ver se precisamos ou não de fechar e utilizar esse instrumento sempre que necessário.
Teme que seja necessário voltar ao estado de emergência?
Nós com as medidas que temos neste momento já vários concelhos voltaram atrás no desconfinamento. E é o que acontecerá sempre que ultrapassarem os limites que estão previstos. E, portanto, existe na prática, muitas localidades, vilas e concelhos que já regrediram.
Mas não estão em confinamento geral ou estado de emergência.
Não estão. E a nossa expectativa é que esse controlo em números mais baixos da pandemia possa permitir que nunca se volte a essa situação. Tudo isto já transformado pelo número de pessoas que estão vacinadas, que reduz a transmissibilidade e cria uma situação de menor risco.
Suponho que, se for preciso, não haverá rebuço, como disse o primeiro-ministro, em voltar atrás.
Obviamente.
Eduardo Cabrita tem tido “capacidade de responder a múltiplos desafios”
Vêm aí os Santos Populares. Em Lisboa não haverá nada. No Porto, o primeiro-ministro falou com o presidente da câmara que lhe disse que vão existir três espaços licenciados para o São João. Mas o autarca disse que “a PSP não pode reprimir se toda a gente vier para as ruas”, o que dá um sinal de abertura a quem quiser fazê-lo espontaneamente. Que garantias tem o Governo de que isto não acontece?
Entre as atividades encerradas, encontram-se as festas populares, as romarias, as festas que existem nesta altura e no verão. Precisamos de evitar uma situação de bipolaridade permanente, entre querermos que a vida volte ao normal e que as regras restritivas se mantenham fortes. Esse é um equilíbrio nas regras, que me parece que existe. E agora cabe a todos, cidadãos, forças de segurança e todos garantir que as regras são cumpridas.
Se vários restaurantes tiverem um espaço exterior e se licenciarem dentro da lotação em vários restaurantes, as pessoas sairão todas para rua. Isto está pensado ou no dia 23 e 24 vamos pensar que as coisas correram mal porque houve ajuntamentos?
Qual é a alternativa? Fecharmos os restaurantes durante alguns dias? Os restaurantes têm regras com lotação reduzida, com número limite de pessoas nas mesas e, até dia 14, com horário limitado de funcionamento. Essas regras devem ser cumpridas, as pessoas devem evitar ajuntamentos na rua porque eles continuam impedidos. Aquilo que se espera é que todos possamos perceber que, no momento em que os casos estão a crescer, aumentamos o risco de ficar em isolamento profilático ou doentes.
O Governo está a preparar alguma campanha de informação específica para sensibilizar as pessoas nesta altura?
Não conheço regra mais forte do que dizer que, neste momento, as festas populares não são permitidas. Essa é a mensagem forte, com muita clareza que está publicada na resolução do Conselho de Ministros.
Não esperam nenhuma comunicação específica para esse período?
A comunicação sobre a impossibilidade de ajuntamentos e os perigos das festas existe e está em curso. Agora não me parece que falte clareza quando a decisão do Governo — que é difícil e tem impacto num setor importante da nossa economia e na vida de muitas pessoas — dizer que as festas populares não estão permitidas.
Há aqui vários casos que vão sempre dar à mesma área: o caso do cidadão ucraniano agredido pelo SEF, a requisição do ZMar, o caso das golas anti-fumo, os ajuntamentos na pandemia com festejos do futebol. Concorda com António Costa quando ele diz que o ministro Eduardo Cabrita é um “excelente ministro”?
Concordo e devo dizer que muitas vezes o facto de uma área governativa estar naquela última linha de maior presença, não significa que todas as coisas que acontecem possam ser de responsabilidade desse setor. É uma característica dos ministérios que estão no terreno e na última linha de ação estarem mais sob fogo e sob ataque. Julgo que desde 2017, quando Eduardo Cabrita tomou posse na sequência dos incêndios, temos assistido a uma capacidade de responder a múltiplos desafios.
Eduardo Cabrita é então uma vítima da sua área governativa, é isso?
A questão não é essa, vivemos num momento em que foi pedido às forças de segurança todo um acompanhamento de uma situação completamente atípica, excecional: estar em estado de emergência tantos meses como estivemos. E isso é uma situação de linha da frente tão significativa como aquela que aconteceu na saúde e julgo que devemos ter em atenção a extrema exigência que vivemos nesta área da saúde e na área social e de acompanhamento de idosos e na área da educação.
E também desgasta. O Presidente da República também disse numa entrevista que algures no meio dos mandatos os governos costumam fazer remodelações. Vê esse caminho a ser feito pelo Governo?
Essa é simples de responder por qualquer ministro já que essa é uma função do primeiro-ministro.
O Presidente está a dar um aviso ao Governo em pleno funcionamento do Governo.
Não me suscita qualquer comentário. Estes governos, desde 2015, já tiveram várias governações, é uma competência do primeiro-ministro e deve ser dirigida a ele.
“As características que o primeiro-ministro tem adequam-se a qualquer cargo de liderança política”
Avancemos para a moção coordenada por si e que António Costa vai levar ao Congresso do PS. Tem sido chamada muitas vezes para a redação dos documentos estratégicos do atual líder. Admite no futuro poder ser candidata à sucessão de António Costa?
António Costa é o melhor primeiro-ministro que o país podia ter, o melhor secretário geral que o partido poderia ter. Julgo que o PS tem múltiplas soluções para o seu futuro.
Não se inclui?
Este momento é o momento de todos e eu, nas minhas responsabilidades governativas e partidárias, farei aquilo que sei que posso.
Mas reconhece o seu papel na coordenação política do Governo, próxima de António Costa. Coordenou muitos dos documentos que António Costa apresentou, desde o programa eleitoral de 2015 até agora. Chamou-a em vários momentos. Coloca-se nesse lote de pessoas que podem suceder?
Na primeira entrevista que me fizeram quando estava a elaborar o programa eleitoral em 2015, perguntaram-me se eu estava a pensar ir para o Governo e na altura ri-me. Isso corresponde a um certa maneira de as pessoas estarem na vida. Estou sempre muito concentrada no que estou a fazer. Não faz sentido dizer que estou ou não estou nesse grupo. Acho que é demasiado cedo. Não vou dizer nem uma coisa nem a outra.
Relembrando esse momento de 2015, então pode acontecer.
A vida acontece muitas vezes por caminhos inesperados. Se me pergunta se o meu perfil, a minha vontade, se alguma vez pensei nisso, não. Mas não vou estar a dizer nunca na vida porque acho que na vida política devemos saber que esses nunca não são sequer sérios e realistas. Cada um faz o seu caminho. Se me perguntam se o caminho mais provável é esse, não, não é de todo.
Dos outros três nomes, além do seu, Fernando Medina é aquele de quem está mais próxima. Teria essas característica?
Sim, claro que sim.
Frans Timmermans disse numa entrevista esta semana ao Observador que António Costa dava um ótimo presidente do Conselho Europeu, concorda?
Trabalho há seis anos com António Costa e posso dizer muito simplesmente que as características que o primeiro-ministro tem adequam-se a qualquer cargo de liderança política. Neste momento o primeiro-ministro que temos é o melhor que o país podia ter para um momento em que temos de responder à pandemia e recuperar o país mas também preparar para o futuro.
Timmermans também defendeu Paulo Rangel acusado pelo primeiro-ministro de ter feito parte de uma conspiração internacional, a propósito do procurador europeu. Esta foi a estratégia do primeiro-ministro para esconder a situação sensível para o Governo ou havia mesmo esta conspiração?
Vemos às vezes crescer fenómenos como esse seguindo o mesmo padrão de notícias que surgem lá fora para serem seguidas cá dentro e permanentemente alimentadas mesmo quando estão resolvidas. A política também se faz desses momentos e desses instrumentos e dessa conflitualidade.
Essa conspiração é combate político?
Faz parte do combate partidário que pode não chegar com o tom que devia aos locais onde chega.
Regressando à moção do PS, diz que o partido se prepara para ficar até ao fim da crise. Há um calendário concreto?
O que está escrito é essa missão de sair da crise e recuperar e ao mesmo tempo recuperar o país para as transformações que vão acontecer. Não basta sair da crise, é preciso ter esses dias, fazer a recuperação da situação económica e social que por vezes é mais complexa depois destes momentos.
O objetivo lá plasmado não é só ajudar, é concretizar esta saída. António Costa ficará além de 2023 como primeiro-ministro?
Um partido organiza-se e faz programas porque entende que são as soluções melhores par ao país, e portanto o que nos propomos é fazer esse caminho de recuperação e preparar o país para o futuro.
António Costa fica para lá de 2023?
Isso só se pode perguntar ao próprio.
Mas acredita que possa acontecer? É que escreveu uma moção a dizer isso, ir além de 2023.
Sim, acredito que temos um projeto político para fazer isso.
PSD e Chega: “Há coisas em que devemos ser radicais e devemos sê-lo na defesa da democracia”
Na moção também escreveu que o PS rejeita a “complacência da direita democrática perante uma agenda antidemocrática e xenófoba”. Que complacência é esta? É para o PSD este aviso?
Não só, mas também. Nos últimos anos temos ouvido dirigentes nacionais do PSD, por exemplo, a relativizar as diferenças do programa do esquerda e as afirmações do seu líder, A desvalorizar, dizendo que o líder do Chega não pensa bem aquilo ou que não é exatamente assim. Há coisas em que devemos ser radicais e devemos sê-lo na defesa da democracia e dos direitos de todos viverem livremente. E quando deixamos passar e somos permissivos e dizemos que não é nada de mais sujeitamo-nos a isso.
Mas é isso que Rui Rio tem feito? Ir à conferência do MEL, fazer um acordo nos Açores?
Não é ir, é desvalorizar o que é dito e que o PSD sempre considerou inaceitável. Dizer que não é assim tão diferente, como dizem alguns dirigente do PSD que isso não é assim tão diferente do que defende o PCP ou o BE ou do que fez o PS quando fez um acordo à esquerda. E é muitíssimo diferente, porque o PS neste acordo sempre fez questão de preservar e dizer que preservava os seus compromissos internacionais. Essa separação de águas, aquilo que é o posicionamento de um partido importantíssimo para a nossa democracia e um certo discurso anti-democrático e xenófobo. Esse não marcar de fronteiras é a dita complacência.
Ser radical é defender a ilegalização do Chega? Fernando Medina já o defendeu.
O que concordo é que temos uma Constituição que define claramente os princípios pelos quais nos devemos reger e ela deve ser respeitada. Devemos sempre garantir que o que a Constituição diz sobre essa matéria é cumprido. Fora isso, é diferente não fazer combate político a certas ideias se pactuar com elas e calarmo-nos nos perante elas e defender a ilegalização de um partido.
Não estranharia que o Tribunal Constitucional ilegalizasse o Chega?
É uma competência do Tribunal Constitucional.
Mas deve ser suscitada essa questão?
Se alguém considerar que a deve suscitar… A minha questão é que a lei deve ser cumprida e esse é o meu posicionamento. Devemos cumprir a lei fundamental.
De qualquer forma fica completamente claro que o PSD está fora da vossa linha de diálogo e da negociação de grandes documentos estratégicos como o Orçamento, certo?
Não aqui, fica claro que cabe ao PS fazer um diálogo permanente como todos os setores que rejeitam essa complacência e existem muitos setores que o rejeitam.
Mas o PSD não rejeita, portanto está fora dessa linha.
O PSD está a construir o seu caminho portanto deve continuar a construir o seu caminho que pode ser o de ser complacente ou de não ser.
Neste momento não é um parceiro de diálogo, certo?
O PS tem sido claro sobre a posição de principio em que já um momento limite em que negociarmos com quem defende ou não certas coisas se torna impossível. Não é que não seja possível negociar tema nenhum.
“Temos condições para negociar um orçamento com todos esses partidos, como tivemos no ano passado”
Mas a moção acrescenta que negociar à esquerda é que é o caminho.
Mas a frase não é nova, estava na moção anterior e é o caminho que o PS defende.
E este diálogo neste momento está reduzido ao PCP?
Não, não está. O facto de no último orçamento só ter sido possível negociar com o PCP não significa que o PS não esteja disponível para continuar esse diálogo com o BE e o PCP.
Mas o discurso com o BE é muito mais tenso e radical. Há aqui uma encenação e uma estratégia política de aproximação quando na verdade já não se vão encontrar no próximo orçamento porque já vêm de um chumbo?
A nossa perspetiva é que temos condições para negociar um orçamento com todos esses partidos, como tivemos no ano passado.
No caso do PCP está dependente da execução deste Orçamento, que está a derrapar, e o PCP até já acusou o Governo de estar a arrastar e até a perverter o diploma que aprovou com a ajuda dos comunistas no ano passado. Se o Governo ficar sem apoio suficiente para o Orçamento que vem admite governar em duodécimos?
Neste momento temos condições de garantir a execução do Orçamento. É isso que temos a fazer. O orçamento é para 12 meses, não é para cinco. Muitas das medidas fundamentais já estão em vigor e temos condições, é um ganho para o país continuar a fazer essa negociação à esquerda.
No caso dos apoios sociais da pandemia o Governo entrou em confronto com a esquerda, mas também com o Presidente da República. Nos segundos mandatos os presidentes são mais interventivos. Já sente isso?
A relação institucional entre os órgãos de soberania corre muito bem, especialmente bem no nosso país e é um facto a que damos pouco destaque e é sempre importante, tendo sido fundamental nos últimos 15 meses. Não tenho nada em que se possa notar essa diferença.
Não teme que o próprio Presidente possa ser complacente um dia com uma alternativa também inclua o Chega?
O PSD sempre representou essa fronteira com esse pensamento e a minha expectativa é que possa continuar a representar porque o país precisa de uma alternativa à esquerda e à direita que não tenha essa complacência.
Ana Catarina Mendes criticou estilo de Pedro Nuno: “Não me parece um caminho prendermo-nos à questão dos estilos”
Ontem a líder parlamentar do PS criticou a forma como o ministro Pedro Nuno Santos criticou a Ryanair na sequência da ajuda do Estado à TAP ter sido bloqueada. Revê-se nesta reação mais vincada do ministro?
Não vou comentar. Todas as pessoas têm um determinado estilo e a sua forma….
Mas um ministro é um ministro.
Certo, mas os ministros não são todos iguais.
E “nem à mesa do café se podem esquecer que são ministros”…
E faz parte dessa diversidade que todos nós temos e da forma como falamos. Não tenho nada a comentar, O que importa é que possamos fazer o nosso trabalho, cumprir os nosso objetivos, concretizar um intensíssimo plano nas infraestruturas e a habitação. Não me parece um caminho prendermo-nos à questão dos estilos. Isso não é o fundamental, mas sim as políticas e a nossa capacidade de as concretizar.
Quando o último Orçamento proibiu a injeção de capital no Fundo de Resolução do Novo Banco o primeiro-ministro ligou à presidente do BCE para garantir que o contrato iria ser cumprido. Estamos em junho, a injeção já devia ter acontecido no início de maio. Isto também não é incumprir a obrigação contratual?
O Governo assumiu três compromissos: que cumpriria os seus contratos; que não faria qualquer injeção de dinheiros públicos no capital do Novo Banco; e que tomaria em conta as diferentes auditorias que estavam em curso. E é no cumprimento destes três objetivos que temos de trabalhar
Mas já está a incumbir o primeiro objetivo ou não?
Não porque o acerto de contas, a identificação do valor concreto resulta de troca de informações entre as várias partes. O que cabe ao Governo não é a injeção, é a autorização que o Conselho de Ministros fez na semana passada, Sobre o Fundo de Resolução não tenho condições para responder.
[Veja aqui a entrevista na íntegra:]