À entrada para mais uma reunião entre os sindicatos médicos e o Ministério da Saúde, e perante a indisponibilidade da tutela para ir mais além em relação à proposta de aumento de 5,5% do salário-base dos médicos, um dos sindicatos envolvidos na negociações — o Sindicato Independente dos Médicos — admite que poderá ser possível um “ponto de encontro” nesta matéria, isto é, um aumento inferior aos 30% exigidos pelos sindicatos, de modo a facilitar um acordo.
Ao Observador, o secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos (SIM), Jorge Roque da Cunha, admite que o SIM não é intransigente quanto à exigência de um aumento do salário base de 30%, mas ressalva que a aproximação da parte do sindicato — no que diz respeito a este ponto — só poderá ocorrer se o governo alterar a sua proposta e revir em alta o aumento, de 5,5%, proposto em meados de outubro.
“Naturalmente que é possível chegarmos a um ponto de encontro, se houver também flexibilidade da parte do governo“, afirma o médico, que representa o SIM nas negociações com o Ministério da Saúde. “É um processo negocial”, reforça.
Apesar da disponibilidade para negociar o aumento proposto, Roque da Cunha ressalva que o SIM já deu dois passos de aproximação ao governo, quando retirou a exigência de que o aumento salarial do próximo ano seja feito com retroativos ao ano de 2023 (sendo que as negociações começaram em 2022) e, por outro lado, quando se mostrou disponível “para calendarizar a recuperação do poder de compra”, ou seja, para fasear o aumento salarial de 30% ao longo de três anos, até 2026.
O responsável sindical reforça, no entanto, que o aumento de 30% “é o que é desejável e o justo”. “A proposta que o governo faz [aumento de 5,5%] para os médicos que estão em 40 horas (que são a esmagadora maioria dos médicos) não é suficiente para repor a perda de poder de compra de 30% nos últimos dez anos, isto é, 20% de inflação acumulada mais a carga fiscal”, sublinha Roque da Cunha. “O governo não vai além dos 5,5% com o argumento do regime de dedicação plena e com o argumento de que um aumento superior poderia contaminar o resto da administração pública”, lamenta Roque da Cunha.
No entanto, e apesar da disponibilidade do SIM, o acordo pode ainda estar longe de ser alcançado, uma vez que os sindicatos estão, nesta fase, a negociar ’em bloco’ com o governo e a Federação Nacional dos Médicos não está disposta a abrir mão do aumento de 30%. “Em relação à questão da grelha salarial, há um oceano inteiro a separar-nos. Queremos uma reposição de 30%, que compense a perda de poder de compra perdido na última década”, diz ao Observador a presidente da Federação Nacional dos Médicos (FNAM). Joana Bordalo e Sá realça que “o que o Ministério propõe são suplementos que vão implicar mais trabalho”.
“Não queremos suplementos nem subsídios. Queremos o aumento do salário base para todos os médicos e isso não está a ser contemplado”, diz a médica, acrescentando que, a manter-se o impasse na negociação ao aumento salarial, “vai ser muito difícil chegar a um acordo”.
A presidente da FNAM admite ter “expectativas baixas” para a reunião deste sábado. “Aquilo que temos discutido não se tem vindo a refletir nos documentos que nos enviam”, diz a responsável. “Se isto continuar assim, os médicos vão continuar a sair do SNS, seja para o setor privado, seja para as empresas prestadores de serviço, seja para o estrangeiro”, garante Joana Bordalo e Sá.
Em relação à restrição orçamental, que poderá estar a impedir que o governo se aproxime do aumento salarial pedido pelos médicos, a presidente da FNAM diz que “o Ministério da Saúde tem de assumir se quer ter médicos no SNS ou não”. “Se a saúde for uma prioridade, a questão orçamental tem de ser revista”, sublinha.
Jorge Roque da Cunha mostra-se preocupado com os efeitos da ausência de um acordo entre tutela e sindicatos. “Não só os serviços de urgência estão a ser afetados como cada vez mais consultas e cirurgias são adiadas — isto cria o perigo de as pessoas recorrerem à urgência em situações mais gravosas”, diz o secretário-geral do SIM.
As negociações entre os sindicatos e o governo já se arrastam há 18 meses. Com o atual ministro, o processo negocial começou há já quase um ano, a 9 de novembro de 2022. Está marcada outra reunião para este sábado, às 14 horas. Os sindicatos e o governo vão procurar chegar a um acordo que coloque um ponto final no protesto (a que já aderiram quatro mil médicos) de escusa à realização de mais horas extraordinárias e que tem provocado constrangimentos e até encerramentos de serviços de urgência hospitalares.