Chegou ao Porto, saído da escola secundária Pedro Nunes, em Lisboa, muito antes dos jornalistas que acompanham a sua caravana, que é como quem diz: no seu próprio carro. Foi direto ao hotel, sem parar, para ainda conseguir comer alguma coisa antes da 12.ª entrevista que deu em um mês e 13 dias — tem tudo contabilizado. Está “um bocadinho” cansado, mas antes de se deitar e a três dias das eleições, ainda falou com o Observador sobre o que aí vem. No curto e médio prazo.

No terreno só fez meia campanha, começou quando os adversário já levavam seis dias de avanço. Pegou no seu carro e foi conduzindo até cada um dos locais que foi contactando de véspera para marcar um saltinho eleitoral. “Sem estrutura”, repete: “Sou eu que faço os contactos e os programas e até vou dizendo a agenda à comunicação social. É um trabalho louco, louco”. Não tanto como os tempos que aí vêm, com uma pandemia a pressionar até as suas presidenciais, um Governo que sofrerá “críticas inevitáveis”, uma direita que não se sabe se terá força para alternativa sem ser “nos termos que o Chega quer”, apoios europeus à recuperação que “têm de ser recalculados” e legislativas em 2023 — bom, este nem seria um problema, já que queria dizer que não tinha havido necessidade de as antecipar, mas a verdade é que Marcelo só não as espera antes das autárquicas. Que las hay, las hay.

O próximo domingo

Medos: a abstenção, a pandemia, a abstenção, a segunda volta e a abstenção

A abstenção — e com ela a segunda volta — paira como um fantasma sobre a cabeça do candidato que não há sondagem que não dê como vitorioso nas eleições de domingo. Mas Marcelo Rebelo de Sousa parece querer baixar expectativas. “Não estou a baixar expectativa, é o que é”, contesta em declarações ao Observador ao ser confrontado com essa intenção quando fala do medo do que pode acontecer na noite de 24 de janeiro, cinco anos depois da primeira eleição para Belém.

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Não que o apelo ao voto ou o perigo da abstenção tenha sido o centro desta sua semana de campanha, mas à medida que se aproxima o domingo, revela que é um receio presente e do qual já falou publicamente na sessão com alunos da escola Pedro Nunes, em Lisboa. Avisou que se a abstenção for de 70% pode haver segunda volta e, em declarações ao Observador, acrescenta: “Pode acontecer haver segunda volta, é uma questão complexa porque foram três semanas no período mais complicado da pandemia“.

Afinal, “as críticas à gestão da pandemia” existirão “e elas acabam por trucidar a grande maioria dos líderes políticos”, reconhece Marcelo, antevendo um julgamento também à sua ação neste quadro, no próximo domingo. “As presidenciais serão um espaço de coligação negativa de insatisfações e de juízos negativos”, acrescenta ainda, mostrando receio sem meias palavras: “É dramático estar a gerir a pandemia assim, com eleições pelo meio. A primeira oportunidade que as pessoas têm para julgar é a mim”. Marcelo tem assumido a responsabilidade sobre a falta de eficácia das medidas de restrição da pandemia, sobretudo nos últimos 15 dias, em vários momentos desta campanha e mantém a posição.

“O único Presidente reeleito de que me lembro é o polaco e na segunda volta. O resto têm caído que nem tordos“, lembra sobre as eleições que se realizaram neste último ano na Europa, parecendo pouco convencido pelas sondagens que lhe têm dado uma intenção de voto sempre próxima dos 60%, bem acima dos 53% que teve nas eleições de há cinco anos. Sobre o que vier das urnas de voto no próximo domingo, o candidato e Presidente não tem dúvidas que esta sua dupla função terá um peso decisivo: “Só vou ler os resultados à luz disso [da gestão da pandemia] porque isto foi muito intenso no último ano e será como um exame. Se a parte inicial da prova for brilhante e a final péssima, o que fica na cabeça do júri é a parte final”. E num mandato onde destaca o papel que teve na gestão da crise bancária, no primeiro ano de mandato, e depois em 2017 com os trágicos incêndios, Marcelo Rebelo de Sousa teme agora que esse seja já um passado “longínquo” para os portugueses.

Previsões: a direita que encolheu e o PS que não estica tudo

Marcelo seguiu para a estrada eleitoral sem estrutura de campanha. Em muitas ações tudo o que se viu nestes dias foi o candidato a conduzir o seu carro. Só dois seguranças, noutro carro, que estiveram sempre presentes em cada ação de campanha faziam lembrar que se tratava da mais alta figura de Estado. Também surgiu sem o séquito de apoiantes do costume e contou apenas com a declaração de apoio formal (e pouco entusiasmado) tanto do PSD como do CDS, mas na estrada não se viram elementos de nenhum dos dois partidos, com Marcelo empenhado na imagem do candidato independente que quer passar.

Mais se viu do PS, quando na última semana da campanha surgiu um texto de apoio à sua recandidatura, incluindo o apoio expresso de autarcas do partido, dirigentes, três ex-ministros, António Correia de Campos, José António Vieira da Silva e Pedro Marques, e o líder regional açoriano Vasco Cordeiro. E na visita à Salvador Caetano apareceu o presidente da Câmara de Vila Nova de Gaia e membro do secretariado nacional do PS Eduardo Vítor Rodrigues — foi o único, até esta quinta-feira, a fazê-lo de corpo presente.

“Votei no senhor, mas agora vou votar na Ana Gomes”. A Norte, a indignação e o PS

Ao Observador, o candidato mostrou-se “muito surpreendido com Correia de Campos, um homem do Serviço Nacional de Saúde”, capitaliza Marcelo quando confrontado com uma lista de vários nomes mas de onde apenas destaca este. Não fosse este um momento-chave em matéria de saúde e com o SNS em rutura iminente.

As reservas de Marcelo quanto ao valor da abstenção são muitas e não arrisca dizer quanto pensa que vai ter. Há cinco anos conseguiu 53% dos votos e as contas que então se fizeram dividiam os votos: dois terços vindos da direita e um terço da esquerda. Se a direita está a perder terreno, já que está longe de representar o que representava em 2016, o PS também não terá muito mais para, em termos de votos, dar ao antigo líder do PSD. É uma realidade que não estica muito mais, apesar de poder crescer, já que Ana Gomes também divide os socialistas (não foi só a divisão de há cinco anos provocada por Sampaio da Nóvoa e Maria de Belém).

À direita é que o rendimento é mais curto, com a margem de progressão de Marcelo a encurtar quando há dois candidatos novos nessa área política a disputar votos: Tiago Mayan Gonçalves, do Iniciativa Liberal, e André Ventura, do Chega.

No máximo dos máximos, e em conversa com os seus botões, Marcelo não estará a prever um resultado que vá além dos 55%. Acima de 2016, mas muito abaixo dos tais 60% que as sondagens vão ditando.

Segundo mandato

Medos: a bazuca tem de ser “recalculada”

O grande tormento para os próximos anos ainda está em processo de crescimento e vai agravar-se à medida que for sendo alargado o confinamento geral. A crise económica e social está para ficar e ganhar proporções que fazem temer qualquer governante e também o Presidente da República que se seguir em Belém. Nos últimos dias da campanha, Marcelo tem apontado as insuficiências da bazuca europeia — expressão com que embirra por denotar excesso de otimismo — e também à sua desatualização. “Foi pensada para uma realidade de uma pandemia que acabava no outono e estamos a ter problemas até agora”.

Ao Observador diz mesmo que a situação vai “obrigar a recalcular [o plano de recuperação e resiliência] em termos europeus e não é para um país, é para toda a Europa. E será que está disponível para permitir o recurso ao crédito internacional além da realidade que estava prevista?”, questiona. E responde: “É que seria preciso duplicar ou aumentar significativamente os valores e isto é bastante difícil. Mas a Comissão Europeia tem de começar a ponderar isto”.

Previsões: “A prazo não haverá um Governo de direita sem o Chega”

Neste capítulo, o candidato-Presidente investe-se da sua vertente de analista, de comentador de dezenas de anos nas televisão, para prever “problemas para a direita no futuro” caso não se constitua como alternativa forte. Tem sido um aviso recorrente quando o questionam sobre a eventualidade de uma crise política e quais as opções em cima da mesa. E também quando é confrontado com o que aconteceu nos Açores, onde não bloqueou que o Chega seja suporte para o Governo do PSD que se constituiu na sequência das últimas eleições regionais.

Marcelo considera que o que pode acontecer “a prazo” é que “não haverá um Governo de direita sem o Chega e nos termos em que o Chega quiser” e isso “é um problema para o sistema político, porque para a direita chegar ao poder é preciso um acordo plausível do PSD com um partido que tem posições que o PSD nunca teve”.

E a esquerda? “É importante saber quem se apresenta”, responde o candidato que está posicionado para uma reeleição ao cargo de Presidente, embora repita logo que também é importante saber se a “direita consegue ser uma alternativa quando está há oito anos fora do poder”. Nesta campanha tem-se distanciado totalmente de qualquer contra-ataque aos seus adversários políticos, argumentando que no dia seguinte às eleições continuará a ser Presidente — o mandato só termina a 9 de março, relembra sempre — tendo de trabalhar com todos. Mas a crise que se alarga e a pressão política que dela decorre colocam como hipótese provável para o próximo mandato presidencial umas eleições antecipadas, ou mesmo as regulares mas com uma divisão de votos ainda maior do que na última vez.

Marcelo não descarta que a crise política possa aparecer, embora assegure que “não há crise política até às autárquicas, porque os portugueses são muito pragmáticos“. O candidato prevê que o “julgamento da pandemia seja feito em 2023 e a talvez também nas autárquicas se bem que aí as pessoas estão muito gratas aos autarcas”. Uma frase que valerá tanto como previsão de analista, como desejo de futuro Presidente.