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JAIME RIBEIRO/OBSERVADOR

JAIME RIBEIRO/OBSERVADOR

Ministros-senhorios escapam a arrendamento coercivo. Propriedades estão em uso ou no mercado

Governantes são donos de 37 imóveis, dos quais 14 são para habitação própria. Opções tomadas previamente ou exceções da lei colocam património dos ministros fora da mira do arrendamento coercivo.

A meio de fevereiro, o Conselho de Ministros reuniu, como muitas vezes, em Algés, mas foi mais longe do que até aqui tinha ido num setor sensível: a habitação. Ao longo de seis horas, os governantes tomaram decisões que afetam proprietários e senhorios, condição que alguns acumulam com a de ministro. Os 19 governantes são donos de 37 imóveis, dos quais só 14 servem de habitação principal, mas, dos que não utilizam com frequência, só sete estão arrendados a terceiros.

Os ministros não vão ser afetados diretamente pela proposta do arrendamento coercivo, prevista no pacote “Mais Habitação”. Os governantes têm 23 casas que não são a habitação principal, mas não fazem parte dos senhorios potencialmente lesados pela medida: algumas são casas de férias, outras (7) estão arrendadas a terceiros, outras estão à venda ou em vias disso e outras estão habitadas por familiares. As exceções previstas na proposta ou opções prévias de arrendar casas que não utilizavam, acabam por deixar de fora da mira do arrendamento coercivo os imóveis dos governantes.

Na investigação ao património dos governantes foi possível ver que António Costa tem duas casas arrendadas, que os três ministros-jovens-turcos do PS são todos senhorios com casas arrendadas e que a própria ministra da Habitação arrendou a única casa da qual é proprietária, de três pisos, por 500 euros por mês. Subsiste alguma opacidade sobre a imobiliária inativa e dois imóveis (com detalhes rasurados no Tribunal Constitucional) do ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva — cujas respostas ao Observador foram pouco esclarecedoras.

Como metodologia, o Observador analisou o património imobiliário dos ministros — através da informação que os próprios concederam ao Tribunal Constitucional e do Registo Predial — e cruzou os mesmos com os rendimentos prediais que declararam. Além disso, enviou perguntas adicionais para 13 ministros e para o primeiro-ministro António Costa. Entre os 14 governantes contactados, uns foram mais transparentes e colaborativos e outros mais opacos ou lacónicos, mas só um não respondeu: António Costa. Nesse caso, prevalece a documentação consultável.

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António Costa: as cinco casas de um senhorio sem devolutos

Comecemos pelo teto. O primeiro-ministro António Costa é, a par da ministra da Justiça, o governante que é proprietário de mais imóveis: cinco habitações. Logo a seguir ao lançamento do programa “Mais Habitação”, o chefe de Governo até foi alvo de centenas de publicações nas redes sociais que o acusavam da incoerência de ter cinco casas que não arrendava e estar a impor a outros senhorios um arrendamento forçado. Ora, olhando para o uso que Costa faz do património, essa acusação não tem sustentação.

É verdade que António Costa teve várias alterações ao seu património imobiliário desde que é primeiro-ministro e até chegou a beneficiar da especulação imobiliária (como aconteceu na zona do Rato, em Lisboa, em 2017), mas, noutros momentos, também vendeu mais barato do que comprou (o caso da moradia de Sintra).

As investigações que o Observador foi publicando ao longo dos anos também permitem retirar outra conclusão: foi Fernanda Tadeu, a mulher do primeiro-ministro, a grande negociadora destas transações e não o próprio. Mas como são casados em comunhão de adquiridos, o que é adquirido por Fernanda é também de António.

António Costa comprou casa no Rato e vendeu-a pelo dobro 10 meses depois

Costa vendeu e comprou casa, mas ainda não declarou ao TC conta utilizada no negócio

Vamos então às cinco casas do co-proprietário primeiro-ministro. António Costa entregou a primeira declaração de rendimentos do atual mandato no Tribunal Constitucional a 25 de maio de 2022, menos de dois meses depois de tomar posse. O TC considerou, no entanto, que o primeiro-ministro não tinha dado todos os esclarecimentos necessários e António Costa foi forçado a enviar um novo ofício onde explicava, entre outras coisas, que casas tinha arrendado e a relação dessas rendas com os rendimentos prediais anteriormente declarados.

Apesar de não ter respondido ao Observador, o ofício que António Costa envia ao Tribunal Constitucional a 21 de novembro de 2022 é claro: “Os rendimentos prediais provêm do arrendamento das frações autónomas sitas na freguesia de Santa Clara e na freguesia de Penha de França“.

António Costa é então co-proprietário de duas casas em Lisboa — uma na freguesia de Santa Clara, outra na freguesia de Penha de França –, mas não vive em nenhuma delas. Os rendimentos que o primeiro-ministro aufere são, no entanto, escassos para os valores de mercado: em 2021, último ano disponível na declaração que entregou, António Costa teve rendimentos prediais de 7.300,80 euros — o que dá pouco mais de 600 euros mensais de rendas auferidas pelos dois imóveis. O Observador questionou o primeiro-ministro se este valor era apenas metade do total, mas não obteve resposta.

O primeiro-ministro não vive numa casa da qual é proprietário, preferindo arrendar uma casa em Benfica, por 1.200 euros, depois de ter vendido uma outra casa ali bem perto. Mas há uma razão para isso: António Costa está à espera que fique concluída a construção de um T1 num condomínio de luxo em Benfica, para o qual já pagou 243.445 euros, num total de 276.050 euros. Será essa a terceira casa de Costa em Lisboa e também a sua futura habitação própria permanente.

O primeiro-ministro é ainda proprietário de mais duas casas, mas também elas estão fora da esfera do arrendamento coercivo — por diferentes razões. António Costa tem no seu património uma moradia em Lagoa, no Algarve, que corresponde a uma casa de férias, logo não seria forçado a arrendá-la ao abrigo da proposta que já defendeu publicamente. A outra casa, que Costa também recebeu por via de uma herança, é em Margão, na Índia, e não é afetada pelo plano “Mais Habitação” por uma razão óbvia: é no estrangeiro. O próprio António Costa confessou ao Tribunal Constitucional que tem pouca informação e dificuldade a chegar a documentação sobre este imóvel na segunda maior cidade do Estado de Goa, na antiga Índia Portuguesa.

Resumindo: das cinco casas de Costa, só duas podiam ser alvo do Estado para efeitos de arrendamento coercivo. Porém, quando o primeiro-ministro anunciou ao País esta medida já tinha essas duas casas arrendadas.

Ouça aqui o episódio do podcast “A História do Dia” sobre os casas dos ministros.

Há ministros com casas vazias para arrendar?

Fernando Medina: Remax procura vender casa de Celorico

O ministro das Finanças, Fernando Medina, é proprietário de um apartamento T4, duplex, nas Avenidas Novas, em Lisboa, que comprou em 2017, tendo na altura essa compra sido notícia por o então presidente da câmara municipal de Lisboa ter falhado a declaração da compra final ao Tribunal Constitucional, situação que retificou. A polémica adensou-se por o mercado ter inflacionado o preço das casas nos anos anteriores, mas o autarca ter comprado uma casa igual à dos sogros (no mesmo prédio) pelo mesmo preço que estes pagaram seis anos antes. Esta é a habitação própria e permanente de Fernando Medina.

Medina não declarou ao Tribunal Constitucional compra de ‘duplex’ de 645 mil euros

Sogros compraram casa igual à de Medina pelo mesmo preço seis anos antes

O restante património imobiliário de Fernando Medina é decorrente da herança de Cacilda dos Anjos de Maciel Mesquita. O ministro é dono de metade de terrenos na Quinta de Pedroselos, na Ribeira de Pena, na Tapa do Regedouro, e de Campo do Património de Baixo e Campo do Património de Cima em Celorico de Basto. Como são em zonas rurais, são, naturalmente, terrenos a salvo do arrendamento coercivo.

O governante desfez-se até de duas propriedades em zonas rurais recentemente, uma por 65 mil euros e outra por 26.250 euros (também no concelho de Celorico de Basto), tendo recebido 50% destes valores.

Subsistem então dois prédios urbanos que o ministro arrendou: um em Vila Real e outro em Celorico de Basto, decorrentes da mesma herança. O primeiro desses prédios, explica ao Observador o gabinete de Fernando Medina, é “um armazém e está arrendado há várias décadas”.

Quanto ao prédio de Celorico de Basto, até poderia estar sujeito ao arrendamento coercivo, mas caso o Estado tomasse conta do mesmo seria um alívio para Fernando Medina. Segundo o gabinete do ministro das Finanças, “o prédio em Celorico de Basto (Muchões) está em venda junto da Remax há uns anos”. Ou seja: só é uma propriedade de Fernando Medina porque a imobiliária ainda não o conseguiu vender.

Catarina Sarmento e Castro: todas as cinco casas em uso

A ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, é proprietária de três apartamentos na Marinha Grande, um em Peniche e outro em Lisboa, mas todos estão a ser utilizados — logo também não sujeitos ao arrendamento coercivo. Ao contrário de Costa, que só está a usufruir de uma das cinco habitações de que é proprietário (a de férias), a ministra da Justiça ou os seus familiares utilizam as cinco casas de que é proprietária ou co-proprietária.

O gabinete de Catarina Sarmento e Castro explicou que o apartamento T1 que a governante tem em Carnide, em Lisboa, é “utilizado pela senhora ministra durante a semana, por se encontrar deslocada, em trabalho, fora da casa de morada de família.” Sobre o T1 que tem em Peniche, a governante limita-se a dizer que a habitação “não está devoluta ou sem uso, de acordo com a legislação em vigor”, pressupondo-se que se trata de uma casa de férias.

Na Marinha Grande, a ministra tem três casas: uma é um T4 que, explica o seu gabinete, “é a casa de morada da família.” As outras duas habitações na Marinha Grande (das quais é detentora de 1/6) vêm da herança do pai (o antigo deputado socialista Osvaldo Castro): o T4 é, explica o ministério, “a habitação permanente da sua mãe e o outro, um T2, é também “utilizado pela sua mãe.”

Costa Silva diz que nenhum dos seus três imóveis está devoluto

O ministro da Economia, António Costa Silva, tem três imóveis: um em Lisboa, na zona da Alameda, outro no concelho de Óbidos e ainda outro que comprou recentemente em Quarteira, no Algarve. O Observador tentou perceber junto do ministro que tipo de uso dava aos imóveis que não o que é habitação própria permanente (em Lisboa), mas o ministro limitou-se a responder o seguinte: “Somos a informar que os imóveis referidos não estão devolutos de acordo com a legislação em vigor”.

Sem especificar se se tratam de casas de férias (o mais provável, sendo em zonas turísticas), o ministro da Economia — a quem o Observador perguntou se estava disponível a colocar uma das casas que não se destinam a habitação no mercado de arrendamento — limitou-se a dizer que nenhum prédio está devoluto ao abrigo do que está tipificado na lei. Ou seja: está igualmente imune ao arrendamento coercivo.

Ana Catarina Mendes tem a única casa livre arrendada

A ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, é proprietária de duas habitações em Lisboa: uma em Campo de Ourique (da qual detém 50%) e outra na freguesia da Misericórdia, que abrange zonas de Lisboa como o Bairro Alto ou o Cais do Sodré. Se a primeira é utilizada para fins habitacionais, a segunda foi também recentemente arrendada.

Apesar de não ter rendimentos prediais na declaração de rendimentos que entregou no Tribunal Constitucional após ter tomado posse, no verão de 2022, nesse mesmo ano a ministra Ana Catarina Mendes arrendou o apartamento que tinha na freguesia da Misericórdia. O gabinete da governante, numa resposta enviada ao Observador, confirmou que a casa “está arrendada desde o ano passado” e que está “tudo devidamente declarado nas Finanças“.

Os rendimentos prediais não aparecem na declaração, uma vez que o único ano fiscal fechado era 2021, altura em que Ana Catarina Mendes ainda não tinha arrendado a casa em questão. Nenhum dos imóveis dos quais Ana Catarina Mendes é proprietária estaria assim sujeito ao arrendamento coercivo.

Gomes Cravinho comprou segunda casa em 2021, mas arrendou uma delas

O ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho, tem dois prédios em Lisboa: um em Santa Maria Maior, que já detém há vários anos, e outro que adquiriu, mais recentemente, em fevereiro de 2021.

Como os dois imóveis são próximos e na mesma cidade, seria difícil o governante justificar o uso de ambos, logo um deles estaria sujeito ao arrendamento coercivo. Mas não está. Isto porque o ministro se antecipou e já colocou no mercado e arrendou uma das habitações. Numa resposta enviada pelo seu gabinete, João Gomes Cravinho explica que “uma é a casa própria e à outra não se aplica a legislação sobre casas devolutas já que está arrendada.”

Apesar de ter uma casa arrendada, esta terá sido colocada no mercado mais recentemente, já que em 2021 (o último ano disponível nas informações concedidas ao Tribunal Constitucional), João Gomes Cravinho não declarou rendimentos prediais.

Além disso, ainda no campo imobiliário, o ministro dos Negócios Estrangeiros mantém-se — como Observador já tinha noticiado — como dono de 20% de uma empresa imobiliária sediada na Rua da Palmeira, em Lisboa: a Eurolocarno Sociedade Imobiliária. E também não retira qualquer rendimento desta empresa, como o Observador já tinha dado conta no final de janeiro.

Duarte Cordeiro: morador em Lisboa, senhorio em Sintra

Na mesma linha de Ana Catarina Mendes e João Gomes Cravinho, o ministro do Ambiente também tem uma casa relativamente próxima à sua residência permanente, no concelho de Sintra. Duarte Cordeiro — que já foi vice-presidente da câmara, é lisboeta e tem um percurso centrado no PS/Lisboa — vive num T3 na freguesia da Estrela.

A casa que tem na União de freguesias de S. Maria, S. Miguel. S. Martinho e S. Pedro de Penafriais está também habitada, garante ao Observador o próprio ministério: “O ministro do Ambiente e da Ação Climática vive na de Lisboa e a de Sintra está arrendada”.

João Galamba: mais um ministro-turco senhorio (em um oitavo)

Há três jovens turcos que são ministros no Governo e os três são senhorios. Porém, não podem ser acusados de ser incoerentes e contribuir para a existência de habitações devolutas. Ana Catarina Mendes e Duarte Cordeiro têm essas segundas casas arrendadas e o mesmo acontece com o novo ministro das Infraestruturas, João Galamba.

O antigo secretário de Estado do Ambiente é proprietário de um apartamento em Arroios, Lisboa, que é a sua habitação principal e é depois proprietário de 1/8 de uma outra habitação em Cascais. Mesmo que não tenha controlo sobre os outros sete proprietários, o ministério garantiu ao Observador que “o imóvel mencionado encontra-se no mercado de arrendamento.” Como só é dono de um oitavo do imóvel, João Galamba declarou apenas rendimentos prediais de 333 euros (relativos a um ano de rendas).

Recentemente, o ministro das Infraestruturas foi notícia precisamente na sequência de um negócio imobiliário. Em 2007, segundo avançou recentemente a TVI, João Galamba terá tentado evitar pagar o imposto sobre a mais-valia de uma casa que comprou por 190 mil euros (detinha 50% da propriedade) e que vendeu pelo dobro desse valor seis meses depois. O ministro disse depois que não “fugiu a nada” e encarou o protesto que fez com naturalidade: “Ao ser notificado pela Autoridade Tributária, paguei os impostos que devia e recorri pelos meios legais que estavam à minha disposição para defender os meus direitos”.

Elvira Fortunato: a segunda casa que tem é de férias 

A ministra da Ciência tem uma casa, onde reside, na União de Freguesias da Charneca da Caparica e Sobreda, no concelho de Almada. Elvira Fortunato declarou também ao Tribunal Constitucional ser detentora de duas frações em Vila Real de Santo António, no Algarve.

As duas frações correspondem, segundo explicou o ministério ao Observador, a “um apartamento de férias e uma garagem”. Logo, a ministra da Ciência e do Ensino Superior também não tem imóveis que estejam sujeitos ao arrendamento coercivo.

Pizarro: uma casa em obras e o escritório da incompatibilidade

O ministro da Saúde, Manuel Pizarro, é proprietário de três imóveis, todos na freguesia de Ramalde, no concelho do Porto. Um dos imóveis, explica o gabinete do governante, “está habitado” e outro “encontra-se em obras de reabilitação para ser posteriormente habitado”. Ora, este imóvel que está em obras poderia ficar sujeito a um arrendamento coercivo, mas o próprio ministro admite que já está a reabilitá-lo precisamente para ser arrendado. Aliás, só por estar em obras de reabilitação (desde que certificadas pelo município), o imóvel já estaria imune a essa intervenção estatal enquanto os trabalhos decorressem.

Além disso, há um terceiro imóvel que, explica o ministério ao Observador, “é não residencial”. Caso não possa ser convertido em imóvel de habitação está, naturalmente, fora da mira do eventual arrendamento coercivo.

Embora não tenha especificado de que imóvel se trata, quando em outubro de 2022 Manuel Pizarro foi confrontado com um caso de incompatibilidade — por acumular a função de governante com a de sócio-gerente da empresa “Manuel Pizarro – Consultadoria, Lda” — o ministro explicou que a “dissolução” da mesma ainda não estava concluída por ser “necessário proceder à venda de um ativo da empresa, um imóvel de 38 m2 [metros quadrados], localizado no Porto”. Como Manuel Pizarro não comunicou a venda, o terceiro imóvel, depreende-se, é o tal escritório de 38m2. 

Marina Gonçalves: ministra aluga a única casa que tem a 500 euros por mês

Se quiser seguir a máxima do antigo chefe e antecessor — o ex-ministro Pedro Nuno Santos, que vendeu um Porsche 911 em nome de uma coerência ideológica — Marina Gonçalves está no bom caminho. A ministra da Habitação é proprietária de um único imóvel, na freguesia de Cristelo, em Caminha, que arrenda a preços abaixo do mercado.

De acordo com as exceções que estão na lei, a ministra não precisava de ter a casa arrendada, já que está deslocada da sua habitação (na sua terra, em Caminha) por razões profissionais (é ministra em Lisboa). Mas Marina Gonçalves, ainda antes da reforma ser apresentada, já tinha a única casa de que é proprietária arrendada a terceiros. O ministério confirmou ao Observador que esse apartamento T3 “está arrendado pelo valor referido na sua declaração de rendimentos entregue no Tribunal Constitucional.”

Ora, os rendimentos prediais da ministra, verificou o Observador, são 6 mil euros por ano, o que significa que Marina Gonçalves arrenda o T3 que deixou em Caminha por 500 euros mensais. A casa tem três pisos, 150 m2 e um valor patrimonial de 96.144,61 euros, pelo que a ministra não pode ser acusada de contribuir para a existência de prédios devolutos, nem de praticar preços exagerados para o mercado. Em 2021, ano em que ainda só era secretária de Estado da Habitação, o imóvel em causa já estava arrendado.

Os ministros que só têm uma casa ou sem habitação própria

Há ministros a quem a questão do arrendamento coercivo não se coloca, mas por outras razões: só têm uma habitação ou não têm de todo qualquer imóvel no seu património. O ministro da Educação, um dos mais contestados nos últimos tempos, é proprietário de uma moradia na Quinta do Anjo, no concelho de Palmela. Quanto à ministra da Coesão, Ana Abrunhosa, também é proprietária de uma casa na freguesia da Sé Nova, em Coimbra. O mesmo acontece com o ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, que tem apenas uma casa no Porto, declarou, “destinada a habitação própria”.

A ministra Mariana Vieira da Silva “é proprietária de um único imóvel de habitação, um apartamento T2, em Lisboa“, que, como explica o seu gabinete, “constitui a sua habitação própria permanente”. A ministra declarou depois ter mais património imobiliário, decorrente de uma herança, em Gavião (Famalicão), mas tratam-se, segundo explicou o gabinete da governante ao Observador, da copropriedade de “três terrenos”.

Já a ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, não tem casa própria. A ministra do Trabalho e da Segurança Social, Ana Mendes Godinho, não tem casa em Lisboa, mas é proprietária de dois imóveis em Vila Nova de Foz Côa, cidade onde tem raízes familiares.

As localizações rasuradas não esclarecidas e a imobiliária sem atividade

Há ainda um caso particular: o do ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva. Na declaração entregue no Tribunal Constitucional, aparecem três itens na parte referente ao património imobiliário: num deles é possível perceber a localização (Lisboa), nos outros dois não é possível perceber sequer a tipologia  (pode ser uma garagem, um apartamento ou um simples terreno).

O Observador contactou então o gabinete do ministro para perceber se ia colocar os outros dois imóveis, que se pressupunham ser igualmente em Lisboa, no mercado. A resposta foi a seguinte: “É totalmente falso que o ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, seja proprietário de três prédios urbanos no concelho de Lisboa.” No mesmo email, o gabinete do ministro acrescentava: “O ministro da Cultura possui um único imóvel em Lisboa, que é a sua habitação própria permanente”.

Após a resposta, o Observador voltou a contactar a assessoria do ministério para perceber então a que se referiam os outros dois imóveis registados na declaração de rendimentos entregue no dia 28 de junho de 2022, mas não obteve qualquer resposta. O ministro diz que “possui um único imóvel em Lisboa“, não esclarecendo se os outros dois existem e onde são. Não foi, no caso de Adão e Silva, possível perceber se pode ou não ser abrangido pelo arrendamento coercivo.

Como o Observador noticiou no final de janeiro, Pedro Adão e Silva tem 30% da Fugas Imobiliária, empresa que — de acordo com informações disponibilizadas pelo próprio governante ao Tribunal Constitucional — não teve atividade em 2021 (desconhece-se se teve em 2022).

Pedro Adão e Silva tomou posse a 30 de março de 2022 e durante um mês manteve-se proprietário de 70% da empresa Linha Justa, Lda, registada como sendo da área da consultadoria. A 30 de abril foi decidida a dissolução da sociedade, num processo que foi concluído quatro meses depois de Adão e Silva tomar posse: 5 de julho de 2022.

A companheira de Adão e Silva, Sandra Tavares (união de facto), foi, até dezembro de 2019, sócia da imobiliária CG153, empresa de promoção imobiliária na qual a empresa Linha Justa (detida maioritariamente por Pedro Adão e Silva) teve uma participação.

Continua por esclarecer para que serve a imobiliária de Pedro Adão e Silva que não tem atividade, bem como a localização dos outros dois imóveis que declarou ao Tribunal Constitucional, mas que os serviços do Palácio Ratton rasuraram ao ponto de não dar para perceber a localização. Como o ministro também não revelou o tipo de imóvel que é nem onde se localiza, é impossível dizer, neste caso, se estes estão ou não sujeitos ao arrendamento coercivo. E sequer se são habitações. A acontecer, seriam os únicos imóveis declarados pelos governantes que aprovaram o pacote de medidas “Mais Habitação” sujeitos a esse instrumento que tanta polémica tem criado.

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