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O primeiro-ministro indigitado, Luis Montenegro (E), conversa com o deputado do Partido Socialista (PS), Pedro Nuno Santos, no final da eleição para o presidente da Assembleia da República, que sucederá a Augusto Santos Silva, que falhou a eleição pelo círculo Fora da Europa nas últimas legislativas, na Assembleia da República em Lisboa, 26 de março de 2024. TIAGO PETINGA/LUSA
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TIAGO PETINGA/LUSA

TIAGO PETINGA/LUSA

Montenegro e Pedro Nuno radicalizam posições

Decisão de Marcelo era esperada por Montenegro. Governo acredita que tem argumentos para pressionar PS e margem para negociar é quase nula. Socialistas rejeitam essa leitura e recusam condicionamento

De volta ao tabuleiro de xadrez. Depois de Marcelo Rebelo de Sousa ter promulgado os diplomas que foram aprovadas pela oposição contra a vontade do Governo, Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos, que passaram os últimos dias a jurar que havia disponibilidade para chegar a bom porto nas negociações orçamentais, voltaram a cavar trincheiras. De um lado, o Governo vai sugerindo que não há margem para acomodar todas as propostas da oposição e vai pressionar os socialistas a cederem; do outro lado, o PS vai dizendo que o contador está a zeros, que estas medidas estão fora das negociações e que Montenegro tem mesmo de ouvir o que os socialistas têm para dizer se quiser aprovar o próximo OE.

Ora, estas duas posições estreitam o caminho para as negociações, vão assumindo fontes dos dois lados da barricada. Entre os sociais-democratas ouvidos pelo Observador, o PS terá de fazer escolhas quando se sentar à mesa das negociações: ou assume que estas medidas agora promulgadas — alterações no IRS, redução do IVA na eletricidade e fim das SCUT — são prioritárias, fechadas e inegociáveis; ou vai ter de recuar, modelar algumas propostas e abdicar de medidas se quiser uma aproximação real às suas principais bandeiras.

Ao Observador, Hugo Carneiro, vice-presidente da bancada parlamentar do PSD, coloca as coisas nestes termos: “A oposição parte para estas negociações com um cheque na ordem de mil milhões de euros. E tem de levar isso em consideração. Tem de decidir se gostaria de ter estas medidas, se as quer alterar ou se quer ter outras prioridades refletidas. O Orçamento do Estado não é elástico”, avisa o social-democrata. Ou seja, se forem mesmo estas as prioridades do PS, os socialistas terão estar conscientes de que não podem exigir mais a um Governo que, insiste-se, tem uma margem orçamental cada vez mais reduzida.

Aquilo que diz Hugo Carneiro não é, de resto, muito diferente daquilo que disse Luís Montenegro esta tarde. “As medidas que foram aprovadas têm impacto financeiro, mas também um impacto nas escolhas políticas. É preciso tomar decisões. No caso concreto, a baixa do IRS nos moldes em que foi aprovada, a diminuição do IVA na eletricidade e a eliminação do pagamento de portagens têm um reverso da medalha. O que é que nós vamos deixar de poder fazer em função dessas decisões da Assembleia da República?”, desafiou o primeiro-ministro.

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Aliás, em declarações aos jornalistas, à margem de uma visita oficial a Angola, Montenegro sugeriu que a oposição, depois de ter visto promulgados diplomas que foram aprovados no Parlamento ao arrepio da estratégia do Governo, está obrigada a viabilizar o Orçamento do Estado. “As decisões têm consequências. Estes partidos vão querer ver materializadas [as propostas agora promulgadas]. Era importante ter uma clarificação de o que é que oferece em troca quem promulgou estas alterações.”

Para contextualizar esta leitura que se vai fazendo no PSD e no Governo, há destacados dirigentes sociais-democratas que vão lembrando o seguinte: havendo entendimento entre as partes, o Orçamento do Estado para 2025 pode perfeitamente revogar as medidas agora promulgadas. Por isso, em teoria, pelo menos, o fim das SCUT ou a redução do IVA da eletricidade, por exemplo, podem ser esvaziados nas negociações orçamentais sob o argumento de que há outras medidas prioritárias. No final do dia, se o Orçamento revogar ou alterar alguma destas medidas, fica a valer lei orçamental e não os diplomas promulgados.

Traduzindo, o Governo vai chegar à mesa das negociações com a seguinte postura: ou a oposição aceita modelar (ou mesmo abdicar de) algumas das propostas agora promulgadas para libertar margem financeira para aprovar outras medidas ou dificilmente será possível chegar a um entendimento. Se a decisão de Pedro Nuno Santos (e de André Ventura, claro) for irredutível, alguma coisa ficará pelo caminho. No limite, pode ficar o próprio Orçamento pelo caminho e o país vai a votos. Aos olhos do Executivo da Aliança Democrática, a pressão está toda do lado dos partidos da oposição.

Nesta linha, Luís Montenegro acredita que tem a faca e o queijo na mão. Ganhou margem para dizer que a oposição quer colocar em causa a estabilidade das contas políticas; obriga Pedro Nuno Santos a fazer escolhas em público, tornando a mensagem socialista mais confusa; dá argumentos ao Governo para se vitimizar caso os socialistas se mostrem intransigentes; e permite manter todos os cenários em aberto — incluindo o de crise política e consequentemente eleições antecipadas.

A decisão de Marcelo Rebelo de Sousa foi celebrada nos bastidores do Governo. Segundo apurou o Observador, de resto, a decisão do Chefe de Estado era mais do que antecipada. Aos olhos da equipa de Montenegro, o Presidente da República encurralou Pedro Nuno Santos, que agora, diz-se, terá poucos argumentos para chumbar um Orçamento do Estado que incorpora medidas que o próprio PS aprovou no Parlamento

PS fecha a porta a Montenegro

No PS, a postura sobre o que foi agora promulgado está encerrada. “Essas discussões estão fechadas“, diz um socialista ao Observador que assegura que para os socialistas as medidas agora promulgadas, no âmbito da negociação orçamental, “são algo adquirido”. “Foram aprovadas independentemente do Orçamento”, assinala a mesma fonte que, tal como Pedro Nuno, tenta separar as águas entre os dois momentos. Uma coisa foi o que agora foi promulgado e que decorre do funcionamento da Assembleia da República, outra coisa é aquilo que se vai negociar no Orçamento do Estado.

O mesmo PS já disse, no entanto, que medidas como a redução transversal do IRC ou o IRS Jovem, que o Governo colocou a margem do Orçamento, acabam por influenciar essa negociação ao estreitarem a margem da receita disponível. Quando falou aos jornalistas sobre a decisão presidencial desta terça-feira, Pedro Nuno Santos contabilizou em 2 mil milhões de euros o impacto dessas medidas para dizer que as medidas vindas do PS “não têm comparação com as que vêm do Governo”.

No mesmo dia em que o secretário-geral do PS voltou a repetir que “não há nenhuma razão” para partir do pressuposto de que o OE será chumbado — “desde que o Governo tenha consciência da relação de forças que existe no Parlamento” — a verdade é que o ambiente se intensificou. Pedro Nuno tenta agora virar contra Montenegro os desafios que o primeiro-ministro lhe deixou na reação à decisão de Marcelo: o Governo é quem tem responsabilidade de garantir o respeito pelas contas públicas.

No caso do IRS, o debate ganha mais força. O chefe do Governo foi claro a empurrar para a oposição a responsabilidade de clarificar se redução do IRS começa ou não a contar já este ano. Mas, no PS, argumenta-se com dois pontos: o primeiro, exposto pelo próprio Pedro Nuno, é que essa bola está do lado do Governo, já que foi a AD que prometeu aplicar ainda este ano essa redução; segundo, porque o impacto financeiro da redução do IRS só chegará em 2025, na altura do reembolso do imposto — que é quando é feito o acerto de contas entre os contribuintes e o Estado relativo a este ano. Tudo somado, o socialista mantém alta a pressão (tal como a restante esquerda) para ter reduções do imposto sobre os rendimentos já este ano.

Perante o comunicado de Belém, o PS quis pôr o próprio líder a reclamar a vitória, numa declaração nos Passos Perdidos da Assembleia da República, mas quer manter-se à margem de pressões. Pedro Nuno Santos parece agora apostado em não deixar contaminar o debate orçamental com aquilo que já garantiu fora dessa mesa de negociações (e agora com validação presidencial), evitando que exista a leitura que parte em vantagem e que não pode obter mais cedências da parte do Governo

Governo contava com decisão de Marcelo

A decisão de Marcelo Rebelo de Sousa foi celebrada nos bastidores do Governo. Segundo apurou o Observador, de resto, a decisão do Chefe de Estado era mais do que antecipada. Aos olhos da equipa de Montenegro, o Presidente da República encurralou Pedro Nuno Santos, que agora, diz-se, terá poucos argumentos para chumbar um Orçamento do Estado que incorpora medidas que o próprio PS aprovou no Parlamento.

Um eventual veto político (o Presidente da República não usou o argumento da constitucionalidade) só serviria para dar munições à oposição e argumentos para que esta se vitimizasse. Apesar das informações contraditórias que foram surgindo ao longo do dia, Luís Montenegro só se preparou para este cenário — Marcelo, sabia-se, ia mesmo promulgar estes diplomas. Ao fazê-lo, estendeu o tapete para que o Governo preparasse o próprio passo e começasse a cozinhar a próxima mensagem: não há dinheiro para tudo, é preciso fazer escolhas, o PS é irresponsável e está a exigir o irrazoável.

No limite, e essa hipótese não está completamente excluída das contas sociais-democratas, pode chegar a um momento em que a discussão esteja de tal forma favorável à narrativa do Governo (a de que o PS, na sua intransigência, quer fazer explodir o Orçamento), que será vantajoso a Luís Montenegro esticar ainda mais a corda, endurecer ainda mais os termos das negociações, sabendo que pode provocar uma crise política e provocar eleições antecipadas.

Tudo isto vai entrando nas contas dos mais destacados dirigentes sociais-democratas. O núcleo duro de Montenegro entende que, à boleia de Marcelo Rebelo de Sousa, conquistou o primeiro grande argumento político: este PS já leva uma bagagem de mil milhões de euros e ainda está a exigir mais; se for preciso travar a pulsão despesista do PS em nome da estabilidade do país, Montenegro não hesitará. O combate das narrativas políticas voltou a ganhar um novo fôlego — e Pedro Nuno Santos tem a sua própria narrativa.

O Governo vai chegar à mesa das negociações com a seguinte postura: ou a oposição aceita modelar algumas das propostas agora promulgadas para libertar margem financeira para aprovar outras medidas ou dificilmente será possível chegar a um entendimento. Se a decisão de Pedro Nuno Santos for irredutível, alguma coisa ficará pelo caminho. No limite, pode ficar o próprio Orçamento pelo caminho e o país vai a votos

Socialistas recusam pressão

No PS, a decisão de Marcelo era aguardada com alguma expectativa. Os socialistas queriam perceber que lado escolheria o Presidente no atual contexto político — afinal foi a primeira grande decisão desta legislatura e o chefe de Estado alimentou, ele mesmo, o drama à volta do que aconteceria ao final do dia, admitindo logo que teria “leitura política” e que estaria relacionada com as negociações do Orçamento do Estado que começaram na sexta-feira passada.

Perante o comunicado de Belém, o PS quis pôr o próprio líder a reclamar a vitória, numa declaração nos Passos Perdidos da Assembleia da República, mas quer manter-se à margem de pressões. Pedro Nuno Santos parece agora apostado em não deixar contaminar o debate orçamental com aquilo que já garantiu fora dessa mesa de negociações (e agora com validação presidencial), evitando que exista a leitura que parte em vantagem e que não pode obter mais cedências da parte do Governo.

Ao mesmo tempo, o socialista sabe que esta saída de Marcelo Rebelo de Sousa pode ter nas entrelinhas um preço e por isso vai já recusando pressões, seja da AD seja do Presidente da República e já avisou: “Não fazemos leituras nas entrelinhas do que é escrito pelo Presidente da República, os diplomas deverão entrar em vigor e isso nada tem de ver com o Orçamento do Estado.”

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