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AFP/Getty Images

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Não foram os emails. Denúncia da Doyen Sports trama hacker português do Football Leaks

Mandado de detenção europeu focava apenas queixa de fundo de investimentos Doyen Sports. Rui Pinto é presente a juiz de instrução esta sexta-feira, mas vai lutar contra extradição para Portugal.

O processo que levou à detenção do hacker português nasce em 2015. Uma queixa da Doyen Sports lançou a Polícia Judiciária numa longa e intrincada investigação para apanhar um pirata informático que, dizia o fundo de investimentos, tinha tentado extorquir a empresa. Rui Pinto, detido esta quarta-feira, em Budapeste, no cumprimento de um mandado de detenção europeu, terá exigido entre 500 mil e um milhão de euros para parar de divulgar informações sensíveis relacionadas com contratos de jogadores de futebol agenciados pela Doyen. A defesa nega. O hacker português “não recebeu dinheiro”, diz ao Observador o o advogado de Rui Pinto em Portugal, Francisco Teixeira da Mota.

O e-mail que fez a Doyen recorrer à Polícia Judiciária (PJ) chegou à caixa de correio de Nélio Lucas, da Doyen, a 3 de outubro de 2015, cinco dias depois de a empresa ter lançado o seu site oficial. Os detalhes foram contados pela primeira vez, cerca de um ano mais tarde, em dezembro de 2016, numa investigação da revista Der Spiegel. O autor desse email original apresentava-se como um tal de ‘Artem Lobuzov’ — um pseudónimo, pensou de imediato Nélio Lucas. A mensagem mostrava as fotos, mensagens de chat e outros emails, uns mais comprometedores que outros, que aquele hacker tinha em sua posse.

No final, ‘Lobuzov’ deixava a ameaça: “Tudo isto e muito mais pode ficar online, e depois disso [vai aparecer] em toda a imprensa europeia”, leu o responsável da Doyen Sports. “Certamente, não quer que isso aconteça, ou quer? Mas podemos falar…”

Nélio Lucas contra-atacou: podiam chegar a acordo. Dois dias depois do primeiro email, a 5 de outubro, o contacto envia a sua resposta ao responsável do fundo de investimento. Era possível um acordo, sim, mas o valor andaria à volta de entre 500 mil a um milhão de euros. Em troca do pagamento, “toda a informação” que ‘Lubozov’ tinha nas mãos “seria eliminada”. Mas teriam de ser discretos. “Podemos resolver isto de forma muito simples, no maior secretismo possível, preferencialmente entre advogados.”

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O que se sabe de Rui Pinto, o pirata informático do Football Leaks que terá desviado os emails do Benfica

Quando Nélio Lucas aceitou encontrar-se, acompanhado pelo seu advogado, com Aníbal Pinto, advogado de Rui Pinto, numa estação de serviço na A5, às portas de Lisboa, a Polícia Judiciária já estava de alerta. A ideia era que o encontro fosse gravado e que servisse de suporte à queixa que a Doyen já tinha apresentado. O email, percebeu entretanto o responsável do fundo de investimento, passara pelo mesmo servidor usado para alojar o site Football Leaks.

Nesse encontro com o hacker, Nélio Lucas terá prometido a Aníbal Pinto, à data, advogado de Rui Pinto, que não avançaria com queixas formais na Polícia Judiciária, caso as informações parassem de ser publicadas no site Footblall Leaks. Mas sabia que já era tarde: a investigação estava em marcha.

Hacker nega tentativa de extorsão

Resultados, porém, só três anos depois desse encontro (e com provocações à PJ pelo meio). Esta quarta-feira, a polícia húngara deteve Rui Pinto em Budapeste. O hacker foi apontado como estando ligado a vários ataques informáticos nos últimos tempos — um dos mais mediáticos foi o ataque aos emails do Benfica e a revelação de dados confidenciais sobre contratos de jogadores ligados ao clube da Luz, mas houve ataques a outros clubes de futebol (o Porto e o Sporting, em concreto), aos servidores da Procuradoria-geral da República e a uma sociedade de advogados. Nenhum destes casos constava, porém, do documento que as autoridades húngaras — acompanhadas de elementos da PJ — apresentaram ao hacker português.

“O mandado de captura só refere a questão da Doyen, não fala do Benfica nem do Porto” ou de quaisquer outros casos que não o fundo de investimento de Nélio Lucas, garante o advogado Francisco Teixeira da Mota. Os crimes em causa correspondem à informação que a PJ e a PGR já divulgaram na quarta-feira: extorsão qualificada na forma tentada, acesso ilegítimo, ofensa a pessoa coletiva e violação de segredo.

O mandado de detenção europeu apresentado pela policia húngara só referia factos relacionados com o fundo de investimento Doyen Sports. Mas Rui Pinto "garante que não é verdade que tenha havido tentativa de extorsão", diz o advogado do hacker português.

A defesa nega, contudo, que tenha havido qualquer pedido de pagamento para parar a divulgação de informações sensíveis. “Rui Pinto não recebeu dinheiro, o que fez foi sempre para denunciar práticas ilegais, ele garante que não é verdade que tenha havido tentativa de extorsão”, diz ao Observador Francisco Teixeira da Mota. O advogado ainda não falou com o hacker português nem tem planos para viajar até à Hungria para conhecer mais detalhes do caso — para isso tem lá um outro colega. Quanto a ele, esperará pelo momento em que o seu cliente aterrar em Lisboa, diz. Mas já é claro que a equipa vai contestar de forma clara a tese da investigação que levou à detenção desta quarta-feira.

A lista de crimes não é extensa, mas a moldura penal não é leve. Estão em causa crimes que podem resultar em penas de 10 anos de prisão. Para chegar aí, é preciso continuar a investigar e, por isso, o caso não deverá ficar por aqui. Além da detenção, as autoridades húngaras apreenderam em casa de Rui Pinto vários “bens pessoais”, uma referência que deverá envolver computadores, telemóveis e outro material informático que o hacker tivesse consigo.

Rui Pinto tem sido apontado como um “especialista em informática”. O que leva a supor que, mesmo tendo conseguido apreender computadores pessoais, nada garante que eles tenham ainda material comprometedor à disposição dos inspetores. Ainda assim, quando esse material e o próprio arguido chegarem a Portugal — um processo que poderá arrastar-se, uma vez que a defesa vai opor-se à extradição — a estratégia da PJ passará por chegar a uma de três conclusões:

  1. Confirmam-se os indícios relacionados com a Doyen e que apontam para crimes de extorsão, acesso indevido a informações confidenciais e outros;
  2. Conclui-se que esse caso não tinha, afinal, sustentação;
  3. A investigação consegue ir muito além daquilo que levou à detenção e começa, enfim, a estabelecer ligações entre Rui Pinto e os outros ataques informáticos que têm sido noticiados nos últimos anos.

Mas, isso, só quando hacker e material informático chegarem a Portugal. Um cenário que não agrada a Rui Pinto nem à sua defesa. Na Hungria, o hacker português está a ser acompanhado por um advogado francês, William Bourdon, que já manifestou a oposição a que o português seja extraditado para Portugal.

Defesa vai lutar contra extradição para Portugal

Esta sexta-feira, Rui Pinto será presente a juiz de instrução e Bourdon deverá, então, manifestar-se contra o pedido das autoridades portugueses para a investigação continue em Lisboa. Em média, os processos de extradição costumam demoram entre 30 a 40 dias a ficar resolvidos. E, por lei, se for manifestada oposição à extradição, terão de ter resposta judicial até 60 dias depois de a detenção ser concretizada.

No entanto, as pretensões de Rui Pinto poderão não ter sucesso. O mandado de detenção europeu surge para acelerar processos em que as investigações cruzam diferentes países do espaço comunitário e para derrubar obstáculos que pudessem surgir de enquadramentos legais diferentes. Daí se possa explicar a certeza do diretor da unidade de cibercrime da PJ quando, na quarta-feira, em conferência de imprensa, estimou que o hacker deveria chegar a Portugal, no máximo, até meados de fevereiro.

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No comunicado que enviou esta quinta-feira às redações, a defesa de Rui Pinto sublinha a ideia de que o pirata informático se tornou um “importante denunciante europeu no âmbito dos chamados ‘Football Leaks’” e recorda que “muitas revelações feitas ao abrigo destas partilhas de informação estiveram na origem da publicação, durante vários anos, de notícias que deram lugar à abertura de muitas investigações em França e noutros países europeus”.

As denúncias através daquele site permitiram, diz o comunicado, que “numerosas autoridades judiciais europeias” alcançassem “um avanço histórico no conhecimento das práticas criminosas no mundo do futebol”. O raciocínio leva a uma conclusão: Rui Pinto “cumpre todos os critérios de proteção dos denunciantes (whistleblowers), resultantes das últimas disposições da legislação europeia e de muitos países europeus”.

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O facto de as informações divulgadas terem sido obtidas através da prática de crimes não diminui, aos olhos dos advogados, a sua adequação a esta condição. “Como com todos os denunciantes, seja Julian Assange, seja Edward Snowden” — compara Francisco Teixeira da Mota —, “os documentos que configuram práticas criminais não são de acesso livre, porque ninguém terá em princípio, acesso livre, público, a documetação que comprova atividades criminais”. O advogado considera que “é inerente à atividade destes denunciantes de alguma forma pisarem o risco a determinadas regras”.

O argumento, porém, não colhe junto dos investigadores. Fonte da Polícia Judiciária sublinha ao Observador que alegar que se procurou fazer justiça cometendo crimes não faz qualquer sentido e que nunca isso poderia ser argumento para evitar vir a ser condenado por eles.

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