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Começa esta quarta-feira em Roma a 16.ª Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos, um acontecimento que tem sido classificado como um dos momentos mais importantes da vida da Igreja desde o Concílio Vaticano II. Até ao dia 29 deste mês, 400 pessoas ligadas à Igreja — incluindo bispos, leigos e variados especialistas — vão estar reunidas no Vaticano para debater o tema da sinodalidade na Igreja Católica.
Este sínodo tem várias novidades, a começar pelo facto de, pela primeira vez na história, haver mulheres com direito de voto. O Observador explica tudo o que está em causa em oito perguntas e respostas.
O que é o Sínodo dos Bispos?
O Sínodo dos Bispos é um órgão colegial da Igreja Católica, composto por um número variável de bispos, que se reúne periodicamente em Roma para auxiliar o Papa no governo da Igreja. Essas reuniões periódicas recebem o nome de Assembleia Geral, que pode ser ordinária, extraordinária ou especial. Fora do período em que a Assembleia Geral está reunida, existe em Roma uma Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos — organismo que tem como missão preparar as assembleias, aprofundar os temas a debater e ajudar o Papa na seleção dos membros de cada assembleia.
Como instituição, o Sínodo dos Bispos foi formalmente lançado pelo Papa Paulo VI em 1965, depois do Concílio Vaticano II. A experiência daquele concílio, que reformou a Igreja Católica contemporânea, dando-lhe a forma que conhecemos hoje, foi profundamente marcante e motivou o Papa Paulo VI a reforçar na Igreja o peso da colegialidade na tomada de decisões — algo que, na verdade, fez parte da essência da Igreja dos primeiros séculos e que se manteve nas Igrejas Ortodoxas, que continuam até aos dias de hoje a ser conduzidas por sínodos.
Nesse sentido, o Papa Paulo VI publicou em 15 de setembro de 1965 a carta apostólica Apostolica Sollicitudo, com a qual instituiu formalmente o Sínodo dos Bispos. Nesse documento, Paulo VI destacou que o Concílio Vaticano II reforçou nele “a ideia de constituir de modo estável um conselho especial de bispos, para que, mesmo depois de terminado o Concílio, continue a chegar ao povo cristão a abundância de benefícios que felizmente se obteve, durante o tempo do Concílio, como fruto da nossa íntima união com os bispos”. Por isso, Paulo VI criou o Sínodo dos Bispos com o objetivo de dar aos bispos “a possibilidade de participar mais aberta e eficazmente” no governo da Igreja universal.
Ainda segundo aquela carta apostólica, que estabeleceu os princípios do Sínodo dos Bispos, o organismo é composto por “bispos eleitos das diversas partes do mundo” para prestar “uma ajuda mais eficaz ao pastor supremo da Igreja”. O Sínodo é, simultaneamente, um “instituto eclesiástico central”, representativo de “todo o episcopado católico”, “perpétuo na sua natureza” e desempenha as suas funções “em tempo determinado e segundo a ocasião”.
Embora o Sínodo dos Bispos tenha essencialmente a missão de “informar e aconselhar” o Papa, pode também ter poder deliberativo em determinadas ocasiões decididas pelo Papa — a quem cabe ratificar a decisão do Sínodo. É também ao Papa que cabe convocar o Sínodo sempre que considere necessário, em assembleias gerais ordinárias, extraordinárias ou especiais, e escolher o tema concreto que necessita de ser abordado em cada edição do Sínodo. Além desta missão, o Sínodo dos Bispos tem como objetivo contribuir para o intercâmbio de opiniões e experiências entre os bispos do mundo, para que as decisões da Igreja Católica a partir de Roma sejam verdadeiramente universais.
O que é a sinodalidade?
A palavra “sínodo” tem origem nos termos gregos “syn” (em conjunto) e “hodos” (caminho) e pode traduzir-se livremente através da ideia de “caminhar em conjunto”. A ideia de “caminho” faz parte do vocabulário cristão desde o primeiro século — de tal modo que os primeiros cristãos, no tempo dos apóstolos em Jerusalém e das viagens de São Paulo, eram conhecidos como os seguidores do “Caminho” ou da “Via”, algo que é bem visível em numerosas passagens do livro dos Atos dos Apóstolos. O episódio do concílio de Jerusalém, relatado no 15.º capítulo daquele livro bíblico, é frequentemente apontado como o primeiro exemplo da sinodalidade na Igreja Católica: perante uma dúvida sobre o caminho a seguir, os cristãos reúnem-se para debater, partilhar ideias e encontrar caminhos.
Como explica o próprio Vaticano, logo desde os primeiros séculos, especialmente depois da legalização do Cristianismo pelo imperador Constantino, foram realizados múltiplos sínodos e concílios na Igreja para resolver os assuntos para os quais não bastava a autoridade do bispo local — e essas reuniões magnas dos líderes cristãos foram, com o tempo, evoluindo e ganhando dimensão institucional. Os grandes concílios da história da Igreja são as expressões mais visíveis desta lógica de tomada de decisão em conjunto; o Sínodo dos Bispos, instituído em 1965, representa, de certo modo, um regresso à “sinodalidade” dos primeiros séculos.
Esta descrição pode levar à ideia de que o Sínodo dos Bispos é uma espécie de “parlamento” da Igreja Católica — mas seria uma comparação errada, como o Papa Francisco tem apontado frequentemente. No Sínodo dos Bispos, o objetivo não é usar os meios de democracia para chegar a uma decisão por maioria. Pelo contrário, no contexto da fé católica, o protagonista do Sínodo dos Bispos não são os bispos participantes, mas o Espírito Santo: os bispos estão lá para, através do debate, da escuta e da oração, discernir os caminhos propostos por Deus para a Igreja.
Esta tensão entre democracia e sinodalidade tem sido especialmente debatida nos Estados Unidos — onde alguns acontecimentos dos últimos anos, como o Sínodo de 2018 sobre os jovens e o Caminho Sinodal levado a cabo pelos bispos alemães, tem levado alguns bispos mais conservadores a questionar se a Igreja contemporânea está a procurar sujeitar a doutrina católica à votação das maiorias. Numa recente visita dos bispos americanos ao Vaticano, esse foi um dos temas centrais da discussão com o Papa Francisco: os bispos quiseram saber o que é que o Papa entende, exatamente, por sinodalidade.
“Francisco disse aos bispos dos EUA que a ‘sinodalidade’ não significa um parlamento ou um voto democrático. O verdadeiro protagonista do Sínodo dos Bispos, disse o Papa, não é nenhum dos bispos ou dos outros participantes, mas o Espírito Santo”, escreveu em 2020 o vaticanista americano John L. Allen Jr., com base no relato que lhe fez um dos bispos participantes nessa reunião. “Isso está em total alinhamento com o tradicional entendimento católico do poder na Igreja. Num democracia secular, o poder vai de baixo para cima, a partir do consentimento dos governados; na Igreja, o poder vai de cima para baixo, da vontade soberana de Deus, tal como é discernida e mediada pelas autoridades. Noutras palavras, a ‘sinodalidade’ não é sobre o que os bispos ou outros participantes querem. É toda a Igreja, a começar pelos bispos, a tentar compreender o que é que Deus quer perante um conjunto particular de desafios.”
Desde o início do seu pontificado, o Papa Francisco tem falado extensamente sobre este conceito de “sinodalidade”, próprio do funcionamento da Igreja Católica. “A sinodalidade, como dimensão constitutiva da Igreja, oferece-nos o quadro interpretativo mais apropriado para compreender o próprio ministério hierárquico”, disse o Papa em 2015 num discurso de comemoração dos 50 anos da instituição do Sínodo dos Bispos. “Se compreendermos que, como diz São João Crisóstomo, ‘Igreja e Sínodo são sinónimos’ — pois a Igreja nada mais é do que este ‘caminhar juntos’ do Rebanho de Deus pelas sendas da história ao encontro de Cristo Senhor —, entenderemos também que dentro dela ninguém pode ser ‘elevado’ acima dos outros.”
Mais recentemente, em 2021, num discurso perante os fiéis da diocese de Roma, numa altura em que já estava em curso o atual sínodo, o Papa Francisco voltou a falar do assunto. “O tema da sinodalidade não é o capítulo de um tratado sobre eclesiologia, e muito menos uma moda, um slogan ou um novo termo a ser usado ou instrumentalizado nos nossos encontros. Não! A sinodalidade expressa a natureza da Igreja, a sua forma, o seu estilo, a sua missão”, disse Francisco.
Já no mês passado, durante o voo de regresso a Roma no final da sua viagem à Mongólia, o Papa Francisco alertou para o perigo da ideologização do Sínodo dos Bispos. “No Sínodo não há lugar para a ideologia, é outra dinâmica. O Sínodo é o diálogo entre os batizados, entre os membros da Igreja, sobre a vida da Igreja, sobre o diálogo com o mundo, sobre os problemas que hoje afligem a humanidade”, disse o Papa. “Há uma coisa que devemos salvaguardar: o ambiente sinodal. Não se trata de um programa de TV onde se fala de tudo. Não! Trata-se de um momento religioso, um momento de intercâmbio religioso. Considere que os discursos sinodais duram três a quatro minutos, seguidos de três a quatro minutos de silêncio para oração. Depois, outros três e a oração. Sem este espírito de oração não há sinodalidade, há política, há parlamentarismo. O Sínodo não é um parlamento.”
Quem faz parte do Sínodo dos Bispos?
Tradicionalmente, as assembleias do Sínodo dos Bispos são constituídas, como o nome indica, por bispos. O Código de Direito Canónico destaca que o sínodo é “a assembleia dos bispos escolhidos das diversas regiões do mundo, que em tempos estabelecidos se reúnem”. Isto significa que cada assembleia é composta por membros diferentes. No caso das assembleias gerais, a ideia é que toda a Igreja universal esteja representada, pelo que todas as conferências episcopais do mundo elegem os seus representantes; no caso das assembleias extraordinárias, dedicadas a temas mais específicos, é dispensada a eleição e participam os patriarcas, arcebispos e os presidentes das conferências episcopais; no caso das assembleias especiais, que se debruçam sobre regiões particulares do mundo, são eleitos especialmente bispos dessas regiões do mundo.
O grosso da assembleia geral é composto por bispos diocesanos oriundos de todo o mundo. Segundo a carta apostólica de 1965 de Paulo VI, os bispos são eleitos por todas as conferências episcopais do mundo, segundo uma proporção: as conferências episcopais até 25 membros elegem um representante; até 50 membros, dois representantes; até 100 membros, três representantes; mais de 100 membros, quatro representantes. Por essa razão, Portugal, cuja conferência episcopal tem cerca de 40 bispos, é habitualmente representado por dois bispos.
Além dos bispos, têm também assento no Sínodo dos Bispos dez ou três (consoante seja uma assembleia geral ou extraordinária) religiosos, em representação dos membros de ordens e congregações, eleitos pela união dos superiores gerais, em Roma.
Mas o Sínodo dos Bispos não é composto apenas por bispos. Já Paulo VI previa que, por vontade expressa do Papa, o número de membros do sínodo podia ser aumentado, incluindo “bispos, religiosos, representantes de institutos religiosos ou eclesiásticos peritos” para ajudar na discussão dos temas. Mais recentemente, numa revisão das regras do Sínodo dos Bispos, o Papa Francisco determinou que, “segundo o tema e as circunstâncias, podem ser chamados à Assembleia do Sínodo outros mais, que não detêm o múnus episcopal e cujo papel é determinado de cada vez pelo Romano Pontífice”. Este alargamento sem restrições significa que o Papa pode convocar leigos para participar — e votar — numa assembleia do Sínodo dos Bispos.
Em que medida é que o Sínodo 2021-2024 é diferente?
Em março de 2020, quando o Vaticano anunciou formalmente a intenção do Papa Francisco de convocar o Sínodo dos Bispos para a sua 16.ª Assembleia Geral Ordinária em outubro de 2022, ficou logo no ar a ideia de que aquele seria um sínodo diferente: pela primeira vez, o tema de uma assembleia do Sínodo dos Bispos seria a própria sinodalidade. “Para uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão” foi o mote escolhido pelo Papa Francisco, para incentivar a Igreja a discutir esta sua própria característica de “caminhar em conjunto”.
Ao longo dos meses seguintes, foram sendo conhecidas várias novidades que permitiram perceber que se estava a desenhar, na cabeça do Papa Francisco, um sínodo verdadeiramente diferente.
Em fevereiro de 2021, Francisco nomeou a irmã Nathalie Becquart, uma religiosa francesa, como subsecretária da Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos. Foi a primeira vez que uma mulher foi nomeada para aquele cargo, o que levantou logo grande agitação nos meios eclesiásticos: é que na constituição apostólica Episcopalis Communio, publicada pelo Papa Francisco em 2018 para atualizar as normas de funcionamento do Sínodo dos Bispos, está bem claro que o secretário geral e o subsecretário são, por natureza, membros de pleno direito da assembleia sinodal e, por isso, têm direito de voto. Ao nomear, três anos depois, uma mulher para aquele cargo, Francisco estava a dizer com todas as letras que pretendia, pela primeira vez na história, dar direito de voto a uma mulher no Sínodo dos Bispos. Seria uma exceção — ou estava o Papa a abrir uma porta?
Mas a grande revolução surgiu em maio de 2021, quando o Vaticano publicou um extenso comunicado oficial anunciando um novo modelo do Sínodo dos Bispos. O modelo anterior, que se baseava numa reunião de três ou quatro semanas em Roma, reservada a bispos, ficaria para trás. Em vez de uma assembleia geral de um mês em outubro de 2022, a ideia era agora um processo sinodal de dois anos, envolvendo todos os fiéis católicos do mundo. Assim, o calendário passou a ser o seguinte: em outubro de 2021, o Papa inauguraria o caminho sinodal numa celebração em Roma, que todos os bispos do mundo deveriam repetir na sua diocese na semana seguinte.
A partir daí, e até abril de 2022, decorreria a “fase diocesana”, ou seja, o nível mais baixo e de maior proximidade do sínodo. Nessa fase, todas as dioceses católicas do mundo eram convidadas a realizar o seu próprio processo sinodal, inspiradas num documento preparatório e num questionário enviado pela Secretaria Geral do Sínodo. Através de círculos de discussão nas paróquias, nos movimentos e em grupos de fiéis, as várias dioceses iriam recolher os contributos de qualquer fiel que quisesse participar neste processo de diagnóstico da Igreja contemporânea: que problemas são identificados na Igreja? Que respostas procuram as sociedades de hoje na Igreja? A ideia era que todos pudessem falar livremente.
A partir dos contributos das dioceses, as conferências episcopais deveriam elaborar documentos finais nacionais, que seriam submetidos a Roma para a preparação de uma fase continental. Nessa fase, entre setembro de 2022 e março de 2023, representantes dos vários países reunir-se-iam em encontros de nível continental para fazer o mesmo processo — e elaborar um novo documento, igualmente submetido a Roma. Os documentos recebidos das fases continentais seriam, então, usados para preparar a discussão em Roma, em outubro de 2023 — essa mais próxima daquilo que foram, até agora, as assembleias gerais.
Numa entrevista ao serviço de notícias do Vaticano, o secretário-geral do Sínodo dos Bispos, o cardeal Mario Grech, explicou como o Papa Francisco procurava transformar o Sínodo “de um evento para um processo”. Já não eram apenas os bispos fechados numa sala em Roma durante algumas semanas: era um processo de escuta de todo o universo católico que estaria em causa. A Igreja deveria deixar de ter um sínodo, mas passar a ser ela própria uma Igreja sinodal — e, como foi notado por vários observadores atentos da realidade do Vaticano, a promoção de uma Igreja sinodal é uma das principais ferramentas do Papa Francisco no combate ao clericalismo, apontando como um dos principais problemas da Igreja contemporânea.
Em outubro de 2021, na abertura do caminho sinodal, o Papa Francisco pediu que este processo transformasse os católicos em “especialistas na arte do encontro” e que soubessem “olhar os outros nos olhos e ouvir o que eles têm a dizer”, sendo “sensíveis às questões” dos outros.
No ano seguinte, o Papa Francisco deu ainda mais um passo em frente, anunciando que a conclusão do Sínodo dos Bispos não consistiria apenas numa assembleia em outubro de 2023 — mas numa dupla assembleia geral, com uma primeira parte em outubro de 2023 e uma segunda parte em outubro de 2024, com “o objetivo de dispor de um tempo de discernimento mais prolongado”.
Em abril deste ano, o Papa Francisco anunciou como, à semelhança do caminho sinodal realizado desde outubro de 2021, também a assembleia geral seria inovadora. Além dos bispos eleitos pelas conferências episcopais e pelos membros de nomeação pontifícia habitualmente presentes nas assembleias sinodais, seriam acrescentados mais 70 membros não-bispos. Seriam as chamadas “testemunhas do processo sinodal” e o objetivo era que fossem, pelo menos, 50% mulheres e com uma forte presença de jovens. Além disso, entre os membros de nomeação pontifícia poderiam estar não-bispos. Todos com direito de voto — o que representa uma revolução radical em relação ao modelo antigo do Sínodo dos Bispos.
No fim de contas, em setembro deste ano, o Vaticano anunciou o elenco final dos participantes nesta assembleia sinodal. Serão 365 membros com direito de voto, incluindo 54 mulheres.
Numa entrevista ao Observador, a teóloga espanhola Cristina Inogés Sanz, uma dessas 54 mulheres (incluída no elenco dos participantes por decisão expressa do Papa Francisco), classificou o Sínodo dos Bispos atualmente em curso como “o acontecimento eclesial mais importante desde o Concílio Vaticano II”. Independentemente das conclusões que resultem deste longo processo, existe a convicção clara dentro da Igreja Católica de que o principal resultado do Sínodo sobre a Sinodalidade será o próprio processo: a partir de 2024, será muito difícil regressar aos processos de tomada de decisão antigos, exclusivos do clero, sem envolver os leigos na discussão. Mais do que o conteúdo, a grande revolução deste sínodo será provavelmente a forma, que o Papa espera ver replicada em todos os níveis da Igreja, da mais pequena paróquia à Cúria Romana.
O processo sinodal em curso é de tal modo importante para o pontificado de Francisco que poderá ser uma das razões a adiar uma eventual renúncia do Papa, como disse ao Observador em janeiro deste ano o vaticanista John L. Allen Jr. Questionado sobre se, depois da morte de Bento XVI, se perspetivava uma possível renúncia de Francisco, Allen apontou o sínodo em curso como um dos fatores importantes para a continuidade de Francisco até pelo menos ao final de 2024 — mesmo que isso implique lidar com as crescentes dificuldades de saúde. “Parece-me que o Papa Francisco investiu tanto, pessoalmente e institucionalmente, no processo sinodal, que quer vê-lo até à conclusão”, considerou Allen. “Se o próximo Papa for mais conservador, o sínodo sobre a sinodalidade ia ser diferente e não teria os resultados que o Papa Francisco quer. Isso é, provavelmente, um incentivo para o Papa se manter cá até 2024.”
No mesmo sentido, o padre José Manuel Pereira de Almeida, vice-reitor da Universidade Católica Portuguesa, sublinhava que Francisco faria os possíveis para se manter no cargo até ao final de 2024. “Estou convencido de que a Jornada Mundial da Juventude não é um marco no seu pontificado, mas o sínodo é. Para mim, ser ele a abrir o sínodo é óbvio, e acho que encerrar o sínodo também”, disse na altura ao Observador.
Que conclusões esperar deste Sínodo?
É difícil antecipar quais serão as principais conclusões do Sínodo dos Bispos sobre a sinodalidade — sobretudo tendo em conta a multiplicidade de contributos, oriundos de todos os cantos do mundo, com os quais se está a construir este sínodo. Na opinião da teóloga Cristina Inogés Sanz, no final da assembleia sinodal, o mais importante será que cada diocese católica do mundo regresse à primeira fase do processo, pegue na sua síntese diocesana (ou seja, o documento produzido na sequência das consultas nas paróquias e nos movimentos) e a ponha em prática — já que, na verdade, no quadro da autonomia de cada diocese e das diferentes realidades de cada lugar do mundo, as questões identificadas em cada uma dessas sínteses são os principais problemas a que é preciso dar resposta.
Outra das principais conclusões deste processo sinodal deverá ser o próprio modelo de sinodalidade. Ao transformar radicalmente o Sínodo dos Bispos, que deixa de ser um evento fechado nos bispos para se tornar num processo que envolve todos os fiéis, o Papa Francisco dá um sinal de que esse é o modelo que pretende ver implementado na Igreja, em todas as escalas.
“A partir de agora, o laicado tem de tomar consciência de que descobriu várias coisas durante o processo sinodal que está em curso. Descobriu que sabe pensar, que tem boas ideias, que sabe expressar essas ideias e que ganhamos muito em escutar-nos uns aos outros. A partir de agora, o que é preciso fazer é pegar nas sínteses de cada diocese e começar a pô-las em funcionamento”, sintetizou Cristina Inogés Sanz na entrevista ao Observador.
No caso concreto de Portugal, a consulta que decorreu entre 2021 e 2022 nas paróquias e dioceses portuguesas resultou num relatório que a Conferência Episcopal publicou em agosto de 2022. O relatório resulta do esforço dos católicos portugueses para fazer um “levantamento de processos, métodos e meios” que “podem ajudar a passar de uma Igreja exageradamente centrada na autoridade e ação do clero para uma Igreja sinodal e missionária, na comunhão e participação ativa de todos os seus membros”. Numa parte muito significativa desse relatório, a Conferência Episcopal sintetiza os grandes problemas que foram identificados pelos católicos portugueses através de encontros de grupo, inquéritos online, mensagens escritas recolhidas nas missas e outras formas de recolha de informação.
A Igreja portuguesa assumiu que o processo de recolha de informação não foi suficientemente alargado, devido a uma “débil estratégia de divulgação” do processo sinodal, que foi “enfraquecida pela incapacidade de simplificar a explicação sobre a relevância e a dinâmica da consulta sinodal”. Tudo isto levou a uma fraca mobilização — sobretudo daqueles que estão fora das realidades paroquiais e diocesanas e que, mesmo sendo cristãos, “não se organizaram espontaneamente” para enviar os seus contributos para a discussão.
Ainda assim, apesar dos muitos constrangimentos provocados pelo calendário apertado e pela complexidade dos questionários enviados por Roma, a Conferência Episcopal Portuguesa considerou “satisfatórios” os resultados do processo. Foi detetada ainda uma “maior indiferença na população jovem, que se mostrou pouco confiante com o resultado do processo sinodal por acreditar que não serão implementadas mudanças na Igreja, ao ritmo e visibilidade que anseiam”.
Católicos portugueses alertam para Igreja “estagnada, pouco transparente e preocupada com a imagem”
No final de contas, uma das principais conclusões da escuta sinodal é a de que “a participação, corresponsabilidade e sinodalidade não são ainda efetivamente praticadas na Igreja, o que tem consequências na forma como se vive e se perceciona a Igreja”. Os católicos portugueses identificaram, genericamente, “uma Igreja espiritual e humanamente pouco inclusiva e acolhedora, discriminando quem não está integrado ou não vive de acordo com a moral cristã, isto é, divorciados, recasados e pessoas com diferentes orientações sexuais, identidades e expressões de género (grupo LGBTQI+), que coloca em segundo plano as pessoas com deficiência, os mais pobres, os marginalizados e, consequentemente, desprotegidos, privilegiando atitudes assistencialistas nas situações de pobreza e institucionalização nos grupos mais vulneráveis”.
Precisamente a propósito da comunidade LGBTQI+, mas num universo mais lato que apenas o da Igreja em Portugal, o Vaticano publicou esta segunda-feira — a dois dias da inauguração da Assembleia Geral do Sínodo — uma carta que Francisco enviou a cinco cardeais que o interpelaram para que afirmasse os ensinamentos sobre a homossexualidade. Na resposta aos cardeais, que não foi divulgada, os clérigos consideram que o Papa “avança significativamente” na abertura da Igreja aos católicos LGBTQI+, ao admitir a possibilidade de ser dada a benção a casais do mesmo sexo.
Ainda sobre o relatório da escuta sinodal em Portugal, o documento destaca também a “dificuldade” da Igreja em “fazer caminho com os jovens, negligenciando a importância de lhes proporcionar um espaço onde possam mostrar os seus talentos individuais e vontade na Igreja”. A principal razão a afastar os jovens da Igreja é, diz o relatório, a “diferença existente entre o seu modo de pensar e a doutrina da Igreja Católica, referindo que a Igreja tem uma mentalidade retrógrada e desajustada dos tempos em que vivemos”.
Outro dos grandes problemas apontados à Igreja é a “atitude demasiado hierárquica, clerical, corporativa, pouco transparente, estagnada e resistente à mudança, que prioriza a manutenção da sua imagem ao invés de preservar a segurança da sua comunidade, surgindo os casos de pedofilia como o exemplo mais evidente”. Também a “soberba” e a pouca disponibilidade para a escuta, olhando para os fiéis como “recetores passivos”, é criticada na Igreja, que está em “declínio social no que respeita à sua reputação e relevância” e que não tem sabido propor o evangelho às populações de hoje.
Os católicos identificam ainda “uma Igreja pouco disponível para discutir de forma aberta e descomplexada a possibilidade de tornar opcional o celibato dos sacerdotes e a ordenação de homens casados e das mulheres, e ainda muito presa a um modelo teórica e doutrinalmente assente numa conceção tradicional e assimétrica que concebe o humano a partir do masculino”, não considerando “as mulheres em igualdade com os homens na missão”. E apontam ainda a fraca formação dos agentes pastorais, especialmente dos sacerdotes, “que apresentam uma formação deficiente quer para lidar com os problemas humanos da vida contemporânea, quer para trabalhar com os leigos, que exigem trabalho em equipa, corresponsável e de partilha de autoridade”.
As dificuldades em lidar com as preocupações ambientais contemporâneas, em habitar o mundo digital, em adaptar-se aos ritmos das famílias de hoje, a fraca capacidade de comunicação, os fortes problemas financeiros (especialmente sentidos nas muitas IPSS da Igreja) e o excesso de tarefas concentradas nos padres são ainda críticas apontadas pelos católicos que estiveram envolvidos na escuta sinodal — embora a Igreja continue a ser caracterizada como “uma instituição credível, presente nos locais onde ninguém ousa ir e solidária com os mais desfavorecidos, a quem presta assistência, mesmo quando falham todas as outras respostas sociais”.
Perante a “imagem maioritariamente desfavorável” que existe na generalidade da sociedade portuguesa, os católicos pedem “uma Igreja de portas abertas” que deixe de ver como um “tabu” a vida afetivo-sexual das pessoas e que esteja aberta ao diálogo com todos.
Segundo explicou ao Observador a teóloga espanhola Cristina Inogés Sanz, que fez parte da comissão metodológica do sínodo durante os últimos dois anos, os problemas identificados foram mais ou menos os mesmos em todas as geografias do mundo — e estarão, de uma forma de outra, em cima da mesa durante a assembleia do Sínodo dos Bispos deste mês. O próprio exercício de escuta mútua de todos os fiéis católicos será o principal resultado deste sínodo, cujo documento final deverá ser um reflexo do sentir universal dos católicos — e não apenas um documento de autoridade escrito a partir da cúpula eclesiástica.
Quem vai representar Portugal?
De acordo com a lista de participantes, Portugal vai ser representado apenas por dois bispos: José Ornelas, de Leiria-Fátima, e Virgílio Antunes, de Coimbra. São, respetivamente, o presidente e o vice-presidente da Conferência Episcopal Portuguesa.
Que temas já foram discutidos no Sínodo?
Desde 1965 até hoje, já foram realizadas 29 assembleias sinodais. Destas, 15 foram assembleias gerais, 11 foram assembleias especiais e três foram assembleias extraordinárias.
No que diz respeito às assembleias gerais, já foram debatidos temas como a evangelização no mundo moderno, a família, o sacramento da penitência, a formação dos sacerdotes, a palavra de Deus, a eucaristia e, mais recentemente, a juventude. Foram também realizadas três assembleias extraordinárias: uma sobre a cooperação entre a Santa Sé e as conferências episcopais, uma sobre os vinte anos do Concílio Vaticano II e uma sobre a família.
No que respeita às assembleias especiais, já houve reuniões sinodais sobre os Países Baixos, a Europa, África, o Líbano, a América, a Oceania, a Ásia, o Médio Oriente e, no caso mais recente, sobre a Amazónia e os desafios ambientais.
Ao longo das últimas seis décadas, as assembleias do Sínodo dos Bispos têm marcado alguns dos momentos de mais intenso debate no contexto da Igreja Católica. A título de exemplo, basta recordar a última assembleia realizada — a Assembleia Especial sobre a Amazónia, que decorreu em 2019. Naquele ano, esteve pela primeira vez em cima da mesa de modo formal a possibilidade de repensar alguns dos temas mais controversos e fraturantes da Igreja Católica, incluindo o celibato dos padres, a exclusividade de ordenação de homens e até a impossibilidade de adaptar a liturgia católica a realidades culturais e espirituais particulares de cada lugar.
Como a Amazónia pode desencadear a revolução na Igreja Católica (de que já se fala há seis anos)
No Sínodo da Amazónia, além de um forte debate sobre a realidade ambiental do planeta Terra — em grande parte impulsionado pela encíclica ‘Laudato Si’, publicada por Francisco em 2015 —, os bispos procuraram respostas para um dos grandes desafios que a Igreja Católica enfrenta naquela região tão especial do mundo: a enorme escassez de padres e bispos. Num território gigantesco, há dioceses com uma dimensão tão grande que há comunidades onde só há missa uma vez por ano. Para lá chegarem, os padres e os bispos têm de fazer grandes deslocações de barco, que por vezes duram dias. Perante aquele cenário em que muitos católicos estão privados dos sacramentos e em que a própria subsistência da Igreja Católica está ameaçada, o Papa Francisco convocou um sínodo para perceber como a Igreja pode dar resposta àqueles milhões de católicos — e, em simultâneo, como poderia conviver harmoniosamente com as muitas tradições espirituais que são nativas daquele território (e que são tão frequentemente atacadas pelos mais tradicionalistas entre os católicos).
Contudo, o Sínodo sobre a Amazónia tornou-se, em pouco tempo, num acontecimento eclesial de dimensão global, já que, no documento de trabalho distribuído aos participantes, se colocou em cima da mesa a possibilidade de estudar a ordenação sacerdotal de homens respeitados e reconhecidos pelas comunidades, mesmo que já tivessem uma família constituída, para assegurar a presença de padres nas zonas mais remotas; e, ao mesmo tempo, que fosse identificado que tipo de função oficial poderia ser atribuída às mulheres. É certo que seriam medidas excecionais apenas para a Amazónia — mas estaria em causa a abertura de um precedente que rapidamente alastraria para o resto da Igreja. A convicção geral era a de que, caso na sequência do Sínodo da Amazónia fosse aberta essa exceção, o celibato obrigatório fosse gradualmente abolido da globalidade da Igreja.
No final da reunião, os membros da assembleia do sínodo redigiram um documento em que deixavam a porta aberta a que, pela primeira vez em mil anos, a Igreja fizesse uma revisão da regra do celibato dos padres. No final de contas, mesmo perante aquele documento, o Papa Francisco optou por não abrir exceções ao celibato nem à ordenação exclusiva de mulheres — adiando uma reforma que vai parecendo cada vez mais inevitável.
Desde o início do seu pontificado, o Papa Francisco já presidiu a quatro assembleias sinodais: além da assembleia especial de 2019 sobre a Amazónia, presidiu também a duas assembleias gerais (em 2015 sobre a família e em 2018 sobre os jovens) e a uma assembleia extraordinária (em 2014, sobre a família).
Depois do Sínodo, como se implementam as conclusões?
Como está clarificado nos vários documentos da Igreja sobre o Sínodo dos Bispos, incluindo no Código de Direito Canónico, o sínodo tem a missão de “discutir acerca dos assuntos a tratar e expressar os seus desejos”, mas não de “dirimi-los ou fazer decretos acerca dos mesmos, a não ser que, em certos casos, lhe tenha sido dado poder deliberativo pelo Romano Pontífice, a quem neste caso pertence ratificar as decisões sinodais”. Isto significa, na prática, que o Sínodo dos Bispos, por definição, não toma decisões vinculativas.
No final das discussões, que decorrem tanto em plenários como em pequenos grupos de trabalho, as conclusões de uma assembleia sinodal são colocadas num documento final — para cuja redação é nomeada uma comissão, liderada por um relator geral. Cada parte desse documento tem de ser aprovada pelos membros do Sínodo dos Bispos, devendo procurar-se “quanto possível a unanimidade moral”.
O documento final é, depois, entregue ao Papa. A partir do momento em que o Papa recebe o documento final de uma assembleia do Sínodo dos Bispos, tem várias opções.
Se o Papa aprovar expressamente o documento final do Sínodo, então esse documento passa a fazer parte do magistério papal, sendo integrado na coleção dos escritos que contribuem para definir a fé e a doutrina da Igreja. Por outro lado, se o Papa tiver dado àquela assembleia do Sínodo dos Bispos o poder deliberativo, então o Papa pode ratificá-lo e promulgá-lo — acrescentando a sua assinatura ao documento e incluindo-o no magistério da Igreja.
Outra hipótese — e esta é aquela que tem sido a prática dos papas nos últimos anos — é a de o Vaticano publicar o documento final do sínodo apenas nessa condição, ou seja, como uma espécie de ata das conclusões da assembleia sinodal. Esse documento final é, depois, cuidadosamente estudado pelo Papa, que nos meses seguintes à realização do sínodo publica o seu próprio documento — por norma, uma exortação apostólica pós-sinodal. Esse documento papal é que passa a integrar o magistério da Igreja e pode refletir, na totalidade ou parcialmente, as recomendações do Sínodo dos Bispos. Por exemplo, a exortação apostólica Christus Vivit, um dos mais importantes documentos do Papa Francisco sobre a juventude, é precisamente uma exortação apostólica pós-sinodal, escrita na sequência do Sínodo dos Bispos sobre a juventude realizado em 2018.