Índice
Índice
Marcelo Rebelo de Sousa é popular e elitista. É o político português mais próximo do povo, mas também é o que melhor conhece a elite, da qual sempre fez parte. Apoia um Governo de sinal contrário e condiciona-o. Dá o braço a António Costa, mas com isso manobra-lhe o ritmo e o caminho. Elogia a “geringonça”, prolongando assim o poder presidencial com a manutenção de uma “solução governativa” de esquerda. É criativo. É diabólico. É livre. É divertido. Tornou-se mais fiável. Por vezes é populista. É mediático. Está sempre a aparecer na televisão, a falar em todo o lado. Tem uma agenda louca. É hiperativo.
Marcelo pode não ter gravitas, como dizia Vasco Pulido Valente numa entrevista ao Observador em junho: ele “não é um chefe”, é um “desequilibrista”. Não cultiva o ar de Presidente-Rei de Mário Soares, nem a pose marcial de Ramalho Eanes, nem o semblante pessimista de Jorge Sampaio, nem a rigidez de Cavaco Silva. Distribui os seus calorosos “afetos” depois dos anos de sacrifícios da troika e capitaliza beijos e selfies para haver alguém no topo da pirâmide que pareça ligado às pessoas. Mas tem poder e mostra-o. E exerce-o de forma que se perceba que o tem.
Por tudo isto, o homem que ganhou as eleições presidenciais em janeiro, à primeira volta, e que tomou posse em março, foi escolhido como Figura do Ano na Política pela redação do Observador. Marcelo marca os dias. É o político com os melhores índices de popularidade dos últimos anos. Tem um acréscimo de poder que deriva da aparente fragilidade de um Governo que com ele coabita. Em Outubro de 2015, no discurso político mais importante da sua campanha presidencial, na Voz do Operário, o futuro inquilino de Belém antevia tudo isto: “Com um primeiro-ministro com maioria forte, o Presidente tende a apagar-se. Se houver uma maioria instável, tem mais relevo. Se houver uma coligação de vários partidos, torna-se mais relevante. Em caso de instabilidade, o Presidente da República tem um poder mais decisivo”. A análise do antigo comentador estava certa. O Presidente também tem tido mais força por causa da potencial volatilidade do Governo.
Eis alguns dos pontos que distinguiram Marcelo Rebelo de Sousa ao longo deste ano e que fizeram dele um fenómeno muito próprio na política portuguesa.
O Presidente como quarto pé da “geringonça”
Quando este Governo arrancou apoiado no tripé da “geringonça” (PS, BE e PCP/PEV), o centro de gravidade do regime passou a ser o Parlamento. Depois de Marcelo Rebeelo de Sousa tomar posse, o sistema reequilibrou-se entre São Bento e Belém. O papel do Presidente tem sido, através de múltiplas formas de intervenção, manter o pendor semi-presidencialista ou semi-parlamentar do regime. Na sua campanha, Marcelo já procurava explicar à base de apoio de direita — aliás com grandes dificuldades –, que o Governo das esquerdas era constitucional e não havia qualquer violação da democracia com a nomeação de António Costa. Podia não se gostar, mas eram estas as regras do jogo e estavam a ser cumpridas, dizia.
Na fase inicial do mandato, procurou arrefecer os ânimos da polarização exacerbada entre a esquerda (com maioria parlamentar) e a direita (que venceu as eleições). Durante a campanha eleitoral já repetia que o debate político tinha de ser feito “com serenidade e sem exclusões, sem confundir adversários com inimigos”. A 23 de novembro deste ano, Marcelo Rebelo de Sousa fez um discurso de balanço muito positivo para o Governo de António Costa. Numa conferência do Jornal de Negócios, recordou:
“Mais depressa encontrava céticos, que otimistas. Mais pessimistas que crentes, e mesmo uma das responsabilidades como Presidente era explicar que essa perspetiva negativa não era inexorável”.
De seguida, elogiou a estabilidade política, sublinhando que se alcançou aquilo de que toda a gente duvidava. Falou no plural majestático, colocando-se dentro da solução: “Conseguimos garantir a estabilidade política que se considerava questionável. Estabilidade na existência do Governo. Estabilidade nas relações entre o Governo e a Assembleia da República, com uma prerrogativa particularmente complexa e nunca ensaiada em Portugal, na cooperação institucional entre Governo e Presidência da República”. Marcelo ainda diria que “foram processos lentos, complexos e difíceis de pilotar, mas superaram as expetativas”.
Com este discurso pouco simpático para PSD e CDS — em que também disse que “um centrão artificial imposto na governação do país seria pouco clarificador” –, Marcelo Rebelo de Sousa consolidou-se como o quarto pé da “geringonça”.
O Presidente mais interventivo de sempre?
Os exemplos são muitos. Mas esta semana Marcelo Rebelo de Sousa mostrou como se pode ser Presidente “à Marcelo”. Identificado um problema — o fecho do Teatro da Cornucópia — o Presidente apareceu no local a conduzir o seu próprio carro. O reboliço mediático foi imediato. Com a boa vontade de que goza no Governo, chamou o ministro da Cultura e Luís Castro Mendes apareceu para falar com o encenador Luís Miguel Cintra. Pôs as partes em contacto. Tentou forçar uma solução. Perdeu. O teatro vai fechar na mesma. Pelo menos ficará na história que Marcelo tentou. Nunca uma magistratura de influência foi exercida assim com ações tão diretas.
Com um poder de fogo mediático único e altos níveis de aceitação popular, o Presidente move influências e faz a sua pedagogia. No já citado discurso de campanha na Voz do Operário em 2015, quando estabeleceu a sua interpretação dos poderes de Belém, disse defender um estilo de Presidente “que não lave as mãos e não hesite em exercer os seus poderes de acordo com o manifesto interesse nacional”. Ressalvou que “seria indesejável” um Presidente que quisesse mandar no Governo. Mas também afirmou que “um Presidente que se apaga totalmente, que não seja uma referência de Estado, que não seja pedagogo em relação aos outros poderes seria igualmente indesejável”.
Estas incursões em matérias exclusivamente governamentais já foram classificadas como estando a “extravasar” os poderes, como chegou a dizer Eduardo Paz Ferreira, professor da Faculdade de Direito de Lisboa e próximo do PS, numa entrevista ao i: “Acho que as pessoas estão a subvalorizar o que se está a passar. Ele está a transformar a essência do regime político. Está a passar para uma forma de semi-presidencialismo como nunca houve em Portugal (…). Está sobretudo a usar poderes fáticos”. Argumentando que, com a sua estratégia, Marcelo conseguia pôr o Governo a responder politicamente perante ele, Paz Ferreira afirmou: “É evidente que Marcelo Rebelo de Sousa está a ir muito para além dos poderes que tem na Constituição”.
Vetos, avisos e pareceres
Sempre que veta um diploma, o Presidente publica uma nota explicativa no site da Presidência da República. Quando promulga medidas que na sua opinião são sensíveis, também coloca online um texto a justificar por que o fez, ou com avisos à navegação governativa. Nos primeiros nove meses do ano, desde que tomou posse, Marcelo Rebelo de Sousa vetou três diplomas. O primeiro foi o das chamadas barrigas de aluguer, devolvendo o diploma à Assembleia da República para que os partidos incorporassem recomendações do Conselho Nacional de Ética e para as Ciências da Vida. Dois meses depois, havia de promulgar a lei, justificando que “partes determinantes” da sua argumentação tinham sido acolhidas.
O segundo veto foi em julho, sobre um diploma que retirava a possibilidade de os privados poderem entrar no capital dos STCP, os transportes coletivos do Porto. O terceiro aconteceu em setembro, quando Rebelo de Sousa vetou o fim do sigilo bancário, por “patente inoportunidade política”.
Marcelo Rebelo de Sousa, porém, exerce a sua influência sem recorrer apenas ao armamento pesado do veto. Quando promulgou a reversão da semana de trabalho de 40 horas na função pública para 35 horas, escreveu no comunicado presidencial que, se as despesas aumentassem por via dessa decisão, enviava o diploma para o Tribunal Constitucional. Ao dar luz verde à alteração legal que retirou os administradores da Caixa Geral de Depósitos do Estatuto do Gestor Público, divulgou outra mensagem a dizer que só aceitava um diploma que permitia aumentar os salários dos banqueiros porque isso tinha sido negociado pelo Governo como condição para os gestores aceitarem os lugares. E essa era uma condição para a recapitalização do banco avançar.
No uso de um poder ainda mais suave, Marcelo Rebelo de Sousa condiciona tudo à sua volta. Bastou publicar uma espécie de parecer jurídico-político no site da Presidência a dizer que os gestores da Caixa tinham de entregar as declarações de rendimentos no Tribunal Constitucional para pôr em marcha um processo imparável que culminou com a demissão da administração. Terá pisado o limite das suas funções quando disse que, se o TC não concordasse com ele, então a Assembleia da República faria uma lei a obrigar os banqueiros a apresentar as declarações.
Por vezes, basta-lhe usar a palavra preventivamente. Através da televisão, claro. Quando o secretário de Estado Mourinho Félix disse que bastava alterar uma lei portuguesa para o Banco Central Europeu aceitar os nomes dos administradores da Caixa que tinham sido chumbados em Frankfurt, bastou a Marcelo dizer em público que por ele esse diploma não passava. O Governo nem avançou com a ideia.
Conselhos foi com o neto Francisco. Marcelo foi mais bolos
O Presidente-avô queria uma campanha eleitoral diferente para chegar a Belém. Já era avô, mas faltava ser Presidente. Planeou tudo ao milímetro: começar e acabar na terra da avó Joaquina (Celorico de Basto), gastar pouco (teve despesas ridiculamente baixas para um vencedor), alimentar-se a sanduíches, ser conduzido pelo seu taxista de sempre e ser popular. Queria, no fundo, uma campanha ao jeito do que projetava para Belém: afetos, afetos, afetos.
Marcelo queria demonstrar que estava acima do combate político, mas assumia-se como “a esquerda da direita”. Marisa Matias, candidata apoiada pelo Bloco de Esquerda, disse que o “candidato da esquerda da direita, só se for grouxista marxista.” O professor só fugiu ao politicamente correto quando admitiu que tinha um “neto favorito, o neto Francisco”, que admitia ser o seu próprio conselheiro. À provocação para ir a jogo, respondia com os conselho do neto: “Eu digo-lhe, ‘a’ diz mal de mim, ‘b’ diz mal de mim, ‘c’ diz mal de mim. E ele deu-me um conselho que eu sigo: ‘Ó avô, deixa-os a falar sozinhos’. E eu digo ‘Bem visto ó Francisco’, e deixo-os a falar sozinhos.”
Marcelo recusava fazer uma campanha sofisticada, cheia de assessores e especialistas em comunicação. Ele era mais bolos. Nem de propósito. A primeira ação de campanha oficial de Marcelo foi em Vila Real numa… pastelaria (a Gomes). Apesar do show em arruadas, as visitas a pastelarias (houve tantos dias em dose dupla, como a 15 de janeiro, em que, depois das Caldas, foi à Alcôa, em Alcobaça) foram as ações de campanha mais comuns. A sua perdição eram os bolos. E era vê-lo a saltar para o lado de lá do balcão.
Era difícil para o seu pequeno staff conseguir controlá-lo. Num dos dias, quase chegava atrasado a uma ação de campanha seduzido pelo “ótimo aspeto” de um palmier. O que levou um assessor (sim, eles existiam), já em desespero, enquanto Marcelo atacava um palmier maior do que a palma da mão: “Temos de acabar com isto dos bolos, senão os planos da televisão são sempre ele a comer. Não pode ser.” Mas Marcelo não queria saber e continuava a comer o bolo. É ele quem manda. Ponto. Pedia fatura dos bolos e até ia fazendo graçolas políticas: “Ponha fatura nisso, senão o ministro Centeno, que é herdeiro da Maria Luís, faz-me a vida negra.”
Numa das sessões mais politizadas, na Lourinhã, Marcelo tinha personificado a versão do sketch de Herman José (“eu é mais bolos“), quando explicou que de máquinas de campanha profissionais não percebia nem queria perceber.
Quis dar uma lição aos adversários e respondeu aos que o acusavam de ter uma campanha mínima, com ironia: “Ah, mas que campanha tão esquisita que o homem está a fazer, sem aparecer com séquitos à frente e séquitos atrás, com uma sanduíche ao almoço, essa campanha da marmita, tão solitária, tão despojada. Isso é com certeza artificial.”
A “campanha da marmita” era outra das suas marcas da nova forma de fazer política que queria impor: não raras vezes o seu almoço foi uma sandes e um sumo. Ou então, em cantinas de escolas, universidades ou fábricas. Até na agenda de campanha se chegou a ler a referência a um “almoço frugal”.
No fim deu muitos beijos, muitos abraços, gastou pouco, como queria. E venceu, à primeira volta. Funcionou a estratégia de Marcelo, que fugiu a todos os cânones habituais das campanhas eleitorais: sem grandes jantaradas, com o aparelho partidário escondido, era ele e as câmaras de televisão.
O Presidente de todos os afetos (e de todas as selfies)
Marcelo prometeu e cumpriu. Disse que seria um Presidente da rua e foi mesmo. Avançou para a estrada com uma versão 2.0 das Presidências Abertas de Mário Soares: o Portugal Próximo. “Marcelo é fixe”, como Soares (houve até autocolantes nas Caldas e na Marinha Grande, a terra do estalo, a dizê-lo em janeiro de 2016) e nestes primeiros nove meses de mandato tem feito de tudo em nome dessa relação próxima com laços de afetividade com as pessoas. Ele beija, abraça, pergunta e ouve. Do bagaço num lar de idosos ao dabbing com jovens no supermercado. Dab…quê? Marcelo é moderno, já lá vamos. Para não falar nas selfies, em que o professor é catedrático: nunca nega uma.
A história do dabbing é simples. Numa visita oficial à Madeira, Marcelo aceitou o desafio de um grupo de jovens para fazer “dabbing“, num supermercado da ilha. O dabbing era um dos movimentos virais e popular entre as camadas jovens que consiste em inclinar a cabeça em direção ao cotovelo, mantendo o braço esticado. Marcelo fez o dabbing, depois de também o terem feito figuras como o jogador de futebol Neymar ou a cantora Rihanna.
Foi também na Madeira, no mesmo mês de agosto, que houve um dos episódios mais marcantes dos afetos. Num momento captado pelo fotojornalista do i, João Porfírio, Marcelo deu um abraço emocionado a um madeirense que acabara de perder a casa nos incêndios que atingiram o ilha. O Presidente dizia na altura que foi ao arquipélago dar o “abraço de Portugal à Madeira“.
Mas os exemplos de afetos são incontáveis, como é exemplo o caso do bagaço. Marcelo prometeu a uma idosa da Santa Casa da Misericórdia do Barreiro, a dona Glória, que se fosse eleito Presidente ia beber um bagaço com ela ao lar. E cumpriu, ainda antes de tomar posse. Outro exemplo da forma como Marcelo se expõe foi a ida a Moçambique, onde o Presidente dançou na Escola Portuguesa, em Maputo, com mais jeito do que o antecessor Cavaco Silva, que tinha dançado Scatman John numa passagem de ano quando ainda era primeiro-ministro. Foi, aliás, face à frieza de Cavaco Silva que Marcelo quis marcar a diferença. E conseguiu.
‘Presidente-rei’ rejeita a coroa. E tomem lá morangos
Cavaco Silva saiu de Belém com os índices de popularidade mais baixos registados por chefes de Estado. Marcelo queria contrariar isso. Durante um Portugal Próximo, em abril, Marcelo Rebelo de Sousa — que foi recebido em escolas com bandeirinhas de Portugal e quase com honras de monarca — recusou a coroa. Defendeu que o papel do chefe de Estado “não é ser proprietário de poder político nenhum”, mas sim “ser servidor do poder de todos“. O Presidente entende assim a sua função como “um cargo de serviço, transitório, provisório”, pois “a República não é uma monarquia”.
Aproveitou também para alimentar o tabu sobre se pretende ficar 10 anos em Belém. Fez uma coisa ao jeito de Marcelo. Querem que fale de um segundo mandato? Tomem lá morangos. Logo nesse primeiro Portugal Próximo no Alentejo, houve populares a pedirem ao Presidente para ficar 10 anos. “Não se canse que eu não o quero lá um ano: quero-o lá dez anos”, ouviu em Évora.
No dia seguinte, na visita a uma plantação de morangos, enquanto colhia frutos, Marcelo começou por dizer que ali podia trabalhar dali a cinco anos, no fim do mandato. Foi depois questionado se não seriam antes dez anos, ao que respondeu: “Para já, vamos contar com cinco, para eu ter as mãos lestas, porque isto exige rapidez de mãos”. E continuou: “Aos dez anos, eu temo que já esteja um bocado gasto”. Mas logo acrescentou: “Não aconteceu com os demais Presidentes, que saíram jovens.” Marcelo vai negando querer ficar mais de cinco anos. Sempre o disse. Mesmo antes de se candidatar especulava que a avançar para Belém seria apenas por cinco anos. Será mesmo assim?
Coabitação: “We will always have Paris”
Presidente e primeiro-ministro foram professor e aluno na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e a relação entre ambos é mais do que cordial. Dão-se bem e não o escondem. A mais forte imagem disso foi a ida às comemorações do 10 de junho.
Acabou tudo com um jantar a dois na capital francesa. E com as respetivas equipas penduradas, inesperadamente sem os chefes. O fim de semana de 10 e 11 de junho foi, como escreveu o Observador, um idílio de coabitação. Mas se um dia as coisas correrem mal — e a história diz que presidentes e primeiros-ministros raramente acabam bem — Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa podem sempre usar a deixa que Humphrey Bogart disse a Ingrid Bergman no fim de “Casablanca”: “We will always have Paris”. Nós teremos sempre Paris.
A exibição de sinais exteriores de coabitação chamou até a atenção de responsáveis franceses. Valérie Pécresse, presidente da região de Paris, a Île de France, assistiu à cena de Costa a segurar no guarda-chuva de Marcelo no palco da Festa da Rádio Alfa.
A coabitação entre Belém e S. Bento tem sido aquilo a que Pedro Adão e Silva chamou de “Bloco Central de palácios”. São poucos os vetos de Marcelo e menos ainda os assuntos em que ambos têm divergências de fundo. É bem pior a relação do Presidente com o líder do partido que já liderou, Passos Coelho, com quem tem trocado palavras menos afetuosas em público. Aliás, tem sido uma constante na história recente de Portugal a relação tensa entre os Presidentes e os líderes do seu próprio partido quando este está na oposição.
No PS, à exceção do dirigente Porfírio Silva, são poucos os que criticam Marcelo Rebelo de Sousa. O Presidente abre até margem para que — tal como aconteceu com Soares — possa ser apoiado por PSD e PS se for a um segundo mandato a Belém.
O sonho à Luther King e o amigo António
Marcelo também tem exercido com afinco as suas funções na diplomacia e já foi a vários países. Tem-se desdobrado em viagens e contactos internacionais que incluíram, por exemplo, a bem sucedida candidatura do amigo António Guterres a secretário-geral das Nações Unidas.
Logo um mês após tomar posse, Marcelo foi ao Parlamento Europeu, num discurso que fez lembrar o “I have a dream” de Martin Luther King. Em Estrasburgo, a expressão que o Presidente mais repetiu foi: “A Europa com que sonho…” E até a disse na língua de Luther King: “The Europe that I dream…”. Mas, antes do sonho, a realidade. E, aí, o Presidente da República aproveitou os holofotes europeus para fazer campanha pelo Governo de António Costa e pelas políticas do ministro Mário Centeno. Marcelo lembrou que “Portugal quer continuar a garantir os equilíbrios financeiros”, mas, “ao mesmo tempo, começar a compensar setores sociais mais sacrificados no passado recente.”
O grande feito da diplomacia portuguesa acabou por ser a eleição de António Guterres. E aí Marcelo fez o que pôde. Recebeu Ban-Ki Moon (a quem comprou presunto na Ovibeja durante um Portugal Próximo), falou com chefes de Estado, discursou na Assembleia Geral das Nações Unidas. Em Nova Iorque, sem nomear, apelou ao voto em António Guterres.
Quanto a encontros com homólogos e outras figuras da cena política internacional, Marcelo teve um mais emblemático: foi um dos últimos chefes de Estado a encontrar-se com o líder histórico da Revolução Cubana, Fidel Castro. Estiveram juntos a 26 de outubro, Fidel acabaria por morrer a 25 de novembro.
God save the Queen. Que o professor também falha
Mesmo quando são lapsos, há quem veja neles as traquinices de Marcelo. Ou, como um dia chegou a escrever um jornalista do Expresso quando o professor presenteou Paulo Rangel e Nuno Melo nas Europeias com uma surpreendente falta de solidariedade numa ação de campanha em Coimbra: “Marcelices“.
O mais flagrante foi quando acabou por transmitir uma informação errada à rainha de Inglaterra. Marcelo Rebelo de Sousa esteve no Palácio de Buckingham com Isabel II e contou-lhe algumas memórias sobre as duas visitas da monarca britânica a Portugal. Primeiro, em 1957, quando Marcelo tinha oito anos e a rainha 30, e, depois, em 1985, quando Marcelo foi convidado a jantar no iate Britannia na qualidade de “líder da oposição”, disse o próprio Marcelo a Isabel II. Tratou-se de uma gaffe: era apenas um dos vices do PSD, que nem estava na oposição e fazia parte do Governo do Bloco Central com o PS.
Houve ainda outros casos de situações que beliscaram a figura institucional do Presidente, como, por exemplo, enviar SMS a notáveis do PSD durante o Congresso do partido que liderou ou o caso em que viajou num Falcon da Força Aérea para ir assistir ao jogo da seleção durante o Euro 2016 e a tentativa falhada de pagar o voo. Aí sim, revelou-se o Marcelo populista.