António Costa teve um bom domingo para as suas aspirações em Bruxelas, mas a semana não lhe correu pior. As equipas da diplomacia portuguesa intensificaram os contactos para que o antigo primeiro-ministro possa presidir ao Conselho Europeu e não estão sozinhas: os socialistas europeus também estão (quase todos) a remar nesse sentido. Ainda podem existir surpresas de última hora provocadas ora por fogo amigo (vindo de concorrentes da própria família), ora por danos colaterais (se Von der Leyen for bloqueada tudo pode ruir), ora ainda o maior dos problemas: o processo judicial sobre o qual ainda subsistem algumas dúvidas em Bruxelas.
Quem já manifestou apoio a António Costa?
António Costa ainda não foi formalmente apresentado como candidato dos socialistas e já tem vários apoios prometidos. A começar pelo apoio do seu Estado-membro, mesmo sendo de outra cor partidária. Logo na noite eleitoral das Europeias, Luís Montenegro disse que “a AD e o Governo de Portugal farão tudo para a candidatura de António Costa ao Conselho Europeu ter sucesso”. Na segunda-feira, 17, quatro horas antes da reunião informal de líderes onde vai ser tratado o assunto, Montenegro irá intervir na reunião do PPE, sendo importante para convencer os seus homólogos (são mais 10 chefes de Governo nessa reunião) que António Costa é o homem certo para o lugar e que o processo judicial que decorre em Portugal não é inibidor da candidatura. Apesar da coincidência de nacionalidade, por ser adversário de Costa, os outros primeiros-ministros vão ouvir com atenção o que diz o português. O grego Thanasis Bakolas (que está alinhado com Kyriákos Mitsotákis, um dos negociadores do PPE) reconheceu em declarações ao Expresso que “os líderes conhecem-no, há um enorme respeito por ele [António Costa], é um político muito construtivo e isso tem peso”.
Dentro da sua família europeia, António Costa também já terá recebido apoios de peso, como o chanceler alemão, Olaf Scholz, mas também do espanhol Pedro Sánchez. Quando recebeu Luís Montenegro na Moncloa a 15 de Abril, Pedro Sánchez — que é um dos dois negociadores indicados pelos socialistas europeus — disse ser um “declarado aficionado das políticas de António Costa” e, sobre a presidência Conselho Europeu, afirmou que o português “reúne todas as condições para o cargo”. E ainda acrescentou: “António Costa é um grande político e um grande amigo”. Costa também é bem visto na família dos liberais, sendo do agrado do mais influente político do grupo Renew: o presidente francês Emmanuel Macron. O jornal Politico citava na quarta-feira um alto diplomata francês para dizer que Macron gosta de o facto de Costa “falar francês” e das “discussões intelectuais” que tem com o português.
Como está o puzzle neste momento?
Há quatro top jobs: a presidência da Comissão Europeia, a presidência do Conselho Europeu, a presidência do Parlamento Europeu e o Alto Representante para a Política Externa. Só o nome do presidente da Comissão é que tem de ser votado no Parlamento Europeu, mas os quatro são negociados em conjunto. Para os quatro lugares há quatro nomes prováveis, mas ainda há muitas variáveis de uma negociação que pode ser estendida a outros cargos – até que ainda nem existem – para ajudar a desbloquear situações. Para a presidência da Comissão Europeia, embora tenha os seus anti-corpos, o PPE – que foi o partido mais votado – vai indicar Ursula von der Leyen e dificilmente admitirá outro nome. Os socialistas europeus, como segundo partido mais votado, devem indicar o presidente do Conselho Europeu, sendo António Costa o nome mais forte neste momento. Os liberais contentam-se com o facto de a primeira-ministra da Estónia, Kaja Kallas, ser indicada para Alto Representante para a Política Externa – embora as suas posições assertivas contra a Rússia sejam um problema para alguns países mais próximos de Moscovo (como Hungria e Eslováquia).
Costa tem o problema de não ser mulher, mas o atual esboço favorece-o em termos de equilíbrio: dos quatro principais cargos, seria o único homem, uma vez que a Von der Leyen e Kallas deve juntar-se ainda Roberta Metsola na presidência do Parlamento. Do ponto de vista geográfico, o Leste ficará satisfeito de ter “apenas” o Alto Representante em troca de a região ficar com o novo cargo de Comissário da Defesa (ou da Indústria da Defesa), o que é provável já que o mais bem colocado é Radosław Sikorski, ministro dos Negócios Estrangeiros da Polónia (Tusk é um dos negociadores do PPE), e que é casado com a jornalista norte-americana Anne Applebaum. Ainda em matéria de equilíbrio geográfico, o Benelux também não se importará de ficar de fora dos top jobs europeus, tendo em conta que Mark Rutte é favorito para suceder a Stoltenberg na liderança da NATO, cargo que não entra nesta negociação em específico, mas que permite harmonia geográfica. Rutte seria, aliás, uma maior ameaça para Costa caso os liberais tivessem tido um melhor resultado e ficassem com o segundo maior cargo (como aconteceu em 2019 com Charles Michel).
Quais são as principais ameaças?
Nas últimas semanas, o ministro dos Negócios Estrangeiro, Paulo Rangel, respondia sempre da mesma maneira quando era questionado sobre a candidatura de Costa, defendendo “discrição” já que nestes processos, por vezes, “quem entra Papa sai cardeal”. A última negociação do género, há cinco anos, deixa muitos socialistas apreensivos face a aparente facilidade com que tudo se desenrolou desta vez, por isso aguarda-se até à última para cantar vitória. O próprio António Costa tem posto água na fervura e no domingo das eleições, no comentário que fazia na CMTV, ao mesmo tempo que assumia que os resultados apontavam o segundo posto mais importante dos altos cargos europeus aos socialistas, também avisava que “há sempre uma extensa lista de ex-primeiros-ministros excelente, mas há uma diferença: há uns que estão à volta da mesa”. E António Costa deixou de estar desde março deste ano, altura em que saiu do Governo.
O que poderia correr mal era qualquer alteração no puzzle já alinhavado, já que as peças são interdependentes numa delicada gestão de equilíbrios geográficos, de género e políticos. Por exemplo, se o nome de Ursula von der Leyen fosse posto em causa, as escolhas para os restantes top jobs já poderia ter de seguir outro caminho. A recandidata à presidência da Comissão Europeia parece, no entanto, segura, tendo o apoio do PPE e a anuência de socialistas e liberais. A rivalidade institucional com Charles Michel, que teve o seu auge no Sofagate, em Ancara, chegou a ser vista como potencial desestabilizador, com Michel a ser apontado como um elemento que podia fazer contra-vapor a este acordo político. Chegou a ser noticiado, pelo Politico, a interdição que o ainda presidente do Conselho quis impor a Ursula no jantar de líderes que vai debater os altos cargos. E a alemã vai mesmo ficar fora dessa parte do encontro, evitando estar presente enquanto se decide sobre o seu próprio nome.
Foi também o Politico que, nas últimas horas, noticiou as tentativas de Charles Michel de boicotar a recondução de Ursula, através de conversas junto dos líderes europeus favoráveis à escolha do primeiro-ministro grego para o seu lugar. Neste pacote, Michel incluiria também outro nome que não o de Costa para presidente do Conselho, preferindo a socialista dinamarquesa Mette Frederiksen. É a outra ameaça ao nome de Costa e, até agora, só descartou estar interessada noutro cargo de topo que está por vagar, a secretaria-geral da NATO. É um dos nomes falados entre socialistas, sobretudo do norte da Europa, mas tem a seu desfavor as políticas de migração que aplica na Dinamarca. A linha em relação à imigração foi endurecendo nos últimos anos e tem merecido críticas dentro das própria família socialista europeia, como a política Ruanda (deportação de refugiados chegados ao país para outros países) ou a revogação – que entretanto recuou devido a pressão internacional – das autorizações de residência de refugiados sírios.
Mais uma vez a potencial ameaça ao equilíbrio existente neste momento é Kaja Kallas. A primeira-ministra Estónia é a peça com mais fragilidades neste puzzle, e qualquer alteração neste posto, afeta os restantes equilíbrios.
O que falta a António Costa?
O xadrez político pode parecer intrincado para alguém conseguir chegar a um cargo de topo na UE, mas no caso de Costa ainda conta com uma complicação adicional. Afinal, o socialista demitiu-se do Governo na sequência do processo-crime contra si saído da operação Influencer e excluiu-se da atividade política enquanto esse assunto não estivesse resolvido. O processo esteve no Supremo enquanto foi primeiro-ministro e foi para as mãos do DCIAP mal saiu do cargo a anunciar. Mesmo à porta do Palácio da Ajuda e imediatamente após a tomada de posse do novo Governo anunciou que ia pedir para ser ouvido “rapidamente” pelo Ministério Público para que “as suspeitas fossem esclarecidas”, o que aconteceu pouco tempo depois.
Costa sabia que o Código de Processo Penal diz que “é obrigatória a constituição de arguido logo que correndo inquérito contra pessoa determinada em relação à qual haja suspeita fundada da prática de crime, esta prestar declarações perante qualquer autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal” – o artigo, número e alínea da lei são citados de cor pela sua entourage quando se fala no caso, revelando a preparação da estratégia. Ao ser ouvido, o ex-primeiro-ministro clarificaria logo, pelo menos, se era ou não arguido.
Foi mesmo ouvido em pouco tempo e não foi arguido. O processo continua aberto e sem uma decisão final – que ainda pode demorar muito tempo. Assim, na noite eleitoral, Costa agarrou-se ao que já tinha, dizendo ter retirado “ilações” depois de ter sido ouvido pelas autoridades como “mero declarante”. Logo aí ficou no ar a ideia de ter posto de parte o afastamento que se tinha auto-imposto em relação a cargos políticos. Confirmou-se logo de seguida, quando Luís Montenegro revelou que o Governo português apoiaria uma candidatura sua à presidência do Conselho Europeu e que já havia algum tempo que tinha falado com Costa sobre isso – e o socialista confirmou que tinha sido ele mesmo a fazer a pergunta a Montenegro. Mesmo com o caso judicial em aberto, Costa foi fazendo o caminho em direção a Bruxelas e ao cargo de topo que já lhe tinha passado à frente em 2019, e que na altura recusou por estar em funções como primeiro-ministro – ficando com essa oportunidade atravessada.
Quando é que vão ser tomadas as decisões?
No início da próxima semana, logo na segunda-feira, vai haver um jantar em Bruxelas dos líderes europeus em que o tema dos cargos de topo da UE vai estar em cima da mesa. O encontro, ainda organizado pelo atual presidente do Conselho Europeu, juntará os chefes de Governo e de Estado da UE e é aí que ficará alinhavado o acordo político que já vem sendo trabalhado em Bruxelas. Na liderança das negociações políticas têm estado, pelo PPE, Donald Tusk (Polónia) e Kyriakos Mitsotakis (Grécia), pelos socialistas, Olaf Scholz (Alemanha) e Pedro Sánchez (Espanha), enquanto que os liberais estão representados por Kaja Kallas (Estónia) e Alexander De Croo (Bélgica). A oficialização só deverá acontecer no Conselho Europeu de 26 e 27 deste mês. A 16 de julho começa a primeira sessão plenária e tomam posse os novos eurodeputados. Se a negociação já estiver fechada é aí terminada a última etapa: a votação do nome da presidente da Comissão Europeia que, na verdade, acaba por ser também uma validação indireta aos outros três cargos.