“Veio no dia certo”, desabafa uma das senhoras que, tal como outras dezenas, espera pacientemente por um comboio que raramente cumpre com a hora combinada. Quase que prevendo o contratempo, João Oliveira tinha combinada uma iniciativa de campanha esta terça-feira na Linha de Sintra: uma viagem de comboio entre as estações de Algueirão-Mem Martins e Reboleira. O candidato da CDU está na plataforma à hora prevista, 10h20, com a comitiva que o vai seguindo na campanha, mas não chega a embarcar. O comboio da CP até passa pela estação, mas vai vazio e não pára. Seguem-se mais 20 minutos de espera.
“Eu vou tendo noção destes problemas porque costumo apanhar o comboio em Entrecampos ou Sete Rios, nós vamos ouvindo os anúncios”, explica o comunista a uma das utentes na estação. “Foi uma coincidência mas constatámos a realidade que nos tem sido transmitida pelos utentes”. As pessoas que o ouvem parecem acreditar na genuinidade do candidato e mesmo os que não têm tempo ou disposição para conversar acabam por desejar “boa sorte” para a campanha.
Essa é uma das qualidades de João Oliveira: a empatia com o povo, mesmo que nem sempre arranque com facilidade. Nas campanhas de rua em que participa, começa tímido, em diálogo com a restante comitiva, mas rapidamente ganha fôlego para ir ao encontro das pessoas. Em conversa, leva o discurso minimamente ensaiado, adaptado ao tema da iniciativa, e por isso, por vezes, o contacto torna-se mais difícil. De qualquer maneira, sempre que consegue “prender” alguém para falar acaba por largar o guião, ouvindo o que lhe está a ser dito e respondendo de forma mais natural. Não quer isto dizer que o tema da Europa não acabe por vir à baila – mesmo com um discurso mais escorreito, o comunista arranja sempre maneira de ligar os problemas da população que lhe são relatados aos constrangimentos que chegam de Bruxelas e à aceitação dessas imposições por parte dos governos nacionais.
De acordo com João Oliveira, essa ligação está na cabeça das pessoas, especialmente em relação às questões da ferrovia. “Recordamos os anos sombrios da troika, lembramo-nos bem do que foram os cortes no investimento público que se traduziram na degradação da via ferroviária”. Ainda à espera do comboio, continua a distribuir panfletos. Como em todas as iniciativas, há também quem prefira não ter contacto com a mancha de políticos e jornalistas que se aproxima, mas João Oliveira faz questão de ir ter com todos, até com um homem que se afastou até à outra ponta da plataforma.
Uma multidão na carruagem, a caminho da Reboleira. “Se está com o povo, vale a pena…”
Vinte minutos depois do previsto, situação que foge largamente à habitual pontualidade comunista, chega finalmente o comboio, a caminho da Reboleira. O espaço na carruagem é curto e acaba por ser pouco para um ajuntamento tão grande de pessoas, o que faz com que ao início, o candidato acabe também ele por se sentar. A hora não é de ponta, mas os lugares na carruagem são escassos. Quem já lá ia dentro, olha o aparato com curiosidade mas em silêncio, como se nada tivesse acontecido. Com o passar do tempo, João Oliveira ganha ânimo para se levantar antes de novo contratempo: ao contrário do que estava nos planos, um funcionário da CP avisa um membro da comitiva que as televisões estão proibidas de recolher mais imagens, o que inutiliza grande parte do grupo que cobria a iniciativa.
Depois de um compasso de espera, agora com mais espaço para se movimentar, começa a caminhar pela carruagem, lugar a lugar, para distribuir panfletos. Explica que está ali para chamar a atenção das condições nos transportes públicos e para pedir um investimento forte num setor tão importante da vida das pessoas. “Se os transportes forem adequados às necessidades das populações, as pessoas recorrem mais”, explica João Oliveira a um dos poucos homens que mostrou disponibilidade para conversar nesta curta viagem.
É precisamente com este senhor, Hélder Alpendre, que acaba por ter a discussão mais animada da manhã. “Esta é uma luta que vamos travando”, garante o convidado. “Mas muito fraca…“, acaba por ouvir de volta. “Com as forças que nos vão dando, nós vamos batalhando por isso, a gente não desiste de lutar”, responde. O homem acaba por anuir mas lamenta que os outros partidos não queiram saber destes problemas — a deixa perfeita para João Oliveira concluir: “Está a ver? Quando se ouve aí que os partidos são todos iguais, o senhor já encontrou uma diferença”.
A viagem dura cerca de 20 minutos e pelo caminho, o cabeça-de-lista da CDU vai ouvindo novas queixas sobre os atrasos dos comboios. “Isto acontece todos os dias, é um grande transtorno. Saímos para trabalhar, mas o patrão nunca espera“, lamenta outro passageiro, já no fim da carruagem. Outro, mesmo ao lado, pede mais transportes grátis, “não só dentro de Lisboa”.
À saída, e face à relutância de alguns dos utentes do comboio em conversar, João Oliveira decide perguntar a quem lhe responde de maneira mais fechada se estas reivindicações fazem sentido e se vale a pena fazer esta luta. “Se está com o povo, vale a pena”, responde uma mulher. O candidato sorri, com sentido de missão cumprida.
Desinvestimento? “Não é por falta de competência, é falta de vontade política”
Já na Reboleira, depois de concluída a iniciativa, João Oliveira tem ainda tempo para fazer declarações aos jornalistas, junto a uma comitiva que o aguarda à porta da estação com bandeiras e gritos que entoam o nome da CDU. Questionado sobre o que retira da experiência, descreve os pontos que fazem falta ao setor dos transportes no país: investimento público na modernização da infraestrutura ferroviária e aumento da oferta de comboios, recorrendo à produção nacional para corresponder às necessidades das populações.
Para João Oliveira, as verbas que vêm do PRR “dificilmente resolverão” qualquer problema, porque as necessidades de investimento “vão muito para lá da disponibilidade”. Além disso, garante, é preciso pensar mais além: “Não podemos continuar a depender dos fundos comunitários para realizar os investimentos que têm de se fazer. É essencial que esse investimento seja feito em função das necessidades que o país tem e do desenvolvimento que queremos ter no nosso próprio país, não condicionados aos critérios do défice das restrições orçamentais que a União Europeia nos impõe.
Critica ainda o anterior governo, apontando as “bandeiras políticas e promessas” que nunca foram concretizadas. “Precisamos é de bandeiras que nas estações ferroviárias dêem sinal aos comboios para partir”, ironiza. Continua, dizendo que os últimos executivos trazem “anúncios e propaganda” com poucos resultados nas alterações estruturais que têm de ser feitas.
E não é por falta de competência que o setor não melhora, garante. Aliás, tratar assim o caso seria fazer um favor a quem, verdadeiramente, “não tem vontade política”. Sublinha que em Portugal, existe capacidade técnica de planeamento que, sendo aproveita, podia dar uma nova perspetiva em relação ao desenvolvimento dos transportes. “Não é por falta de competência que os nossos governos não têm tomado essas decisões, é por falta de vontade política, em alguns casos falta de vontade de enfrentar alguns condicionamentos no sentido contrário – é preciso coragem para os contrariar”.
A terminar, João Oliveira apresenta-se como o homem certo para dar voz a estas reivindicações em Bruxelas, mas nunca tendo “pretensões de ser a última bolacha do pacote”. O cabeça-de-lista da CDU às europeias lembra até uma outra viagem feita em 2021 por João Pimenta Lopes, atual deputado comunista no Parlamento Europeu. Na altura, percorreu de comboio a distância de Lisboa a Estrasburgo em cerca de 57 horas. O objetivo era mostrar o desinvestimento na ferrovia no país e também a fragilidade das ligações internacionais. A viagem de João Oliveira foi manifestamente mais curta, mas o candidato espera poder dar continuidade ao trabalho desenvolvido pela CDU na Europa.