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Nos concelhos de Felgueiras e Lousada, mais de 100 mil pessoas foram aconselhadas a ficar em isolamento social por indicação da DGS
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Nos concelhos de Felgueiras e Lousada, mais de 100 mil pessoas foram aconselhadas a ficar em isolamento social por indicação da DGS

OCTAVIO PASSOS/LUSA

Nos concelhos de Felgueiras e Lousada, mais de 100 mil pessoas foram aconselhadas a ficar em isolamento social por indicação da DGS

OCTAVIO PASSOS/LUSA

O coronavírus chegou e Felgueiras tornou-se “a cidade fantasma”. Até os funerais são diferentes

Mães de quarentena com os filhos, cafés vazios, prateleiras no supermercado desfalcadas, corrida às farmácias e igrejas fechadas. O Covid-19 está a mudar os dias de quem vive e trabalha em Felgueiras.

É o epicentro do contágio de coronavírus em Portugal, com o registo de 15 dos 41 casos confirmados. No passado domingo, mais de 100 mil pessoas, dos concelhos de Felgueiras e Lousada foram aconselhadas a ficar em isolamento social. A Direção-Geral de Saúde (DGS) mandou encerrar todas as escolas públicas e privadas, assim como ginásios, bibliotecas, piscinas, espaços para eventos e cinemas.

Tudo começou a 7 de março, quando um dos trabalhadores de uma fábrica de calçado, em Barrosas, foi diagnosticado com Covid-19. O homem de 44 anos marcou presença na Micam, uma feira do setor em Milão, e terá contagiado várias pessoas, entre as quais a mulher e o filho, levando ao encerramento da sua fábrica e da Escola Básica e Secundária de Idães, a primeira a fechar no concelho. Seguiram-se muitas outras, perto de 40, afetando mais de 1900 alunos que se viram obrigados a permanecer em casa de quarentena.

Esta terça-feira, a Câmara de Felgueiras comunicou às autoridades de saúde alegados incumprimentos de pessoas que deveriam estar em isolamento voluntário, mas que não estarão a cumprir essa indicação. Também a Junta de Freguesia de Idães/Barrosas, daquele concelho, ameaçou com um processo pelo crime de desobediência todos aqueles que se encontrem em quarentena e que andam a circular na via pública. Num aviso publicado no Facebook, que entretanto foi removido, a freguesia alerta todos os que se encontrem em quarentena que não podem sair de casa: “A quarentena não é sinónimo de férias nem de passeios pela vila!”.

“Temos tido conhecimento que quem deverá estar em quarentena continua a circular como nada se passasse. Neste momento o delegado de saúde já tem conhecimento das pessoas e essas mesmas pessoas serão acusadas de crime de desobediência e vão sofrer consequência graves”, lia-se na publicação, para depois ser pedido respeito pelo período que serve, precisamente, para perceber se há sintomas do Covid-19 e impedir que se infete outras pessoas.

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“No fim, o dono deu-me um talão como se eu fosse um leproso. Percebo o pânico, mas é uma situação triste e desconfortável para nós. A maioria dos casos estão relacionados com as fábricas de calçado, o meu negócio é outro.”
José Mário Sousa, comerciante

O Observador tentou contactar Nuno Fonseca, presidente da Câmara de Felgueiras, e Palmira Faria, presidente da Junta de Freguesia de Idães/Barrosas, mas até ao momento sem sucesso. Rosa Pinto, vereadora da Saúde da Câmara de Felgueiras, confirmou ao Público que a autarquia recebeu informações de que as restrições indicadas pelas autoridades de saúde não estariam a ser cumpridas.

“Chegou ao nosso conhecimento que algumas pessoas que foram orientadas no sentido de ficarem em isolamento, por terem estado em contacto com alguém infetado ou por apresentarem alguns sintomas, não estariam a fazê-lo. Demos nota disso mesmo ao delegado de saúde e já estivemos em contacto, hoje [terça-feira], com o gabinete da senhora ministra [Marta Temido], no sentido de encontrar uma forma de atuação que leve as pessoas a perceber que têm de ter responsabilidade e consciência que estas medidas são necessárias para tentarmos controlar o aumento de casos”, diz.

A mesma vereadora reconhece que “não é fácil as pessoas estarem em isolamento, sobretudo porque grande parte nem sintomas tem e acha que está bem”, mas salienta a importância deste comportamento.

Filmes, jogos e bolachas: a quarentena com os filhos em casa

Rita Silva é microbióloga e mãe de dois menores. O mais velho tem oito anos e estuda no Externato Senhora do Carmo, em Lousada, a mais nova tem três anos e frequenta a creche da Santa Casa da Misericórdia de Felgueiras. “No domingo à noite recebi, por e-mail, a indicação de que a creche da minha filha e a escola do meu filho iam fechar por tempo indeterminado, por ordem da Direção-Geral de Saúde. Liguei para o laboratório onde trabalho, no Porto, a avisar que não iria mais trabalhar. Foram compreensivos, disseram-me que as minhas faltas estavam justificadas”, conta em conversa com o Observador.

Rita está, assim, desde segunda-feira em casa com os filhos, mas também à espera de um telefonema do Centro de Saúde de Lixa, a sua zona de residência, para que lhe confirmem a sua baixa por isolamento ou quarentena. “Há alguma confusão instalada, não podemos ir a lado nenhum, tentamos resolver tudo por telefone e é complicado.”

Só tenho saído para a varanda”, revela, acrescentando que “é preciso muita imaginação” para entreter os mais novos em casa. “Ficar com eles num apartamento durante 24 horas é muito complicado. Vemos filmes, jogamos jogos, fazemos bolachas e peço-lhes ajuda para as tarefas domésticas. É assim que os tenho distraído. O mais velho sabe que está em casa porque há um vírus, a mais nova ainda não tem noção do que está a acontecer.”

Da varanda, diz ver uma padaria junto ao prédio onde vive que, apesar de estar a funcionar, tem cada vez menos clientes. “De manhã noto que existe menos trânsito de carros, só vejo idosos a passear a pé. Parece domingo.” O marido é agora o único a sair e quando regressa a casa há um ritual que não dispensa: tira os sapatos, lava as mãos e troca de roupa. O contacto com outros familiares também está a ser evitado, como a convivência com o pai, com 70 anos, “um público de risco”.

"Continuam a existir espaços abertos ao público que não são de primeira necessidade e, desta forma, ajudam à propagação do vírus, uma vez que a quarentena não está a ser respeitada.”
Daniela Magalhães, farmacêutica

“Há pessoas que estão em pânico, mas outras pensam que isto é uma simples gripe e não levam a sério as indicações. Sinceramente, acho que faz todo o sentido ficarmos em casa, não só pelas crianças, mas também por estarmos na cidade do país onde o vírus mais se manifestou. Já devíamos ter ficando há mais tempo”, defende a microbióloga, dizendo não compreender as pessoas que não cumprem as regras de isolamento.

Rita Silva parece ter antecipado a quarentena forçada e encheu a despensa com enlatados e congelados. “Na última semana muni-me de algumas coisas para a casa, agora só o meu marido pode ir comprar a fruta e os legumes frescos”, conta. Para esta mãe, quarentena não é sinónimo de férias, “quarentena é para estar em casa”. E, se isso acontecer, acredita que o Covid-19 tem os dias contados e “irá ficar controlado em Felgueiras”.

Sérgio ficou sem 10% dos seus trabalhadores e diz que há “uma histeria coletiva”

Sérgio Cunha é responsável pela marca de calçado portuguesa Nobrand, tem fábrica em Felgueiras desde 1988, sendo uma das mais antigas da região. O empresário considera que existe uma “histeria coletiva” e uma “desinformação generalizada” sobre o tema, potenciada “pelo alarmismo das televisões”. “Aqui na fábrica estamos a seguir as normas de limpeza e higiene. Todos temos que fazer a nossa parte”, defende em entrevista ao Observador.

calçado

A Nobrand é uma das marcas de calçado mais antigas e conceituadas em Portugal

HUGO DELGADO/LUSA

Desde segunda-feira, 20 dos seus 200 funcionários tiveram que permanecer em casa para tomar conta dos filhos que ficaram sem aulas. “Não sabemos como vai ser o procedimento nos pagamentos, mas isto vai sair-nos do bolso. Não acredito que a Segurança Social pague os 100%.” Felgueiras é responsável por 50% das exportações do calçado em Portugal, mas apenas a fábrica do trabalhador infetado, situada na freguesia de Idães, se encontra fechada.

O encerramento das escolas é, para Sérgio Cunha, o principal impacto em Felgueiras. “A cidade parece abandonada, não há grande movimento nas ruas”, descreve, acrescentando que “a corrida aos supermercados já começou”. “Ainda hoje de manhã fui a um hipermercado e encontrei prateleiras vazias e carrinhos completamente cheios. É um exagero”, afirma.

Máscaras e álcool em gel esgotaram na farmácia, onde há barreiras no chão e só podem estar quatro pessoas

Na Farmácia LimaLixa, na cidade de Lixa, a farmacêutica Daniela Magalhães conta que “desde que foi decretado o plano de contingência o movimento aumentou”. A procura de máscaras e de álcool em gel cresceu 90% e os produtos já esgotaram várias vezes. “Felizmente, temos conseguido repor sempre o stock”, diz em entrevista ao Observador.

Para a profissional de saúde, uma parte da população encontra-se preocupada e “ligeiramente em pânico”, embora, na sua opinião, “alguns ainda enfrentam a situação com demasiada leveza e descontração”. Daniela Magalhães considera que as pessoas que se encontram realmente preocupadas queixam-se que as medidas adotadas não são suficientes, “pois continuam a existir espaços abertos ao público que não são de primeira necessidade e, desta forma, ajudam à propagação do vírus, uma vez que a quarentena não está a ser respeitada”.

Apesar de ainda não ter atendido ninguém que apresentasse sintomas de coronavírus, a farmacêutica partilha que é a medicação para o combate de estado gripais que mais se tem vendido por ali.

Na Farmácia LimaLixa, as máscaras e o álcool em gel esgotaram, mas foram sempre repostos

MÁRIO CRUZ/LUSA

Na farmácia LimaLixa foram postas em prática algumas medidas preventivas a pensar no atendimento ao público. Ter um número máximo de quatro pessoas no local, apelar à deslocação apenas em caso de extrema necessidade, ter barreiras no chão para estabelecer o limite de proximidade ou optar pelo atendimento feito pelo postigo na semana de horário alargado são apenas alguns exemplos.

Cafés e restaurantes mantêm as portas abertas, apesar do prejuízo

Na Adega Sousa, em Rande, os almoços não têm saído tão bem e o jantar “é sempre uma incógnita”. Quem o diz é José de Sousa, trabalhador neste restaurante há 24 anos. “Somos uma casa familiar, os nossos clientes habituais são maioritariamente trabalhadores de fábricas de calçado. Notamos uma ligeira diminuição, mas nada de especial”, afirma em entrevista ao Observador, garantindo que vão manter a porta aberta. “Quem quem quiser vir será bem vindo”, sublinha.

José conhece “muita gente assustada”, mas aos 63 anos não se deixa ir pelos alarmismos. “Alguém trouxe o vírus para cá e não se portou da melhor maneira, agora é esperar e ver o que acontece.”

No centro da cidade, na Praceta do Foral, José Mário Sousa é responsável por uma pastelaria de doces tradicionais com 45 anos, um alojamento local e um café. Ao Observador, fala numa quebra de “40 a 50% nas últimas 48 horas”. “O fim de semana foi bom, mas hoje foi um dia terrível, não se passou nada, não recebemos quase ninguém.”

O comerciante nota a inibição das pessoas no cumprimento, o alarme social e a fuga aos espaços públicos e fechados. “É normal, as pessoas estão só a seguir as orientações dadas pela Direção-Geral de Saúde. Os mais velhos é que desvalorizam a situação, fazem de conta que não se passa nada.” São eles que mais têm frequentado o seu café nos últimos dias.

José Mário Sousa confessa-se preocupado com o investimento que fez no negócio recentemente e com os prejuízos que prevê ter nos próximos tempos. No alojamento local tem seis quartos e capacidade para 12 pessoas, mas os cancelamentos já chegaram. “Tínhamos um casal espanhol que reservou um quarto de domingo a quarta para ir visitar fábricas de calçado. As visitas foram canceladas e ontem decidiram ir embora. Tínhamos outra reserva de uns suecos, mas há pouco enviaram-me um e-mail a informar que já não vinham.” Este é um cenário que já representa uma perda de mais de mil euros.

No café, José tem desinfetado as mesas, as cadeiras e as maçanetas das portas constantemente, assim como todos os utensílios utilizados pelos empregados, mas nem sempre o acesso ao produto foi fácil. “O álcool desinfetante está completamente esgotado, não existe. Penso que deveria ser distribuído gratuitamente pelas autoridades. Ontem tive que ir a Fafe comprar e encontrei uma loja que vendia a 46 euros o litro. Isto é um aproveitamento ordinário e miserável para quem se quer proteger”, critica.

Foi também em Fafe que o comerciante de Felgueiras aproveitou para pôr gasolina num local onde já é conhecido há vários anos. “No fim, o dono deu-me um talão como se eu fosse um leproso. Percebo o pânico, mas é uma situação triste e desconfortável para nós. A maioria dos casos estão relacionados com as fábricas de calçado, o meu negócio é outro.”

José Mário Sousa garante que, apesar de tudo, irá continuar de portas abertas, ainda que muitos estabelecimentos vizinhos tenham restringido o horário. Sobre o futuro, acredita que caso o número de infetados aumente na zona, a situação pode tornar-se mesmo “uma tragédia”.

Uma Quaresma sem confissões, catequese e eucaristias

Joaquim Carneiro é padre nas paróquias de Vila Verde e de Borba de Godim, ambas no concelho de Felgueiras. “Esta manhã tivemos uma reunião com a vigararia em que na ata propusemos algumas medidas. O documento seguiu agora para aprovação do bispo”, conta em entrevista ao Observador.

No rol de sugestões apresentadas está a suspensão das eucaristias diárias durante duas semanas, das confissões, próprias do tempo da Quaresma, e da catequese para as 380 crianças, “enquanto as escolas estiverem encerradas”.

“Vamos manter os funerais, mas aconselhando a contenção das saudações às pessoas”, salienta o padre. Essa contenção, diz, já começou nas missas do passado fim de semana, onde a saudação da paz não existiu entre os paroquianos e na comunhão muitos optaram por receber a hóstia na mão e não diretamente na boca.

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